Capítulo 33. A verdadeira face de Vitoria
Vitória estava cuidadosamente tecendo a imagem de uma jovem frágil, cuja preocupação com a pequena moça na cadeira de rodas parecia ser genuína. Mas poucos sabiam que ela realmente era capaz. Enquanto todos estavam distraídos com a conversa entre Matteo e seu pai, ela discretamente digitou a mensagem: "Venha me encontrar" , acompanhada da localização da pousada dos Corallo.
— Acho que deixei todos desconfortáveis — disse Vitória, com uma expressão suave.
— Ah, não, filha — respondeu Eleonor, tentando disfarçar a tensão.
— Eu nem me lembro do que aconteceu no dia do acidente. Tudo foi tão rápido. Na verdade, nem me lembro de ter visto o Enrico naquele dia, só me lembro de estar na faculdade.
— Não se esforce tanto, meu amor — disse Marta, tentando enganar a filha. — O médico disse que é normal.
A realidade, porém, era diferente. Vitória se lembrou perfeitamente do ocorrido naquela noite. Ela e Enrico conversaram antes de ela entrar no carro. Ela acreditava que Enrico deveria ter reforçado o lugar do pai na liderança da família, que Don Corallo deveria se afastar e não começar um império. Afinal, a família já possuía mais dinheiro do que seria possível gastar. A negatividade de Vitória já estava incomodando Enrico, e antes mesmo da perseguição, ambos tinham uma discussão acalorada.
Nesse momento, uma das empregadas entrou na sala.
— Tem uma visita para a senhorita Vitória...
Todos se entreolharam desconfiados, e Vitória, com a expressão mais inocente possível, fingiu surpresa.
— Pra mim?
Foi quando o médico entrou, carregando uma maleta discreta. Ele era o doutor Caio, o jovem e promissor médico que cuidava do caso de Vitória. Ele a tratou com um respeito quase reverente, mas ela poderia manipular facilmente.
— Doutor, como me encontrou? — Vitória disse com um sorriso suave.
— Tive que fazer uma busca minuciosa nas câmaras, mas estava preocupado com você — respondeu Caio, claramente tocado pela atitude de Vitória.
— Eu estou com a minha família — ela sorriu mais uma vez. — Estou ótimo.
— Não, ela teve uma dor de cabeça há pouco — Marta interveio, preocupada.
— Mamãe, não foi nada demais — disse Vitória, fazendo um gesto tranquilo.
— Dores de cabeça são um sinal de alerta — o médico insistiu. — Ainda bem que trouxe minhas coisas. Vamos dar uma olhada em você. Há um lugar mais privado?
— Claro — Marta respondeu, ajustando a cadeira de rodas da filha e ajudando-a a se mover até o quarto. Quando chegou, ela a ajudou a se sentar na cama.
— Talvez seja melhor ficarmos só nós dois, para que ela não se sinta pressionada — o médico sugeriu.
Marta, com um aceno de cabeça e saiu, fechando a porta atrás de si.
Ela se deitou na cama, a postura arrogante e calculista, seu olhar fixo em Caio, que entrava na sala com um semblante cauteloso, mas ainda disposto a fazer o que ela pedia.
— Você veio rápido demais, Enrico está dormindo. — Vitória disse, uma expressão de desdém disfarçada de preocupação pintada em seu rosto. Ela se endireitou na cama, deixando claro que não estava no controle da situação. — É ele que você precisa convencer, não o resto da família.
Caio fechou a porta atrás de si e se moveu dela, com o nervosismo visível em sua postura. Mas, por dentro, ele estava decidido, sabendo que suas ações não eram apenas por dever. Ele já não tinha mais remorsos por se envolver com os planos de Vitória.
— Acha que isso vai funcionar? — ele disse, um leve toque de dúvida em sua voz.
Vitória sorriu, uma expressão que mais parecia um sorriso de vitória antecipada, como se já visse os acontecimentos se desenrolando exatamente como ela queria.
— Claro que vai funcionar. — Ela respondeu com confiança. — Quem vai duvidar de uma garota na cadeira de rodas? Todos vão achar que sou frágil, incapaz de causar qualquer dano. É a minha vantagem, Caio.
