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Capítulo 3

Capítulo 3

Quando Anita acordou, Ivan já havia saído, tal como no dia anterior. Então ela abriu os armários e foi arrumar sua mala. Iria para longe de Ivan. Para longe de seus pais. Para um lugar estranho. Mas, incrivelmente, não sentia medo. A família de Ivan cuidaria dela. E se eles fossem como ele, ela estaria segura. E de qualquer forma, assim que Ivan passasse no vestibular – ela rezaria todas as noites para que isso acontecesse – ela voltaria. Mesmo que ele não quisesse, ela voltaria e lutaria por ele.

Passando os olhos em seu enorme armário, abarrotado de lindas e caras peças, algumas de famosos estilistas, ela se perguntou sobre o que seria adequado levar. Enquanto considerava o assunto, sem a menor dúvida, colocou a vitrola portátil que ganhara de aniversário numa grande sacola junto com o único vinil que lhe restara inteiro: Nara Leão. Manhã de Liberdade, de 1966. Sua música favorita era a primeira, a Banda.

Lembrou com saudades dos discos de Caetano e Chico Buarque que costumava escutar. E de sua cantora preferida: Elis Regina. Desses, entre outros, só restauram fragmentos negros de vinil, que ela colocou no lixo no dia anterior. Caetano e Chico estavam censurados. Era uma pena...

De repente, decidiu que não importava. Para que se preocupar com roupas? Ivan não estaria lá... Jogou qualquer peça na mala até lotar todo o espaço disponível, tentando selecionar as mais simples. Em pouco tempo, tudo ficou pronto.

Pegou um bonde e seguiu para a rodoviária. Depois, seu destino seria o colégio. Queria se arrumar, estar produzida, para que Ivan se lembrasse dela com saudades. Mas era obrigada a usar o uniforme do colégio agora misto (há apenas dois anos permitia garotas e garotos na mesma classe). Caprichou então nos cílios postiços, moda da época, e na maquiagem ao redor dos olhos. Nos lábios, optou por um batom clarinho. Colocou uma faixa larga branca sobre o cabelo, deixando-os solto nesse dia. Mais prático. Dessa vez, dispensou a peruca, outro item quase obrigatório entre as mulheres da época.

Com a passagem comprada, rumou à escola. Seu turno era o da tarde, mas certamente encontraria Ivan na biblioteca. E lá estava ele, num cantinho quase oculto da biblioteca, na mesa atrás da última prateleira. Em silêncio, trocaram sorrisos e ela sentou-se em sua frente com um livro nas mãos. Não queria atrapalhá-lo e então fingiu se concentrar em sua própria leitura, quando na verdade não prestava atenção em nada além dele. Protegida pela capa do livro, subia os olhos discretamente e observava o rosto de Ivan. Seu nariz reto e masculino. Um belo nariz. Seus olhos negros. A curva de seu maxilar. Seu peito largo e forte. Tudo a fascinava.

Ivan percebeu Anita chegar e a deixou sentar em sua frente inicialmente sem nada dizer. Estavam em uma biblioteca e ali a exigência de silêncio era severa. Não podiam conversar. Com os cantos dos olhos, percebia-a olhando para ele. Ela estava deslumbrante e Ivan logo concluiu que nunca conhecera ninguém tão bela. Com ela em sua frente, era impossível se concentrar.

Ivan se inclinou e rasgou uma folha de seu caderno, rabiscou algo, entregando a ela.

"Comprou a passagem?" – era a pergunta do papel.

Ela recebeu o recado com um discreto sorriso. Não conseguia parar de sorrir perto dele.

"Sim. Para de noite." – ela respondeu, se esmerando na caligrafia. Ao devolver a ele, tocou propositalmente em sua mão. Ivan aceitou o contato com um leve sorriso. Normalmente, ele era sério e carrancudo, mas Anita arrancava seus sorrisos com facilidade.

"Quer namorar comigo?" – ele devolveu o papel, decidindo arriscar, e a encarou com firmeza.

