Capítulo 15: A filha do escudeiro (Parte I)
— Fortaleza? Prezado, você não entendeu. Eu não quero nada com essa gente. Nada! Eu queria saber o que tinha acontecido com eles, você me contou. Fim. Fique tranquilo que eu sei me cuidar muito bem.
— Lady Tordefort, me perdoe, mas quem não entendeu foi você. A milady já está sendo caçada. A lenda diz que o descendente direto dos magos tem o poder de encontrar a Pedra de Cális e é o único que pode protegê-la dos que a querem libertar. Isso faz de você um alvo.
— Aham... — Artus limpou a garganta. Pela primeira vez havia identificado algo que não se encaixava na narrativa, porém, devia apenas se tratar de um engano em sua interpretação. Tão ilustre cavaleiro com uma missão tão digna poderia ter trocado uma palavra por outra em um momento grave como aquele. Num tom apaziguador, o elfo continuou: — Desculpe, nobre Tremblor... tinhas dito que Iarima era filha do comandante da guarda, não descendente dos magos...
— Sim, exatamente, Sir Silverblade...
— Resolvido. Como todos bem ouvimos, eu sou apenas filha dos escudeiros. Além disso, eu nunca ouvi falar de pedra nenhuma, sou inútil para sua missão. — respondeu malcriada, enfiando mais um pedaço de pão na boca.
Ouvir que a última sobrevivente da família que Tremblor buscava há tanto tempo era "apenas filha dos escudeiros" fez o meio-drow inspirar pesadamente. Uma veia em sua têmpora direita se sobressaiu e ele fechou os punhos espremendo os nós dos seus dedos para apaziguar a frustração de lidar com um serzinho tão teimoso e ignorante de tudo que estava em jogo ali.
Iarima nem se dignava a olhar em direção ao seu interlocutor. Tremblor contornou a mesa e parou de frente para onde estava sentada. Curvando-se, colocou as duas mãos em cima da grossa mesa de madeira e, apostando as últimas gotas diplomáticas que lhe restavam, tentou explicar a situação de forma que ela entendesse:
— Milady, me ouça. Você pertence à uma das famílias de alto escalão que servia ao clã de magos. Sua família jurou dedicar suas vidas a servi-los. Isso significa que, enquanto estiver viva, você também está ligada a eles pela magia do juramento feito. A milady não é capaz de encontrar a pedra, mas a magia que está em seu sangue é capaz de encontrar o herdeiro. Você é a chave para encontrarmos aquele que pode resolver toda esta guerra!
— Mas isso também significa que, se um inimigo habilidoso chegar até ela, ele terá esta guerra em suas mãos... — ponderou Artus devagar e seriamente, olhando Tremblor por baixo de suas sobrancelhas. Voltando-se para Iarima, ele verbalizou sua urgente conclusão: — É por isso que precisamos levar-te logo à fortaleza, Iarima!
— Me perdoe por desapontá-los, mas eu não sei onde está herdeiro algum.
Por um micro segundo, as pupilas de Tremblor dilataram. Ele inspirou novamente, mais devagar que da vez anterior.
— Pois bem. Milady, pela última vez, você não precisa saber onde encontrar o herdeiro. Seu sangue sabe. Um guardião da Resistência tem o poder de, através de você, rastrear o protetor da Pedra de Cális. Na verdade, não só de encontrar ele, mas todos os ligados à magia de seu tempo, incluindo, talvez, alguém de sua família que tenha sobrevivido.
— Não! — Iarima esmurrou a mesa. Quem era aquele infeliz vestido em uma armadura pomposa para ainda querer insinuar que alguém estava vivo? Quem era ele para sequer querer fazê-la alimentar essa inútil esperança? — Vá pedir pra Argmud ou Lyah irem com você, se qualquer empregado serve!
Artus abriu a boca mais uma vez para intervir, mas conteve suas palavras ao ver Dário se levantando e indo em direção à Tremblor, que também notou o movimento. O druida parou de frente para o meio-drow e, cruzando os braços, o encarou:
— Se está difícil de entender, eu traduzo. Ela não quer ir. Agora, o que você quer fazer quanto a isso?
