Dois dias depois...

Melinda Knight está com 22 anos hoje. É uma jovem normal, teve os estudos concluídos até o ensino médio aos 17 anos e desde os 15 está no manicômio que ela aprendeu a chamar de casa.

Ela é uma garota incrível e eu a vi crescer. O problema em sua saúde mental nunca a impediu de viver as alegrias que a juventude permite, menos a parte dos namorados e das festas.

Eu sou Miguel Mortmain, um quase doutor em doenças mentais, aquilo que chamam de “jovem senhor” e estou me especializando na área mental especialmente para cuidar da saúde de Melinda. Ela aprendeu com o tempo a confiar em mim. No início ela não gostava muito de mim e eu admito que isso me feria um pouco.

Quando eu cheguei a esta clínica era um simples estagiário e Melinda havia acabado de chegar. Eu a ouvia conversando com os animais e sempre que a via, estava com um pequeno caderno e um lápis nas mãos.

Ela caminhava até as árvores, parava perto dos formigueiros, suspirava e se punha a escrever. Todos os dias eram assim. Quando estagiava ela nem me dava bola, parecia que eu era invisível aos olhos dela. E que olhos.

Sempre me perco quando penso naquela época.

Me lembro de cada detalhe do rosto anguloso, porém delicado dela.

Os olhos cinzentos e tempestuosos, as bochechas pálidas e os longos cabelos castanhos. Ela já era alta para uma garota tão nova, mas era um charme totalmente dela. Única.

Ela era muito bem desenvolvida, uma bela mulher eu diria. Ela tem um andar - ou uma ala como preferir - inteiro só para ela aqui na clínica e isso se deve ao fato de os pais dela serem os mais ricos do país. Eles me pagam uma fortuna para viver em função da filha deles. E cá entre nós, eu poderia fazer isso de graça.

Nesse momento, eu a estou observando de dentro do meu consultório enquanto ela escreve. Melinda parece tão concentrada no que faz que até sinto uma pitada de inveja, pois eu simplesmente não consigo manter a concentração quando ela está por perto.

Eu sei que posso ser preso se alguém suspeitar dos meus sentimentos. Tenho quase 30 anos e ela tem apenas 22 e é considerada incapaz de exercer plenos poderes sobre si mesma.

Eu sou um tolo e sei disso, mas é mais forte do que eu.

Eu tento manter o controle quando ela me olha com aqueles olhos sedentos de carinho, mas minha vontade é jogar tudo para o alto, pegar ela e fugir para longe, mas sei que o máximo que eu conseguiria seria a cadeia, e só o pensamento me faz estremecer.

Ela me pega olhando em sua direção me retribui o olhar e por alguns instantes fico sem reação. Ela apenas sorri e eu retribuo um pouco nervoso.

Eu resolvi sair do consultório e ir até ela. Há exatos dois dias ela me disse que mostraria textos que a própria escreve e tenho de admitir, ela é sensacional e surpreendente. Ela nunca mostra o que ela escreve para ninguém. Eu sempre odiei ler poemas, contos e essas baboseiras, porque eu sempre achei que era incapaz de amar.

Mas ela me fez e faz pensar diferente. Eu sinto isso. Ela me prometeu que hoje contaria a história de um casal de araras: Louis e Rebecca. Eu sei que são nomes incomuns se tratando de pássaros, mas Melinda é assim, nada que é comum é o suficiente para ela.

Agora ela está um pouco distraída olhando para o alto e batendo o lápis no queixo e afagando Cherry. Eu adoraria sentar-me ao lado dela ali no chão e sentir a natureza como ela sente. Mas sei que não posso. É impossível.

- Olha Miguel - ela diz apontando o ninho - Rebecca está esperando Louis. Ela sorri maravilhada e eu não entendo o que significa, mas só de ver ela sorrindo, sorrio também.

- Melinda, estou ansioso para ler o que escreveu.

- Eu acabei de finalizar o conto. Espero que goste. - ela me olhou com espectativa enquanto me entregava seu caderninho.

Corri meus olhos pelo papel e enquanto lia ia me encantando ainda mais pelo conto escrito e pela menina em minha frente.

Eu era só uma menina triste e doente, deveria estar só como sempre havia sido. Mas o amor me encontrou e ele me cura, a cada dia que passa.

Ele me olha com amor, ele me cuida com carinho, ele me trata com bondade e me conduz devagarinho.

Ele tem paciência e nunca me abandona, e ao entardecer sempre está de volta, com sua fidelidade e cumplicidade. Ele é minha luz e minha força. Não sinto medo ao estar só, pois sei que ele voltará.

Mesmo que demore, mesmo que não me traga alimento sólido, seu amor me alimenta e me mantém forte.

Mais importante que a vida é o amor, mais importante que a luz do sol é o brilho das estrelas.

E todas as noite meu bem, eu juro, te amarei.*

Eu sentia vontade de chorar. Era uma emoção até então desconhecida para mim. Como eu disse antes eu nunca gostei muito de ler. Mas eu queria mais dela. E ler o que ela escreveu me fez perceber um grande avanço na sua cura.

- Melinda isso é lindo. Foi a coisa mais bonita que já li na minha vida!

- Obrigada. - ela sorriu tímida e colocou uma mecha do cabelo atrás da orelha.

Eu não queria estragar aquele momento. Eu pararia todo tempo nesse momento aqui.#

- Eu que devia te agradecer. - disse ainda extasiado com o texto que ela havia escrito.

E ela se levantou do chão. E me estendeu a mão divertida e eu nem pensei em negar.

- Agora vamos doutor, temos uma terapia para fazer ainda hoje.

Eu sorri e seguimos para o consultório de braços dados com Cherry nos seguindo e Rebecca cantando com Louis que havia acabado de voltar.

********

* esse textinho fofo foi escrito por mim, por favor, se quiserem compartilhá-lo com alguém dêem os devidos créditos. *

# Trecho da música “Metade de Mim” da Banda Rosa de Saron.

PS: sou muito fã dessa banda!!

PS2: recomendo muito!!!!!!