Ele a observou por um momento, percebendo a malícia oculta nas palavras dela. Não importava o que ela fizesse, ele sabia que Vitória sempre teria uma maneira de manipular as coisas a seu favor.
— O que exatamente você precisa de mim? — ele perguntou, já sabendo o que ela queria ouvir, mas sem deixar de se sentir incomodado.
Vitória se sentou um pouco mais, ajustando a posição na cama e colocando a expressão de quem estava oferecendo algo grandioso. Ela o olhou com olhos frios, sem qualquer sinal de compaixão.
— Quero que você diga que estou melhor aqui. Que este é o melhor lugar para mim, que não posso ser perturbado por nada. — Ela disse, como se isso fosse o único cenário possível. — Diga que Enrico não pode me contar nada sobre o relacionamento dele. Ele tem que fingir que está comigo, que somos especiais, como sempre fomos.
Caio sentiu um aperto no peito ao ouvir isso. Ele sabia que Enrico era mais do que simples carne briga para ela, mas sabia também que Vitória não tinha limites. Não havia verdade em suas palavras, e, no entanto, ele sentiu um tipo de atração pela maneira como ela manipulava tudo ao seu redor.
— Mas ele tem uma namorada. — Caio ajudou, mais por inércia do que por preocupação.
Vitória deu uma risada baixa e superior, uma expressão de desprezo cruzando seu rosto.
— Eu conheci essa garota. — Disse ela, sua voz ácida. — Uma garota sem graça, sem brilho, que mal consegue ser comparada comigo. Ela é boa para ele? com certeza que não, é tão... mosca morta. Ela parece até da família, sabe? Eles nunca me trataram assim Caio. Eu sou a melhor, e Enrico sabe disso. Ele tem que se casar comigo, não com ela.
Ele olhou para Vitória, sem surpresas, mas também sem energia para resistir. Ela sabia que ele estava tão envolvido quanto ela agora, e isso fazia sentir ainda mais poder.
— Você vai arrumar um problema para nós dois. — Caio murmurou, consciente de que essa manipulação, se levada adiante, poderia fazer tudo a perder.
Vitória não se abalou com sua preocupação. Pelo contrário, ela ficou satisfeita, como se tudo já estivesse em seu controle.
— Não se preocupe. Eu garanto que você será bem recompensado. — Ela se deitou de novo na cama, com a postura relaxada de quem já havia vencido. — O que você precisa fazer é simples. Diga a todos que estou melhor aqui, que não posso ficar perturbado com notícias sobre Enrico ou sua vida. Convença até Don Corallo, se for necessário. Ele vai entender, ele sempre entende.
Caio suspirou, já sabia que não havia mais volta. Ele se mudou da porta, sem fazer mais perguntas, ciente de que o jogo estava em andamento e ele já estava muito envolvido.
— Eu farei o que você pediu. — Ele disse, com uma mistura de resignação e um certo prazer do poder que ela ainda exercia sobre ele. Vitória sabia manipular não só os outros, mas também a própria realidade.
Enquanto Caio se dirigia para a porta, o som da risada baixa de Vitória ecoou atrás dele, como se fosse uma sombra que o seguisse. Havia algo de desconcertante na maneira como ela ria, uma confiança quase premonitória, como se ela já tivesse planejado cada movimento à frente. Ele podia sentir o peso da situação, mas não havia como voltar atrás. Para Vitória, aquilo era apenas o começo de seu jogo.
— Entre, senhora. A Vitória está bem, a dor acontece porque o cérebro dela está se adaptando. Às vezes, até uma luz diferente pode causar o choque. — Caio falou com uma calma calculada, tentando desviar os olhos de Vitória, mas não conseguindo deixar de notar o brilho calculista em seu olhar.
— Viu, mamãe, eu estou bem. Só estou um pouco cansada agora... — Vitória se ajeitou na cama, voltando a colocar seu véu de inocência, como se fosse uma personagem mais frágil e vulnerável no ambiente. A atitude só aumentava a tensão no ar.
— Eu preciso conversar com todos agora. Descanse um pouco, Vitória. — Caio feliz, mas o sorriso não parecia real, e Vitória apenas lhe deu um aceno imperceptível com a cabeça.
