Capítulo dez
- Beca, nós sentimos muito. Não pense que não te amamos ou que não nos importamos com você... É só que... As coisas que aconteceram... Que acontecem com você... Só queremos que fique bem... Estamos tentando te proteger...
Guto estava nervoso, se atrapalhando com as palavras. Ver a irmã naquele estado o incomodava muito, mas, por mais que lhe doesse, ele tinha certeza que era o correto a se fazer. Sentia pena e preocupação, ao mesmo tempo em que acreditava que logo as coisas se ajeitariam, do jeito que a avó prometeu.
- Proteger? - Questionou Rebeca, cabisbaixa e, visivelmente, fraca. - É dessa forma que você protege quem ama, Guto? Que tipo de amor é esse? Não consigo compreender e nem preciso, eu só quero que saia daqui, por favor, me deixe aqui, sozinha.
- Mas, Beca... A vovó disse que... Comentou Lucas, mas antes que pudesse concluir sua frase, foi interrompido pela irmã.
- Como é que vocês preferem acreditar na vovó, ao invés de acreditarem na irmã de vocês? Em algum momento passou por esse cérebro minúsculo de vocês que ela pode estar lhes enganando? Ou será que são tapados demais para notarem o óbvio?
Guto e Lucas assustaram-se com as ofensas da irmã. Nunca a tinham visto tão irritada e, mesmo que as palavras proferidas por ela parecessem sensatas, o irmão mais velho achou melhor seguir confiando na avó. Pegou Lucas pelo braço, saíram da garagem e foram ao encontro da avó, verificar o que ela estava fazendo. Ao chegar à cozinha, encontraram Dona Edwirges cozinhando e cantarolando, parecia aliviada, leve, feliz, como se não se importasse com a condição da neta.
- Já estão de volta? - Questionou dona Edwirges, assim que notou a presença dos netos. - Como a Rebeca está? Ainda resmungando?
Ouvir aquilo da avó deixou Lucas furioso. Ele preferiu não falar nada, apenas saiu da cozinha em direção ao quarto, deixando claro que estava aborrecido. Guto, no entanto, sentou-se à mesa, aconchegou- se e respondeu:
- Sim, ela continua resmungando e falando coisas absurdas, muito pesadas para alguém da idade dela. Acho que a senhora tem razão, vovó, Beca não é mais a mesma, tem algo de muito diferente nela.
- É claro que eu tenho razão, Luís Gustavo. - Disse a avó, seriamente. Fazia tempo que ela não o chamava assim. - Rebeca está muito estranha e isso há tempos, eu percebi bem antes do acontecimento na cachoeira. Hoje, mesmo que me doa ver ela na condição que está, sinto que ela fica mais bem presa, para o bem dela e para o nosso.
- Mas, vovó, como iremos ajuda-la? - Perguntou Guto, curioso. - A Beca não pode ficar presa para sempre. Além disso, meus pais provavelmente chegam amanhã, eles vêm nos buscar e já pensou como eles reagirão quando encontrarem a Beca na condição que está agora? Presa, como um animal selvagem.
- Mas é exatamente com o que ela es... - A velha senhora Edwirges deu uma pausa, ficou um minuto em silêncio, encarando o neto, até continuar. - O que foi que você disse, Guto?
- A Beca está presa como um animal selvagem e...
- Não, não... - Dona Edwirges interrompeu o neto. - Estou perguntando o que você disse antes, sobre os seus pais?
- Eles precisarão vir antes esse ano, por conta de uns contratempos. - Respondeu Guto. - Eles terão uma pequena folga no trabalho, por isso eles vêm antes. Pelos meus cálculos, devem estar chegando amanhã. Pretendem ficar um dia aqui na fazenda, mas a senhora os conhece, não é?
Dona Edwirges parecia assustada. Ficou distraída, pensativa, preocupada. Desligou o fogão e sentou-se próximo ao neto, encarando-o.
- Nós temos que agir rápido, meu filho. Seus pais podem não entender os problemas de Rebeca e nos acusar de estar a maltratando. Você confia em mim, não confia?
- Confio, vovó. - Afirmou Guto. - Eu sei que a senhora só quer ajudar a minha irmã. - Concluiu.
