Sonhos Peculiares
De todas as aulas, a de Spartos era certamente a mais chata. Ele me ajudava no combate de espadas, mas suas aulas teóricas me davam vontade de dormir e nunca mais acordar.
Ele explicava a importância de uma visão periférica em uma luta de espadas, enquanto eu o olhava, de maneira preguiçosa.
Mesmo assim, algumas informações que ele me dava eram realmente preciosas, por isso não ignorava completamente o que ele dizia. Principalmente quando ele especificava as estratégias utilizadas pelo Império Kyoshi e pelos Estados Unidos Nortistas da América.
Recentemente, as tensões entre essas duas nações e meu país têm se tornado cada vez mais visíveis. Os EUNA guardavam rancor por termos nos separado deles em um passado não tão distante.
Minha pátria, os Estados Unidos Sulistas da América, se separou dos Estados Unidos Nortistas da América depois de uma grande guerra civil. O motivo da guerra era simples: O presidente dos antigos Estados Unidos da América era um ditador. O povo do sul do país se rebelou contra o governo, enquanto o povo do norte permaneceu aliado ao governante.
Já havia um histórico de conflitos entre norte e sul mesmo antes da enorme expansão geopolítica do país, ajudando ainda mais os conflitos. Acabou que os rebeldes do sul expulsaram os soldados Nortistas de suas terras e se declararam independentes, liderados pelo meu avô. Os dois países se tornaram monarquias desde então.
Isso tudo gerou um ressentimento claro entre as duas nações, além da perda de muitos recursos naturais por parte dos dois lados.
Por isso, o atual rei, o Rei Impiedoso, queria retomar aquilo que havia perdido duas gerações anteriores a ele. Mas ele não poderia fazer algo desse porte sozinho. Por isso, propôs uma aliança com o Império Kyoshi, que almejava as terras de Sindria, um país emergente que era o principal aliado de EUSA.
Quando Spartos me explicava sobre os padrões de batalha da realeza das duas nações, não poderia ter mais da minha atenção.
Ele tentava esconder um pequeno sorrisinho ao ver minha animação quando eu anotava aquilo que ele dizia e praticava os movimentos que ele me ensinava.
Deveria admitir que aquelas informações me ajudariam muito no futuro e não poderia estar mais agradecida a Spartos por isso.
Quando a aula dele acabou, Ja'far entrou na biblioteca, com alguns poucos livros nas mãos. Quando ele me olhou, não pude notar que seu rosto pálido pareceu ganhar um pouco de cor.
-Bem, hoje nós vamos tratar sobre um assunto diferente.-ele falou, se sentando na mesa comigo.
-É, mesmo?- olho para ele.-Mal posso esperar, senhor Ja'far.-eu digo, com a voz baixa e um sorrisinho malicioso.
O ponto alto do meu dia era provocá-lo. Ele ficava vermelho e evitava me olhar todas às vezes.
Havia alguma coisa diferente naquele dia, porém. Ele não ficou vermelho, apenas me olhou por um segundo e voltou a falar.
-Você foi convidada para um congresso nos EUNA no mês que vêm. A partir de agora, nós estudaremos sobre diplomacia, regras de persuasão e discurso. Eu sei que você já foi lecionada nessa aula, mas esses treinos serão focados na situação atual e naqueles com quem você vai ter que falar.-ele explicou, com calma.
Seus olhos verdes focaram em um dos livros. Ele abriu na página marcada, aonde a árvore genealógica da família real dos Estados Unidos Nortistas. A foto de Trevor, o príncipe herdeiro que eu conheci quando fugi do palácio e embarquei em uma jornada para mudar o meu destino. Acabei me tornando amiga dele e destravando meus poderes que minha mãe fez tanta força para bloquear.
Naquela foto, Trevor parecia particularmente entediado, com os olhos azuis gélidos vazios e os cabelos negros cacheados arrumados para trás.
Eu dei um sorriso interno. Sentia certa falta dele, pra falar a verdade.
Ja'far começou sua explicação sobre a família real do reino do norte e eu não perdia nenhuma chance de provocá-lo. Estava particularmente difícil fazê-lo ficar constrangido naquele dia.
-O Rei que antecedeu o atual era conhecido por ser polêmico e extremamente sádico na presença de qualquer um, incluindo seus filhos, alguns teóricos afirmam que esse foi um dos motivos do suicídio da rainha poucos anos depois de dar a luz ao herdeiro...-explicava Ja'far.
-Sadismo, é?-eu falei, brincando com o lápis. Olhei para Ja'far e seus penetrantes olhos de esmeralda. -A gente bem que poderia tentar.
Ele me encarou por um bom tempo. Para minha surpresa, ele deu um sorriso de canto e se inclinou, sentado na cadeira, em minha direção.
-Você deveria parar de me provocar tanto assim, Jane.-ele disse, olhando para meus olhos e depois, para minha boca.-Eu também sei brincar.