Assim que Caio e Marta saíram do quarto, ele percebe o peso do silêncio entre eles. A porta estava apenas parcialmente fechada quando Marta não conseguiu evitar lançar a pergunta que estava em sua mente desde que entrou no quarto.
— Ela está bem? — a voz de Marta estava cheia de apreensão, e a dúvida transparecia com força.
Caio respirou fundo antes de responder, sabendo que estava em um jogo perigoso. Seus olhos buscavam qualquer sinal de fraqueza, qualquer brecha para se esquivar, mas não havia.
— Melhor do que eu imaginava, senhora. Estar aqui parece ter desbloqueado algumas memórias dela e ela é mais confortável. Mas precisamos conversar com todos. Eu acho que seria melhor ela ficar por aqui durante um tempo, já que vocês são família. — Caio comentou o ambiente à sua volta, tentando avaliar como os outros reagiriam a isso.
Marta se manteve calada por um instante, aparentemente ponderando suas palavras. Quando Eleonor entrou, a tensão aumentou.
— Claro, somos todos bons amigos. — Eleonor disse com um sorriso imposto, como se tentasse a aliviar a tensão no ar, mas Caio percebeu que ela também estava nervosa.
— Vitória não entende que o tempo passou. Ela ainda imagina que faz parte da família, que está comprometida com o filho de vocês. — Caio pausou, olhando para Eleonor. — Então...
— Então o quê? — Don Corallo interrompeu, entrando de forma brusca na conversa. Sua presença foi como um peso que caiu sobre todos ali, e os pelos da nuca de Caio se arrepiaram. O homem parecia ainda mais ameaçador do que ele já imaginava.
Caio sentiu um suor escorrendo frio pela espinha. Ele sabia que o jogo do Vitória estava prestes a ser desmascarado, mas não podia deixar que isso acontecesse agora. Não na frente de Don Corallo.
— O que eu quero dizer é que... — Caio engoliu em seco, tentando manter o controle, mas sua voz traía um certo nervosismo. — Como Vitória não sabe o que aconteceu neste tempo todo, não seria adequado contar tudo de uma vez. Isso pode causar um impacto muito grande.
Don Corallo olhou com desconfiança, e a pressão aumentou. Ele estava impaciente, e a aura de autoridade dele era quase palpável.
— O que você quer dizer com isso? — Don Corallo rosnou, seu tom impaciente deixando claro que não gosta de rodeios.
— Layla... — Lecce sussurrou, quase como se falasse consigo mesmo, mas a palavra pairou no ar, deixando todos tensos.
— Diga logo! — Don Corallo quase comentou, fazendo os outros se encolherem, e Caio sentiu o medo de apertar seu peito.
— Ela se lembra da faculdade. — Caio finalmente disse, as palavras saindo com dificuldade. — Ela veio para uma festa do cunhado, e o noivo a buscou, depois esqueceu tudo. Para ela, ainda há um relacionamento com Enrico. Ela fala dele o tempo todo.
Houve um momento de silêncio pesado, enquanto todos absorviam a informação. O ar parecia estar mais denso agora, e Caio sabia que as coisas vinham do seu controle.
— Tá dizendo que... — Don Corallo começou, mas não terminou a frase. Ele estava incrédulo, sua expressão agora mais sombria.
— É melhor ela ficar aqui, conversando com todos vocês. Ficar no hospital não está ajudando. — Caio falou com mais firmeza, tentando se manter calmo, mas sabia que estava caminhando na corda bamba.
Lecce, porém, não se deixou enganar.
— E quanto ao relacionamento de Enrico? — Disse, uma leve sombra de desconfiança em sua voz.
Caio não vacilou. Ele sabia o que precisava ser feito, mas a culpa e o peso da mentira pesavam sobre ele.
— Seria melhor ele não contar nada agora. — Ele respondeu calmamente. — Claro que ele vai falar eventualmente, mas contar a verdade de imediato poderia causar um choque muito grande nela.
— Como se essa história toda já não fosse absurda ou suficiente. — Don Corallo disse, sua voz relacionada ao ceticismo. — Isso parece muito ridículo.