Artus arregalou os olhos, a paz estava em xeque mais uma vez! Iarima levantou as sobrancelhas. Alguém a tinha entendido! Edriên, por sua vez, abriu mais uma garrafa.
Tremblor estreitou os olhos estudando o homem a sua frente. Ele era grande, mas acabara de se provar muito burro. Ou ter algum trunfo absurdo escondido. Seja qual fosse o caso, eles estavam perdendo um precioso tempo que poderiam lamentar grandemente em um futuro próximo. Ele precisava pensar em uma solução mais rápida para o empasse. Levantando ambas as mãos, mostrou suas palmas vazias para Dário numa atitude simbólica de que não buscava conflito.
— Milady, os Kenaua eram servos dos Tordefort, não dos magos. A magia não funcionaria com eles... — Ele recuou um passo para se permitir ver novamente o rosto de Iarima e, num tom quase pesaroso continuou: — Se realmente não deseja seguir até a fortaleza de sua família, existe um guardião que podemos procurar não muito distante daqui. A magia será feita rapidamente e a milady poderá prosseguir como desejar.
Dário olhou pra Iarima, que não pareceu demonstrar aversão imediata à ideia. Tremblor continuou:
— O guardião se chama Melf Hynkel, talvez tenha ouvido falar dele. É um conhecido mago na região, apesar de sua aliança conosco ser sigilosa.
— Mestre Melf Hynkel? — questionou Dário levantando as sobrancelhas.
— Conhece, Dário? — perguntou Iarima.
É claro que Dário conhecia Mestre Hynkel! Era um antigo aliado dos druidas e um mentor respeitado. Como não havia pensado nele? Era uma ótima referência para conversar sobre todas as estranhas alianças, além de poder consultá-lo sobre o estado de Luna. Luna! Na confusão, esqueceu-se dela. Mestre Hynkel não podia apenas avaliá-la, mas também tratá-la caso uma intervenção arcana fosse necessária.
— Mestre Hynkel é um homem digno, Iarima. Um mago muito correto e justo, além de um bom amigo. Se ele está associado a tudo isso, deve ser algo de grande importância, realmente. Se é ele mesmo, fico até feliz em acompanhá-los até lá.
— É uma viagem curta, não leva mais de dois dias até a sua casa, a noroeste daqui. — acrescentou Tremblor, esperançoso em finalmente poder continuar sua jornada.
— Sim, é esse mesmo o caminho — aprovou Dário.
— O destino se prova ao nosso lado! — disse Artus com o brilho de seus olhos renovado. — Lady Iarima, já lhe prometi minha existência em proteção a seu destino. Pode contar com minha espada e com minha vida, se necessário! — E ao fim de suas palavras, a coreografia do elfo ao se curvar e trazer um dos braços em círculos graciosos no ar demonstraram seu alto grau de comprometimento em sua palavra.
Lá do balcão onde estava, Edriên levantou duas garrafas, uma em cada mão:
— Eu só espero que a comida seja boa! — E o ritmo alterado da fala anunciou que já tinha bebido mais que seu pequeno corpo permitia.
Iarima suspirou. Que mal poderia acontecer em encontrar um velho mandinguento? Era só ir lá, fazer o que fosse e acabou. Pronto. Aquele capítulo de sua vida estaria concluído. Na pior das hipóteses, teria mais algum tempo com aqueles improváveis companheiros de viagem que havia conseguido. E, lá no fundo, ela ainda não estava pronta para se despedir deles.
Levantando-se da mesa e prendendo a bainha de sua espada larga às costas, a jovem anunciou:
— Que seja assim. Vamos encontrar esse mago e acabar logo com isso.
*********
E aí, gente??? Que será que vai dar?
Obrigada por continuar por aqui! Me conta o que você está achando, está fazendo sentido de alguma forma? Está longe do que você esperava? Me conta, quero saber. :)
Até a próxima.
Tay.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro