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Capítulo 8

Capítulo 8

Dezembro, 1969 – Véspera de Natal

Anita já estava impaciente, aguardando na estação a chegada da Maria Fumaça. Já era 16:03 e nada... De repente, ouviu um barulho vindo de longe, o som que indicava a aproximação do trem. Ivan estava chegando! Ansiosa, passou as mãos novamente nos cabelos, para ajeitá-los. Não queria nenhum fio desalinhado quando ele a visse.

Fazia calor naquele dia. Trajava uma saia curta rosa, de cintura alta, definindo bem sua cintura fina, e uma camisa branca sem mangas, com botões até o pescoço. Na cabeça, uma larga faixa branca. Seus cabelos agora cortados um palmo abaixo dos ombros tinham as pontinhas viradas para fora. Um penteado no estilo gatinha.

O trem parou, os passageiros desciam. Ela esticou o pescoço a procura de Ivan. Estava sem salto e sua pouca altura dificultava a visão. Ao mesmo tempo, os dois se enxergaram. Viram-se e sorriram, correndo para os braços um do outro. Saudosa, Anita acomodou sua cabeça no peito de Ivan. Sentindo-se agora segura, ela suspirou com alegria. Ele estava lindo, cada vez mais lindo. Os cabelos negros reluziam no sol. O sorriso perfeito no momento era exclusivo para ela. Abraçada a ele, era como se todos os seus problemas tivessem terminado.

- Trouxe as nossas alianças, amor. – ele sussurrou no ouvido dela.

Ela levantou a cabeça e lhe deu aquele sorriso especial, o sorriso que ele tanto gostava. Mas havia algo estranho em seu olhar, algo que não estava lá no último encontro. Ivan ficou ainda mais tenso. Engoliu em seco.

- E então, está tudo bem? – ele tentou puxar uma conversa, desejando que ela falasse o que ele gostaria de saber.

- Tudo... – ela respondeu sem coragem de olhá-lo.

- Anita – ele se afastou e a segurou pelos ombros com delicadeza – O que houve, amor? – com uma mão em seu queixo, fez com que ela o encarasse. Não havia alternativa, tinha que ir direto ao assunto - O que o Igor fez com você? – Ivan indagou amoroso, controlando sua raiva. Porque sua raiva não era dirigida a ela.

- Nada. – ela prosseguiu e baixou a cabeça.

Ivan respirou fundo. Tinha que se controlar. Não podia descarregar nela, ela não merecia. Mas ele precisava saber!

- Vem, vamos andar. – ele disse e engatou seu braço no dela.

Havia muita gente na estação e Ivan precisava conversar. Precisava esclarecer aquele assunto antes que enlouquecesse. Só que para isso, tinham que ir a algum lugar mais tranqüilo. Em silêncio, caminharam até uma praça, onde sentaram embaixo de uma árvore, sobre os grandes troncos retorcidos.

- Recebi essa carta ontem. – entregou o envelope branco a ela. Anita não precisou ler o remetente, reconheceu a letra da cunhada. – Por que você não me disse nada, Anita?

- Eu... – ela levantou a cabeça e olhou nos olhos dele – O que diz ai?

- Leia.

- Tá bom. – assentiu num fio de voz. Já imaginando seu conteúdo, seu coração bateu agitado. As palmas de suas mãos suavam, e ela as secou na saia rosa.

"Querido irmão,

Eu não te disse nada sobre esse assunto antes, para não te perturbar, para não te deixar nervoso. Espero que entenda...

Desde que a Anita chegou, desde o primeiro dia, Igor se interessou por ela. No início era até aceitável, porque ele não sabia que ela era tua namorada. Mas então eu contei, e ele disse que não fazia mais a menor diferença, já que ele estava louco por ela. Igor deixou bem claro que lutaria por Anita.

Eu, erroneamente (desculpa, meu irmão), optei por não me meter e por não te contar. Achei que Anita não daria atenção a ele, como de fato ocorreu, e ele acabaria desistindo. Ainda mais depois que vocês decidiram se casar. Só que isso não aconteceu...

