A Herança
Conto de Vauline Gonçalves
A luz do corredor piscou, o que era normal, por causa das constantes oscilações de energia na região. Estava saindo de mais um plantão e sentia-se exaurida. Após 24 horas em um Pronto Socorro, Karen enxergava apenas uma opção de rumo: sua casa, com sua cama e, mais tarde, quem sabe, uma maratona da série preferida.
Ela não tinha namorado há cerca de dois anos e sua última relação amorosa não passou de uma noite estranha, uma transa asséptica com um homem de meias brancas e topete. Isso, há quase um ano. O único ser com quem Karen compartilhava suas alegrias, preocupações e sonhos, era sua amiga Daniela, uma jovem enfermeira, colega de trabalho no hospital.
Dani não compreendia como uma garota linda, jovem e bem sucedida não conseguia uma companhia. A bela médica sempre alegava falta de tempo. Já havia tentado até mesmo o tinder, mas essa é uma aventura à parte.
KAREN
Ao longe escutei um barulho estridente, parecia vindo do edifício do outro lado da rua, mas aos poucos foi se tornando mais irritante, insistente e odioso. Era o meu interfone. Dizer que levantei é uma metáfora. Eu me arrastei até a cozinha e atendi aquele maldito, apenas por que era a única forma de fazê-lo parar.
— Fala
— Senhora Karen, tem um advogado aqui. Ele precisa vê-la. — Era o zelador.
Imediatamente, meu sono evaporou e comecei a buscar na memória em que momento eu poderia ter feito alguma merda, para justificar a visita de um advogado à minha casa. Pensei nas multas de trânsito; pensei na ida ao mercado 24h, no meio da noite, usando pijamas; e pensei na vez em que troquei a etiqueta de preço do queijo brie com a do queijo prato. Aquilo estava pelo olho da cara! Mas a verdade é que nenhum desses delitos justificava a presença daquele homem. Liberei sua entrada e corri para escovar os dentes.
O sujeito me encontrou trajando pijamas e com o cabelo embolado em um coque, mas já estava totalmente desperta. O homem na minha frente me olhou com desdém e forçou um sorriso simpático.
— Senhora Karen Arantes? Sou Malaquias Alvarenga, advogado do senhor Leopoldo
Arantes, seu falecido tio-avô. — O cara não me deixava falar. — Peço desculpas pelo incômodo, mas como eu disse, o senhor Arantes faleceu esta semana e... Senhora, podemos conversar sentados, confortavelmente?
Eu apenas assenti e dei passagem ao homem. Nos sentamos no sofá da sala, um de frente para o outro.
— Como dizia, o senhor Arantes não deixou herdeiros naturais e, sob investigação, nosso escritório descobriu a senhora como sua única herdeira.
Arregalei os olhos, me sentindo em um roteiro de filme.
— Nunca ouvi falar desse tio. Meu pai faleceu quando eu ainda era menina, mas... Do que estamos falando, em termos de herança?
— Estamos falando de uma fazenda de três mil hectares, incluindo a sede e mais sete outras unidades. São oitenta mil pés de cacau e mais dez tarefas de eucalipto. O que, em uma soma rápida, resulta no valor estimado de três milhões, trezentos e oitenta e quatro mil reais, aos quais apenas a senhora tem direito.
Eu achava que meus olhos estavam arregalados, mas me surpreendi, abrindo-os ainda mais. Tentei falar algo inteligente para disfarçar meu deslumbramento, mas...
— Meu tio não tinha nada para fazer com essas terras? O que vou fazer com tudo isso? — Importante salientar que eu havia acabado de acordar.
O homem respirou fundo, com clara impaciência.
— Senhora, não há herdeiros e a senhora poderá usufruir dos benefícios da fazenda ou vendê-la, assim que possível.
Em meros cinco segundos, ponderei sobre que diabos eu poderia querer fazer em uma fazenda.
— Quero vendê-la.
