Capítulo 7
Capítulo 7
Novembro, 1969
- Vai passar hoje à noite, no cinema, o filme Romeu e Julieta. Ele concorreu ao Oscar desse ano. Não quer ir comigo, Anita?
- Hmmm. Não sei. – ela mantinha os olhos baixos, concentrada na máquina de costura. Suas roupas faziam sucesso, e duas amigas de Dira encomendaram algumas peças. Só que antes, tinha aquele trabalho em especial para finalizar.
- Venceu na categoria de melhor fotografia e de melhor figurino e concorreu à melhor filme e melhor diretor. Parece bom, o que você acha?
- Não sei. – ela não queria magoá-lo, mas não achava adequado ir com ele assistir a um romance. – Que eu saiba você não gosta desse tipo de filmes, Igor.
- Mas você gosta.
- Ah... É...
- Então, vamos?
- Acho melhor não. – ela elevou o rosto para observá-lo. Ele, no entanto, não a olhava, mantendo os olhos fixos no jornal. Sentava na sua poltrona de sempre, a laranja, embaixo da janela.
- Já leu a última revista que eu te dei?
- Não tive tempo.
- Você viu, Anita, que o Marighella foi assassinado em São Paulo, e que estão dizendo que isso vai enfraquecer os movimentos militantes?
- Ah... E será que meu pai já foi solto?
Nesse momento, o vinil de Eric Clapton chegou ao fim e a música parou.
- Espero que sim. Espero que ele já esteja solto. Quer ouvir esse de novo, ou quer que eu coloque outro disco? – prestativo, Igor já se encontrava de pé em frente à vitrola. Passou a mão em seus cabelos negros levemente cumpridos, enquanto aguardava a resposta.
- Tanto faz.
- Então, vamos ao cinema? – após trocar o vinil, ele chegou mais perto e colocou os braços apoiado na mesa de Anita, cercando-a.
- Igor... – ela suspirou, tentando manter a calma. – Já disse que não.
- Mas Anita... Desde que o Ivan foi embora você nunca mais saiu. Ficou todos os sábados em casa e já faz três semanas!
- Eu não gosto de sair.
- Mentira. – ele grunhiu - Você não gosta é de sair comigo.
- Igor, claro que eu gosto de sair contigo. Eu só não acho adequado. As pessoas estão começando a falar.
- Você sempre disse que não se importa com o que as pessoas falam, mas pelo jeito até isso é mentira. – ele voltou a sentar, agora com o rosto endurecido e os braços cruzados.
- Eu não me importo que falem de mim, mas estão falando do Ivan! – ela manteve-se firme.
- Quem disse?
- A Dira.
- E o que estão falando do Ivan?
- Não quero falar sobre isso, Igor.
- Anita! – Indira entrou na sala, interrompendo-os. Anita agradeceu aos céus pela intervenção. Aliviada, sorriu para a cunhada com simpatia.
- Está pronto – Anita entregou a ela um vestido vermelho. – Mas eu acho que ficou muito curto, Dira. Você tem certeza que quer assim? Acho que estava bom antes. Na minha opinião, não precisava encurtar a barra.
- Anita! A mini saia está na moda! Até a avó da minha amiga de quase 70 anos está usando! E se as minhas pernas são bonitas, para que escondê-las?
- Você que sabe. – ela achou graça. Já estava acostumada com as maluquices de Dira. – Agora prova para eu ver como ficou.
- Já vou. E então, irmãozinho? O que achou do meu corte novo de cabelo? – mexeu nos cabelos agora curtinhos – É a última tendência, mas a Anita não quis aderir. Eu já disse para ela cortar também. Cabelos cumpridos não estão com nada. O que você acha, Igor?
- Eu gosto dos cabelos da Anita do jeito que estão.
- Argh! – Indira soltou um grunhido incompreensível e então fez uma careta para o irmão – Puxa saco. – ela resmungou.
- Coloca o vestido, Dira. Eu quero ver. – Anita cortou a conversa.
- Tá bom. – ela girou nos calcanhares e então saiu da sala, rebolando, deixando-os novamente a sós.
- Eu admiro isso em você, Anita. Você tem personalidade, não é uma Maria vai com as outras. Tem opinião própria. Não fuma só por que todo mundo fuma, não corta o cabelo quando todo mundo corta. Acho isso muito interessante. É isso que eu espero de uma mulher, sabia? E o engraçado é que você só tem 17 anos, mas parece muito mais madura do que as garotas da minha idade.
