Janette
-Não é isso que você tá pensando!-disse à minhã mãe, que estava parada à minha frente, com uma expressão que já me acostumei e não por isso era menos dolorosa. Seus olhos violetas talvez um pouco mais claros que os meus estavam impassíveis, não teria como convencê-la daquela mentira.
Jimmy estava com vontade de cavar um buraco no chão. Era a quinta vez que minha mãe me pegava beijando alguém em público. Às vésperas da cerimônia de coroação que decidiria por definitivo a minha vida, eu estava aproveitando meus últimos momentos de liberdade.
-Janette! Logo nesse momento decisivo para nosso reino, você faz algo assim! Você tem vinte e um anos, imaginei que fosse mais madura e honrasse mais seus compromissos.-ela disse suspirando, furiosa comigo.
Senti vontade de rir da cara dela. Como se algum de meus irmãos cumprissem um compromisso sequer. Como se ela verdadeiramente ligasse para isso. O que ela realmente queria era o status. Mas não diria aquilo na frente de outra pessoa, apenas traria maia problemas. Tentei uma abordagem diferente.
-Sendo um compromisso que me manterá restrita por toda a vida, pensei que teria mais liberdade!-respondi, levantando do banco em que Jimmy e eu nos encontrávamos, cruzando meus braços, de frente para ela.
-Você tem e terá cada vez mais, um compromisso com o Estado. Não pode simplesmente querer escapar deles.-ela falou, apontando para o castelo do outro lado do jardim verdejante e florido.
-Não me importo nenhum pouco com o Estado. -eu sussurra brava. Aquilo era uma mentira. Tive que parar por um momento para reorganizar as idéias e falar coisas pertinentes. A presença daquele indivíduo que me deu a luz me tirava completamente do sério.- O papai é jovem e você também. Não entendo porque eu preciso assumir agora.-gesticulei, suspirando, enquanto mexia em meus cabelos loiros em tranças.
Jimmy sorrateiramente saiu de cena, não querendo se envolver. Me mandando um olhar nervoso antes de ir andando até o castelo.
Traíra. Pensei, irritadiça.
-Você acha que eu quero você ou um dos seus irmãos incompetentes ocupando o meu trono?-ela riu alto, como se eu tivesse contado uma piada.-Mas é a lei. E seu pai idiota está me pressionando para cumpri-la.
-Você quer dizer que ele a ameaçou. -foi a minha vez de rir, enquanto eu olho minhas unhas. -Não tenho culpa se ele sabe a cobra que você é.
Recebo um tapa na mão cujas as unhas observava e olho minha querida mãe, com olhos estreitos e sobrancelhas erguidas.
-É você ou o Ministro, mas todos sabemos que ele transformará tudo o que nossa família construiu numa república infernal.-seus olhos faíscaram de ódio e pela primeira vez, este ódio não era direcionado a mim.
-Jullian daria um rei melhor.-dei de ombros, indiferente. Sabia que aquilo não era verdade, mas sempre quis acreditar.
Eu queria ser Rainha, mas não estava preparada ainda. Talvez nunca estivesse. Eu sentia que faltava alguma coisa. Alguma coisa que pudesse me dar força para reinar.
-Jullian.-ela diz, de maneira irônica.- Jullian não é nada. Toda vez que olho para ele, o garoto quase se esfarela no chão. Você não tem vergonha desse egoísmo? Não pensa no reino?-ela perguntou, fingindo-se toda. Estava cansada de sua falsidade asquerosa. O meu braço repelto de cicatrizes me lembrava quem ela era.-Eu falhei como mãe. Criei uma tríade de covardes.
Eu ri novamente, chegando a gargalhar.
-Oh, porque você está fazendo um ótimo trabalho. -eu dou uns poucos passos em sua direção.- Rebeliões, motins, assassinatos... Tudo isso enquanto você fica sentada com a sua bunda enorme em uma cadeira de prata, comendo caviar. Talvez uma república não seria tão ruim, porque o povo poderia escolher quem vai governar. Não teria que se contentar com pessoas como você no comando. -eu falei de maneira desafiadora, olhando-a com desgosto.
-Chega!-gritou ela de uma maneira que nunca vi.- Isso não sairá impune! Vá para o seu quarto e não saia de lá até amanhã, na hora da coroação! E se eu souber de você andando pelos corredores, trocarem os seus sapatos por um de cinco tamanhos menores para a coroação.
Até que foi uma ameaça leve. Sabia que ela poderia fazer bem pior se quisesse. Mas me calei. Só poderia piorar as coisas falando o que quer que fosse.
Eu faço uma reverência debochada e saio rapidamente, com a cabeça erguida, morrendo de ódio. Foi exatamente assim com Joseph, meu irmão mais velho. Ele era mulherengo e toda a semana a minha mãe o pegava na cama com uma mulher. Então ela arrumou um casamento arranjado, achando que assim ele tomaria jeito. Mas depois disso, ele passou a contratar prostitutas para ir a sua mansão e se jogava no álcool. Torrando dinheiro público. Eram coisas assim que explicavam como um país tão rico como o nosso, ser tão desigual.
