•O homem elfo•
Corro aos tropeços em meio a multidão, o rosto reluzindo suor. A cada ombro que choco, a cada pé que piso é um xingamento diferente, mas ignoro, pois não tenho tempo a perder.
Aproximo da mesa onde está sentada a moça de cabelos ruivos modelados com laquê, que não aparentava ter mais que 30 anos, para me inscrever. Ela me olha por cima da armadura de seu óculos e pergunta meus dados.
- Meu nome é Ivy Canberra e esse é meu dragãozinho, a raça dele é eluhlaza e tem apenas 2 anos.
Blue é meu orgulho, encontrei ele perdido e descuidado enquanto fazia um caminho diferente para voltar da escola, seus olhinhos carecia carinho e suas escamas azuis pediam um bom banho. O levei para casa e desde então cuido como se fosse meu filho, foi uma sorte demasiada encontrá-lo, talvez nem em mil vidas conseguiria comprar uma espécie dessas.
- Você vai inscrevê-lo em qual categoria?- ela o inspeciona, olhando-o de cima a baixo, decerto acreditava que um dragão tão jovem não teria muitas habilidades, mas estava enganada.
- Ele vai concorrer o vôo com obstáculos. - Digo com um sorriso que fica ainda maior quando a moça fica boquiaberta e logo depois franze a testa, apesar da reação não questiona e anota tudo em sua prancheta.
Na verdade, meu sonho é que ele vire um grande cuspidor de fogo, no entanto, tão novinho, por mais que eu tente truques para ensiná-lo ele relutava e não saía uma fagulha sequer do meu pequeno. Não desisto fácil, há casos de dragões que demoram décadas para manifestar seus dons e em alguns casos nem aparecem. Mas estou positiva quanto a isso.
Continuo caminhando apressadamente até a arena onde acontecerá o torneio, ele acontece anualmente e esse é meu primeiro ano o que me deixa ansiosa ao ponto de suar as mãos.
Desvio das pessoas maravilhadas com estátuas humanas, alguns assistem a mágicos, malabaristas, caricatas; artistas de rua que usam desses grandes eventos para tirar uma renda extra. O ambiente está tão bem decorado que só de estar nele já me sinto instantaneamente feliz. As barraquinhas de comidas estão exibidas em cores variadas e são visíveis de longe, dando mais um motivo para visitá-las além do cheiro estupendo.
Mais ao fundo, rodas gigantes, montanhas russas e outros brinquedos brilhando com suas luzes neon, as crianças ainda na fila do ingresso já estão extasiadas, como se já estivessem sentindo a experiência de estar no brinquedo.
Continuo olhando tudo ao redor, maravilhada, cada mínimo detalhe faz com que tudo fique perfeito. Desvio o olhar para Blue que sobrevoava por cima do meu ombro, também estava agitado, com certeza inebriado por aquela quantidade de cores.
Escuto gritinhos e risadas um tanto exageradas vindo de um dos cantos, quando olho, ainda com um super sorriso no rosto, para ver o que se trata, deduzindo que fosse mais uma atração vejo meu ex. namorado, Travis, e um bando de garotas ao seu redor. Por reflexo reviro meus olhos tanto que se possível sairiam da órbita.
Creio que a adolescência é nosso maior momento de fragilidade, e isso pelo fato de acharmos que tudo podemos. Queremos quebrar regras, apenas por ser divertido. Queremos nos vestir como todo mundo, só porque parece maneiro. Desrespeitamos nossos pais, para fazer a vontade daqueles que pensamos ser nossos amigos. E são todos esses motivos que nos deixam vulneráveis. Não somos os donos do mundo, se queremos andar fora da lei, terá as consequências, e estamos preparados para elas? Nem sempre. Ter gosto parecido com os demais pode ser legal, mas a que preço? Em qual momento percebemos que paulatina e gradativamente estamos perdendo nossa própria essência e identidade? E por que somos tão inconsequentes que, só reparamos o quanto nossos pais são importantes e os únicos que são inteiramente verdadeiros conosco quando quebramos a cara com certas amizades?