Igor continuava cercando-a. Quando chovia, ela a buscava na escola, quando estava frio, ele a buscava na escola. Todos os sábados, ele queria sair com ela. Anita até foi algumas vezes com ele ao cinema e então eu contei a ela que algumas pessoas estavam falando sobre os dois. Sabe? Gente sem ocupação, que não tem mais o que fazer além de fofocar sobre a vida alheia? E foi ai que ela decidiu cortá-lo, não aceitando mais seus convites. E foi a partir daí que eu acredito que o Igor enlouqueceu.

Não sei o que houve, meu irmão. Porque ela não quis me contar. Mas deve ter sido algo grave. Temo por isso...

Um dia, num domingo há duas semanas, Anita estava muito assustada. Seu medo era evidente, por mais que tentasse disfarçar e afirmasse que estava tudo bem. E ela me disse que queria sair da nossa casa, perguntou se eu não queria morar sozinha com ela, que ela tinha dinheiro para nos manter. E quando eu disse que não queria deixar minha mãe sozinha, ela ficou desolada. Naquele dia, ela pediu para dormir no meu quarto e na segunda-feira, depois da escola, passou numa ferragem e comprou uma tranca que instalou ela mesma na porta do teu quarto. Você percebe, meu irmão? Consegue entender que alguma coisa aconteceu?

Anita nega tudo. Ela não me conta nada. Mas acredito que para você ela não mentirá. E Igor, quando eu o enfrentei e o questionei, só faltou avançar em cima do meu pescoço e também não disse nada. Agora, ele evita a nossa casa, passa cada vez menos tempo aqui, provavelmente para não vê-la. E quando eles se vêem, falam apenas o mínimo e indispensável, mas só em frente da nossa mãe. E isso por iniciativa de Anita, que parece se esforçar para não magoar nossa mãe. Parece se esforçar para que ela não perceba nada.

Enfim, meu irmão, te escrevo porque penso que você precisa saber. E se não te escrevi antes, foi para não te deixar nervoso. Espero que me perdoe.

Com amor, Dira."

Anita parou de ler e manteve os olhos baixos. Não queria magoá-lo. Não queria que os irmãos brigassem por sua causa. Tinha que pensar... Ensaiar cada palavra. Suas mãos se mexiam agitadas e ela sacudia também os pés.

- E então? – impaciente, ele indagou. Os olhos negros dilatados, queimando em agonia.

Ela suspirou, para se acalmar, para ganhar coragem, e o encarou.

- Não foi nada, Ivan. – se esforçou para deixar sua voz casual.

- Como nada? Você colocou uma tranca na porta!

- Ele foi ao meu quarto, mas não aconteceu nada.

- O quê! – exclamou exaltado – Então ele foi mesmo até o teu quarto?!

- Sim.

- E o que ele fez?

- Nada...

- Ele a tocou?

- Não!

- Ele a beijou?

- Não!

- Mas ele fez alguma coisa, não fez?

- Ivan... – ela tomou fôlego, tinha que ser forte – Isso não importa.

- Como não importa? É lógico que importa! Meu irmão invade o quarto da mulher que eu amo e você diz que não importa? Você acha que o fato do meu irmão ser um canalha não importa? Você acha que o fato de eu não poder confiar no meu próprio irmão não importa? Você não percebe, Anita, que eu acreditei que você estaria segura na minha casa? Que eu falhei com você?

- Você não falhou! E eu não quero que vocês briguem!

- Isso é impossível. – ele afirmou seco.

- Não, Ivan. Ele é teu irmão, tua família!

- Eu não tenho mais irmão.

- Não, por favor – ela suplicou – Você deve perdoá-lo. Ele é a tua família, Ivan! E ele é a minha família agora também. Você não percebe, Ivan – sua voz se tornou sofrida – o quanto eu sinto falta da minha família? O quanto eu sinto falta dos meus pais? O quanto eu também quis ter irmãos durante a minha vida inteira? Então, por favor, não brigue com ele por minha causa! A culpa não foi dele, nem tua, nem minha, nem de ninguém, foi uma fatalidade... – ele a olhou, intrigado. A voz dela falhou na última frase – A gente não escolhe quem ama, Ivan...