- Ah... – Anita não soube como responder. Sentia-se cada vez mais sufocada com seus excessos de atenção, mas não gostaria de magoá-lo. Como agir? O que fazer?
- Você é feminista, Anita?
- Ãããã?
- Você é feminista?
- Não entendi. – ela o encarou com firmeza. Já estava no limite de sua paciência, a ponto de estourar com ele.
- Feminista. Essas mulheres modernas que queimam sutians em praça pública. Essas mulheres modernas que agora por causa da pílula pregam o amor livre. Que tem como lema: "Faça amor, não faça guerra" – Anita contraiu o rosto e ficou observando-o falar com perplexidade. – Talvez eu seja um pouco retrogrado, antiquado ou quadrado, como você preferir. E talvez eu seja assim pelo fato de eu morar no interior, longe da capital. Mas tem certas idéias, Anita, que eu não consigo assimilar. Tem certas questões modernas, que eu não admito. Quando eu me casar, por exemplo, quero uma mulher que seja virgem.
Chocada, Anita não soube o que dizer. Franziu as sobrancelhas e o encarou. Onde ele estava querendo chegar? Estava ficando muito, mas muito, irritada.
- Isso faz de você um hipócrita, Igor. – ela afinal respondeu.
- Eu hipócrita? E posso saber por quê?
- Não se faça de inocente para mim, Igor. Tua fama já chegou aos meus ouvidos. Você seduz garotas ingênuas e depois as abandona, eu sei disso. Sei muito bem... – deixou no ar a continuação: e você está tentando me seduzir também!
- Você está insinuando o que com isso? – ele rosnou. – Por quê, que eu saiba, você de inocente não tem nada, Anita. Você me enganou uma vez, mas agora não me engana mais.
- O que?! – ela o enfrentou, ultrajada, ficando agora em pé em frente a ele.
- Eu vi o Ivan sair do teu quarto. – ele a fulminou com o olhar - Eu sei que ele passou a noite lá.
- Ora! – ela elevou o dedo indicador, deixando apontado em riste em frente ao seu rosto. – Ah, quer saber? – voltou a sentar, retomando sua costura – Isso não te diz respeito, Igor.
- Anita! – Indira voltou à sala aos berros. Igor se apoiou na janela e acendeu um cigarro para provocar Anita. Ela não disse nada. – O que achou? – girou no meio da sala, usando um vestido exageradamente curto – Será que o Caio irá gostar? – ela sorriu.
- Há há há – Anita não pude deixar de rir – É lógico que ele vai gostar.
- Você está vulgar, maninha. – Igor soltou uma baforada do cigarro quase no rosto da irmã e então e cruzou os braços sobre o peito.
- Rá! Vulgares são as tuas amigas, Igor, não eu! E dobra essa língua antes de falar assim comigo!
- Não dá bola para ele, Dira. – Anita disse - Ignora, que é a única coisa que ele merece.
- Não! – Dira cerrou o maxilar, exaltada – Se você esta com dor de cotovelo, não venha descontar na gente! Seu idiota! – ela bufou. Dira não era do tipo que aceitava ofensas calada.
Ele revirou os olhos, evitando encará-la. Tinha certeza que era melhor encerrar aquele assunto, antes que a irmã falasse o que não devia.
- Anita, eu vou tomar banho – Dira respirou fundo, para tentar se acalmar - mas depois, você ajuda a alisar meus cabelos com o ferro?
- Claro, Dira. – respondeu gentil.
- Anita. – Igor voltou a se aproximar – Desculpa.
- O que você quer, Igor? – ela retrucou de cara amarrada.
- Quero que você me desculpe e que vá ao cinema comigo.
- Você está desculpado, mas eu não vou ao cinema.
- Por que não?
- Você sabe por quê.
- Ai, que droga.
- E vai fumar longe de mim!
- Tá bom...
Igor abriu as cortinas para deixar a luz entrar pelas frestas da veneziana e, cambaleando, conseguiu chegar até a cama. Empurrou as pernas de Anita para o lado e ali ficou, sentado, olhando para ela com fascínio. A cama não era a dele, o quarto não era o dele, ele sabia que não devia estar ali, só que não conseguia se afastar... Tinha ido só para dar uma espiadinha. Sabia que não era certo, mas precisava vê-la. E ela adormecida, parecia um anjo... Tão linda...
