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Capítulo 48. Você só pode estar maluca.

O ar no na biblioteca da mansão Corallo estava denso. As janelas altas deixavam a luz dourada da tarde entrar, mas a tensão entre as pessoas presentes parecia obscurecer qualquer sensação de calor ou aconchego. Eleonor estava sentada com a postura de quem comandava um império, uma taça de vinho branco equilibrada entre os dedos, enquanto Enrico andava de um lado para o outro, incapaz de conter a inquietação que o consumia.

Você bebeu seu Chardonnay com o quê? — Enrico estourou, a voz carregada de impaciência.

Eleonor arqueou uma sobrancelha, sua expressão firme, mas tranquila.

— Enrico, cuidado com o tom de voz, ou eu vou perder minha paciência. — Seu tom era gélido, e ela pousou a taça com um leve estalo sobre a mesa de mármore.

Do outro lado do salão, Don Corallo, sempre com um leve ar de diversão, interrompeu:

— Eleonor, você realmente achou que ele aceitaria isso numa boa, como diz os jovens — Ele gargalhou, como se já previsse o desfecho.

— Claro que não — respondeu Eleonor, com um sorriso cortante. — Ele herdou sua personalidade.

— E sua falta de habilidade em seguir ordens — retrucou Don Corallo, jogando as mãos no ar como se fizesse um brinde a si mesmo.

— Licença, podemos voltar ao assunto? — Ele parou abruptamente no centro da sala, mirando a mãe. — Isso não vai acontecer.

Eleonor levantou-se devagar, ajeitando a barra do vestido de seda. Sua postura não era a de uma mulher disposta a recuar.

— Perdão? Eu pedi sua autorização, Enrico? Porque, francamente, não me lembro.

— Você não vai levar minha mulher! — Enrico exclamou, cruzando os braços.

— E ela não tem o direito de escolher, Enrico? — rebateu Eleonor, sem hesitar.

Enrico hesitou por alguns instantes antes de dizer: — Tem... é que... — Ele procurou as palavras, mas sua mente parecia travada entre o orgulho e o medo de expor seus verdadeiros sentimentos.

É que... — Eleonor o imitou com deboche, revirando os olhos. — Você é controlador como todos os homens Corallo. Layla não é sua propriedade.

— Esse gênio ruim definitivamente veio do seu lado da família, Eleonor. — Joseph, sempre disposto a provocar, riu.

— Mãe, eu acho que deveríamos falar com ela primeiro. — Enrico ignorou o comentário, virando-se novamente para a mãe.

— Já falei com ela antes de falar com você, querido — respondeu Eleonor, com um tom de paciência fingida. — Acha que eu suportaria esse sermão ridículo sem saber o que ela quer?

— Ela concordou? — A voz de Enrico saiu fraca, quase um sussurro, e seu rosto perdeu a cor. A ideia de Layla querer ir para longe dele o atingiu como um soco no estômago.

— Enrico, ela não está indo para a guerra. São apenas férias na Itália.

Antes que ele pudesse responder, uma voz surgiu da entrada da biblioteca:

Por que não posso ir? — Layla estava ali, com o olhar firme, os braços cruzados.

Todos se viraram. O silêncio tomou conta por um instante, enquanto Enrico parecia ser perfurado pela intensidade dos olhos dela.

— Layla, amore mio, é que... — Enrico começou, mas parou, percebendo que suas palavras estavam se embaralhando na garganta.

— Por que não posso ir? — Ela repetiu, sua voz desafiadora, mas controlada.

— Ele insiste nesse é que. — Eleonor sorriu de canto, como se já previsse o desfecho da discussão.

— Eu não quero que você fique longe de mim — Enrico finalmente disse, sua voz mais baixa, quase um sussurro.

Layla ficou em silêncio por um momento, olhando-o com algo que não era nem raiva nem tristeza, mas exaustão. Quantas vezes ela já ouvira aquilo? O mesmo argumento, o mesmo medo possessivo. Ela respirou fundo, tentando não deixar as memórias a dominarem: aquela terapia, as palavras daquela mulher que tanto a machucaram, as promessas que ele fizera de mudar.

— Enrico, eu não sou sua prisioneira — Layla disse com firmeza, seus olhos brilhando com algo que ele não conseguiu decifrar.

— Eu sei disso — ele murmurou, mas não parecia tão convincente.

