Capítulo 10: Derrota
A festa tinha terminado, pelo menos para alguns de seus convidados. Artus finalmente identificou a carruagem que alugou e a adentrou, cabisbaixo. Para sua surpresa, Iarima, Dário e Luna já se encontravam no veículo.
Dário estava sujo e o canto esquerdo de sua boca sangrava. Parecia ter levado uma surra. Luna parecia ainda pior, seu pelo branco estava marcado por muita lama. Deitada no colo de Dário, ao menor movimento de seu amo a loba gania em dor.
Iarima parecia já estar habituada ao som pois não tornava seu rosto, mesmo ao mais agudo dos gritos da peluda. Mesmo com o rosto imóvel, mirando a janela oposta a seus companheiros, a luz vinda da parte externa refletia o rosto molhado da garota, as lágrimas lhe banhavam toda a face.
O elfo pensou por um segundo em perguntar o que havia acontecido, mas decidiu se calar. Como ele, todos ali haviam sido derrotados, palavras não eram necessárias para assegurar aquela certeza. Nunca havia imaginado que seria tão traído. Fora completamente vencido por sua ingenuidade.
— Pode seguir! — comandou o elfo para o cocheiro. Respondendo ao olhar de Dário, o elfo acrescentou em uma voz resignada: — Edriên se despediu, mandou-lhes lembranças.
O caminho para a hospedagem seguiu silencioso.
Apesar das poucas horas de sono, ninguém ali pareceu conseguir dormir. Às primeiras horas do dia, todos estavam prontos para partir. Em um último trajeto juntos, devolveriam suas roupas ao alfaiate e cada um seguiria seu destino.
Iarima estava ainda mais silenciosa. Mantinha os olhos altivos, a cabeça erguida, mirando o caminho à sua frente. Vez ou outra, uma lágrima teimosa escorria pelo seu rosto. A jovem preferia fingir que não as percebia.
Havia sido abandonada, afinal! Quão romântica e estúpida não pareceu aos olhos de Agon? Tinha raiva de si mesma por sequer ter pensado amar pais como aqueles. Como poderiam tê-la deixado com aquelas pessoas? Que maldição seria tão terrível a ponto de a odiarem daquela forma? Todos aqueles anos... Entendia agora o silêncio de Lyah... Ela morria de medo da criança que cuidava.
'O que eu podia lhes fazer de mal? Todos esses anos? O que eu poderia lhes fazer?'
Dário não estava tão diferente. Em seu silêncio, carregava Luna nos braços. A loba gemia a cada passo, mas continha-se bravamente.
'Loba idiota, eu podia ter enfrentado ele sozinho! Um velhote soltador de raios! Como você foi tão estúpida?'
Apesar de tentar se distrair amaldiçoando a loba, o druida odiava-se naquele momento. De que adiantou todas as suas habilidades se foi inútil diante da magia que corroía a irmã? Sua única opção era esperar até que o feitiço perdesse seu efeito.
Artus caminhava respeitando o silêncio à sua volta. Não tinha qualquer motivo para tentar alegrar aquelas pessoas, pois ele também não estava feliz. O que faria agora também lhe era uma incógnita. Não tinha trabalho algum em vista, nenhuma festa... Também não tinha nenhum ânimo para aquilo tudo, afinal.
Depois de uma caminhada relativamente curta, chegaram à casa do alfaiate. O grupo foi recebido com alegria pelo senhor já conhecido deles. Os embrulhos entregues foram repassados para sua esposa conferir o estado das roupas. Enquanto isso, o negociante tratou de mostrar as roupas que estava costurando, pensando já em oferecer-lhes uma ou outra peça.
— Obrigado, bom homem, mas estamos com pressa. Verifica o quanto devo, temos de partir logo — disse Artus com uma impaciência que não lhe era comum.
— Oh, sim... Se é o que deseja. Vou precisar reparar a túnica e a farda halfling. Além disso...
'A farda! Então Edriên devolveu ao menos as roupas'
— São três moedas de prata. Ah, já estão incluídas as roupas de sua amiga.
Artus olhou pra Iarima intrigado. Havia pagado adiantado o aluguel do vestido... De que roupa o alfaiate estava falando?
— A-ha! O que acharam? Aposto que meu bom gosto os surpreende! — falou uma vozinha de criança.
