
Capítulo 30. Reunião a portas fechadas
Don Corallo acomodou-se em sua cadeira, o couro rangendo sob seu peso. Ele tamborilou os dedos no braço da poltrona, um gesto que denunciava sua inquietação, enquanto Fernandes, sentado próximo, parecia perdido em pensamentos. A mente de Fernandes estava um caos. A volta inesperada de Vitória desestruturava tudo, mas, acima de tudo, o dilema envolvendo Layla o atormentava. Ela era perfeita para Enrico: doce, meiga, e trazia equilíbrio. Já Vitória, apesar de sua força, era insolente e mimada, características que poderiam alimentar conflitos no futuro.
Don Corallo soltou um suspiro pesado, o silêncio da sala sendo quebrado apenas pelo som abafado de vozes distantes e o estalar do gelo no copo de whisky em sua mesa.
— Fernandes — disse Don Corallo, a voz grave e carregada de autoridade —, o que vamos fazer? Você sabe que aprovo a união de Enrico com Layla. A volta de sua filha não substitui isso.
Fernandes hesitou antes de responder, sua voz baixa e pesada com a culpa e as memórias que agora retornavam.
— Senhor, quando os médicos disseram que seria melhor desligar os aparelhos, eu acreditei. Eu me preparei para deixá-la ir. Minha esposa, Marta, levou Vitória para aquela clínica, e foi o que nos destruiu. Isso foi o motivo de todas as nossas brigas... Eu já não tinha mais uma filha. Agora, estou feliz que ela esteja aqui, mas...
Don Corallo o interrompeu, com os olhos fixos em um ponto distante da sala, como se já tivesse decidido o futuro.
— O que vamos fazer com Enrico? — Sua pergunta era tanto um desafio quanto uma constatação.
Fernandes passou a mão pelo rosto, a expressão cansada e abatida.
— Ele é um homem, senhor. Deve tomar sua decisão.
A resposta não agradou a Don Corallo. Seus olhos escureceram, e sua postura rígida indicava que não aceitaria objeções.
— Ele fará o que eu mandar. Não há decisão a ser tomada.
Antes que Fernandes pudesse responder, a porta se abriu de repente, com um estrondo que ecoou pela sala. Ambos os homens se sobressaltaram, o ar na sala se tornando ainda mais pesado.
— Cavalheiros. — A voz de Marta cortou o ambiente como uma lâmina afiada. Ela entrou na sala com passos firmes, o semblante sério e carregado de determinação. — Acho que eu deveria ser convidada para uma reunião que discute o destino da minha filha.
Don Corallo inclinou-se levemente para frente, a expressão impenetrável. Fernandes abaixou os olhos, como se tentasse evitar o confronto iminente. A tensão na sala era sufocante, cada palavra parecia prestes a detonar uma explosão.
— Marta. — Don Corallo começou, a voz firme, mas lenta, como quem pesa cada palavra antes de soltá-la. — Essa conversa diz respeito a mais do que sua filha.
— Minha filha é o assunto aqui. — Marta o interrompeu, sem hesitar. — E eu não permitirei que ninguém decida o futuro dela sem minha presença.
Fernandes finalmente ergueu os olhos, sua expressão dividida entre apoio e exasperação. O silêncio que se seguiu era quase palpável, como se todos na sala estivessem prendendo a respiração, aguardando o próximo movimento no jogo perigoso que se desenrolava.
A atmosfera na sala tornou-se ainda mais pesada com a presença inesperada de Marta. Fernandes, com um olhar ácido e postura defensiva, respondeu antes que ela tivesse a chance de avançar mais:
— Eu não fui informado que ela havia acordado. Por que quer saber o que estamos falando?
A acidez na voz de Fernandes não intimidou Marta. Ela cruzou a sala com passos decididos, a fúria em seus olhos incendiando cada palavra que saía de sua boca.
— Os médicos disseram que vai levar tempo para ela entender que o tempo passou. Para Vitória, ontem era apenas o dia da festa do Lecce. Ela não entende o resto.
Don Corallo, que até então observava em silêncio, endireitou-se em sua cadeira. Sua voz ressoou grave e séria:
— Como ela veio parar aqui?
— Acredito que algum médico a tenha ajudado a ser liberada. — Marta o encarou com firmeza, o tom carregado de desprezo. — Ela não tem força nas pernas nem nos braços, está lutando para segurar uma caneta. Nos primeiros dias, nem conseguia falar. Me desculpe se a minha prioridade não foi correr para te informar.
A tensão na sala era quase tangível. Don Corallo lançou um olhar breve para Fernandes, mas antes que ele pudesse responder, Marta avançou, furiosa:
— Não me importo com o acordo de vocês. Vitória não está mais envolvida nisso. Ela não vai se casar com o Enrico. Os negócios dele colocaram minha filha naquele lugar, e, embora eu nunca tenha culpado ninguém, quero deixar algo muito claro: Vitória ficará bem longe da sua família. Espero que isso esteja entendido.
Marta deu um passo para trás, respirando profundamente, como se segurasse uma explosão interna.
— Vou levar minha filha de volta para a clínica amanhã. Espero que não precise voltar a esta casa.
Ela se virou para sair, com a mesma energia agressiva e determinada com que entrou. A porta bateu com força, reverberando pelo ambiente. O som parecia marcar o fim de sua sentença, mas o eco da tensão ficou na sala.
Don Corallo soltou um suspiro, um gesto raro para alguém que sempre mantinha a compostura. Fernandes parecia perturbado, olhando para o lugar vazio onde Marta estava segundos atrás.
— Enrico precisa se casar. — Don Corallo quebrou o silêncio, a voz cortante. — E com a saída de Vitória, isso precisa acontecer ainda mais rápido.
Fernandes não respondeu, perdido em pensamentos, mas ambos sabiam que a situação estava longe de ser resolvida.
O que ninguém esperava, no entanto, era que Vitória não estivesse disposta a ir embora tão facilmente.
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