CAPÍTULO 1
Brooklyn. Nova York.
Segunda-feira, 8:15 A.M.
O DESPERTADOR parecia estar tocando pela centésima vez naquela manhã, mesmo que já o tivesse desligado por várias vezes. O som estridente parecia entrar pelos meus ouvidos e penetrar meu inconsciente de uma maneira insuportável.
Apertei os olhos fechados, lutando contra a dor pungente em minha cabeça e tentando continuar no doce mundo dos sonhos. Foi quando me lembrei da razão pela qual aquele maldito despertador estava tão insistente em sua missão de me acordar. Subitamente eu me levanto, sentando-me na cama com o peito subindo e descendo rapidamente pela respiração acelerada.
Escola. Eu estou atrasada para a escola, droga!
Lançando um olhar rápido para o despertador pousado na cômoda ao lado da cama percebo que estou bem mais atrasada do que pensei. Levanto da cama, meus pés se enrolando nos lençóis o que me levaram a tropeçar. Eu teria caído se não fosse rápida o bastante para me apoiar na no armário. O quarto parecia girar e minha cabeça também. Levei uma mão até minha cabeça, apertando os planos fechados. Espere um minuto... eu não posso estar atrasada para o colégio.
— Eu não estou mais no colégio, e já me formei! – Digo em voz alta para mim mesma.
Com um suspiro de alívio misturado com constrangimento por toda aquela bagunça, me permiti desabar novamente em minha cama para ser envolvida no casulo confortável e quente dos cobertores. Rolei no colchão sentindo novamente aquela pontada na cabeça.
— Maldita ressaca! – Resmunguei irritada com àquela dor.
A ressaca. Sim, a ressaca. Por que eu havia aceitado outra dose? Lentamente as memórias da noite passada estão se tornando claras. Harper estava mesmo disposta a ficar comemorar e... Oh meu deus!
Quando eu já estava beirando o sono novamente, quente e confortável em minha cama, uma informação crucial decidiu emergir da névoa que minha mente estava. Estavamos comemorando meu novo emprego: Eu sou a professora!
Saltei da cama, dessa vez não tropecei nos lençóis, mas sim nas roupas espalhadas pelo chão. Corri até o banheiro e tomei o banho mais rápido da minha vida. Era o meu primeiro dia de trabalho e eu já comecei me atrasando, isso é mesmo ótimo! No sentido mais sarcástico possível. Vesti as roupas conseguindo me aprontar em talvez 15 minutos o que é quase um recorde para mim. Agarrei a alça da bolsa e sai praticamente voando pela porta do apartamento, quase me esquecendo de trancar.
Aínda na última marcha, quase atropelei um dos vizinhos que caminhava na direção contrária trazendo algumas sacolas nas mãos. Ele desviou no último instante, evitando um grande esbarrão.
— Desculpe! – Gritei para o borrão usando um boné azul que cobria sua cabeça. Não ouvi sua resposta, já estava correndo escada abaixo e torcendo para que não pegasse trânsito. Talvez eu tivesse a sorte de conseguir um táxi, um ônibus seria minha sentença de morte, afinal meu destino é o Queens.
Midtown Science High School,
Queens, Nova York;
CHEGUEI QUASE trinta minutos depois do início do horário letivo, mas para minha sorte, meu primeiro tempo era livre. Eu descobri só quando cruzei a porta da sala dos professores sem fôlego e sem cor.
Eu havia me formado na primavera passada com a licenciatura em História na universidade da Pensilvânia, e esta escola foi a primeira que aceitou de bom grado o meu currículo iniciante, pois apesar da falta de experiência eu obtive ótimas notas na graduação. Durante os últimos dias desde que deram como certo minha contratação, não pude evitar de me sentir absurdamente apreensiva e com medo do que estava por vir.
Agora eu estou em frente a porta da sala onde estavam esperando os meus primeiros alunos. Respirando fundo e torcendo para não ser um grande fracasso, girei a maçaneta e entrei.
— Bom dia, turma!
Essas foram minhas primeiras palavras. Eu estavam nervosa demais para elaborar qualquer coisa que pudesse der melhor ou mais "legal". Minha chegada interrompeu todos os buchichos e conversas paralelas.
Olhando de forma geral e atenuando um pouco minha grande ansiedade, eles parecem legais e tranquilos. Todos responderam com um "bom dia" e se calaram em seguida, com a atenção concentrada em mim. Admito ter me sentido levemente intimidada por tantos olhares, afinal, o ginásio não foi o melhor momento da minha juventude e todo esse cenário me faz retroceder alguns anos na memória. Respiro fundo e lanço meu melhor sorriso:
— Sou a srta. Ellington, e como já devem imaginar sou a nova professora de História – Conforme falava comecei a adquirir um pouco mais de confiança. – Sei que alguns de vocês acha essa matéria um porre, e só estão esperando por uma distração minha para tentar tirar um cochilo, mas se me derem uma chance, eu prometo que vai ser diferente.
Alguns sorrisos e risadas, isso parece bom, certo?
As expressões deles estavam bem mais suaves agora, como se sentissem mais confortáveis comigo, senti que pelo menos em alguma coisa eu havia acertado. Com um sorrido mais relaxado, tirei o livro sobre a 2° Guerra Mundial da bolsa.