Passou a mão pelas pernas de Anita sobre o lençol, mesmo sabendo que não deveria. Das pernas, subiu pelo tronco até o ombro. Acariciou seus cabelos. Macios e sedosos. E ela era tão perfumada... Ele devia ir embora, mas não conseguia...
Tocou-lhe na orelha, fazendo seu contorno com suavidade. Ela dormia de lado, com os joelhos dobrados. Um de seus dedos deslizou da orelha até os lábios. Sentiu a respiração de Anita em seu dedo. Ela se mexeu um pouco e ele se assustou, recuando para trás. Mas foi alarme falso. Ela ainda dormia... Igor se acalmou. Novamente, suas mãos acariciaram as pernas de Anita. Um pé dela estava destapado, e ele ficou observando-o, admirado. De repente, resolveu ousar. Ela dormia, ela não saberia... E ele não faria nada de mais... Nada de mais...
Sua mão agarrou aquele pé e de lá subiu para as pernas, agora por debaixo dos lençóis. Acariciou umas das panturrilhas e decidiu que dali não subiria. Mas a pele dela era tão macia, seu corpo era tão perfeito... Sem se agüentar, a outra mão agarrou a outra panturrilha. Ela se mexeu. Ele, dessa vez, não recuou. Podia ser insanidade, podia estar completamente louco, mas de repente, desejava que ela acordasse.
Igor largou as pernas de Anita e se inclinou por cima dela e a chamou:
- Anita... – não houve resposta – Eu te amo, Anita... – ele lamuriou baixinho – Por Deus, o que eu devo fazer? Casa comigo e não com o Ivan! Por favor? – sua súplica se perdeu no silêncio. Era inútil. Então, ele recuou, pretendendo voltar para a beirada da cama. Cambaleante, se desequilibrou, deixando que o peso de seu corpo caísse por cima de Anita.
Ela então acordou. Em choque, arregalou os olhos e o encarou, encolhendo o corpo e as pernas em direção do encosto da cama.
- Igor? – franziu a testa, olhando-o fixamente – O que você está fazendo aqui? – estranhamente, não sentia medo. Ela confiava nele. Ele era seu amigo, seu companheiro. Ele era o cara que se preocupava com ela, que cuidava dela na ausência de Ivan e de seus pais.
- Você sabe o que eu estou fazendo aqui. – sorriu de leve - Vim te ver.
- Você sempre faz isso?
- Sempre não. Mas já fiz algumas vezes.
- Oh! – ela abriu a boca, espantada.
- Anita... – ele tentou se aproximar, mas ela esticou os braços e barrou seu caminho.
- Você está fedendo, Igor. – ela apertou seu nariz, para não sentir o odor de seu hálito. – Que horror! O que você bebeu? O que você fumou?
- Não foi cigarro o que eu fumei. – afirmou e riu com os cantos dos lábios. Os olhos vermelhos denunciavam o uso de droga.
- Maconha? – pelo amor de Deus, Anita pensou, diga que sim! Entre as drogas, a mais inocente.
- Foi só um baseadinho... Você já fumou maconha, Anita? – ele continuava na beira da cama.
- Claro que não!
- Rá! Quem vem até pensa! Tão santinha, Anita... Até parece! – afirmou com sarcasmo - Mas eu perdôo o teu deslize, Anita. Se você ficar comigo, eu não me importo... Eu juro que não me importo com o fato de você não ser mais virgem... Não você. – tentou se inclinar na direção do rosto dela.
- Igor, não! – ela esticou os braços novamente – Você está fora de si, não sabe o que está fazendo. Por favor, vai embora!
- Eu estou fora de mim desde que você veio para essa casa, Anita. Eu estou louco por você.
- Você está bêbado!
- Não só bêbado, querida...
- Você está bêbado e chapado!
Ele se aproximou novamente, tentando beijá-la. Ela virou o rosto. Ele alcançou a bochecha, depositando nela um beijo babado.
- Grita, Anita, o quarto da Dira fica aqui ao lado, ela pode salvá-la. – sussurrou em seu ouvido.
- Não vou gritar. – retrucou com firmeza.
- Por que não?
- Porque você não é assim, Igor! Porque você está fora de si! E eu posso te perdoar, elas talvez não possam. E eu não quero que você brigue com a tua família.