- Então... - Continuou Dona Edwirges. - Eu preciso cuidar da Rebeca e enquanto eu estiver fazendo isso, preciso que você e seu irmão fiquem no quarto, afastados da garagem, está bem? À noite, realizarei o processo de cura e, se tudo der certo, ao amanhecer nossa antiga Rebeca estará de volta, curada.
- Mas, por que eu não poderei estar junto? Vovó, pelo menos eu. - Pediu Guto.
- Porque não! - Respondeu dona Edwirges, em tom autoritário. - Eu preciso de concentração e mais pessoas presentes pode mais atrapalhar do que ajudar... Estamos entendidos?
Guto assustou-se com o tom de voz da avó. Contudo, ainda assim aceitou de bom grado o que a avó pediu, pois tudo o que mais desejava era ver a irmã bem.
No quarto, Lucas estava pensativo, relembrando tudo o que a irmã falou na garagem. Lembrava-se, também, dos momentos felizes que viveu junto à Rebeca nessas férias. Ele não queria ver a irmã sofrendo, afinal isso também o deixava mal. Contudo, no fundo ele acreditava na versão da história que a avó contou e, por essa razão, se via em uma situação complicada, sem saber o que fazer. Á tarde, dona Edwirges saiu para a cachoeira e Guto pegou no sono, no quarto. Lucas aproveitou para ter uma conversa com a irmã, mesmo que a avó tenha lhe aconselhado o contrário. Ao chegar na garagem, o garoto notou que Rebeca estava pálida, com os olhos inchados, estava muito fraca.
- Lucas?... Lucas?... - Disse Rebeca, baixinho. - Me ajuda, Lucas, por favor, eu não estou aguentando mais, Lucas, eu vou acabar morrendo aqui.
- Beca... - Comentou Lucas, lagrimando. - Esse tormento já vai acabar, Beca... Vovó disse que essa noite você vai se curar, logo você estará brincando, se divertindo, sem medo, sem receio de nada.
- Lucas, você não percebeu que vovó está tramando me matar? No fundo você sabe o correto a se fazer, não sabe? Me tire daqui, Lucas, por favor.
Lucas estava, agora, aos prantos. Sentia muita pena da irmã e via que ela precisava de sua ajuda. Decidiu que ia ajuda-la, mas quando se aproximou de Rebeca, ouviu a voz de sua avó.
- Lucas, o que você está fazendo?
- Vovó?... Nada, eu não estou fazendo nada. - Respondeu Lucas, assustado.
- Lucas, não deixe que Rebeca te engane, eu já disse que à noite eu resolverei tudo.
- Mentirosa... - Comentou Rebeca, baixinho. - Eu ainda não entendi o que a senhora pretende, mas conseguiu enganar direitinhos os meus irmãos, não é?
Lucas, ao ouvir aquele diálogo, ficou ainda mais assustado. Estava chorando e, por um momento, o aspecto da avó o causou um grande arrepio na espinha.
- Venha comigo, Lucas. - Dona Edwirges segurou na mão neto e, juntos, saíram da garagem, sem olhar para trás. Rebeca permaneceu lá, gritando desesperadamente.
- ME TIRA DAQUIIII... ME TIRA DAQUI...
À noite, após o jantar, Dona Edwirges pediu que os dois netos se trancassem no quarto e só saíssem de lá pela manhã. A partir desse momento, Lucas e Guto ficaram preocupados, com medo e ansiando que tudo ocorresse da melhor maneira possível. O relógio marcava agora 23h00, Guto já estava dormindo, mas Lucas permanecia acordado, ainda preocupado com a irmã. Movido de curiosidade, ele saiu do quarto com cuidado, para não acordar o irmão. Ao se aproximar da garagem, esgueirou-se vagarosamente e, de longe, fitou a silhueta da avó que, com as mãos levantadas, pronunciava umas palavras estranhas que Lucas não compreendia.
Rebeca olhava tudo aquilo com uma expressão de pavor no rosto. Estava visivelmente com medo, trêmula. Fechou os olhos e, em seguida, ouviu um forte barulho. Ao abrir os olhos, fitou a avó caída em sua frente. Lucas estava ali, de pé, com um pedaço de madeira em mãos.
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