- Ele disse que te ama? – indagou, perplexo.

- Ele não disse, mas eu sei.

Em choque, com o rosto todo contraído e fixo nela, ele arqueou as sobrancelhas negras.

- Ele cuidou de mim, Ivan, quando você não estava aqui. Quando estava frio, ele sempre verificava se eu estava bem agasalhada, quando parecia que ia chover, ele me fazia carregar um guarda-chuva. Ele sabia que eu me interessava pela chegada do homem na lua, e me trouxe várias revistas sobre o tema. Ele estava sempre me dando presente. Comprou-me um vinil da Elis e algumas revistas sobre corte e costura. E sempre vinha ver se eu estava bem, se eu precisava de alguma coisa. Fazia questão de não me deixar muito tempo sozinha, ainda mais depois que a Dira começou a namorar o Caio, porque a gente parou de sair tanto juntas. Ele sempre se oferecia para me fazer companhia nos sábados, estando inclusive disposto a ficar comigo em casa. E está vendo essa cicatriz no meu joelho – ele assentiu com a cabeça – eu cai andando de bicicleta e foi ele quem me levou ao hospital. Foi ele quem fez meus curativos... Ele cuidou de mim, Ivan.

Ivan sacudiu a cabeça, em choque. Como se tentasse assimilar.

- Você devia ter ficado comigo. – a voz dele era cheia de dor e de arrependimento - Era eu quem devia cuidar de você.

- Não, Ivan. Você não podia se distrair agora. Você fez o certo.

- Não. – ele fechou os olhos, tentando refletir – Então o Igor te ama... E você, Anita? O que sente por ele?

- Ele é a minha família também, Ivan. Eu o amo da mesma forma que eu amo a Dira e a tua mãe.

- Como um irmão?

- Sim.

- E eu? O que você sente por mim?

- Você é a minha vida, Ivan. Sem você em não teria agüentado os últimos meses.

- Você é forte, Anita. Muito mais forte do que pensa.

- Não, Ivan. Eu sou forte só porque tenho você.

- Ah, Anita... – ele a abraçou, apertando-a com força. – Desculpa por tudo... – ele se lamentou, com ela em seus braços. – Eu te amo tanto!

- Você não tem por que se desculpar, meu amor. – afundou seus dedos finos entre os fios negros de Ivan.

- Você jura, mas jura mesmo, que ele não te beijou e nem tocou em você?

- Eu juro.

- Então não vamos mais falar nisso... Senti tanto a tua falta!

- Eu também!

Ele afrouxou o abraço, afastando-se para olhá-la. Acariciou-a no rosto.

- Você é tão linda, Anita. – passou as mãos pelos cabelos dela, amoroso - Se a gente não estivesse em uma praça pública, eu te beijaria agora mesmo.

Ela sorriu. O brilho voltou aos seus olhos.

- Quando eu for embora dessa vez, você irá comigo.

- Tá bom.

- Fica em pé, meu amor.

- Tá bom. – ela levantou sorrindo. Ele ficou de joelhos. Um casal, que passava, viu a cena e achou graça. Envergonhada, Anita corou, mas não deixou de sorrir.

Ivan tirou do bolso um par de alianças douradas.

- Anita Tavares, você aceita casar comigo? Dá-me a honra de ser minha esposa, permitindo que eu te ame pelo resto das nossas vidas?

- Sim – ela assentiu emocionada. Ele beijou a mão dela e então colocou o anel em seu dedo.

- Será que eu terei a oportunidade de pedir tua mão ao teu pai, como deve ser? – ele questionou, ainda ajoelhado diante dela, abraçando-a pela cintura. – E será que ele me dará sua benção?

- Espero que sim. A benção minha mãe já deu.

- Minha Anita – ele levantou e a abraçou agora em pé.

- Meu Ivan. –ela retribuiu o abraço. Seu coração agora estava em paz.

- Vamos para casa, amor. Eu estou louco para te beijar.

Sentados no sofá da sala, o saudoso casal trocava ardentes beijos enquanto Suzana e Dira preparavam o jantar na cozinha, aproveitando a distração das duas. Naquela época, era impróprio se beijar dessa maneira, ao menos na frente dos outros.