Layla se aproximou de Enrico com passos hesitantes, mas sua expressão era decidida. Ela segurou o rosto dele com delicadeza, suas mãos tremendo levemente, enquanto seus olhos úmidos se encontravam com os dele, que a olhavam em um misto de preocupação e desespero.

— Eu vou, Enrico. — A voz dela soava firme, embora carregada de dor. — Isso não é sobre você. É sobre mim. Eu preciso de um tempo para respirar.  Você não confia no que eu sinto por você? — perguntou Layla, sua voz carregada de vulnerabilidade.

— Eu confio. — Enrico suspirou, fechando os olhos por um breve momento antes de encará-lo novamente. — Mas os outros...

— Os outros vão me machucar mesmo você estando a 100 metros de mim, Enrico. — Layla interrompeu bruscamente, sua voz falhando. — Os outros vão conseguir...

Ela sentiu o amargor subir em sua garganta. As palavras pareciam presas, mas a memória daquele dia sombrio era avassaladora.

— Você não é Deus, Enrico.

— Layla... amore mio... — Enrico tentou se aproximar, mas Layla deu um passo para trás.

— Eu sei. Eu sei que não é culpa sua. Não quero que você sofra. Mas eu só... eu só quero que você entenda que há coisas na vida que são inevitáveis. — Ela pausou, buscando forças para continuar. — Eu estou indo com a sua mãe porque eu preciso. Eu estou tão cansada, Enrico.

A voz dela quebrou.

— Eu estou sufocando. Você não consegue ver?

As lágrimas começaram a escorrer livremente agora, deixando um rastro em sua pele pálida. Layla as limpou com as costas da mão, mas não conseguiu conter a avalanche de palavras que seguiu.

— Eu não aguento mais esse desespero, esse medo constante. Sua presença não tira isso de mim... nem a dos seus irmãos, nem dos seguranças, nem da polícia, nem do Papa! — A voz dela quase se tornou um grito.

Enrico estendeu a mão como se quisesse tocá-la, mas Layla deu outro passo para trás, segurando o peito como se cada palavra a dilacerasse.

— Você sabe o que é isso? — perguntou Layla, a voz reduzida a um sussurro. — Você tem alguma noção do pavor que sinto quando qualquer pessoa chega perto de mim e eu estou distraída? Eu ainda consigo sentir o frio daqueles dias. O cheiro daquele lugar. Está na minha pele, Enrico, como se nunca fosse sair.

Eleonor, que estava ao lado de Don Corallo, desviou o olhar, visivelmente tocada pelas palavras de Layla. Ela sabia bem o que era sentir-se impotente diante de traumas que pareciam insuperáveis.

Enrico não encontrou palavras. Ele se aproximou lentamente, ignorando a resistência inicial de Layla, e a envolveu em um abraço. Ela tentou lutar, mas desistiu. Seu corpo relaxou contra o dele enquanto soluçava baixinho.

— Eu lamento não poder mudar isso — murmurou Enrico contra o cabelo dela, apertando-a com mais força.

Layla se afastou o suficiente para olhar nos olhos dele.

— Ninguém pode, Enrico. Mas isso não significa que eu não possa tentar. Eu preciso ir com a sua mãe. Ela me entende.

— Tudo bem, posso levar você até lá... — começou Enrico, mas foi interrompido por Layla, que balançou a cabeça.

— Não, Enrico. Eu preciso ir sozinha. Sem ser seguida.

Ele respirou fundo, passando a mão pelos cabelos enquanto tentava controlar as próprias emoções. Don Corallo pigarrou, indicando que as mulheres deveriam sair. Eleonor segurou a mão de Layla, que a acompanhou em silêncio.

Quando a porta se fechou atrás delas, Don Corallo deu alguns passos em direção ao filho.

— Agora é comigo, ragazzo — disse Don Corallo, seu tom grave e autoritário.

Enrico esfregou o rosto com as mãos, tentando afastar a sensação de impotência que tomava conta dele. Ele respirou fundo, mas a dor em seu peito parecia inescapável.

— Ela é tudo para mim, papai. Como posso deixá-la ir? — Sua voz saiu embargada, carregada de vulnerabilidade.

Don Corallo o orientou em silêncio por um momento, cruzando os braços. Seus olhos, suportados por décadas de lutas e decisões difíceis, suavizaram progressivamente.

