Capítulo 17: Imprevisto
A viagem continuou. Conforme seguiram, o bosque que permitia que dois, às vezes três cavalos caminhassem lado a lado, agora exigia que seguissem individualmente, puxados pelos que antes os montavam. As árvores estavam mais próximas umas das outras e o caminho mais acidentado. Já estavam dentro da floresta há duas ou três horas e não havia luz alguma além daquela que emanava das tochas druídicas que Dário havia preparado. O caminho existente apenas na cabeça do druida havia tomado um rumo estranho, subindo o monte que a estrada principal se contentava em contornar à distância. O vento dançava entre os galhos, arremessando a neve acumulada nas árvores contra aquele que fosse o menos afortunado da vez, diminuindo o ânimo dos já cansados da viagem.
— Alguém ouviu isso? — alertou Edriên com olhos tão arregalados que pareciam que saltariam das órbitas a qualquer momento.
— Pela quinta vez, não, Edriên. — Foi a vez de Tremblor responder, já que Dário havia respondido das duas primeiras e Artus das duas últimas.
Não havia som algum perceptível além do lamentar do vento angustiado pela tempestade que tardava em chegar. Talvez um ruído ou outro se somavam ao barulho, mas nada que chamasse a atenção dos demais.
Iarima sentiu um toque gelado em seu rosto e levantou os olhos, xingando mentalmente a árvore que mais uma vez havia se despedido de um de seus floquinhos de neve. Contrariando suas expectativas, os inúmeros cristaizinhos flutuantes que pegavam carona no vento não vinham das árvores. 'Neve', pensou. A nevasca havia começado.
— Tenham mais atenção onde pisam a partir daqui. Não falta muito — falou Dário mais alto que seu natural, seu grave tom emanando autoridade. Ele parou a montaria onde Luna descansava e a tomou em seus braços. Diferente de todos os outros ali, ele não parecia preocupado. — É mais seguro que me sigam em fila.
Antes de alguém decidir questionar o que isso queria dizer, descobriram que não tinham escolha. O caminho havia se resumido a uma trilha apertada. O monte à direita, que até então se erguia em uma elevação amena, se apresentada agora como uma parede íngreme de neve acumulada. No lado oposto, o declive era crítico, se resumindo a uma ribanceira de gelo. Sua superfície branca era riscada por poucas árvores alguns metros abaixo e, após elas, a escuridão ocultava o que quer que existisse fora do alcance do brilho das tochas.
A ordem em que seguiam era: Dário liderando com Luna nos braços, Shaika, Edriên, que não queria andar perto de Dário, Tremblor, Moatah, Iarima, cavalo de Iarima, Artus e cavalo de Artus.
A nevasca já havia começado intensa, tornando o frio mais perigoso. Se não encontrassem abrigo, iriam congelar e não demoraria muito. O paredão de neve logo acima deles lembrava a qualquer um, que entendia como a neve acumulada reagia aos estímulos, que falar naquele momento não era inteligente. Todos, exceto talvez Dário e, estranhamente, os cavalos, estavam cansados e tensos. Seus pés estavam gelados e já não sentiam os dedos. O rosto ardia, o vento congelante invadindo as narinas trazia uma sensação desconfortável e irritante. Com a soma de todos os fatores desfavoráveis, não deveria ter sido uma surpresa quando um deles pisou em falso e escorregou em direção ao barranco abaixo.
— Aaaah!
Num piscar de olhos, Artus mergulhou habilmente entre o pouco espaço disponível ao lado de seu cavalo. Vencendo a distância numa velocidade inesperada para qualquer mortal, ele não teve dificuldades em alcançar Iarima, segurando-a por baixo de seus braços. Deitado ao chão no espaço onde ela estava antes de cair, ele a abraçou, conseguindo impedir que ela deslizasse ainda mais. Sem apoio, ele não conseguiu se levantar e o gelo da encosta fez com que Iarima escorregasse ao tentar subir de volta.
A trilha estreita impedia que Dário ou Tremblor viessem em socorro. Os cavalos ocupavam a maior parte do caminho e o humano e o meio-druida vestindo uma armadura completa eram grandes demais para passar. Dário decidiu colocar Luna no chão, soltar a tocha e enfiar os braços na neve em busca do solo.
