Capítulo um
A velha senhora Edwirges encontrava-se na sala de sua casa, reunida com seus três únicos netos: Rebeca, Lucas e Guto, contando-lhes aquilo que considerava ser o maior tesouro de sua família: as histórias do passado.
— Pode até parecer que não, mas há muita coisa nesse mundo que as pessoas não conseguem compreender ou explicar. Os monstros não vivem debaixo da cama. — afirmou a velha senhora e, ao colocar suas mãos na cabeça e sobre o peito, continuou. — Eles vivem aqui e aqui. Eu vi coisas que muitas pessoas duvidam, presenciei cenas que ninguém acreditaria. Dos poucos arrependimentos que tenho em vida, o maior é, decerto, não ter conseguido superar os meus traumas e vencer os meus monstros. — concluiu, com uma expressão facial indecifrável.
Dona Edwirges é uma senhora de oitenta e nove anos. Morena, baixinha, magra, mas muito astuta e esperta para a sua idade. Vive sozinha, em uma pequena fazenda localizada ao norte da cidade de Monte Esperança. Passou sua vida toda naquele lugar e, por razões que apenas ela conhecia, jamais arredaria os pés dali. Nas férias, os seus netos a visitavam e passavam, ao menos, duas semanas com ela. Os pais das crianças quase nunca tinham folga do trabalho e, nas poucas vezes em que conseguiam tal feito, sempre era no período letivo dos filhos. Por esta razão, no mês das férias, as crianças iam para a fazenda da avó, afinal este era o único lugar o qual os pais confiavam em deixar-lhes. Este ano como de costume, os três netos de Dona Edwirges foram passar o verão na fazenda. Guto, o irmão mais velho, tem catorze anos, cabelo ondulado, olhos castanhos e o corpo bastante magro. Lucas, ao contrário do irmão, é bastante robusto, tem treze anos, cabelo liso, olhos castanhos. O garoto é completamente apaixonado por comida, sempre está com algum alimento em mãos. Rebeca, a irmã caçula, tem apenas onze anos, mas preserva, em si, uma maturidade invejável. Têm olhos castanhos, a pele morena, como a da avó, corpo razoavelmente magro e os cabelos cacheados, que mais pareciam lindos caracóis, como sua mãe sempre lhe dizia.
— Ah, vovó, a senhora deve estar achando que nós somos muito bobos para acreditar nessas histórias da fazenda, não é? — indagou Rebeca, dando uma inesperada gargalhada que, por sua vez, também arrancou risos de todos que estavam ali naquela sala.
— Daqui a pouco, os monstros entram por aquela porta e acabam comendo o teu cérebroooo. — bradou Lucas, arrancando mais sorrisos dos irmãos.
— Se os monstros dependessem do teu cérebro para sobreviver, Lucas, morreriam de fome procurando. — disse a caçula dos Malter, arrancando sorrisos de todos.
Lucas, mesmo dando risadas do comentário da irmã, não o tinha compreendido. O garoto nunca se esforçava nas obrigações escolares e, entre os irmãos, tinha fama de desatento. Rebeca sempre dizia que o irmão tinha um raciocínio lento, por isso que ele nunca rebatia as ofensas que os outros faziam. Dona Edwirges, vendo que os netos não deram tanta importância na sua história, decidiu que era hora de encerrar o assunto.
— Vocês são fogo mesmo, crianças. Já não se amedrontam com nada. As histórias dessa velha aqui não surtem mais efeito em vocês. — concluiu, esboçando um sorriso bobo, mas um tanto constrangido.
As crianças ainda ficaram conversando por um tempo com a avó, contando as histórias da vida na cidade, as confusões e encrencas em que se metiam na escola, o desenvolvimento nas aulas e provas e, inclusive, sobre uma possível namoradinha de Guto que, segundo ele, não passava de uma colega de turma, nada mais do que isso. As horas passaram voando e quando os quatro menos perceberam, já tinha anoitecido. Agora, eles estavam todos sentados à mesa, comendo a deliciosa e famosa sopa de frango da Dona Edwirges, conhecidíssima na família Malter. A velha senhora aprendeu a receita com sua mãe, mas a aperfeiçoou, conquistando o paladar de todos que provaram da sopa até hoje. À mesa, só se ouvia o mastigar de Lucas que, quando comia, parecia estar saciando a fome de dias. Dona Edwirges, inquieta com a situação, se manifestou.
— Lucas, precisa de toda essa pressa, meu filho? Ainda há bastante sopa em seu prato e na panela e, além disso, a comida não vai sair correndo da mesa. — brincou, embora estivesse um pouco impaciente.
— Mas é justamente por isso que ele sempre come rápido, vovó, para poder repetir o quanto antes. — bradou Guto, lançando um olhar de desaprovação na direção do irmão.
— Ai, ai, esse menino não muda nunca. — comentou Dona Edwirges, sorrindo.
Há muito tempo a velha senhora não se sentia assim, tão feliz. A presença dos netos, de fato, a alegrava, já não se sentia tão solitária. Os quatro terminaram o jantar, após Lucas ter repetido por mais duas vezes. Depois de lavarem a louça, ficaram jogando banco imobiliário por algum tempo, mas não custaram a guardar o jogo. Em seguida, as três crianças dirigiram-se ao quarto, para deitar-se. Dona Edwirges, no entanto, permaneceu na sala. Ela estava acostumada a dormir em sua rede e não a trocava por nenhum colchão.
Como estavam muito cansados, devido o dia corrido que tiveram, Guto e Lucas logo adormeceram. Rebeca, que estava um pouco incomodada com o calor que fazia naquela noite, estava demorando a pegar no sono. Ficou deitada em sua cama, fitando o teto do quarto, relembrando o dia cansativo que tivera. Tudo tinha sido exaustivo e o que ela mais precisava, naquela noite, era dormir tranquilamente. Alguns minutos se passaram e quando o sono finalmente pareceu te chegado, a garota começou a ouvir uma voz estranha chamar por seu nome, desordenadamente.
— Rebeca... Rebecaaa... precisa vir até mim, Rebeca... venha até mim...
— Vovó? — respondeu Rebeca, sentando-se na cama e direcionando o olhar para a porta do quarto. A garota queria certificar-se de que a avó não precisava de algo. Não recebendo nenhuma resposta por algum tempo, Rebeca decidiu deitar-se, até que ouviu a voz pela segunda vez.
— Rebeca... Eu preciso de ti... venha até mim, Rebeca... venha até mim...
Agarota levantou-se da cama, preocupada com a avó que, aparentemente, estava precisando de ajuda. A passos lentos e cuidadosos, ela foi caminhando em direção à porta do quarto. Quando estendeu seu braço, para alcançar a maçaneta, sentiu uma mão fria tocar seu ombro, fazendo-a arrepiar por inteira.
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