Capítulo 99 e Dedicatória
[Javel]
99 - Estranhas criaturas
Caridade avaliou a minha faca ashuriana, em dúvida, e fez um gesto para que os outros recuassem. Stephen nem se mexeu, ficou examinando as unhas.
Alguns segundos se passaram, antes que ele se pronunciasse:
-Eu bem que gostaria de saber qual dos imbecis deixou-a escapar e agora, temos isto - ele apontou para mim, desgostoso. - Pensei que tivesse treinado o Sean melhor, Justus.
Sean rugiu para ele. Justus olhou torto tanto para o adolescente quanto para Stephen.
Meu Deus! Eram todos feras! Será que algumas das cobaias de Jud escaparam do laboratório? Teriam sobrevivido e se reproduzido até os dias atuais?
-Fiquem onde estão - avisei - se não quiserem que eu a estripe bem diante dos seus olhos.
Para meu espanto, Melissa começou a rir como uma louca. Pensando bem, a garota se comportava como uma louca mesmo.
-Péssima manobra, asuhuriano - disse uma voz grave atrás de nós. Eu me virei, segurando a jovem firmemente junto ao peito e me deparei com um homem de cabelos negros, olhos verdes como jade, de pé sobre a muralha. Ele estava todo vestido de preto.
-Você é o rei? - indaguei, adivinhando, pelo porte, que deveria ser ele; ou ao menos, era o cara mais importante daquele lugar. Seu poder era visível, palpável. Se não fosse o rei, certamente tinha condições e meios de me levar até ele.
-Eu, o rei? Não... - respondeu, em tom preguiçoso. Os outros riram baixinho. Pareciam tranquilos agora, menos o tal Stephen. - Mas essa jovem dama que você ousa segurar, sem a menor cerimônia, é a minha mulher. Acho melhor soltá-la, se quiser preservar a mão e o próprio pescoço.
Ele abriu um sorriso letal, antes de acrescentar:
-Não necessariamente nessa ordem.
Eu ri, fingindo que não ficava preocupado com o tom dele e sua postura. - Vai fazer o quê?
-Eu? - ele ergueu a sobrancelha, espantado. - Eu não vou fazer nada, mas ela vai.
Ele começou a rir num tom baixo e sombrio. Melissa também. Sua boca se abriu num esgar, reconhecendo o homem com olhos cor de jade. Eram todos loucos, com certeza...
De repente, ela começou a... Aumentar de tamanho... E eu fui jogado para trás com violência. Quando me recuperei, uma pantera negra um pouco maior do que eu, avançava na minha direção. Recuei um pouco, mas não fui rápido o suficiente para engatinhar de ré. Eu, príncipe herdeiro de Ashur, engatinhando para fugir de uma criatura sem classificação.
Era o cúmulo do absurdo.
Ela parou com os dentes arreganhados à altura da minha jugular. Foi a primeira vez que eu tive medo, em toda a minha existência.
Aquela não era uma pantera normal. Era um transmorfo. Uma mutação causada por algum motivo que eu não conseguia imaginar.
Já vi isso, numa das nossas colônias. Mas apesar de raro, não chegava a nos dar trabalho. Quando surgia, tratávamos de eliminar como as ervas daninhas que cortamos, antes que comece a enfraquecer uma planta bonita.
Pelo visto, a erva daninha cresceu sem controle em Nahash.
-Querida, não quer ao menos nos deixar ouvir o que o invasor alienígena tem a dizer? - perguntou o homem de olhos verdes. - Afinal, suspeito que seja um príncipe... - disse ele com tal ironia, que meus músculos se retesaram.
A pantera olhou para ele, olhou para mim, rugiu tão alto que partículas de saliva entraram em meu olho. Eu fiz uma careta de nojo, observando-a recuar. Duas coisas aconteceram muito rápido, naquele instante. Um homem surgiu do nada e aplicou uma injeção na pantera; e Stephen desapareceu em algum ponto da muralha.
O homem com olhos cor de jade nem olhou naquela direção. Ele não tirava os olhos da pantera, que foi se deitando devagarinho até encostar a cabeçorra entre as patas e fechar os olhos cor de mel.
-Obrigado, Adam - disse ele, num tom realmente agradecido e emocionado. - Agora podemos colocá-la na jaula de transporte.
-É a segunda vez que Melissa foge - reclamou Caridade.
-Eu sei, minha bhean-cahill é muito esperta - ele respondeu, com admiração. - Não acha?
Caridade revirou os olhos e Adam fez que não para ela, alertando-a para se controlar. O homem de olhos verdes passou a mão com carinho na cabeçorra da pantera. Havia... amor ali.
A garota Melissa era uma transmorfa. Seria a única? Não, devia haver mais naquele estranho lugar.
Eu estava cada vez mais confuso. Eu me sentei, encarando cada um daqueles supostos lulus. Era a segunda vez que me derrubavam, surpreendiam e assustavam em menos de meia hora e meu ego estava ficando bastante abalado. Eu, que treinei aqueles lulus idiotas - fossem eles transmorfos ou não! Tá, treinei os ancestrais deles, que seja!
Daí, eu me lembrei da garota que foi raptada, no posto de gasolina. Eu tinha um problema chamado Ásia Chadwick para resolver.
O olhar de Abra me perseguia. O olhar de uma lulu, que agora eu chamava pelo nome. Eu estava ficando louco mesmo.
Respirei fundo e contei mentalmente até dez. O homem de olhos verdes franziu o cenho de leve e torceu os lábios. Ele se inclinou para mim, como se me achasse um espécime interessante, e não o contrário. Meu sangue ferveu. Mesmo assim, eu acho que a lógica de Adad tinha mais chance de dar certo, naquele momento, do que minha antiga maneira de lidar com os lulus. Eu precisava fazer um esforço e deixar de lado minha antipatia por tudo que nascia e crescia naquele planeta.
-Escutem... Já entendi. Eu não tenho poder sobre vocês. Então que tal se...
-Mas nós temos poder sobre você - interrompeu o homem com olhos cor de jade. - Você tinha uma faca no pescoço da minha mulher.
Ele deixou no ar a implicação do meu ato.
-Certo. Cometi um grave erro - me forcei a reconhecer. - Eu não pretendia feri-la. E mesmo que pudesse... É óbvio que vocês não podem ser feridos com facilidade. Acontece que a vida de uma lu... Digo, de uma humana... depende de que o rei de vocês me receba e escute.
Ele inclinou a cabeça novamente, assimilando a nova informação. Ninguém se mexia ao redor, como se esperasse que ele tomasse alguma decisão.
Tentei influenciar sua decisão valendo-me da informação privilegiada que eu disponha.
-Aposto que vocês gostariam de saber quem está por trás da minha presença aqui. Mas, se não querem saber, nem me ajudar - eu levantei e espanei as mãos. - Tudo bem, eu vou embora e resolvo sozinho.
-Ah... -fez o homem, com voz macia. Ele endireitou as costas, ondulando os músculos poderosos dos braços. Algo me fez compará-lo a uma daquelas panteras de pedra, e não à pantera adormecida.
Ele acenou com um gesto de cabeça e piscou um olho para mim, antes de dizer: - Aposto que resolve sozinho. Você é um ashuriano. Eu o reconheci das pinturas que meu pai me mostrou. Você não é imortal como nós e deveria estar bem morto, a esta altura do campeonato... Qual foi a jogada, Javel? Apresentar-se como deus para os pobres mortais, não foi bom o bastante para você?
-De onde o conhece? - indagou a loirinha, especulativa.
-Eu não o conheci pessoalmente, mas aposto que Macha conheceu - o homem respondeu, desviando os olhos cor de jade de mim, brevemente, enquanto explicava a ela. - Longa história. Mas você já viu pinturas dele, Caridade. Se fizer uma forcinha, vai se lembrar.
Ela me encarou, estreitando os olhos.
-Hum... Tem razão, o grandão não me é estranho.
-A minha história também é longa - rebati, em tom de ironia. - O que importa é que tenho um assunto a resolver... Nunca podia imaginar que fosse topar com um de vocês.
O tempo estava passando. E eu ali, tendo que travar aquela conversa cifrada.
-Quem? - quis saber a loirinha, inclinando a cabeça. -Com quem você topou?
-Asia Chadwick - tive a satisfação de informar, pensando que, assim, eles começariam a prestar atenção ao que eu tinha a dizer e facilitariam as coisas.
Não me enganei, pelo menos, não no primeiro quesito. Os holofotes estavam todos sobre mim, e a postura deles mudou de zombaria para choque.
