Capítulo catorze
Lucas continuou chorando, abaixado, próximo ao corpo da mãe que, a essa altura, já estava ficando frio. Guto, por sua vez, encarava o cadáver da mãe e, ao mesmo tempo, alimentava um ódio extremo por Rebeca, sobretudo por ter permitido que tanta coisa ruim acontecesse. Ele limpou as lágrimas que insistiam em escorrer por sua face. Foi até a cozinha, pegou um facão que sua avó utilizava para cortar alimentos mais pesados e voltou à sala. Lucas presenciou tudo aquilo assustado, até que resolveu instigar o irmão.
- Guto, o que está fazendo? Vai para onde com isso?
- Tá na hora, Lucas, Beca não pode mais ficar impune diante de tudo que vem fazendo. Eu vou acabar com isso, Lucas. Vai para o quarto e só saia de lá quando eu voltar.
- Guto, você enlouqueceu? Ela vai matar você... Vai matar nós... - Disse Lucas, extremamente assustado.
- Pior vai ser se ficarmos aqui, de braços cruzados, esperando, como se fôssemos presas fáceis... Eu prefiro atacar primeiro, Lucas, ao menos dessa vez.
Lucas, mais uma vez, olhou para o cadáver da mãe e, novamente, não conseguiu conter as lágrimas. Levantou-se, limpou o rosto com as mãos e olhou para o irmão dizendo:
- Então eu vou com você, ela também é minha irmã e eles... Eles são meus pais... - Disse Lucas, com um aspecto de seriedade.
- Não, Lucas... - Comentou Guto. - Você vai ficar aqui, vai se trancar no quarto. Se eu não voltar em uma hora, quero que você saia pela janela do quarto e corra o mais rápido possível na direção sul da estrada. Não olhe para trás e não pare por nada.
- Como assim se você não voltar? Guto, eu não posso perder você também, já perdemos nossos pais, nossa avó... Nossa irmã... Só temos um ao outro e...
- Lucas, olha para mim. - Pediu Guto, segurando o rosto do irmão. - Eu vou ficar bem, vou tomar cuidado, tá bom? Mas, caso eu não volte em uma hora, você faz o que eu te falei... Me promete?
- Mas Guto, eu...
- Lucas, me promete?
- Prometo... Eu prometo...
- Você é o melhor irmão do mundo todo, sabia? - Disse Guto, emocionado ao abraçar o irmão.
- Eu te amo muito. - Comentou Lucas, emocionado.
- Eu também te amo, Lucas. Agora vá para o quarto, eu preciso ir... Vou atrás de nossa queria Rebeca.
Lucas foi para o quarto, trancou a porta e sentou-se próximo a ela Guto, por sua vez, saiu pela porta da frente, sorrateiramente, olhando para todos os lados, tentando tomar o máximo de cuidado, não queria ser pego distraído pela irmã. Ao olhar para o chão, viu uma trilha de sangue que seguia no rumo da cachoeira. Na hora, Guto percebeu que se tratava da irmã, só podia ser ela, seguiu a trilha, cautelosamente.
Lucas estava impaciente, sozinho no quarto, sentia um pouco de medo, além da preocupação com o irmão. Sentia que devia fazer alguma coisa, só não sabia o quê, tampouco como fazer.
Guto continuou seguindo a trilha de sangue. De fato a trilha levava até a cachoeira. Aquele lugar bonito, que outrora rendeu muita diversão aos irmãos, agora parecia sombrio e assustador. Rebeca estava fitando a cachoeira à beira do monte. Mesmo estando de costas, notou a presença do irmão.
- Então você é o próximo, irmão? - Perguntou Rebeca, ainda de costas e, mais uma vez, com um pedaço de vidro em mãos.
- Beca, dessa vez não... Eu vim acabar com isso, você não vai machucar mais ninguém... - Respondeu Guto, trêmulo.
Rebeca deu uma alta gargalhada, ainda de costas.
- Você acha mesmo que consegue fazer algo contra mim? Nossos amados pais e aquela velha ridícula da nossa avó não conseguiram, acha mesmo que um fracote como você vai conseguir?
- Você matou os nossos pais, Rebeca... Tem noção do que fez? Matou nossos pais e...
- E matei a velha Edwirges também... - Respondeu Rebeca, virando-se para o irmão. - E, quer saber? Eu amei. Quebrei aquele pescoço velho, com ossos fracos, foi tão fácil, uma sensação tão... Tão... Gratificante. - Continuou, dando um leve sorriso.
- Eu te odeio... desgraçada... - Guto saiu correndo em direção à irmã, a raiva tomava conta do seu ser. Rebeca apenas sorria, debochada. Guto, quando se aproximava da irmã, caiu em uma espécie de armadilha, fazendo-o prender o pé em um buraco, o impossibilitando de andar.
- Sabe qual a diferença entre nós dois, Guto? Eu sei controlar a minha raiva. - Disse Rebeca, sorrindo, enquanto se aproximava do irmão.
Guto apenas tremia de medo, tentando se levantar, mas sem sucesso. Tentou alcançar a faca que caiu de suas mãos, mas, com a queda, a arma parou longe. Rebeca chegou mais perto, com o pedaço de vidro em mãos. Agarrou os cabelos do irmão, deixando à mostra o seu rosto, queria ver a expressão de medo no rosto de Guto.
- Fomos felizes, não fomos, irmão? Foram férias dignas, é realmente uma pena que elas terminem assim. Confesso que sentirei sua falta, por isso vou apreciar ao máximo esse momento.