Ela o recebeu com uma expressão marota. Passou o lápis pelos lábios de maneira provocativa, como se fingisse pensar. E então escreveu:

"Só se você me beijar agora." – e caprichou no sorriso, abusando do charme. Ela era linda e estava aprendendo a fazer uso desse fato.

Ivan olhou aqueles lábios grossos e convidativos. Observou ao redor. Ninguém. Por que não? Ele concluiu ao se inclinar sobre a mesa com a mera intenção de lhe dar um selinho, um toque breve de lábios. Nada mais do que isso.

Anita percebeu-o se aproximando. Já o conhecia um pouco. Sabia o quanto ele era contido. Certa que ele a beijaria apenas de leve, segurou-o pela nuca com ambas as mãos, prolongando o contato de seus lábios. Ansiando por aprofundar o beijo, ela entreabriu a boca de leve, e circundou os lábios dele com sua língua.

Ivan sentiu todas suas resistências ruírem, quando sentiu o toque da língua dela em seus lábios. Mandou tudo para o espaço. Segurou-a pelos ombros com vigor e de forma nada contida agora, sua língua invadiu a boca de Anita.

Ela se assustou um pouco com o modo meio bruto, mas correspondeu. Nunca imaginou que um beijo pudesse ser assim. Agressivo. Faminto. Voraz. Mas insuportavelmente bom. Ela queria mais. Se não houvesse uma mesa entre eles, ela se jogaria em cima dele. Grudar-se-ia a ele.

Ivan perdeu a noção de tudo. Do tempo e de espaço. Eles estavam em uma biblioteca! Onde ele estava com a cabeça? Se não houvesse uma mesa entre eles... Ele queria sentir seu corpo. Queria tocar em Anita. Queria tudo. Sentia uma fome insuportável. Um apetite que sabia que só ela seria capaz de saciar. Sem tomar conhecimento do que fazia, sua mão desceu e agarrou-lhe um dos seios. Sua mão espalmou sobre o seio, tocando-o e comprimindo-o sobre a roupa. Mas ele queria mais. Ansiava por tocar-lhe a pele. Sentir sua textura. Era errado, mas não conseguia parar... Em plena biblioteca, sua mão estava prestes a se enfiar embaixo da blusa de Anita.

Foi nesse momento que ouviram vozes. Voltaram à realidade e se afastaram num pulo. Em questão de segundos, dois alunos invadiram o recinto em que eles estavam sem que eles tivessem tempo de se recompor adequadamente. As respirações ainda ofegantes. Os rostos corados em brasas. Os olhos arregalados e as pupilas dilatadas. Tudo conspirava contra os dois, entregando-os.

Adriano e um amigo entravam, e um cutucou o outro.

- Oi, Anita. – um deles pronunciou, ignorando Ivan.

- Oi, Edgar. – ela respondeu com um pouco de dificuldade. Sentia-se como se estivesse embriagada ainda.

- Viemos fazer nosso trabalho de história, e você? – Adriano indagou, carregado de desconfiança.

- Eu... – ela olhou rapidamente para Ivan, antes de responder. – Vim ler esse livro. – já voltando ao seu estado normal, ela apontou para o livro sobre a mesa e forçou um sorriso.

- Ah... – Adriano não pareceu convencido.

- Vamos. – irritado, Ivan a arrastou pelo braço para fora da biblioteca.

Ivan apertava seu braço, enquanto a carregava para fora. Ela nem ligou. Olhava para ele meio que fascinada.

Ivan estava furioso. Como se permitiu uma coisa dessas? Como perdeu o controle daquela maneira? E em um lugar público! Em plena biblioteca! Já não bastava tudo o que acontecia na vida de Anita, ele tinha que agir como um canalha? Com ódio fervoroso de si mesmo, ele se amaldiçoou. Se não tivessem sido interrompidos, só Deus sabe o que poderia ter acontecido! Ele era um crápula! Cerrou os dentes e bufou.