— Bem, apesar do testamento ainda estar lacrado, como advogado de confiança do vosso tio-avô posso lhe adiantar que existe uma cláusula bastante peculiar.
Meneei a cabeça, constatando que as coisas nunca são tão fáceis quanto parecem.
— Prossiga. — disse, já me sentindo desanimada e certa de que teria que passar por exames de DNA e sabe-se lá mais o quê, para comprovar o parentesco.
— A senhora só poderá se desfazer da fazenda, ou dispor de qualquer bem pertencente a ela, depois de residir na propriedade por um prazo mínimo e contínuo de trinta dias. Eu disse, contínuo. Fui claro, senhora Karen?
— Como assim?! — Aquilo era muito, muito pior do que eu imaginava! — Acho que não entendi, senhor.
— Vou explicar-lhe. — E começou a falar devagar, quase silabicamente, como se eu tivesse alguma deficiência de cognição. Por fim, apertou os lábios, claramente enfadonho. —Entendeu?
Pisquei algumas vezes. Aquilo só podia ser piada.
— Morar lá? Mas e meu emprego?! E meu... meu... E minha... — Na verdade, não havia muito o que deixar em Salvador. — E minha amiga?! Meu trabalho?!
— Senhora Karen.... Só existem duas opções: ou fica com a fazenda e trata de administrá-la ou, conforme as nossas investigações, usa as suas férias vencidas e vai passar esses trinta dias lá na fazenda. No trigésimo primeiro dia, a senhora já poderá vendê-la.
Administrar uma fazenda? Impossível! Eu mal conseguia administrar meu apartamento quarto e sala. Respirei fundo, já começando a pensar nos mosquitos, cobras e cheiro de estrume. Mas também pensei nos três milhões.
— Tudo bem. Onde fica essa roça?
— No Sul da Bahia, mais precisamente nos arredores de Ilhéus, e amanhã cedo a senhora precisará me acompanhar à abertura do testamento. Mera formalidade.
Me despedi daquele homem ainda me sentindo tonta e acuada. Uma fazenda... Sul da Bahia... Três milhões... Uau! Daniela precisava saber disso, inclusive, porque ela iria comigo.
LUCAS
— Nem fodendo!
— Você não está raciocinando, cara. É muito melhor manter o inimigo perto, do que já declarar guerra. A mulher vai chegar e seria muito bom irmos recebê-la, mostrar que somos amigos. Daí, falamos com ela, explicamos o projeto... Quem sabe não conseguimos mostrar para ela a importância da agricultura sintrópica e ela nos deixa ficar e cuidar das coisas?
Olhei para meu irmão com a cara amarrada. Nem a pau ia ficar babando o ovo de mulher nenhuma, só para não ser despejado.
— O velho Arantes nos deu autorização, Lúcio. Ele conheceu nosso trabalho na fazenda Araçás e acreditou que poderíamos fazer ainda melhor aqui. Não invadimos nada!
— Mas ela é a porra da herdeira, Lucas! Se ela quiser, ela pode sim, mandar nosso projeto para o cacete e vender a fazenda.
Bufei de raiva. O futuro comprador certamente iria derrubar toda a floresta, trabalho de anos, para transformar em pasto.
— Nem brinca. Nem brinca! — ameacei.
— Não estou de brincadeira. A sobrinha-neta do velho Arantes chega hoje, e nós iremos recebê-la com muita educação. É mulher, cara... É solteirona, deve estar carente... Joga um charme, conquista...
Não aguentei e gargalhei. Lúcio parecia esquecer nossa condição.
— Ah tá! Seduzo e na hora do vamos ver, caio fora. Ou você acha que ela é como as chinas do Cantagalo, ou está a fim de apavorar a mulher e colocá-la para correr. Aí é que ela vende essa porra de uma vez!
Cantagalo é um bordel que fica em uma fazenda há quilômetros daqui, o único lugar onde conseguimos afogar nosso desejo, sem colocar em risco nosso segredo. As chinas, ou putas mesmo, conhecem nossa história e, como dizem, "valemos a pena".