Trocaram olhares de surpresa e desconfiança, exceto o recém-chegado. Nada parecia abalar o sujeito. Seus olhos verdes brilharam, mas a expressão permaneceu insondável, quando ele resolveu se manifestar.
-Então, você deseja ver o rei... - disse suavemente, avaliando-me de alto a baixo. Virou-se para os homens e ordenou: - Isso ainda precisa ser decidido... Soltem o ashuriano.
-Mas... - a loirinha bateu o pé.
-Caridade ainda não se divertiu hoje - contrapôs Justus, recebendo dela um olhar enviesado.
-Sem "mas" nem meio "mas", Caridade - disse o homem de olhos verdes. - Tenho questões para me preocupar e assuntos a resolver, tais como a logística de embarque desta minha adorável pantera.
Ele baixou os lábios para junto da orelha da pantera e sussurrou:
-Fujona!
Ela nem se mexeu, apenas a orelha se agitou. Os olhos dele brilharam de ternura quando sorriu.
-Mas você não vai embora sem se despedir, vai? -Caridade perguntou, esperançosa e agitada. Esqueceu-se da minha existência, rapidinho.
Ele não respondeu, apenas a encarou. Toda a ternura destinada à criatura adormecida, desapareceu, e seus olhos tornaram-se implacáveis outra vez.
Caridade estremeceu, mas não desistiu.
-Não vai querer saber o que esse sujeito tem a dizer? - insistiu, apontando para mim.
-Ele será ouvido pelo rei - foi tudo que o homem respondeu. - Se o rei decidir ouvi-lo. Não é mais problema meu.
-Adriano! - ela fechou os punhos. - Asia atentou contra a vida de Melissa mais de uma vez. Você haverá de querer participar, não tente me enganar.
Ele desviou os olhos insondáveis dela para mim e de volta para ela.
-Estarei presente à audiência - foi tudo o que disse, virando-se para se juntar ao tal Adam, ao lado da pantera adormecida.
A reposta dele deve ter sido positiva, pois Caridade deu pulinhos de alegria.
-Ganhamos mais algum tempo para convencê-lo de não deixar o trono - disse baixinho para Justus.
Eu não pude processar o que foi dito. Aliás, nem entendi, já que o homem de olhos verdes disse que não era o rei. A que trono ela estava se referindo? A coisa toda estava cada vez mais confusa.
Sean tornou a me agarrar e eu não pude mais analisar a questão, a cena, ou aquelas estranhas pessoas. Fui arrastado para fora da propriedade.
FIM do primeiro volume.
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Dedicatória
Em algum lugar do espaço-tempo, nasceu uma linda gatinha de olhos verdes cor de jade, amorosa e assustadoramente inteligente, que foi muito magoada pelos antigos donos. Ela decidiu me adotar e hoje é a minha maior guardiã e protetora.
XXX
Em algum lugar do espaço-tempo, nasceu um pequinês chamado Oliver, que sobrou de uma ninhada e foi largado dentro de uma gaiola, em uma Petshop, com o seu irmão Herbie.
Os dois filhotes sobraram porque Herbie tinha um focinho mais longo, e Oliver, de alguma forma, estava com o rabinho quebrado.
Precisava ver o medo que eu via nos olhos dos dois, quando estive na Pet para comprar ração para os meus cães. Na ocasião, não tive dúvidas de que o Oliver conseguiria um dono, pois era muito bonitinho, então decidi ficar com o Herbie, porque sabia que teriam preconceito por causa de seu focinho. Mas Herbie se agarrou no irmão de tal forma, e Oliver me olhou com tanta tristeza, que não tive coragem de separar os irmãos. Levei os dois.
O rabo do Oliver foi examinado pelo meu veterinário, o Dr. Mauro, o melhor veterinário do mundo. E ele disse que teria que ser operado, dependendo de como fosse crescendo.
Oliver cresceu bem. Hoje é um respeitável senhor de idade. Tem 14 anos. Amoroso, mas rabugento. Late para tudo, por tudo. E suspira por um cafuné.
Esta trilogia também é dedicada a ele... E ao seu apavorado irmãozinho Herbie. A quem chamo carinhosamente de minha "ovelhinha da manhã". Se tivesse nascido menina, eu certamente o teria chamado de Sheila kkkkk
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