— Urh... Uma ajuda aqui seria apreciada... — Artus sentiu seu corpo deslizar puxado pelo peso de Iarima e pela falta de atrito com o chão gelado.
Edriên suspirou enrugando a testa e estreitando os olhos. Afastando Tremblor para a parede de gelo com um dos braços, ela passou pelo cavaleiro e se abaixou ao chegar a Moatah. Não foi muito difícil para a pequena magrela passar por baixo do cavalo entre ela e os colegas.
— Não sei o que posso fazer aqui — disse acocorando-se ao lado de Artus, tentando ser mais um braço a puxar Iarima. — Não dá. Está... escorregando muito! Aii!
Mais dois palmos foram percorridos, agora com Edriên indo junto.
— Dário, eles estão escorregando! — Tremblor virou-se para Dário com olhos arregalados e as mãos espremidas em punhos cerrados.
— Eles estão em uma rocha! Eu não consigo... — Dário travou sua mandíbula e as veias de seus braços e têmporas começaram a se destacar. Entendendo que seu plano não era possível por estarem em uma área em que não havia solo, Dário trabalhou em uma segunda estratégia.
Mais alguns centímetros puxaram os três. O peito de Artus estava quase completamente sem apoio, em poucos momentos ela e as donzelas seguiriam para uma queda possivelmente fatal.
— Aaahh, o que que é isso!? — apavorou-se Iarima. Ela sentiu algo enrolar em seu pé e começar a subir por sua perna.
— Ai, o que que é o que?! — Edriên soltou Iarima no susto e caiu sentada no chão. Empurrando o solo com os pés, traseiro e mãos, ela se afastou rapidamente, seus olhos esbugalhados. Sem o apoio de Edriên, Artus escorregou mais um pouco.
— Êdrien, segura-me! É uma planta, é só uma planta!
A pequena respondeu tentando agarrar Artus pelo cinto que prendia a bainha de sua espada, mas não tinha muita convicção em ficar ali por muito mais tempo.
— Eu não gosto de plantas! — Edriên fechou os olhos tentando não lembrar de todas as histórias que já tinha ouvido sobre plantas assassinas. Uma boa técnica era se concentrar em sua fome. Ela ainda não havia comido e Artus não podia morrer sem que ele garantisse a comida que ele tinha dito que comeriam mais tarde.
A hera alcançou o tronco de Iarima e seguiu se espalhando pelo espaço onde o corpo da moça tocava a neve abaixo de si.
— Tira essa planta de mim!
— Isso é para ajudar, Iarima! Não se mexa! — assegurou Tremblor. Ele suava em suas têmporas, mas não queria acreditar em outra opção. Vendo Dário concentrado, com as sobrancelhas quase se tocando e com o olhar estático para a escuridão bem abaixo de onde Iarima estava, a única resposta plausível era que o druida era o responsável por aquilo. Só podia ser ele.
A hera revestiu a pedra por baixo do corpo da guerreira. O emaranhado verde cresceu suas gavinhas e alcançou Artus, passando por seus ombros e se enroscando em seu corpo. O elfo foi abraçado por ramos retorcidos e pequenas folhas, até que a planta mergulhou de novo na neve e chegou à rocha, entrelaçando-se nas suas rupturas.
Edriên estava em pânico. Ela largou Artus e ficou de pé antecipando-se a possível aproximação dos tenebrosos e sinistros galhinhos.
Percebendo-se firme, Iarima soltou Artus e fincou os dedos por entre o emaranhado de raízes e caules que tinha agora abaixo de si. Tendo essa estrutura como apoio, ela subiu o barranco até chegar ao chão plano e desabou sentada e ofegante entre Artus e Edriên. Esbaforida, assistiu a hera se recolher e libertar o elfo de seu trançado de galhos. Tendo completado sua missão, o emaranhado se estagnou, ficando agora tão estático como qualquer outra planta.
Artus se aprumou, sentando e massageando os braços. Edriên escorregou pela parede de gelo às suas costas levando a mão a testa, secando o suor. Os três sentados no chão ficaram se olhando, os olhos alarmados, a respiração mais rápida que o normal. Iarima suspirou e Edriên riu. Artus levantou as sobrancelhas mirando a pequena e um sutil sorriso se formou apenas de um lado de sua boca.