Anita, por outro lado, estava nas nuvens. Só pensava nos beijos trocados. Ela queria mais! E quando ele a tocou... Era como se tivesse acendido algo dentro dela! Algo que ela nem sabia que existia! Ela só pensava em ter mais! Observava-o hipnotizada, mas ele estava tão sério...

- Para onde nós vamos? – ela perguntou enquanto caminhavam pelos corredores da escola.

- Almoçar. – ele respondeu sem olhar para ela. – Tem um restaurante perto daqui.

- Hmmm. – ela apertou os lábios. – Ivan...? – ela murmurou, ansiando por atenção.

- Que? – ele disse ainda irritado.

- Eu vou embora hoje e não sei quando vou te ver.

Ele a encarou, sem saber como responder.

- Promete que não vai me esquecer? – os olhos dela agora eram melancólicos, tristes.

- Nunca. – ele parou de andar e a segurou pelos ombros. – Eu nunca vou te esquecer.

- Ah! – ela então relaxou e abriu um enorme sorriso.

Ivan amoleceu os traços de seu rosto ao percebê-la feliz.

- E você? – as mãos dele desceram dos ombros dela, deslizando pelos braços de maneira carinhosa - Não vai me esquecer?

- Nunca. – ela sorriu de novo – Ainda mais depois daquele beijo.

Ele não disse nada. Apenas a largou e eles recomeçaram a caminhar. Diante do seu silêncio, ela prosseguiu:

- Sabe, Ivan, eu sinto que meus pais vão voltar logo. Que em breve eu terei notícias deles – agora alegre, ela pegou uma flor amarela recém caída no chão no jardim em frente da escola e levou-a ao nariz. – Daí tudo vai voltar ao normal. – novamente afundou o rosto entre as pétalas, tal como uma criancinha – Acho que eles vão gostar de você. Eles ficarão contentes em saber que você cuidou de mim. – colocou a flor atrás da orelha, prendendo-a na faixa branca.

Ele não resistiu ao vê-la com a flor e a beijou na bochecha.

- Bonitinha. – sussurrou em seu ouvido.

- Meu namorado. – ela respondeu.

Enamorados, apenas se olharam e trocaram sorrisos tímidos. Num embaraço típico de início de namoro. E então Ivan recomeçou a caminhar.

- Não! – Anita estancou no caminho e exclamou.

- O que? – ele arregalou as grossas sobrancelhas negras, intrigado.

- A gente não pode comer num restaurante. Não temos dinheiro, Ivan.

- Eu tenho, eu pago.

- Não. Não é justo você economizar tanto para depois desperdiçar comigo.

- Isso não é nenhum desperdício – ele afirmou amoroso.

- Mas eu não quero. Ainda é cedo, vamos até a tua casa comer sanduíches. Não devemos gastar a toa.

- Anita... – ele revirou os olhos. A expressão do rosto dela evidenciava suas intenções – Eu não vou te beijar de novo, nem se ficarmos sozinhos na minha casa.

O sorriso dela murchou.

- Por que não? – indagou com ingenuidade.

- Por que não. – ele simplesmente respondeu.

- Ah... – ela resmungou – Mas podemos ir só para comer sanduíches? – questionou esperançosa. – Por favor?

- São vinte minutos de caminhada.

- E daí? – ela deu de ombros - Hoje está um dia agradável e temos muito para conversar.

- Temos, é? – ele perguntou, divertido. Mantinha-se sério, mas por dentro sorria. – Tipo o que? – começou a andar em direção a sua residência.

- Eu quero saber tudo sobre você, Ivan. Desde o teu prato predileto até o teu cantor favorito.

- Qual o teu prato predileto? – ele ficou curioso.

- Hoje, sanduíche. – ela brincou.

- E teu cantor preferido?

- É cantora – ela o corrigiu, com o canto do lábio curvado para cima – Elis Regina. Pena que quem pegou meus pais também quebrou meu vinil favorito... – balbuciou melancólica – Agora não vou poder comprar um tão cedo... – logo voltou a sorrir. Ivan se impressionava com a sua capacidade rápida de passar de uma emoção à outra. –Mas tenho um disco da Nara Leão, minha segunda cantora preferida.

