Capítulo 20: Mestre Hynkel
O grupo se debruçou sobre a porta tentando resolver o problema que Artus havia apontado. Não queriam estragar a porta da casa de um amigo de Dário, mas também não era possível ficarem ali dentro indefinidamente. Tinham comida para mais um dia, mas não mais do que isso. Ademais, a maior parte da água havia ficado junto às bagagens nos cavalos e não havia nenhum balde extra disponível naquela peculiar moradia.
Edriên já havia sido pisada mais de uma vez por um dos outros afobados que não a deixavam analisar a fechadura e Iarima já estava determinada a quebrar a porta, escorando o cabo da espada como alavanca contra o puxador. Artus assistia, insistindo que os outros ouvissem suas instruções e Tremblor tentava fazer Dário não brigar com a guerreira pela falta de cuidado com a casa de seu prezado mestre.
— Chega! Nós já tentamos todas as possibilidades. Uma porta não fica presa desta forma, isso é uma tranca mágica — concluiu o gigante.
— Se quebrarmos a porta, ter ou não uma tranca mágica não vai fazer diferença.
— Iarima, minha querida, se fosse possível quebrar essa porta, você já teria conseguido! — reclamou a pequena, massageando a canela machucada pelo descuido de um daqueles brutamontes.
— Acredito que o que Edriên está tentando dizer é que — Artus ergueu uma das sobrancelhas em direção a garota —, se existe algum método de abrir a porta por dentro, se tratando da casa de um mago, é esperado que não esteja à plena vista.
— Argh! — Um grito de uma voz desconhecida ecoou pela casa.
O grupo recuou assustado. Não havia ninguém além deles ali. Outras vozes foram ouvidas, em repreensão e sarcasmo. A confusão de falas as tornava indistinguíveis.
— O barulho vem de fora — constatou Tremblor.
— Mas não há ninguém. — Iarima apontou para os vitrais mostrando a clareira vazia à frente da cabana.
Até que apareceram. Primeiro três cavalheiros montados em grandes cavalos de guerra, depois mais um. O último trazia consigo um idoso sendo arrastado, suas mãos afastadas e amarradas às extremidades de um tronco puxado pela montaria. Os homens desmontaram e o cativo gemeu. A voz do grito era dele. De alguma forma os sons do lado de fora eram ouvidos de forma amplificada dentro da casa.
Um dos cavalheiros levantou o prisioneiro que mal conseguiu se colocar em pé. Dário urrou:
— Mestre Hynkel! É o Mestre Hynkel! — Sem pensar, esmurrou as janelas de vidro. Não se importava mais com a casa, a derrubaria com os próprios braços se dependesse disso para chegar a seu amigo e libertá-lo daqueles homens.
Iarima, independente de entender o que estava acontecendo, sabia que aquele homem era importante para Dário. Precisava fazer alguma coisa. Ela pegou uma das cadeiras de madeira maciça e arremessou-a com força contra um dos vitrais. Nada aconteceu.
O grupo se juntou, Luna uivando insanamente contra os homens que via do lado de fora, chorando e ganindo cada vez que via um deles ferir Mestre Hynkel. Mas não importava quanto esforço fizessem, os vitrais ou as paredes de madeira não sofriam um arranhão sequer. Os homens lá fora não apresentavam reação alguma a seus gritos.
Dário juntou os punhos à sua frente apertando os nós dos dedos. As veias nas costas de suas mãos saltaram e um brilho tão verde quanto das tochas vistas anteriormente cobriram seus punhos. Sua luminosidade aumentou apenas para desaparecer completamente no segundo seguinte.
— É uma barreira mágica. A casa inteira! — Dário gritou.
Do lado de fora, os homens vestiam longos casacos negros como a noite.
— Segure-o! — comandou o homem que parecia ser o líder. — Hynkel, vocês estão ressuscitando uma guerra desnecessária. Onde ela está? Não há mais ninguém para ela procurar.
— Eu já disse que não sei, Lakatos!
O homem alto e magro chamado Lakatos estendeu as mãos com as palmas para cima e um orbe cor de sangue foi revelado flutuando entre elas. Ele fechou os punhos e uma corrente de energia impactou o corpo de Mestre Hynkel que gritou, caindo ajoelhado.
O infeliz de orbe virou em direção a cabana e Dário reconheceu seu rosto. Nunca esqueceria o desgraçado que quase matou Luna. O mago que tinha as mãos douradas em sua blusa interna, no dia da festa, estava ali, massacrando um dos seus novamente.