EUSA, abreviação para Estados Sulistas da América, era uma nação formada havia três gerações, após a terceira guerra mundial. Formados a partir da junção da América Central e do Sul, ainda que preservando a maior parte de suas características culturais. Meu pai era o segundo rei a governar após a revolução é agora, passaria seu cargo ao próximo governante.
Sobrou pra mim, a irmã do meio, o fardo da Coroa... Eu nunca me atreveria a fazer algo assim aos olhos do castelo, mas meu irmão não tem vergonha. De qualquer forma que seja, nem pensar que irei me casar com um desconhecido. Minha avó se casou com o próprio primo, vinte anos mais velho que ela. Não deixaria isso me acontecer, nem que me torturassem. Não seria a minha primeira visita à Sala de Tortura, de qualquer forma.
Suspirei, entrando na minha suíte, já sabendo que ficaria ali por um bom tempo, até que os sinos badalassem e o verdadeiro inferno começasse.
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Acordei no dia seguinte com as batidas irritantemente insistentes na porta dos meus aposentos.
-Pode entrar! -eu gritei, tirando o cabelo da cara. Sete horas em ponto. No dia que alguém se atrasasse naquele castelo, haveria uma revolução.
Leila entrou no quarto, ela era a minha servente, tinha pouco menos que a minha idade, olhos claros e cabelos escuros e era a minha única amiga naquela droga de palácio. Ela me olhou quando entrou, com um pequeno sorriso.
-Trouxe seu café da manhã, Alteza. -ela disse, cordialmente, fazendo uma reverência, enquanto se aproximava da minha cama.
Eu bocejei e me espreguicei.
-Obrigada, mas não precisa me chamar de Alteza. Já te disse várias vezes. -eu falei, pegando a bandeja na suas mãos. Omeletes recheados. Dei uma mordida, sentindo o gosto salgado invadir minha boca.
-Está na hora?-Perguntei, enquanto comia rápido, já quase terminando meu prato.
-Sim, Janette. Seu vestido está no closet. -disse ela, indo até a grande porta cor de creme, à direita da minha grande cama. Às vezes, todo aquele luxo me incomodava. Muitas vezes. 99% delas.
Levanto da minha cama e abro a porta dupla do meu closet. Era de três andares, sendo que eu não usava nem metade daquelas roupas. Havia uma penteadeira com maquiagem profissional em todas as gavetas e ao lado do busto de um manequim, com uma tiara e caixas com muitas jóias, de continhas a diamantes.
Do outro lado, existiam gavetas com óculos escuros e echarpes, três sapateiras lotadas e uma pela metade, cinco armários de bolsas, e o resto era roupa. De sutiãs a vestidos de gala. Tudo com travas automáticas, obviamente.
E isso era só o primeiro andar. Nem tinga certeza se eu conhecia todos. Na realidade, eu não queria nada disso, mas minha mãe insistia que não poderiam faltar opções a uma princesa. Eu tinha um shopping particular, isso sim. Já dei algumas das minhas roupas para Leila, e ela não admitia que eu tentasse dar algo mais (mesmo que às vezes, eu enfiasse uma echarpe discretamente em sua bolsa).
No manequim que estava à minha frente, logo na entrada, havia um vestido azul escuro, tomara que caia, de saia longa e bufante, sem adornos. Não muito chamativo... Daquela vez, Lizy havia acertado em cheio.
Lizy era a costureira real, mas vendia suas roupas no centro de compras de Elfindor, para as mulheres mais ricas e esnobes do reino. Como minha mãe, por exemplo.
Elfindor era a cidade mais nobre de toda EUSA. Nenhuma outra se comparava a ela. Seus prédios eram praticamente inteiros de esmeraldas e rubis. Era realmente impressionante andar por ali. Ficava ao centro de EUSA, mas quase todos os seus acessos vinham do leste, com o resto do povo com contas bancárias abarrotadas de dinheiro e futilidade.
Isso me lembrou o quanto eu sentia falta do sul, onde haviam fazendas grandes e bosques verdejantes, além dele morar lá, até onde eu sei. Meu Deus, como eu sentia falta daquele garoto. Aquele que foi o único que conseguia me fazer me sentir normal em todo esse mundo. Respirei fundo. Pé no chão e voltei pra Terra, deixando-o de lado por um momento,em minhas memórias.
Vesti o vestido azul de seda e cetim, com ajuda de Leila e ela não me deixava olhar o espelho enquanto fazia um penteado trabalhoso em mim, que pareceu demorar horas a fio. Passou a maquiagem em meu rosto, com pinceladas leves e eu calcei meu saltos altos com brilhantes impaciente. Bem, o tamanho deles parecia o normal pra mim. Minha mãe deve ter encontrado uma forma melhor de me punir. Não que ela precisasse de um motivo pra isso, era como um hobby. Odiava aqueles sapatos desconfortáveis, gostaria de atirá-los pela janela.
Coloquei jóias de cristal branco para que se destacassem em contraste com vestido escuro, querendo agradar meus pais e meu reino pelo menos uma vez na vida.
-Bem, vamos ver a mágica!-cantarolou Leila, me virando para o espelho e permitindo que eu finalmente visse meu reflexo, já impaciente e tento perdido a conta de quantos suspiros já havia dado.
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