— Às vezes, amar alguém significa deixá-la encontrar o caminho de volta para si mesma. — Ele fez uma pausa, escolhendo bem as palavras antes de continuar. — Se ela estiver inteira, voltará mais forte. E então, meu filho, ela será realmente sua.

Enrico desviou o olhar para o chão, processando as palavras do pai. Ele assentiu lentamente, mas era evidente que aquilo não aliviava a dor que sentia. Don Corallo viu a luta interna do filho, a tensão em seus ombros, a expressão de quem estava perdendo uma batalha invisível. Ele sabia que era o momento de revelar algo que Enrico, na verdade, não lembrava.

— Filho, há algo que você precisa saber. Algo que talvez ajude você a entender.

Enrico chamou os olhos, confuso, mas atento.

— Quando você e Matteo eram pequenos... sua mãe, Eleonor, passou por algo terrível. Ela foi pega por um homem que sentia raiva de nossa família. — Don Corallo fez uma pausa, engolindo em seco, como se as palavras fossem mais difíceis de sair. — Ele a manteve cativeiro por dias. Torturou-a. Machucou-a de maneiras que eu nem consigo descrever. Quando finalmente cheguei, pensei que ela não sobreviveria.

Enrico ficou em silêncio, chocado com a revelação. Seus olhos se arregalaram, e ele endireitou a postura, tentando absorver a informação.

— Eu... não sabia disso — murmurou ele, a voz baixa, quase um sussurro.

— Claro que não sabia. Você era só uma criança. — Don Corallo suspirou, parecendo mais cansado do que nunca. — Enquanto eu lidava com a dor dela, também tinha que cuidar de você e Matteo. Você perguntou onde ela estava o tempo todo, e Matteo, tão pequeno, nem falava ainda. Foi um inferno, Enrico.

Enrico esfregou as têmporas, como se tentar lembrar algo tão distante pudesse aliviar a confusão que sentia.

— E o que aconteceu depois?

— Quando ela finalmente conseguiu se estabilizar fisicamente, a mente dela ainda estava quebrada. Eleonor foi para a Itália. Passou meses na casa da sua bisnonna, longe de nós, longe de tudo. Ela precisa de tempo, Enrico. Precisava de espaço para se reconstruir.

Don Corallo encarou o filho com firmeza, mas sem julgamento.

— Layla precisa do mesmo agora. Ela está sufocando. E você, precisa aceitar isso.

— E o que eu preciso, papai? — Enrico disse, o tom misturando desespero e raiva.

— Quer colocar o seu desejo acima do bem-estar da sua mulher? — Don Corallo arqueou uma sobrancelha, a autoridade em sua voz inabalável. — Não foi esse o homem que eu criei.

As palavras atingiram Enrico como um golpe. Ele desviou o olhar, a mandíbula tensa, mas sabia que o pai estava certo. Finalmente, suspirou e assentiu.

— Está bem. Eu vou apoiá-la.

Don Corallo colocou uma mão firme no ombro de Enrico, em um gesto de conforto e aprovação.

Naquela noite, Enrico decidiu mostrar seu apoio. Ele ajudou Layla a arrumar as malas, mesmo que cada item que colocava dentro parecia pesar como chumbo em seu coração. A cada segundo, ele sentia que estava perdendo um pedaço de si mesmo, mas sabia que era o certo a fazer. Ele não confiava no amor que eles tinham pelo outro, e isso teria que ser suficiente.

Mais tarde, quando se deitaram juntos pela última vez antes da partida de Layla, ela sugeriu assistirem a um filme. Por um breve momento, tudo parecia tão normal que aquilo o devastava ainda mais. Layla estava tranquila, talvez até um pouco aliviada, enquanto Enrico sentia o peso de um vazio crescente.

Ele a observava de soslaio, tentando gravar cada detalhe dela: o som da risada baixa ao assistir ao filme, a maneira como ela encostava a cabeça em seu ombro. Era tão simples, tão comum, mas naquele instante parecia o momento mais precioso de sua vida.

Quando finalmente Layla adormeceu em seus braços, Enrico abriu os olhos, segurando as lágrimas que insistiam em cair. Ele sabia que deixá-la ir seria o maior ato de amor que poderia oferecer, mas isso não tornaria a despedida menos dolorosa.

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