— Eu estou cansado de sua teimosia, velho. Essa guerra já foi vencida! Não há como impedir o inevitável, ela vai morrer de um jeito ou de outro. Se você não disser onde a garota está, eu lhe garanto: não vou matar apenas a você e a ela. Vou revirar essa sua toca e achar os registros de um por um dos seus queridos da Resistência. É isso que você quer? Vai condenar todos a morte por causa de uma criança estúpida?
Um dos capangas desferiu um soco na cara de Hynkel que caiu ajoelhado, sua face mirando a cabana. Dentro da casa, Dário ainda socava as janelas, Luna pulava contra o vidro, Iarima e Edriên assistiam em choque sem saber o que fazer, enquanto Artus e Tremblor revistavam a casa em busca de uma pista quanto a saída.
Por um segundo, Iarima sentiu que Mestre Hynkel havia encontrado seus olhos mesmo através da ilusão da cabana. Os cantos de seus velhos lábios curvaram para cima momentaneamente e sua feição sofrida pareceu aliviada. Outro dos capangas lhe puxou um dos braços levantando-o e Lakatos franziu o cenho em busca do que havia chamado a atenção do velho mago.
Antes de ser colocado de pé, Mestre Hynkel caiu novamente, fazendo o captor precisar agarrá-lo em reflexo. Hynkel aproveitou a posição do braço do homem e o puxou de forma a encaixar o pulso dele entre as amarras e o tronco em que suas mãos estavam presas. A força que o capanga fez para se livrar foi suficiente para afrouxar as cordas apenas o pouco ainda necessário para soltar uma das mãos do mago.
Sem perder tempo, Hynkel estendeu o braço livre em direção a cabana. Movimentando rapidamente seus dedos ossudos, as palavras saíram atropeladas de sua boca:
— Hejda mitt hem!
E antes de que qualquer outro som saísse de seus lábios, uma espada atravessou a garganta de Mestre Hynkel. Os olhos idosos e cansados encontraram os de seu neto postiço. Seu cenho se elevou e seus lábios desenharam um triste sorriso antes de congelar naquela face.
— Não! — desesperou-se Dário.
Como fruto da última magia lançada pelo mago, uma bola de fogo encontrou seu destino contra as paredes da cabana.
— Ele quer nos matar? — Os olhos de Iarima se arregalaram, suas as sobrancelhas desenhando um arco para cima.
— Apaguem as chamas! O desgraçado quer destruir os registros da Resistência! — Lakatos gritou furioso e seus homens tiraram suas capas, tentando abafar as labaredas. A chama vestiu o casebre em uma velocidade impossível.
Dentro do abrigo, fumaça surgiu em linguetas por entre as frestas de madeira. A urgência do perigo eminente despertou Edriên de seu torpor.
— Joguem o corpo nas chamas! — ordenou Lakatos entendendo o que deveria fazer. Pela rapidez inatural, era claro que fogo ali era pura magia e que, para extingui-lo, seria necessária a completa destruição do mago que a criou.
A fumaça dentro da moradia tomou proporções preocupantes, o exterior já todo coberto por chamas. O grupo vasculhou cada canto da casa mais de uma vez e os mais altos precisaram se agachar para não ficar com a cabeça dentro da fumaça. Iarima começou a tossir e os demais a acompanharam não muito depois. Pequenas labaredas adentraram o lugar, fazendo com que os que estavam próximos às paredes precisassem se afastar.
Edriên continuou em sua busca. Seu instinto de sobrevivência não a faria desistir, já havia vivido situações piores. Revirando mais uma vez o armário da cozinha, a pequena reparou em um pote de vidro com formato bem distinto dos demais no balcão que separava os cômodos. Agachando-se para avaliar sua suspeita, percebeu que algo parecia estar escrito abaixo do pote, entalhado na base interna do balcão de madeira. Tentando enxergar melhor, ela retirou o pote do lugar e correu o dedo pela ranhura. Um leve "crac" foi ouvido e o que aconteceu em seguida não foi o que esperava. O chão desapareceu abaixo de si e ela rolou escada abaixo, aterrissando enfim em um cômodo subterrâneo. Ao levantar a cabeça, os dois grandes olhos que a encararam não eram nada familiares.
*************
E agora? E agora???
É uma honra te ter por aqui!
Tay.
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