- Então teus pais têm ligado?

- Sim, todas as quintas à noite. Já faz quatro semanas, desde que eles chegaram ao Uruguai. Eles estão na fazenda de uns amigos, perto de Montevideo. Estão bem. E assim que eu tiver férias, irei visitá-los. Nesse ano acabo o cientifico e já avisei que no ano que vem não darei mais aulas. Depois do Uruguai, volto para Porto Alegre para ficar com você. Aliás, você não quer viajar comigo, Ivan?

- Não tenho dinheiro, amor.

- Mas eu pago.

- Não, não posso aceitar.

- E vai me deixar ir sozinha? Mas não é perigoso?

- Anita... – ele sorriu. Ela era esperta, sabia como arrancar tudo dele – Você sabe como me convencer, não é? – debochou. – Prometo que vou pensar no assunto. Não quero que você corra nenhum risco.

- Tá bom. – ela concordou, alegre.

- E hoje à noite, você quer que eu vá ao teu quarto? – ele sussurrou em seu ouvido.

- Ah... – ela abriu a boca, sem saber como responder. Levemente atordoada, fitou-o com os olhos amendoados bem abertos. Não queria magoá-lo, mas não podia mais permitir isso - Melhor não, Ivan. – balbuciou insegura.

- Não? – ele sacudiu a cabeça, tentando assimilar.

- Eu quero esperar até a lua de mel... – entrelaçou os dedos com nervosismo, e baixou o rosto. – E a gente pode perder o controle, você sabe...

- Anita, mas você sempre insistiu para que eu dormisse com você, e nós nunca perdemos o controle. Amor, eu não estou entendendo...

- Ivan... Você é homem, e os homens podem perder o controle – ela afirmou sem pensar.

Automaticamente, tudo fez sentido. Ivan compreendeu. Sentiu como se uma nuvem negra cobrisse a sua cabeça. Sentiu um ódio intenso de seu irmão e de si mesmo. E então levantou, saindo de perto dela. Abriu a porta e foi para a frente de casa. Ficou lá, parado, de braços cruzados, com todos os músculos faciais endurecidos, olhando para a rua.

Após alguns minutos, Anita, preocupada, foi procurá-lo. Estava aborrecida... Sabia que tinha falado demais. Embora procurasse se controlar, ela tinha apenas 17 anos. Embora se policiasse para não magoar as pessoas, ela às vezes perdia o controle e cometia erros. Há poucos meses, seu comportamento era totalmente infantil, e crescer tão rápido era difícil, para não dizer impossível. E agora ela fraquejara... Não tinha sabido como se portar... Tinha falado demais.... E, por sua culpa, Ivan sofria.

- Ivan, o que você está fazendo aqui? –indagou temerosa.

Imóvel, ele respondeu:

- Esperando o Igor. Eu vou matá-lo.

Anita soltou um longo suspiro.

- Mas ele não fez o que você está pensando...

- Eu não acredito. – ele se virou, com os olhos cheios de mágoa – Por que você mentiu para mim?

- Eu não menti. É verdade, amor. – ela o abraçou pelas costas. Ele permitiu o abraço, embora permanecesse imóvel – Ele não me tocou, eu juro.

- E então o que ele fez, Anita? – girou-se para olhá-la. Ela virou o rosto, fugindo daquele olhar carregado.

- Eu não vou dizer, mas ele não me tocou.

- Por Deus, Anita! – ele se afastou e jogou os braços para o ar. – Me diga o que ele fez!

- Não.

Ele colocou as mãos na cabeça, em desespero.

- Então vou esperá-lo e perguntar a ele.

- Tudo bem. – ela parou ao lado dele – Agora vamos jantar? Tua mãe...

- Minha mãe mais cedo ou mais tarde vai ter que saber a verdade sobre o filho que tem.

- Tudo bem... – ela suspirou resignada, andando alguns passos para longe dele. – Eu não concordo, mas a família é tua, Ivan. Não vou me meter. – Caminhou para os fundos da casa, movendo-se sem pressa.