Queixos tombam, mas ninguém se mostrou mais perplexo que Artus! Edriên continuava vestindo calças, mas estas eram de algum modo diferente. Não parecia mais um garoto vestido com largas roupas de adulto, o corte do traje permitia com sutileza suas formas femininas. Talvez agora era uma adolescente vestindo calças? O seu tradicional rabo-de-cavalo continuava, mas Edriên havia deixado duas mechas de cabelos soltas a partir da nova franja que usava. Afinal, não queria que pensassem que ela era casada com o elfo.
— Ora, por que este silêncio? Artus, aceitei sua oferta. Agora vamos, sua primeira missão é pagar minhas roupas! As antigas já me eram muito velhas...
O elfo conteve seu sorriso. Estendeu as mãos para o alfaiate, pagando o pedido.
Dário e Iarima tinham caretas em lugar da face. Desde quando Edriên era mulher? A pequena tagarela se divertiu contando histórias sobre a arcana que a havia transformado, depois, desmentindo tudo, iniciou outra história dizendo que ela era um dos últimos metamorfos existentes, raça muito famosa por conseguir mudar de forma a seu bel prazer. Acabou-se em rir e iniciou mais uma versão sobre sua transmutação.
Artus não demonstrou, mas estava muito feliz em ter Edriên de volta. Sua animação era contagiante e se expor como mulher era uma prova da confiança que a pequena depositava no elfo, afinal.
Mesmo não estando tão animados quanto o elfo, Artus os convenceu de que deveriam tomar seu café juntos, como despedida, já que Iarima e Dário seguiriam seus destinos.
A taberna que adentraram estava completamente vazia. Era muito cedo para seus frequentadores. Artus pediu o mais robusto café. Olhando para os presentes, o elfo se entristeceu ao pensar que seguiriam caminhos distintos. Os últimos dias haviam sido divertidos, apesar do final da última noite não ter sido o dos melhores. Intimamente, todos partilhavam com mais ou menos intensidade o mesmo sentimento, mesmo que não o identificassem.
Escolhendo uma das mesas no final do estabelecimento, todos comeram, ainda que silenciosamente. Edriên sentiu o clima tenso e não passou de um ou dois comentários divertidos.
Em meio a sua refeição, uma imponente figura surgiu. Um cavaleiro vestindo uma pesada e completa armadura de batalha adentrou ressoando o metal que pisava. Sua armadura finamente trabalhada era ainda mais chamativa por sua cor. Era negra como a noite.
O grupo percebeu o recém-chegado com um certo desconforto. Sua presença causava medo. O guerreiro conversou com a senhora no balcão e ela apontou para a mesa em que os quatro se encontravam.
O cavaleiro negro seguiu até deles. Há poucos metros de distância, ele se direcionou ao elfo:
— É Artusiaslin Silverblade?
Artus levantou-se. Qualquer um que o conhecesse pelo nome mereceria sua respeitosa atenção.
— Sim, sou quem dizes — respondeu cordial. — Poderias... — O cavaleiro tirou seu elmo e Artus perdeu as palavras.
O cavaleiro tinha um rosto esbelto, os olhos firmes e orelhas tão pontudas quanto Artus. Podia-se dizer que ele conseguia ser até mais bonito que o elfo! Porém, não fora isso que o emudeceu. Aquele ser tinha a pele de um tom cinza escuro, seus cabelos brancos e compridos. Seus olhos tinham o intenso tom de sangue.
Artus recuou, pronto para uma batalha. Leva sua mão à bainha e encontrou o vazio, suas armas estavam junto a sua mochila, do outro lado da mesa.
— Drow! — gritou em alerta aos demais.
Os drows eram o povo caótico mais temido. Sendo primos distantes dos elfos, ao invés de celebrar as belezas da vida como seus parentes, seu prazer era o inverso. Divertiam-se com a morte, tendo criado as mais terríveis formas de tortura. Sua crueldade inspirava assustadoras histórias. Sua inteligência e sua covardia fria era o que os tornava tão odiados.
Todos tomaram uma postura de defesa. Mesmo que Iarima não tivesse idéia do que o elfo falou, sua atitude seria a de defender os seus, independente do tempo que os conhecia.