— O que está olhando? — Edriên enrugou a testa.
Artus não teve a chance de responder.
— Vamos! A nevasca não vai melhorar — anunciou Dário já com Luna nos braços.
Provavelmente pela adrenalina recém liberada, o grupo terminou aquela parte da travessia de forma rápida. Em um novo desvio, embalaram em uma descida menos pesarosa. A visibilidade diminuiu bastante, as tochas druídicas estavam bem mais fracas desde o episódio da invocação das plantinhas salvadoras. Estranhamente, o nível de neve diminuiu, a profundidade em que seus pés afundavam se tornava menor a cada passo dado. Apesar da nevasca continuar tão forte quanto antes, a temperatura era, de alguma forma, menos terrível.
O grupo atravessou mais algumas árvores e chegaram a uma clareira. Naquele novo espaço, a iluminação estava bem ruim, mas podiam jurar que não havia neve alguma ali. Inúmeras pedrinhas circulares cobriam todo o chão visível e, acima delas, uma fraca neblina flutuava agourenta. O barulho do atrito das pequenas rochas ao serem pisadas era engraçado e incomum. Mais alguns metros a frente, não havia nada além de uma escuridão profunda, sem árvores ou o que refletisse a luminescência das tochas. Um ruído constante se somava ao vento. Se antes não era possível distingui-lo, agora soava notório e alto. A temperatura, sem dúvida, era bem menos fria.
— Venham — chamou Dário na dianteira da empreitada. O grupo o seguiu de perto, a área espaçosa o suficiente para isso. O espaço escuro a frente era intimidador, o que gerou a sensação de urgência em não se afastarem uns dos outros.
O druida seguiu para o que pareceu ser uma enorme parede de pedra brotando do monte. As pedrinhas permaneciam ali, cobrindo o chão de toda aquela extensão. Sem andar muito, ele alcançou uma grande abertura na rocha.
— Uma caverna — constatou, Artus, entortando os lábios. Lugares dentro da terra não eram muito apreciados por elfos. — Dário, tens certeza de que essa é uma boa ideia?
— Não vai achar um abrigo melhor que esse, eu lhe garanto.
'Duvido', pensou Edriên lembrando da ideia da hospedaria à beira da estrada.
A abertura era grande o suficiente para dois cavalos entrarem lado a lado. Seguindo Dário, todos adentraram a caverna. Ela era ampla e, ao percorrê-la um pouco mais, não muito distante, se expandia de tal forma que as tochas não eram suficientes para iluminar nem sua altura, nem sua profundidade. Para surpresa de todos, a temperatura dentro da caverna era morna, quase quente. O chão era praticamente plano, pouco acidentado e as paredes de pedra se erguiam imponentemente até onde seus olhos conseguiam alcançar.
— Vamos dormir aqui. Não dá para pegar nada na floresta para comer nessa nevasca, vamos ter que se virar com o que temos até pela manhã. — Dário colocou a tocha que tinha em mãos sobre uma pedra, acomodou Luna no chão e deu alguns passos, inspirando o ar de forma animada.
A temperatura sem dúvida era uma surpresa agradável. O cheiro era de terra e umidade, mas não era ruim. Na verdade, era bem mais confortável do que respirar o vento congelante de poucos minutos atrás. Ninguém pareceu ter forças para questionar Dário, estavam mais preocupados em comer e dormir. Se nada acontecesse até terminarem de se alimentar e montar acampamento, era ali que iriam ficar.
O grupo comeu as reservas que estavam estocadas nas bolsas dos cavalos. Com as capas jogadas em algum canto e suas bocas cheias, mal perceberam que Dário já tinha saído e voltado com água, primeiro para os animais e depois com os dois odres-reserva cheios.
Iarima, pelos olhos de Julia K.
O cansaço e o calor não os lembraram que precisavam de uma fogueira. Um depois do outro, sem grandes preparações, do jeito que estavam, dormiram.
*********
Clica na estrelinha pra ajudar Luna a acordar melhor, minha gente!
Até o próximo capítulo (que é o meu preferido s2)!
Tay.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro