01 de dezembro - Parte 03
Danem-se todas as regras da Amanda, a pequena ansiosa. Ela nem está aqui, e a casa é minha, portanto as regras também.
Enquanto eu tentava formular novas perguntas em minha cabeça, observava Sean de canto de olho e me impressionava com a sua imponência em meu sofá. Ainda não conseguia acreditar que ele estava aqui. Parado, ele parecia quase uma estátua, tão imóvel e rígido. Conclui que hoje também não estava sendo um de seus dias favoritos.
Será que todas as pessoas públicas são treinadas para terem esse tipo de aparência?
Sua postura parecia pouco natural, quase milimetricamente planejada para parecer perfeito. Era como se ele estivesse em "modo entrevista". Eu imagino que muito são treinados para que os defeitos não sejam aparentes, mas não consigo deixar de pensar o quão difícil deve ser ter de parecer perfeito na maior parte do tempo, até mesmo num sofá de uma desconhecida. Quero dizer, não haviam câmeras por aqui. Ele poderia soltar os ombros e quem sabe até dobrar um pouco as pernas.
Interrompendo meu próprio devaneio, resolvi dar início às minhas perguntas, já que o corpo de Sean aparentava antecipar que a entrevista estava para começar.
- Sei que você é bem próximo de seus pais, certo? E como é essa relação deles com suas músicas, que por muitas vezes tratam de sexo e relacionamentos? Você não tem, como eu diria, um pouco de vergonha? – Foi como arrancar um band-aid. Direta e reta, nem eu sabia de onde aquela pergunta tinha saído. Pude notar Sean, que antes fixava o teto, voltar seu rosto para mim e corar levemente as bochechas, uma reação que eu não esperava.
Ele se endireitou no sofá, aperfeiçoando ainda mais seu modo entrevista, coisa que eu não achei ser possível. Sua expressão denunciava uma pitada de ofensa.
- Me desculpe, eu não quis te ofender – me antecipei - Não sei de onde essa pergunta saiu, de verdade. – No fim das contas, eu tinha sabia que ele era influente e não gostaria de tê-lo como inimigo.
- Eu não fiquei ofendido. Só confuso, não sabia que havíamos começado a entrevista. – Mais uma reação que me pegou de surpresa - Mas, de qualquer maneira, vamos lá. Eu nunca tinha pensado nesse assunto, para falar a verdade. Acho que olhando por esse lado, eu realmente tenho vergonha – muita vergonha. Mas uma coisa é Sean filho, e outra é Sean artista. Tenho certeza de que meus pais sabem separar, eles não devem se sentir incomodados. É o que eu acho, ou pelo menos é o que eu espero. Mas definitivamente vou tocar no assunto... Ou não! Talvez eu finja que nunca pensei sobre isso e continue minha vida, já que eles também nunca falaram sobre isso. – Disse, com um sorriso lateral despontando em seus lábios. Ele colocou o cotovelo no encosto do sofá e jogou sua cabeça um pouco para trás, em um movimento rápido. – Ah droga, eu nunca mais vou esquecer esse assunto.
Não pude conter uma leve risada. Como ele nunca havia pensado nesse tema? Eu não poderia escrever aquelas músicas sem pensar que minha mãe as ouviria. Complexo de eterno bebê, eu acho.
É por isso que você não é uma artista internacional e ele é, Elena. Por alguns segundos, tive receio que a pergunta tivesse sido muito infantil.
- Você se incomoda se eu tirar meus sapatos? Eu realmente odeio ficar de sapatos quando não é necessário.
Oh oh, alguém acaba de perder alguns pontos no clube das estátuas perfeitas, não é Sr. Sean?
- Qual o problema com os sapatos?
- Para a entrevista, ou só para você?
- Só para mim, acho.
- Eu não gosto de trazer a sujeira da rua para dentro da casa das pessoas. Essa ideia me incomoda para valer. E além do mais, gosto da sensação dos meus pés no chão. Não sei explicar, só gosto.
- E a resposta para entrevista seria outra?
- Não sei, talvez eu só não respondesse. Ou melhor, talvez eu nem perguntasse. Muitas pessoas me desenham cheios de frescura. Quem sabe seu estilo de escrita? Pode ser que amanhã a manchete seja "Sean Hill confessa: Não permito que ninguém passe a 100 metros da minha casa usando sapatos". Você entendeu.
Dei de ombros, fazia sentido. Seguimos para a próxima pergunta enquanto ele desamarrava seus cadarços. Pode ser que a manchete seja "Sean Hill tem chulé!", mas eu estava torcendo para que não fosse. De qualquer maneira, eu nunca arriscaria tirar minhas sapatilhas em frente a um cara bonito depois de correr tanto.
- Muitas de suas músicas são sobre relacionamentos. A maioria, sobre alguém que te deixou. Você considera que é mais comum as mulheres terminam o relacionamento com você?
Sean soltou uma risada alta e longa, mas não uma risada convencida, nem uma risada intencional. Ele realmente não conseguiu segurar.
- Sério, de onde você tirou essas perguntas? Ainda bem que não estamos mais com Amanda, se ela não tivesse te expulsado pela água, das perguntas você não sairia ilesa.
Eu também fui pega de surpresa por minhas próprias perguntas, já que não havia planejado nenhuma dessas. Por isso, me fiz de sonsa e questionei novamente, tinha medo que ele desistisse de responder e minha onda de criatividade fosse embora assim como chegou: de maneira completamente repentina.
- E então? Teremos que pular essa? Posso assumir que é isso mesmo?
Sean notou que eu não estava brincado, e se apressou em responder.
- Eu não teria problema em assumir se fosse verdade. Acredito que a resposta certa seria nem sim, nem não. Eu sou como qualquer outra pessoa, Elena. Posso te chamar de Lena? Eu não consigo dizer seu nome inteiro como você diz, sem ter sotaque. Fica mais fácil de se pronunciar na minha língua. Conheci outras Elenas, mas nós não pronunciamos da mesma maneira no Canadá.
Agora era minha vez de dar um pouco de cor as bochechas, quase como um vermelho vivo. Havia uma sensação de aquecimento em meu coração também, provavelmente causada pela maneira com que ele pronunciou meu nome.
Abri um sorriso sem mostrar os dentes, e direcionei meu olhar para baixo, para que ele não pudesse notar que estava com uma pontada de vergonha. Ninguém me chamava de Lena, apesar de eu gostar bastante desse apelido. Para todos, eu era Ena. Não sei exatamente o motivo, mas eu gostava um pouquinho mais dele agora.
- Eu posso?
Opa, eu ainda não havia respondido à pergunta.
- Claro, sem problema. – Falei, tentando me recompor. Qual era meu problema? Eu fui de 100% convencida de que ele era mais uma pessoa com ataques de estrelismo, a 98% convencida e 2% agindo como uma adolescente perto do seu grande ídolo. E cá entre nós, ele não estava nem perto de ser um Nick Jonas.
- Certo Lena, de volta a pergunta. Eu sou como qualquer outra pessoa, os términos que mais me marcaram foram de relacionamento que eu gostaria de ter continuado, mas a pessoa escolheu seguir por outro caminho. E é por isso que a maior parte das músicas vieram dessas situações, eu me inspiro mais com a decepção, eu acho. Mas também tenho músicas que contam histórias que eu decidi terminar, momentos também importantes para mim.
- Você faz quantas músicas para a mesma pessoa, em média?
- Talvez umas duas? Não sei dizer ao certo. Acho que o máximo que eu já fiz para a mesma pessoa foram 3. Muitas músicas não são de experiencias reais também, são de situações que eu imaginei. Às vezes eu leio algo que me inspira e então consigo criar uma música toda com base em uma situação que nem existiu. Posso ler, posso ver algo na rua, ou uma simples imagem numa revista.
- E você acha que a pessoa sabe quando a música é para ela?
- Com certeza! Elas são sempre muito pessoais, eu sempre acabo acrescentando detalhes que são imperceptíveis para quem está de fora, mas fazem grande diferença para a pessoa que eu estava escrevendo.
- Então nenhuma garota já confundiu a música, achando que era para ela, mas não era?
- Não, ninguém nunca confundiu. Por mais que eu trate de temas com que as pessoas se identificam, as músicas realmente possuem o detalhe secreto, como eu te falei.
- Você não gostaria de me contar o detalhe secreto de alguma música não? – Tentei, sabendo que seria muito difícil, mas achei que valeria a tentativa.
- Não mesmo! São íntimos para a outra pessoa também, eu não poderia revelar. Acredito que já torno os sentimentos dos dois muito público só de fazer a música, imagina se eu revelasse tudo sobre ela? As meninas ficariam ainda mais magoadas.
- Tenho que discordar de você. Duvido que alguma menina se sentiu magoada por você ter feito uma música sobre ela. No mínimo, elas se sentem extremamente importantes e únicas. Eu me sentiria assim, com certeza.
Ele pareceu realmente aliviado depois do que eu disse. Mesmo sendo bastante famoso, dava para notar que se preocupava com o que as pessoas que serviram de inspiração para suas músicas pensavam sobre ele e como elas se sentiam. Não era somente sobre criar o próximo sucesso, era sobre expressar seus sentimentos. Também fiquei feliz depois dessa pergunta. Sean parecia sempre um passinho mais distante do clube da estátua perfeita.
Antes que eu pudesse continuar a entrevista, Sean se antecipou:
- Estou gostando dessas perguntas, são fora do comum. Acho que nunca as respondi anteriormente, você fez um estudo bem amplo, não é?
- É, eu pesquisei bastante – Menti. A verdade é que minhas ideias originais não eram nada ousadas como as que eu realmente estava questionando. Acho que me senti confiante por estar em minha própria casa e por saber que ele não teria para onde fugir. Obviamente ele poderia se negar a responder, mas o fato de estar tão aberto com certeza me ajudaria muito no resultado. – E muito obrigada por responde-las, por sinal. Eu sei que você poderia se negar...
- Ah não, eu acho que vocês fazem muito mais estardalhaço quando me nego a responder algo, parece que estou escondendo um grande furo.
Senti uma pitada de desapontamento por ser colocada no mesmo nível de todos os demais repórteres. E uma pitada ainda maior de vergonha, porque era exatamente isso o que eu estava fazendo: buscando um furo que fizesse minha reportagem diferente de todas as outras entrevistas que ele havia dado aqui no Brasil.
Mas o que eu estava pensando? Que o fato de ter o salvado de uma maré de paparazzi me faria especial?
Se toca, Elena.
Sean deve ter notado minha cara de decepção, por mais que eu tenha tentado esconde-la, e tentou corrigir sua fala:
- Me desculpe, me expressei mal. Não quis dizer que você faria isso, só quis dizer que outros já fizeram. Não acho que você tentará criar um furo de reportagem a qualquer custo, suas perguntas são originais, você não precisaria de um golpe baixo.
Enquanto se desculpava, ele encostou sua mão direta em meu joelho, na tentativa de me consolar. Seus dedos eram cumpridos e não pude deixar de pensar que ele deveria ser realmente bom tocando piano.
- O que foi? – Disse, enquanto notava que eu encarava sua mão – Algo errado?
- Não, não. Minha avó costuma dizer que mãos cumpridas são ótimas para tocar piano, e quando vi a sua, essa lembrança veio direto em meus pensamentos. Olha, eu também tenho mãos grandes. – Falei enquanto juntava as palmas de nossas mãos, num ímpeto de impulsividade. Procurei seus olhos quando me dei conta desse contato inesperado, buscando entender se ele estava incomodado, mas Sean não pareceu se importar:
- Então, você toca piano? – Por mais que minha mão fosse grande, a dele ainda era muito maior. Meus dedos pareciam de uma menininha perto dos dele.
- Na verdade, não. Que teoria furada.
Nós dois não pudemos evitar cair na risada. Até agora, esse era o momento mais descontraído da tarde. Eu estava me sentindo mais confiante do que nunca em entrevista-lo, e a barreira da linguagem ia sendo aos poucos deixada de lado.
- Mas e você? Já terminaram mais com você do que o contrário?
Fui pega de surpresa por esse questionamento. Eu ainda não havia me recuperado da crise de risada pós teoria furada da vovó, e fiquei confusa com esse nosso início de bate-papo/abandono da entrevista. Eu não tinha a próxima pergunta formulada em minha cabeça, mas isso não significa que estava pronta para desistir do que estava por vir.
Foco aqui, Sean, nós temos uma entrevista para terminar.
Mas não vou negar que gostei daquele súbito interesse por mim. Obviamente não era nada, uma simples pergunta de cortesia. Mesmo assim, me senti lisonjeada.
- Entendi, pergunta pesada a que eu te fiz, não? Foi uma boa estratégia me devolvê-la – Sean riu e ajeitou um cacho do cabelo que estava caindo em seus olhos. Ele fez isso com bastante frequência, já não sei se o cacho estava realmente atrapalhando, ou se se tratava apenas de uma mania. – Eu acho que mais terminaram do que eu terminei.
- Eu não acredito nisso, você só está sendo modesta.
- Na verdade não, eu tenho problemas em desistir – Disse, fazendo o sinal de aspas no ar enquanto falava a palavra desistir. Será que as pessoas também fazem sinal de aspas na América do Norte? Mas, na verdade, por que não fariam? Resolvi fingir que não tive esse monologo mentalmente e tratei as aspas com naturalidade, mas vou me controlar para não fazer de novo e parecer louca, não sei como explica-las em inglês caso esse ato venha a se mostrar como sendo somente brasileiro. – Mesmo quando a situação já está ruim, eu tento continuar e lidar com os problemas. Às vezes, imagino que teria economizado tanto tempo, e me economizado também! Se ao menos eu tivesse deixado as situações terminarem sem ficar insistindo em algo que já foi e não tem mais volta.
Enquanto Sean se ajeita no sofá, como quem se arruma melhor para poder falar, ouvimos do lado de fora da minha janela uma leve confusão se formando no que aparentava ser a frente do meu prédio e, de repente, conseguimos ouvir cliques, que pareciam de insetos.
Fiquei sem entender, mas pude notar em sua expressão que Sean já sabia do que se tratava. Seus olhos ficaram um pouco mais aberto do que de costume, e ele arrumou novamente aquele exato cacho de seu cabelo.
Definitivamente se tratava de uma mania.
- Me desculpe, eu não imaginei que nos encontrariam.
Eu, que continuava sem entender, levantei e - no caminho do sofá até a janela - aproveitei para atender meu celular que havia começado a tocar.
- Elena? Elena é você? O que você tem a declarar sobre o seu relacionamento com Sean Hill? Vocês já se conheciam antes da vinda dele ao Brasil?
Minha boca se abriu levemente e eu encarei o celular sem compreender a situação. Ainda sem dar uma resposta ao intruso da ligação, fui chegando mais perto da minha janela e pude ouvir de longe Sean me aconselhando a não fazer isso.
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