Caio tentou se manter firme, mas as palavras de Don Corallo foram como um golpe direto em sua confiança. Ele queria desmentir tudo, mas sabia que não podia.
— Se o senhor acha isso ridículo, imagina o Enrico? Depois de tudo que ele fez para conquistar a Layla. — Lecce comentou, com um tom sarcástico.
Antes que Don Corallo pudesse retrucar, Marta interveio, com a frustração transbordando em sua voz.
— Será que vocês não podem ser simplesmente solidários por algum tempo? — Ela disse, a dor em sua voz evidente. — Eu vi minha filha durante meses, deitada em uma cama de hospital, parecendo morta, e vocês seguiram suas vidas como se nada tivesse acontecido! Foi Enrico que a colocou nesse estado.
O silêncio ainda pesava como uma névoa espessa enquanto Caio tentava recuperar o controle da situação, sem sucesso. Ele sabia que as palavras não seriam suficientes para convencer Don Corallo, cuja expressão fria e fechada demonstrava impaciência e descontentamento.
— Eu venho todos os dias, — insistiu Caio, sua voz soando firme apesar do suor frio em suas costas. — Ela precisa de terapia. É a única forma de ajudar-la a se libertar deste vínculo, de entender que o tempo passou.
Don Corallo estreitou os olhos, mas não respondeu de imediato. Ele observava Caio como um predador analisa sua presa, calculando cada palavra, cada intenção. Finalmente, ele deu um passo para trás, ajustando o terno com um gesto brusco.
— Eu não vou participar. Tenho trabalho a fazer. — Sua voz era como uma lâmina cortante, e sem olhar para mais ninguém, ele se virou e saiu, seguido de perto por Lecce, que lançou um último olhar inquisitivo a Caio antes de desaparecer pela porta.
Caio comunica imóvel, ouvindo o eco dos passos de Don Corallo e Lecce se afastando pelo corredor. Ele sabia que, naquele momento, tinha perdido uma batalha importante, mas não podia permitir que isso fosse o fim.
Dentro do quarto, Vitória escutava tudo, cada palavra de dúvida e tensão. Sua mente fervilhava com cenários possíveis, todos eles desfavoráveis. O que deveria ser uma chance de recuperar seu lugar parecia agora uma armadilha, um jogo que estava fugindo ao seu controle.
"Don Corallo... ele sempre faz valer suas palavras. Por que está hesitando agora?" pensei Vitória, sentindo o medo rastejar por seu peito. "Se ele desistiu, com quem posso contar?"
Do outro lado da porta, Marta e Eleonor permanecem em silêncio. Marta esfregava nervosamente as mãos, enquanto Eleonor mantinha a expressão fechada, mas os olhos traiam uma inquietação crescente.
Vitória sentiu um nó na garganta enquanto tentava desvendar as alianças ao seu redor. "Eleonor está ao meu lado? Ou está apenas esperando para me destruir, para roubar meu lugar ao lado deles?" Ela não podia confiar em ninguém, não agora. Cada palavra, cada gesto parecia carregado de segundas intenções.
Lá fora, Caio finalmente encontrou forças para sair do lugar. Ele respirou fundo e virou-se para Marta e Eleonor.
— Vou me certificar de que ela recebeu o cuidado necessário, — ele disse, mas suas palavras soavam vazias até para ele mesmo.
Eleonor deu um passo à frente, o rosto impassível, mas seus olhos carregavam algo que Caio não conseguiu decifrar.
— Espero que você saiba o que está fazendo. Porque se não acontecer, não terá apenas Don Corallo para enfrentar. — A voz dela era baixa, quase um sussurro, mas carregada de ameaça.
Caio não respondeu. Ele sabia que não havia nada a dizer. O jogo já estava em movimento, e ele não tinha certeza de que conseguiria controlá-lo. Enquanto duas mulheres se afastavam, ele olhou para a porta do quarto de Vitória, sentindo uma pontada de culpa e medo.
Dentro do quarto, Vitória abriu os lençóis com força, o rosto escondido na penumbra. Mas seus olhos brilhavam, não de lágrimas, mas de determinação. "Se ninguém está ao meu lado, farei isso sozinho. Eles não vão me tirar o que é meu."
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