- Anita... – ele a seguiu e a enlaçou pelas costas – Desculpa, amor – a beijou no pescoço – A família é tua também. Só não me peça para perdoar o Igor. Não antes de eu saber o que ele fez.

- Tá bom. - ela quis encerrar a conversa. Sabia que se ele soubesse, não o perdoaria - Meu anel é lindo – elevou a mão para os céus. – Mas você, Ivan, é muito mais lindo. – virou-se para ele e caprichou no sorriso. Aprendera a jogar charme e a seduzi-lo quando desejava. Fascinado, ele sorriu de volta.

- Linda é você, Anita.

Ela então ficou na pontinha dos pés e beijou-o na boca.

Era dia 23 de dezembro 1969... Três integrantes da família Moraes mais Anita – Igor não apareceu – reuniram-se para jantar. Como acompanhamento, um vinho tinto. Depois, sentaram para conversar até de madrugada. Dona Suzana foi a primeira a se recolher. Dira foi para o seu quarto em seguida. Ivan e Anita ficaram na sala.

- Vamos dormir, Ivan? – ela bocejou e esticou os braços.

- Não, eu vou esperar o Igor.

- Ah... – sonolenta, ela deitou a cabeça no colo dele e ali se aconchegou – Então eu vou ficar com você.

- É tarde, Anita.

- E daí? Vamos jogar carta? – tornou a sentar – Tem um jogo ótimo que eu costumava jogar com os meus pais.

- Cartas? – franziu o cenho.

- É... Se a gente vai ficar acordado até não sei que horas, podíamos jogar cartas, não é?

- Tudo bem.

E assim passaram mais uma hora, até que Anita, exausta, novamente deitou no sofá.

- Vai para cama, gatinha. – ele se agachou em sua frente e acariciou seus cabelos – É tarde.

- Não vou, vou ficar aqui. Não quero que vocês briguem. Deita comigo? – apontou para suas costas.

- Tudo bem.

Era quase de manhã e Igor não retornara. Farto de esperar, Ivan levou uma Anita adormecida em seu colo para o quarto. Com delicadeza, colocou-a na cama e vestiu-lhe a camisola. Puxou uma poltrona e sentou-se lá, ao lado da porta, deixando uma fresta para ouvir caso Igor chegasse. Sem sono, ficou observando-a dormir. Ela era linda. Um anjo. Como Igor teve coragem de fazer algo contra ela? Como ele pôde ser tão audacioso e sem caráter? Cerrou os dentes, irritado. Por fim, o cansaço venceu e Ivan acabou adormecendo na poltrona.

Onze da manhã, passos na escada. Botas pisavam forte, fazendo questão de anunciar sua chegada. Sem cerimônia, Igor correu a casa a procura do irmão. Não podia mais fugir. Tinha que enfrentá-lo mais cedo ou mais tarde. Após a noitada com Patrícia, voltava revigorado.

Abriu a porta do quarto de Anita, e lá estava Ivan. Dormindo todo torto naquela poltrona marrom. Certamente, ficaria com torcicolo. Igor parou junto à porta, indeciso. Melhor esperar que ele acordasse. Quando estava prestes a dar meia volta, como se adivinhasse, Ivan abriu os olhos.

- Você! – Ivan apertou os olhos, com fúria. E a raiva que sentia fez com que ele despertasse completamente. Ivan levantou, prensando o irmão contra a parede.

Ivan era três centímetros mais alto que Igor, mas numa luta corporal, estaria em desvantagem. Igor, com sete anos a mais, era mais forte, com os músculos do corpo mais desenvolvidos. Se ele revidasse, Ivan levaria a pior.

Ivan prensou o irmão contra a parede e suas duas mãos comprimiram seu pescoço, como se pretendesse degolá-lo. Colérico, estava sem controle. Sentia vontade de matá-lo.

- O que você fez com a Anita?! – ele exclamou, apertando mais o pescoço de Igor. Sem fôlego pela pressão na traquéia, Igor não conseguiu responder. Ivan pegou mais leve, e então repetiu a pergunta, agora elevando o tom de voz.