— Eu não disse que é preciso levar a criatura para cama, disse? Só seduzir, com jeitinho...
Passei um rabo de olho para ele, vendo-o enfiar o chapéu de vaqueiro e sair sorrindo. Lúcio era um grande sedutor e, mesmo sabendo que não podíamos ir para a cama com outra mulher, que não as chinas, não cansava de brincar com o perigo e vivia se metendo em aventuras sensuais e, quase sempre, com uma bela fuga antes do fim.
KAREN
O taxi sacudia pela estrada de chão, fazendo a poeira subir até cobrir a vista pela janela, e eu nem me importava. De um lado e de outro, havia apenas mato.
Que diabo eu estava fazendo ali? Daniela, aquela ingrata, inventara todas as desculpas possíveis para não vir comigo. Até mesmo uma hérnia de disco, que nunca a escutei mencionar. Bufei de raiva e jurei a mim mesma que ficaria trancada no quarto lendo meus romances durante os malditos trinta dias.
Aposto que nem televisão tem! E desfilei um sem fim de desgostos com a condição do meu tio-avô, então, lembrei-me de tudo o que planejava fazer com os três milhões: apartamento novo, viagem à Nova Iorque, investimentos... Uau! Isso sim iria preencher meus dias de tédio nesse fim de mundo.
Enquanto eu sonhava acordada com todas as compras que faria em minhas viagens, avistei algo, no mínimo, curioso. Um homem alto e aparentemente jovem, encontrava-se parado no alto de uma pequena elevação. Estava um tanto longe, mas deu para perceber que era uma figura atraente, contudo, o curioso não era a sua aparência, mas o fato de que ele, simplesmente, ergueu do chão uma tora de madeira inteira! Não foi uma tábua... Aquilo era uma árvore!
Com os olhos arregalados, chamei o motorista.
— Senhor... Senhor! — Quando o homem finalmente me deu atenção, apontei para fora. — Está vendo aquele...
Mas quando voltei a olhar na direção da elevação, o homem havia sumido.
— Se acalme, senhora. É longe pra burro, mas já estamos chegando.
Fiquei atônita, olhando para o lugar onde, há dois segundos, estava o homem surpreendentemente forte. Como podia sumir tão de repente?! Talvez tenha se assustado. Não deve ter muitos carros por essas bandas. Aliás, não deve ter nada por essas bandas!
Meu queixo caiu, quando saímos daquele túnel infinito de eucaliptos e despontamos em um descampado, onde um casarão de dois andares nos recebia com pompa. Havia até uma escadaria suntuosa e uma fonte na entrada, na qual o táxi fez a volta, parando em frente a um portão lateral.
— Pronto, senhora. Chegamos! Fazenda Luz do Luar!
Eu estava impressionada com a riqueza daquele casarão. Era conservado, mas tinha ares seculares.
Estava tão distraída que só algum tempo depois me dei conta das três figuras que aguardavam na frente do portão: uma senhora redonda e morena; um velho meio decrépito usando um chapéu horroroso; e um homem... Bem, apesar de rústico, era até bonito. E gostoso, mas tosco.
Saí do taxi e eles se aproximaram.
— Seja bem vinda, senhora Karina. Sou Edmeia, e esses são Sebastião e Lucas.
Sorri com simpatia e nem chamei a atenção para o meu nome dito errado. Melhor ser legal, afinal, ficarei nas mãos deles por longos trinta dias.
— Prazer.
E se fez aquele silêncio constrangedor, até que o taxista pigarreou e eu me toquei de que precisava pagá-lo. Apanhei minha bolsa e dei-lhe o valor acertado. Rapidamente, o homem entrou em seu carro e arrancou. Fiquei ali, vendo meu último recurso de fuga se afastar.
— A senhora deve estar cansada.