Essas perguntas são complexas, difíceis de responder, e só paramos para ponderar sobre elas quando crescemos. Talvez os psicólogos devessem dar prioridade a essa fase e fazer um profundo estudo a fim de descobrir o que nos move nela e ainda por que há tantos arrependimentos posteriores.
Foi quando meus hormônios estavam um caos que comecei meu namoro com Travis. Quando escrevia cartas apaixonadas para ele sempre dizia para mim mesma que havia sido amor a primeira vista, mas o que eu sabia do amor? Hoje vejo que nada.
Se é amor, é para sempre, certo? Agora não o idealizo como algo com tempo de duração, se ele acabou foi porque nunca existiu. E o que mais me doeu com o fim do relacionamento foi exatamente essa ilusão de adolescência, criei em minha cabeça uma intensa história de amor, dei nome ao que eu sentia e - meu maior erro - ao que ele dizia sentir também, mas no fundo a definição dessa paixão instável não era amor. Talvez uma paquera, uma pegação, mas não amor.
"Mas filha vocês já estão namorado? Mal se conhecem", minha mãe me disse em uma das nossas intermináveis conversas. E o que respondi? "Foi amor a primeira vista mãe, foi instantâneo, foi na hora."
Hoje relembrando esse diálogo só consigo pensar em quão estúpida eu era, e só passou o quê? Três anos no máximo. O que nos faz amar não é aparência física, não é o externo, e à primeira vista é isso que vemos. Então, com a maior convicção do mundo digo, não existe amor a primeira vista! Talvez a primeira conversa, ou primeira risada, primeiro abraço... Pois são essas coisas que fazem realmente nosso coração acelerar.
Não querendo que ele me veja dou meia volta e passo por outra rota, ainda o fitando para ter certeza que ele realmente não me viu, vou andando sem olhar por onde, só lembro que devia estar olhando para frente quando esbarro em algo, ou melhor em alguém.
Me levanto rapidamente tirando os ciscos da minha saia xadrez com as mãos, toda desajeitada e com um rubor intenso na face devido a vergonha, tento me desculpar.
- Mil desculpas, desculpa de verdade não queria sujar sua roupa...- Tento esconder o vacilo na minha voz e acrescento.- Seria uma boa se dragões falassem também não é mesmo? Dessa forma avisaria quando estivéssemos prestes a bater em alguém.
Tento não olhar novamente para suas vestes mas elas me chamavam, pareciam me hipnotizar. Ele estava vestindo uma roupa de elfo. Era toda verde, os sapatos marrons desgastados tinha o bico arqueado para cima, usava uma peruca cor vermelha e até orelhas pontiagudas postiças fazia parte da sua fantasia. Estava infantil, eu diria até ridículo, apesar de já ser um homem. Ele percebe minha expressão e me olha com uma cara divertida.
- O que é? Não gostou da minha roupa?- Ele pergunta com um sorriso olhando para si mesmo.
Nesse instante, tive coragem de realmente olhar seu rosto, e ele era angelical. Seu rosto moreno tinha desenhado em cada bochecha lindas covinhas devido ao sincero sorriso.
- É só que... Sabe elfos nem existem, se tivesse vindo vestido de dragão teria sido melhor. - Rio. Ou se tivesse vindo com roupas normais como todo mundo.
- Gosto de ser autêntico.- Se gaba.- Belo dragão.
Ele acaricia Blue que fica todo assanhado com o gesto. Reviro os olhos divertida. Não acredito que uma pessoa totalmente desconhecida e vestida ridiculamente conseguiu mexer tanto comigo e Blue simultaneamente.
- É, talvez exista amor a primeira trombada.- Digo por fim, e ele me olha sem entender muita coisa.
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