- Não! – Anita acordou e pulou da cama. – Para com isso, Ivan!

Igor não regia. Não pretendia. Não levantaria a mão contra o irmão. Não depois do que havia feito. Abriu os olhos e, surpreso, olhou para Anita.

Ivan ignorou o apelo e repetiu a pergunta.

- Solta ele, Ivan! – Anita avançou sobre os dois, tentando se enfiar entre eles.

- Anita... – Ivan a encarou, perplexo, e então largou o pescoço do irmão. Mas não se moveu. – Eu preciso saber.

Silêncio. Ninguém ousou falar. Constrangidos com a presença um do outro, Igor e Anita fitaram o chão.

- Nenhum dos dois vai me contar? – Ivan exclamou, questionando a ambos.

- Não. Não foi nada. – Anita respondeu com firmeza, mas sem coragem suficiente para encará-los. Com os braços nas costas, ela olhava para os próprios pés.

Igor de olhos bem abertos e sobrancelhas arqueadas, observou Anita. A baixinha o surpreendia. Ela o defendia, mas por quê? Ele foi um canalha. Mas não teve tempo de refletir. Ivan novamente avançou sobre ele, com os braços agora comprimindo seu peito.

- E você? – ele rosnou com raiva – Não vai me contar também o que fez com a minha noiva?

- Ela não era tua noiva na época – com dificuldades pela pressão, ele conseguiu dizer. Estava sério. Seus traços contraídos revelavam um quê de arrependimento.

- Você sabe que era. – não houve resposta. Igor procurou Anita por cima do ombro de Ivan. Ela agora sentara na cama, parecendo desolada. – E pare de olhar para ela, olhe para mim!

- Se ela não quer que eu conte, eu não contarei. – afirmou seco. E, mais uma vez, tentou enxergá-la. Irritado com a impertinência do irmão, que não tirava os olhos da sua noiva, Ivan deferiu-lhe um soco no queixo com o uso de toda sua força. Com dor, Igor comprimiu os músculos da face. Apavorada, Anita levantou.

- Para Ivan! – ela se aproximou em desespero - Por isso eu não quero contar! Você não vê? Esquece isso! – apelou em agonia. – Ele errou e está arrependido. Olha só para ele! Ele nem reage!

Igor continuava imóvel, no mesmo local, esfregando a região golpeada.

- Anita... – Ivan caiu de joelhos aos seus pés, agarrando-a pela cintura – Mas eu preciso saber, você não entende? Se eu não souber, vou ficar imaginando o que houve todos os dias, pelo resto da minha vida. Se eu não souber o que aconteceu, sempre pensarei no pior. E daí sim, eu nunca poderei perdoá-lo.

- Eu a fiz tocar em mim – Igor então falou. Apressou-se em dizer, porque não queria que o irmão passasse por aquilo. Mesmo que Ivan não pudesse perdoá-lo, talvez ele conseguisse se perdoar.

- O quê? – rapidamente, Ivan levantou.

- Não, Igor! – em pânico, Anita colocou as mãos em frente ao rosto. Ele falou... Ele não deveria...

- Filho da puta! – Ivan gritou e então deferiu novo golpe, agora próximo ao nariz de Igor.

- Não! – Anita gritou, fazendo pleno uso de seus pulmões. Dessa forma, as outras integrantes da casa subiram ao quarto. – Por favor, para!

Ivan agora chutava o irmão caído. Igor não reagiu. Em sua concepção, merecia cada golpe. Anita se ajoelhou e se jogou em cima de Igor, para defendê-lo.

- Chega, Ivan.

Tomando consciência, ele se afastou.

- O que houve aqui? – Suzana entrou no quarto e se deparou com Igor caído com o nariz sangrando, Anita ajoelhada ao seu lado e Ivan imóvel, em frente à janela, olhando para fora. Dira estava nas costas da mãe.

- Ivan, o que você fez com o teu irmão? – Suzana indagou, assombrada.

- Eu não tenho mais irmão. – Ivan grunhiu sem se mexer.

- A culpa foi minha, mãe. – Igor explicou.