O homem jovem e forte, chamado Lúcio, adiantou-se e pegou minhas malas, enquanto eu seguia Edmeia para o interior do pátio. O tal Sebastião, não vou mentir, me deixava bem desconfortável. Senti seus olhos do Lúcio sobre mim durante todo caminho desde a entrada, passando pelo jardim lateral, até entrarmos por um hall e subirmos uma escada interna.
Enquanto caminhava, Edmeia ia me explicando que os quartos ficavam no primeiro andar e a cozinha no térreo. Espantei-me quando vi uma TV LCD em uma das salas por onde passamos.
— Aqui pega TV?
Escutei o rapaz atraente, o Lúcio, rir.
— Temos sim, senhora, e com uma imagem excelente. Também temos wi-fi. — O jovem acrescentou, após pigarrear.
Por essa eu não esperava.
— Que maravilha!
Ele se aproximou de mim e percebi que era mais bonito do que eu pensava. Tinha o cabelo bem cortado, uma barba curta e todo um jeito de cafajeste, mas com um corpo fenomenal.
— Depois eu, ou o meu irmão Lucas, podemos vir configurar a rede para a senhora.
— Eu agradeço.
Ele apenas assentiu.
— Vou levar as bagagens da senhora para o quarto.
Observei-o subindo as escadas. Era realmente um homem atraente, com pernas fortes e braços lindamente esculpidos.
— A senhora gosta de suco de caju?
Levei um susto, pois me distraía com a bela visão de Lúcio carregando duas malas pesadas, como se estivessem vazias, e não havia percebido o velho decrépito ao meu lado.
— Não, obrigada. Mas gostaria de um copo de água e de me deitar um pouco. A viagem não é longa, mas é cansativa.
Foi Edmeia quem me acompanhou até meu quarto. Um cômodo simples, mas confortável e, principalmente, limpo. Uma cama de madeira de lei e bastante alta, ficava bem no meio do quarto e sobre ela um cortinado gigante, que me fez pensar nos tamanhos dos mosquitos que haveria ali.
— A senhora pode descansar à vontade, dona Karina. Farei um jantar gostoso e os meninos virão te fazer companhia.
— Meninos?!
Edmeia riu de si mesma.
— Bem, para mim, serão sempre meninos. Me refiro à Lucas e Lúcio. Eles são netos de um antigo vizinho. Seu avô era muito amigo do senhor Arantes, mas assim como seu tio, já faleceu. Os meninos têm uma fazendinha aqui ao lado, mas como têm um projeto... — E ela se deu conta de que eu estava realmente cansada e sem muita disposição para conversa. — Me desculpe. A senhora deve estar cansada. Enfim, à noite eles virão e explicarão tudo.
Forcei um sorriso e me senti realmente grata quando ela saiu. O colchão era bem macio e não demorei a dormir.
LUCAS
Minha barriga roncou pela quarta vez e tentei roubar um pedacinho do assado, mas Edmeia bateu em minha mão com a colher de pau, me fazendo recuar.
— Droga! Estamos todos com fome! — retruquei
— Tá maluco, Lucas?! Temos que esperar a moça. Eu já fui chamá-la. Logo ela desce. — Edmeia pegou uma maçã e me deu. — Tome, come isso aí para enganar.
Eu não queria maçã, queria jantar. Larguei a fruta sobre a mesa e tamborilei os dedos sobre a tábua crua.
Nem mesmo a conhecia e já sentia antipatia pela tal Karen. Lúcio disse que ela parecia assustada, não era acostumada com os percalços da fazenda. Isso me fez "erguer as orelhas" e ficar alerta. Se não gostava de fazenda, era certo que iria vendê-la. O que faríamos, se ela realmente a vendesse? Anos e anos de investimento e paciência para recuperar a mata, para fazer os cultivos orgânicos de forma sustentável, respeitando a natureza, recuperando o solo... E agora, vem essa sujeita e pronto, tudo acabado!
— Boa noite.