Aquele comentário me deixou sem reação por um momento. Ele estava perto demais, com um sorriso irritantemente irresistível e olhos que percorriam cada centímetro do meu rosto (e talvez mais abaixo).
Senti meu rosto esquentar. O que havia acontecido com o inocente Ja'far? Ou será que ele nunca havia sequer existido?
"Os quietinhos são os piores, Jane." Disse Leila, certa vez. Não pude deixar de rir.
-Gosto quando você me chama de "Jane".-eu falei, não encontrando nada melhor pra dizer.
O sorriso dele aumentou um pouco.
-Você gostaria que eu te chamasse de muitas outras coisas, tenho certeza.-ele disse, antes de voltar ao livro.-Como eu ia dizendo...-ele voltou a explicar os fenômenos da família real.
Estava muito difícil de me concentrar depois daquilo. Extremamente difícil. Ele sempre foi bonito assim? Podia ver algumas sardas que não havia notado antes em seu rosto.
-Jane, você pode me encarar depois? Isso é realmente importante.-ele falou, em um tom de repreensão.
-Ah... Me desculpe...?-eu falei, voltando a olhar para o livro.
.
Ja'far
.
Não sei o que havia me dado naquele dia. Eu não podia mais me conter, não da maneira como a Rainha Janete me tratava. Admito, eu gostava dela e todas aquelas provocações estavam me dando nos nervos.
Quando a aula acabou e ela se levantou da mesa, eu me levantei também. Ela me avaliou com olhares cautelosos enquanto eu me aproximava dela.
Minhas mãos foram para sua cintura, enquanto eu a empurrei até a parede. Não dava mais, eu precisava me desiludir e essa era a única maneira.
-Ja'far...-ela sussurrou, sem entender.
Eu dei um sorriso malicioso pra ela.
-Não esperava que eu ficasse calado pra sempre, apenas ouvindo você me provocar, ou esperava?-eu me aproximei do ouvido ela, com uma risada baixa.-Pobrezinha...
Os pelos de sua nuca arrepiaram ao me ouvir. Ela estava corada e isso não era algo nada fácil de acontecer.
Só daquela vez, eu passaria um pouco dos limites. Sinbad já havia feito aquele tipo de coisa tantas vezes, com tantas pessoas, mesmo não gostando delas. Eu gostava de Janette, mesmo sabendo que ela nunca seria minha. Por isso, só daquela vez, eu ia curtir o momento.
-Eu só não esperei que você fosse tão direto assim.-falou Janette, se recompondo um pouco.
-Posso ir devagarinho se você quiser.-deslizo a mão pela sua cintura até o alto de suas costas.-Posso te torturar o quanto você quiser. Foi você que sugeriu o sadismo, não foi?
Os olhos violetas de Janette se arregalaram, mas um sorriso aparecer em seu rosto.
-Você é surpreendente.-ela falou, rindo baixo.
Prendendo seu corpo com o meu na parede, sussurrei:
-Você não viu nada ainda, Majestade.
Ela pareceu ainda mais desconcertada ainda. Suas mãos foram até o meu pescoço, enquanto seus olhos passeavam pelo meu rosto.
Eu dei beijos leves no seu pescoço. Seus olhos estavam fechados e ela mordia o lábio inferior.
Ela puxou meu rosto pra perto do seu, de forma até mesmo violenta e nós nos beijamos. Uma, duas, incontáveis vezes, até a noite chegar.
.
Jane
.
Era um garoto de cabelos extremamente escuros, olhos vermelhos e pele clara. Ele estava deitado de bruços num tapete voador, com a cabeça apoiada nas mãos.
-Olá, Jane.-ele falou, com um sorriso.
-Quem é você?-eu perguntei, confusa.
-Você saberá em breve.-ele falou, me olhando.-Eu estou louco pra te encontrar, Jane. Eu esperei muito tempo pra conhecer. Agora, você está quase conseguindo. Continue estudando, aprendendo. Assim que entender um pouco mais sobre esse mundo, vou poder fazê-la entender um pouco mais sobre si mesma, eu prometo.
-Você sabe o que eu sou?-perguntei, confusa.
-Sim. Eu sou como você, afinal.-ele sorriu mais uma vez.-Bem, nosso tempo está acabando. Até breve, Jane. Mal posso esperar para poder ver esses maravilhosos olhos violetas pessoalmente.
Aquele rosto incrivelmente belo sumiu da minha mente lentamente. Eu acordei de súbito.
Ja'far me olhou, parecendo preocupado.
-Você está bem?-ele perguntou. No escuro do meu quarto, seus olhos pareciam acinzentados.
-Sim, foi só um sonho estranho.
Ele riu.
-Lembro de um sonho em que tive que Sinbad estava dançando pole dance em um bar na França.-ele disse, com um braço ao redor da minha cintura.-Ah, não, espera. Isso realmente aconteceu.
-Bem, eu vou voltar a dormir.-ele disse.
-Boa noite.-eu falei.
Caí em sonhos estranhos e confortáveis, até o fim da noite.
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