- Elas?
- Se eu gritar, tua mãe também ouvirá. Por favor, vai embora, Igor! – ela abriu os olhos e o encarou. Ele estava tão perto... – Ninguém vai saber que você veio aqui, eu juro... – balbuciou agora com um pouco de insegurança. Havia algo na expressão de Igor que estava começando a assustá-la.
Ele apoiou-se sobre os braços, posicionando seu corpo sobre o de Anita. Ela dobrou mais as pernas, encolhendo-se como podia para longe dele.
- Ah... A menina Anita sempre doce e gentil. A bondade em pessoa. Vai me agüentar sozinha e calada para não magoá-las, é isso?
- Sim. – ela apertou os lábios e grunhiu. – Sei que você não fará nada. Sei que você é bom, Igor. Eu confio em você.
- E se eu não for? E se eu não for bom?
Ela fechou os olhos, fugindo do olhar fulminante que ele lhe lançava. Não respondeu.
- E se eu não for bom, na verdade, Anita? – ele insistiu, mas novamente não obteve resposta - Também não fará diferença, não é? Você já se entregou para o meu irmão. Eu serei apenas mais um. Não é?
- Não! – ela abriu os olhos e o encarou. O medo agora dominando seus traços – Você está enganado, Igor. Isso não aconteceu. – ela balbuciou, fraquejando. Sua voz quase sumindo...
Ele a ignorou.
Igor pegou a mão de Anita. E ela, agora paralisada, quase entrando em pânico, deixou se levar.
- Olha o que você faz comigo, Anita. Veja o estado em que você me deixou. – Igor colocou a mão de Anita sobre o seu membro rígido. Anita arregalou os olhos, em choque. As pupilas dilataram, a boca secou, o sangue correu veloz em suas artérias. – Sinta, Anita, sinta o que você faz comigo. Veja porque eu não tenho conseguido dormir – e ela não conseguiu reagir.
Ele abriu o zíper de sua calça jeans e conduziu a mão inerte de Anita para tocá-lo. Igor fez com que a mão de Anita agarrasse seu pênis por dentro da roupa. Apertou sua mão sobre a dela, fazendo pressão.
- O de Ivan também é assim? – como resposta dela, só houve uma respiração acelerada. Um coração batendo apressado. E então, curioso, ele a olhou. E, de repente, parou. De repente, sua mão afrouxou. Em seguida, seu braço pendeu.
Havia algo no rosto de Anita, que fez com que ele parasse. Ela estava dura, rígida feito uma estátua. Seu rosto havia ficado sem cor. Seus olhos arregalados e assustados de uma maneira que ele nunca vira antes. E de repente, ele percebeu.
A mão de Anita, agora livre, permaneceu imóvel, inicialmente no mesmo lugar, dentro da braguilha das calças de Igor. Ela não se mexia. Estava estática, paralisada. Como se fosse um corpo sem vida.
- Você... – ele a encarou, mas ela fitava o nada, olhando na direção do tapete ao lado da cama – Você nunca fez isso com o Ivan, não é mesmo?
Nervoso pela falta de reação, ele a sacudiu pelos braços. Voltando a si, ela puxou seus braços energeticamente, livrando-se dele.
- Fala, Anita, você nunca fez isso com o Ivan, não é? – questionou em agonia.
- Não. – a voz dela era seca. Respondeu sem olhá-lo.
- Desculpa, Anita, eu me enganei. – voltou para a beira da cama.
- Não há desculpa para isso. – afirmou com dureza.
- Eu sei.
- Sai daqui, Igor!
- Olha para mim, por favor? – ele suplicou. Ela obedeceu. – Você sabe por que eu fiz isso, não sabe?
- Isso não justifica. – ela grunhiu.
- Mas você sabe, não sabe? Sabe o que eu sinto por você?
- Sei.
- E isso não muda nada?
- Não. – ela levantou o rosto e o encarou, cheia de raiva - Agora sai daqui!
E ele assim fez. Mesmo bêbado e drogado, ele saiu arrependido, como um cachorro acuado, com o rabo entre as pernas. Sabia que ela nunca o perdoaria. Sabia que a tinha perdido para sempre. Não! Era ainda pior: sabia que ela nunca tinha sido dele...
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Como escrevi essa história em 2009, confesso que não me lembrava bem dela e esse capítulo me deixou chocada! :D
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