— O quanto vocês conhecem sobre a Segunda Guerra Mundial? – Eu perguntei, parando em frente a classe e varrendo seus rostos com meus olhos atentos. Alguns se entreolharam, outros cochicharam.
— Hitler queria o monopólio global – Uma garota falou, erguendo o braço antes de todos os outros. – Começou engolindo países menores, usurpando a economia deles e depois tentou atacar os maiores.
Um enorme sorriso tomou meus lábios, eu a fitei satisfeita.
— Qual o seu nome?
Pergunto curiosa.
— Michelle – Ela respondeu.
— Parabéns, Michelle – Digo. – Você acabou de dar uma ótima abertura para nossa aula.
Ela devolveu um ligeiro sorriso torto, voltando a se encostar contra a parede. Eu voltei meu olhar para a classe e retornei minha fala.
O DIA FOI MELHOR do que imaginei. Sinceramente, eu não esperava que as coisas tivessem dado tão certo quanto deram. Eu estava voltando para meu apartamento, apreciando o céu tingido com tons alaranjados de fim de tarde através da janela do ônibus, quando meu telefone tocou dentro da bolsa.
— Harper – Falei ao atender, já sabendo quem era por ter visto no visor. – Ei!
— E aí?!! Como foi o primeiro dia? – Sua voz soou eufórica através do auto falante do aparelho. – Estou pensando em comemorar. Podemos fazer uma festa e...
— Festa? Pode ir com calma – Eu a interrompi. – Hoje é segunda-feira e caso não se lembre o motivo da comemoração, agora eu tenho um emprego, tenho que acordar cedo amanhã. A propósito... você me convenceu a comemorar ontem e eu quase me ferrei perdendo a hora hoje de manhã.
Harper é minha melhor amiga, nós nos conhecemos no ensino médio e nunca mais nos separamos. Fomos para a faculdade juntas e dividimos o dormitório por anos. Ela sempre foi obcecada por festas, não que fosse irresponsável, ela sempre sabe a hora de parar, mas não significa que ela sabia a hora apropriada de começar. Mesmo sendo opostas, sempre nos demos muito bem.
Ela começou a falar, um discurso sobre como eu deveria aproveitar mais a vida agora que não preciso mais ficar com o nariz enfiado em um livro e tenho um emprego de verdade com um salário descente. Eu estava pronta para interromper quando o ônibus parou bruscamente, dando uma guinada para frente. O telefone voou da minha mão antes que eu podesse segurá-lo com mais segurança, escapando do meu alcance em direção a janela aberta. Estiquei o braço rapidamente com a esperança de recuperá-lo, sentindo a ponta dos dedos encostar no aparelho segundos antes que ele... congelasse totalmente em pleno ar.
Encarei o celular, minha respiração travada e os olhos arregalados. O que aconteceu em seguida foi aínda mais espantoso: o celular retornou lentamente até minha mão, pousando suavemente na minha palma como se absolutamente nada tivesse acontecido. Minha primeira reação quando escapei da onda de choque foi percorrer com o olhar os outros poucos passageiros, mas ninguém prestava a menor atenção em mim. E por que haveriam de prestar, afinal? Maldição, o que foi isso que acabou de acontecer?
— Ei, você ainda está aí? Celeste? – A voz de Harper me puxou de volta para a realidade. Pressionei o aparelho com força contra minha orelha, como uma certificação de que era real. Aquilo era real. Aquilo de fato aconteceu.
Quando respondi, me esforcei para manter meu tom de voz o mais natural possível, porém temo ter falhado miseravelmente:
— Sim, estou sim. Uhnn... Harper, eu tenho que desligar agora, tudo bem? Mais tarde nós conversamos melhor e eu conto como foi o meu primeiro dia.
— Você está mesmo bem? Você parece essa estranha.
Merda! Como ela pode me conhecer tão bem?
— Claro, estou ótima. Tenho que preparar algumas coisas para a aula de amanhã, só isso. Mais tarde eu ligo para você.
— Certo, tudo bem então. Até mais tarde!
Desliguei o telefone e em seguida permaneci imóvel. Meus olhos encaravam o revestimento vermelho do banco da frente, enquanto meu cérebro surtava procurando por respostas plausíveis para o que acabou de acontecer. É assim que se faz, não é? Buscamos evidências que explicam o inexplicável. Sem dúvidas isso é algo que se enquadra no critério inexplicável.
A solução mais simples que pude encontrar no momento foi a de que meu cérebro está apenas me pregando algum tipo de peça. Com a quantidade de álcool que ingeri noite passada e o pouco tempo de sono, só pode ser isso. Estudei na faculdade sobre os efeitos que a privação de sono podem provocar no nosso cérebro e vão desde alterações de humor até mesmo alucinações. Isso é definitivamente um caso de alucinação.
Desço do onibus e caminho os poucos metros até o prédio onde moro há quase um ano, desde que me formei na faculdade e me mudei para Nova York.
Enquanto destrancava a porta para entrar, o vulto de boné azul vinha passando novamente, desta vez estava saindo. Eu o reconheci de hoje cedo e considerei chamá-lo para me desculpar adequadamente pelo quase atropelamento, mas ele já estava longe. Dei de ombros e entrei, fechando a porta e trancando-a em seguida.
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