Até que fim! Me virei para a voz feminina atrás de mim e senti um baque no peito. A figura à minha frente era baixinha, muito branca, com um nariz empinado e cabelos amarelos como o sol, mas era bonita como jamais vi igual. Seus olhos azuis brilhavam e o sorriso mostrava que estava lindamente constrangida. Ainda assim, aquela era a criatura que vinha destruir todos os meus sonhos.
— Boa noite. — Ela ficou me olhando estranho, então, levantei e me aproximei, estendendo a mão. — Sou Lucas. A senhora já conheceu o meu irmão, Lúcio. Ele já deve estar chegando.
Ela ergueu as sobrancelhas e assentiu.
— Sim, eu o conheci. Muito prazer. — E apertou a minha mão. Um aperto suave, macio. — Sou Karen.
Estranho, mas ficamos meio sem jeito e soltamos as mãos, como se sentíssemos choques.
— Dona Karina... Lucaa, podem ir se sentar que eu já vou levar a comida para a mesa.
Fiz sinal para que ela passasse à minha frente e a segui, com os olhos grudados no balançar daquelas ancas cheias, perfeitamente redondas, que afunilavam em uma cintura bem marcada. A diaba era bonita mesmo.
Nos sentamos de frente um para o outro e ficamos um tempo calados. Ela observava tudo ao redor: o lustre, as janelas, os pratos sobre a mesa... Então, me encarou. Caraca! Os olhos dela eram de um azul surreal!
— Então, Lucas... Edmeia me falou que vocês são vizinhos...
Sorri e abaixei os olhos. O olhar dela me deixava sem jeito.
— Somos sim, mas fico muito aqui, na Luz do Luar. Temos um projeto com seu tio-avô. Iniciamos há cerca de dez anos e tem sido...
— Boa noite.
Nos viramos para ver meu irmão entrando. Karen levantou para cumprimentá-lo e logo percebi que ele também havia reparado no quanto ela era linda. Claro que isso não passaria imune aos olhos dele.
— Estávamos começando a falar do nosso trabalho, Lucas. — Adiantei o assunto.
— Mas já? — Ele riu. Acho que percebeu a minha tensão. — Vamos comer primeiro.
Edmeia nos serviu e passamos a falar sobre a região, o calor, a viagem de Karen... Ela nos contou que é médica, sem família... Eu a escutava, mas estava meio que hipnotizado pelos seus olhos e sorriso, que escondia algo de malicioso, peralta.
Quando já estávamos saboreando o doce de abóbora da Edmeia, voltamos ao assunto. Deixei que Lúcio explanasse sobre o nosso projeto, enquanto eu a observava. Os seios médios estavam sensuais em um sutiã preto, sob a camiseta branca. Ela prestava atenção à explicação de Lúcio, mas ora ou outra, me dirigia o olhar e nos perdíamos nos segundos. A boca de Karen se mexia em sorrisos educados e eu não conseguia tirar os olhos dos seus lábios carnudos. Em dado momento, senti o olhar duro de Edmeia sobre mim. Eu sabia o que ela queria. Estava me dizendo para ter juízo, para deixar de ideias. Mas eu nada podia fazer, as ideias estavam lá, inseridas sob minha pele, no prenúncio de ereção a cada respiração que fazia seus seios subirem e descerem; estava lá, nos lábios entreabertos, no olhar malicioso que me lançava. Ainda achava que Karen seria problema, que seríamos inimigos, mas não podia negar... Ela me dava um tesão danado.
Karen
Não podia acreditar que não eram nem onze horas da noite e eu estava deitada para dormir. A casa enorme ficava meio assustadora, depois que todos se recolhiam. Levei água para o meu quarto e agradeci ser uma suíte. Havia tentado ligar para Daniela, mas o celular estava fora de área. Deixei recado no email dela, mas duvido que ela o acessasse. Estava louca para contar as novidades.