O elfo de pele escura não respondeu fisicamente à sua recepção. Seu olhar pareceu até magoado, mas tratou de manter seu tom cordial:
— Devo estar muito bem barbeado para ser de tal forma confundido com um drow. Talvez deixar crescer uma barba me poupe de problemas futuramente. Sou Tremblor Augustine, servo de Regykall, nascido no triste reino de Ildebrand, mas salvo pelo destino por um arcano que me criou em Breatin. Nunca conheci minha mãe humana, mas como podem ver, tenho a trágica certeza de que meu pai era um drow. Agora, quanto ao que iria perguntar antes de minha aparência nos interromper, o que seria?
Tremblor não era apenas belo, mas também carismático. Seu domínio da situação embaraçosa mostrou que tinha alguma experiência em lidar com sua "herança".
Artus o olhou desconfiado. Por todas as histórias que conhecia, se o drow, ou melhor, meio-drow, realmente lhes desejasse mal, todos ali já estariam mortos.
Iarima manteve suas mãos às costas, pronta para desembainhar sua espada larga. Como Artus não respondeu, Iarima adiantou-se:
— Algum problema, Artus? — Iarima estudou as feições do colega. Talvez o drow já o tivesse enfeitiçado e ele ficou mudo! Na menor expressão que o elfo fizesse permitindo o ataque a jovem se lançaria contra o visitante.
— Apenas um mal entendido — continuou Tremblor. — Creio que a maioria dos elfos, como vocês, tem essa mesma reação, mas acredite, não me sinto bem em ser um filho bastardo de um drow escravagista. Se lhes serve de consolo, pelo pouco que minha mãe adotiva me contou sobre a morte de minha mãe, o drow que era meu pai já não está mais entre os vivos. Talvez vocês tivessem realmente algum motivo a me temer, se eu tivesse sido criado por ele. Mas minha mãe salvou-me duas vezes, ao me entregar com o que restou de suas forças para minha mãe adotiva.
Pelo plural que usou, Tremblor entendeu que Iarima se tratava de uma elfa, seus cabelos não mostrando suas orelhas redondas. Além disso, pela experiência do meio-drow, os elfos que andavam desgarrados de seu povo se mantinham em casais, aplacando assim a solidão que sentiam por não estarem junto aos seus.
— Entendo... — Artus se recompos. — Peço desculpas, não é fácil ver um meio-drow a andar em reinos humanos sem se assustar. Por que não te sentas conosco? Por favor, perdoa meus modos rudes e junta-te a nós. Procuravas-me, então?
— É um prazer conhecê-lo, Silverblade. Acredito que pode me ajudar. — Tremblor olhou para trás, certificando-se de que não havia mais ninguém para ouvi-lo. A jovem que o atendeu fugiu assim que ele retirou seu elmo.
Edriên se agitou em seu assento. Era só contar uma história triste que o elfo desmanchava-se em amores? Que amigo mais imbecil havia arranjado. O que se passava na cabeça dele ao deixar um parente de drow sentar-se com eles?
Dário manteve-se em silêncio, analisando o visitante. De fato, aquele não era o feitio de um drow. Porém, sua inteligência era famosa, quem não garantia que aquela era uma estratégia para capturá-los como escravos? Para seu alívio, Luna havia ficado fora do estabelecimento. De todo o mal que poderiam sofrer ali, ao menos ela estaria a salvo.
— Creio que mantém apenas pessoas de confiança à sua volta, não preciso preocupar-me com o quer for dito aqui, correto?
— Claro. Por favor. — Artus encorajou gesticulando para que continuasse.
Tremblor abaixou seu tom de voz. Olhou por baixo das sobrancelhas para o elfo, falando como se o mundo inteiro dependesse da informação que buscava.
Outra versão de Dário, pelos olhos de Grazie P.
— Estou em uma missão de importância incomensurável. Procuro uma pessoa, já a procuro há anos. Ela pertence a um importante clã, muito respeitado pelo destino que guarda. Um terrível mal acordou e esta família é a chave para a sua destruição. Infelizmente, nosso inimigo é tremendamente ardiloso e todos do clã que conhecemos já foram mortos. Todos, menos um. A pessoa que procuro é a última sobrevivente de sua família.
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E a trama se complica...
Obrigada por sua leitura! Que bom ter você nesta jornada. :) Não esquece de deixar seu voto e fique a vontade pra comentar o que vier a mente! Além de ser ótimo pra eu saber se estou construindo a história da melhor forma, também ajuda a divulgá-la à mais pessoas.
Que os ventos de Atreia só te tragam boas coisas e até o próximo capítulo!
Tay.
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