Anita fechou os olhos, sentindo-se péssima. Com o peso do mundo sobre seus ombros. Ela não devia ter ido para aquela casa... Não devia ter entrado naquela família para destruí-la...

- Não fique assim, Anita – Igor, mesmo com dor, esticou o braço para consolá-la, como se lesse seus pensamentos. – Você não teve culpa.

- Não toque nela! – Ivan gritou da janela, apontando para ele com fúria.

- Me ajudem a levantá-lo. – Suzana solicitou, preocupada.

Dira, Anita e Suzana levaram Igor para seu quarto. Ele sentou-se na cama.

- O que você fez com Anita, Igor? – curiosa, Dira questionou.

- Eu invadi o quarto dela e a forcei a fazer uma coisa.

Petrificada, Suzana encarou o filho. Seguiu para trás, escorando-se à parede, em choque.

- Ele não fez o que vocês estão pensando. – Anita explicou.

- Por que você me defende, Anita? – Igor perguntou.

- Por quê... Porque eu gosto de você, Igor. – ela sentou ao lado dele e murmurou, cabisbaixa – e eu disse que te perdoaria.

- Você gosta de mim? – ele segurou suas mãos – Então quer ficar comigo? – questionou esperançoso.

- Não, Igor. – ela respirou fundo e olhou para ele – Eu gosto de você como um irmão. Eu amo o Ivan.

- Se é ele que você escolheu, então vá lá com ele. Ele está sozinho agora. Sei que ele não vai me perdoar.

- Um dia, ele vai.

- Anita – Suzana a surpreendeu com um abraço inesperado – Obrigada, querida, por tudo. Você não teve culpa, viu?

- É? – ela arqueou as sobrancelhas, melancólica.

- Sim, minha querida. Não foi culpa tua. – ela repetiu – Agora vai lá ficar com o Ivan, nós cuidaremos do Igor.

- Tá bom...

Quando voltou ao quarto, Ivan estava sentado na cama, inclinado para frente, com os cotovelos apoiados nos joelhos, e o rosto entre as mãos. Ouvindo os passos leves, ela estava de pés descalços e ainda de camisola, ele levantou a cabeça para observá-la com seus olhos avermelhados.

- Desculpa, Anita – ele balbuciou arrependido. Ela estancou em sua frente – Eu perdi o controle... Você tinha me pedido para não fazer isso... Se você não me quiser mais, eu vou entender, eu juro... Eu sei que eu não te mereço, mas eu te amo tanto... E eu não consigo me agüentar quando sei que alguém te fez mal... Eu daria a minha vida por você, Anita... Mas se você não me quiser mais, eu vou entender...

- Ivan... – sentindo um aperto em seu coração, ela se ajoelhou em frente à cama e o abraçou, apoiando a cabeça em suas pernas. – Eu que te peço desculpas... Eu não quis te contar, porque sabia que você ficaria furioso. Eu não queria que você brigasse com o teu irmão...

- Eu não tenho mais irmão.

- Eu queria tanto um irmão...

- Tua mãe não está grávida?

- Sim.

- Então você terá um irmão, gatinha.

- É... Ou irmã.

- Ainda quer casar comigo? Eu posso não te dar um irmão, mas te darei filhos.

- Claro que eu quero, amor. – Anita levantou o rosto, Ivan baixou o seu. Seus olhares se encontraram. Apaixonados, se beijaram. O beijo durou alguns minutos.

- Arruma as malas, que nós vamos embora.

- Não, Ivan, é véspera de natal. Não vou passar a véspera de natal num ônibus ou num trem. De jeito nenhum. Eu me nego a passar o primeiro natal da minha vida sem os meus pais dentro de um trem.

- Mas aqui eu não fico. Não na presença do Igor. Ou ele ou eu. – Anita se levantou, saindo do quarto – Ei, aonde você vai?

- Conversar com a tua mãe. Ela saberá o que fazer.

Ficou acertado que quem passaria a ceia de natal longe da família seria o Igor. Que ele só voltaria para casa após o casal ir embora.

Ivan e Anita compraram passagens para 26 de dezembro, só que essa viagem nunca aconteceu.

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