Coloquei o marcador e fechei o livro. Os olhos de Lucas vieram à minha mente. Que homem era aquele?! Quase tive uma síncope, quando entrei na cozinha e vi aquele moreno enorme, de cabelos castanhos, compridos... E quando ele se virou, achei que fosse me derreter. Uma beleza selvagem, quase perigosa. Fiquei parada naqueles olhos verdes, estreitos, e quando ele sorriu, juro que molhei a calcinha.
Apertei minhas coxas, sentindo a vagina contrair só de imaginar aquela boca em mim. Enfim, havia achado uma deliciosa distração naquele fim de mundo.
Será que tinha namorada? Não havia aliança em seu dedo, o que já era algo bom. Será que o veria amanhã? Tenho certeza de que havia sentido algo também, pois não tirava os olhos de mim, me fazendo arfar a cada vez que o flagrava com o olhar grudado em meus seios, em minhas pernas... Edmeia havia notado o clima entre a gente, eu a vi repreendê-lo com o olhar, ao qual ele respondeu com o erguer de sobrancelha mais sexy do mundo. Nossa! O Lúcio também era lindo, mas não quedas por caras cafajestes e ele era a representação viva disso. Bastava olhar para saber. Já o Lúcio, era o retrato do bom moço e esse sim, mexeu comigo. Uau! Seriam trinta dias interessantes, afinal.
LUCAS
Como sempre, eu estava consciente de tudo, preso, mas consciente. Senti o ar frio da noite, a folhagem por onde eu pisava, os sons noturnos que se calavam quando eu passava. Todos os animais assustados, receosos por suas vidas. Eu jamais os machuquei. Diferente de Lúcio, jamais machuquei alguém, mas não sei até quando esta seria a minha realidade.
Há algumas semanas não acontecia e eu me sentia quase normal. Mas agora, com a chegada de Karen, eu tinha certeza de que aconteceria. Aconteceu hoje e iria acontecer amanhã.
Corri entre as árvores, sentindo o vento criando resistência. Corri e saltei até alcançar o fundo da casa. Vi um gato fugir desesperado e escutei os cachorros uivarem do canil. Edmeia também sabia que iria acontecer, ela percebeu meus olhares e sabia que era inevitável, por isso, deixou os cachorros presos. Esses sim, eu seria capaz de matar.
Parei em meio ao jardim e inspirei profundamente. Havia sentido os seus cheiros durante todo o jantar, por cima do assado, sobre as batatas carameladas e o suco de umbu, eu a senti e gravei seus odores, eram bem diferentes e eu sabia separá-los com distinção: a fragrância do perfume e o aroma de fêmea. Minha nuca arrepiou, quando identifiquei seu cheiro mais uma vez. Sabia exatamente onde ela estava e, inclusive, sabia que estava excitada.
Escalei a parede com a maior facilidade, enfiando as garras no cimento caiado e alcançando a sacada da varanda rapidamente. A porta que dava para o quarto estava trancada e a cortina escondia Karen de mim, mas eu estava perto e isso intensificou o meu estado.
Senti os olhos arderem e sabia que estariam amarelos. Então, antes que eu realmente desistisse e fosse embora, o vento atravessou a fresta da porta, empurrando a cortina, e eu a vi. Linda, deitada por trás do cortinado. Sua camisola branca emaranhada nas pernas, deixando à mostra a pele alva e brilhante. No mesmo instante, senti os pelos crescerem ainda mais em minhas costas. Salivei com a vontade de tocar aquela pele. Escutei a minha própria respiração, como se fosse uma fera ao pé do meu ouvido.
Os cachorros não paravam de latir e eu estava ficando com receio de que ela acordasse. Então, a vi sentar repentinamente, assustada, olhando para os lados em meio à penumbra. Saltei da varanda e caí de pé sobre o chão batido. Os cães, enfurecidos, uivavam e ladravam. Saí em disparada rumo à floresta, morto de medo de que ela resolvesse abrir a porta da varanda e visse a fera correndo em meio à escuridão.
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