Com o vidro, Rebeca fez um corte profundo no braço do irmão, o fazendo gritar de dor. Em seguida, fez o mesmo na perna, fazendo-o sangrar muito. Sem pensar duas vezes, ela puxou a mão do irmão e a apoiou no chão. Num só golpe, arrancou o dedo anelar da mão esquerda de Guto. O garoto já não aguentava tanta dor, apenas gritava, desesperado. Rebeca dirigiu-se para a beira da cachoeira, sempre encarando o irmão que já apresentava uma imagem pálida. Levantou o dedo que arrancou de Guto, deixando-o à mostra. O lambeu e o jogou na cachoeira.
- Acho que já brincamos o suficiente. - Disse Rebeca, olhando para o irmão e rindo ironicamente. - Já está na hora de dizer adeus, irmão.
Rebeca estava distraída encarando Guto, que não percebeu quando algo vinha em sua direção. Era Lucas que, no impulso, agarrou a irmã pela cintura e junto dela se jogou na cachoeira.
Guto observou aquela cena do local onde estava. Não conseguiu falar nada, tampouco se mexer. Estava zonzo, caiu desmaiado. Acordou em uma cama, em uma casinha humilde, de madeira com cobertura de palha. Ainda se sentia zonzo, quando escutou uma voz estranha.
- Firmino... Firmino... Vá chamar o xerife, homem, o garoto acordou.
Era uma senhora quem estava cuidando dele. Guto, ainda estava muito fraco, mal conseguia falar. Perguntou o que estava acontecendo e como tinha ido parar ali.
- Foi muita sorte tua a gente ter te encontrado. - Começou a falar aquela senhora. - Estávamos precisando de gasolina, para o gerador de energia aqui de casa. Fomos até a casa da comadre Edwirges, ela sempre nos arranjava. Chegamos lá e ninguém atendia. Eu entrei, mas não mexi em nada, viu? Encontrei uma mulher morta na sala e meu marido encontrou a comadre morta na garagem. Vimos uma trilha de sangue indo no rumo da cachoeira e a seguimos, para ver se encontrávamos alguém vivo. Te encontramos jogado no chão. Por pouco você não morreu, mas por bem pouco mesmo, foi obra de Deus, porque você perdeu muito sangue, viu?
- Meu irmão... Viram meu irmão Lucas?
- Nós não encontramos mais ninguém vivo. Após acionar as autoridades, eles encontraram mais um cadáver dentro de um dos quartos da casa, mas já era um homem feito, adulto. Quando o xerife chegar, vai poder te explicar melhor. - Respondeu aquela senhora, enquanto colocava umas ervas nos ferimentos de Guto.
Após uns minutos, o Xerife chegou e interrogou Guto. O garoto lhe contou toda a história, detalhadamente. Após o interrogatório, o xerife comentou.
- Infelizmente não encontramos mais ninguém naquela fazenda. A equipe de resgate desceu até a cachoeira, revirou todo aquele espaço e só encontraram um dedo amputado. Teus irmãos, se caíram ali, sumiram, definitivamente. A fazenda foi interditada e permanecerá assim.
- Não, não, vocês têm que procurar direito, moço, por favor, eu não tenho mais ninguém, eu...
- Eu lamento, garoto, mas reviramos a fazenda de cabo a rabo e não encontramos nada, nem vestígios de mais ninguém. Assim que você estiver em condições de viajar, levarei você às autoridades judiciais, para que eles o encaminhem á alguma casa de apoio, já que você não tem mais ninguém.
Guto pôs-se a chorar, tinha perdido tudo, estava sozinho no mundo. Sem os pais, irmãos, avó, estava só e isso era o que ele mais temia.
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5 ANOS SE PASSARAM
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- Droga, Guilherme, como assim você não trouxe, sequer, um macaco para essa viagem? Tá de sacanagem com a minha cara?
- Kamila, fique calma, ficar estressada só vai piorar as coisas.
- Calma? Quer que eu fique calma? Estamos no meio do nada, com um pneu furado, longe da civilização e você me pede calma?
- Nós vamos resolver isso... Olha ali, aquilo não é uma fazenda? Tem uma casa lá, quem sabe tenha alguém...
- Guilherme... Aquilo está interditado, não tem como ter alguém vivendo ali. - Afirmou a moça, irritada.
- Olha direito, Kamila, tem fumaça saindo da chaminé, então deve sim ter alguém morando ali. Quem sabe uma família de sem terras tenha se apossado da casa e vai ver eles possam nos ajudar.
- Tá bem, que seja. - Concluiu Kamila, secamente.
O casal foi até a fazenda, na esperança de conseguirem ajuda com o carro. Ao chegarem, bateram palma por uns instantes, mas ninguém os atendeu. Quando estavam prestes a desistir, ouviram uma voz vindo da varanda.
- O que vocês querem?
Era uma mulher jovem, morena, cabelos cacheados. Estava grávida. Atrás dela, estava um homem, aparentavam ter a mesma idade.
- É que nosso pneu furou e precisamos de ajuda para trocá-lo, vocês poderiam nos ajudar?
- Claro... Claro... Podem entrar... Aceitam um café?
- Para ser bem sincera, eu aceito sim. - Respondeu Kamila, já subindo para a varanda. Guilherme subiu logo atrás. Os donos da casa os receberam com um aperto de mão e, em seguida, a mulher se apresentou.
- Muito prazer, eu me chamo Rebeca... Rebeca Malter. Esse é meu marido, Lucas Malter.
FIM
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