Grudou-se no braço dele e começou a cantarolar baixinho a música "A Banda."

- Sabe, Ivan, a Elis morava no IAPI, perto da minha casa, e eu a conhecia antes dela ficar famosa, a conhecia pessoalmente. Ela canta desde os onze anos, mas só se tornou conhecida após vencer o festival em 65. Lembra da música Arrastão? – ele assentiu – E sabe o que eu gosto muito nela? Além da voz maravilhosa, é claro.

- O que?

- Ela é mais baixinha do que eu! – ela disse e ele riu.

E assim passaram o resto do tempo, conversando e brincando, até retornarem à escola. Anita obrigou Ivan a falar, fazendo-o responder a um extenso interrogatório. E ele, por sua vez, cumpriu o prometido e não a beijou, por mais que ela se esforçasse para seduzi-lo.

- Vou falar com o diretor sobre a minha transferência. – Anita afirmou.

Chegaram cedo. Quarenta minutos antes das aulas, por sugestão dela. Anita não queria dar o braço a torcer, mas estava tensa por saber que reencontraria seus ex-colegas. Se não fosse necessário por questões burocráticas – mudaria de colégio em pleno ano letivo – e por seu desejo de ficar suas últimas horas na cidade ao lado de Ivan, não colocaria nunca mais seus pés lá.

- Eu guardo um lugar para ti na sala de aula. – ele disse.

Ela assentiu e então respirou fundo. Girou seu corpo e seguiu firme para a diretoria.

Anita sentou na sala do diretor e aguardou por ele durante vários minutos. Ele chegou trinta minutos depois, dez antes do início das aulas. Ela explicou a ele sua situação, poupando-o somente de pequenos detalhes. Confiava nele. Era amigo de seus pais. Trataram de tudo com tranqüilidade e depois ele a encaminhou para sua sala. Seguiu ao lado dela, para que o professor de história permitisse sua entrada na aula já em andamento.

O diretor abriu a sala para ela, e fez um gesto para o professor, que esticou a mão convidando-a para entrar. As cadeiras estavam organizadas numa espécie de roda. O professor no centro. Os alunos em volta.

Como não poderia ser diferente, todos os alunos se viraram para olhá-la, encarando-a com curiosidade. Anita engoliu em seco e tentou colocar no rosto uma máscara fria, fingindo não se importar. Rapidamente, Mônica e Virgínia, encheram a cadeira entre elas de livros, evidenciando que ela não era bem vinda.

Anita elevou a cabeça e empinou o nariz, num esforço surpreendente de não demonstrar seus reais sentimentos. Fingindo que tal desprezo não a atingia. Mas sentia como se lhe cravassem várias facas nas suas costas. Doía muito.

Algumas pessoas lhe olharam e sorriram, e ela sorriu fraco em resposta, uma contração leve de lábios. Entre essas pessoas, estava Adriano, que lhe apontou um lugar em seu lado. Sutilmente, ela negou com a cabeça e seguiu em direção daquele que a observava, de braços cruzados e com verdadeira preocupação. Alargou o sorriso olhando exclusivamente para ele agora. Talvez se ela olhasse apenas para ele, conseguisse chegar a seu destino sem tropeçar. Talvez se fingisse que só ele existisse naquela sala, não doeria tanto.

E assim, conseguiu sentar ao seu lado, tentando ignorar os vários pares de olhos que a observavam, pares de olhos que pesavam em suas costas. Lentamente, a aula interrompida por ela recomeçou.

O amigo de Adriano, o mesmo da biblioteca, cochichou algo em seu ouvido. Anita percebeu o olhar recriminador que Adriano lhe lançou. Uma raiva incontida em seu olhar. Instintivamente, desviou o rosto e observou Ivan, que, ao contrário de todos os outros, lhe sorriu amoroso. Seu coração se acalmou. Com ele, sentia-se segura.

Ivan temia pelo momento que Anita entraria na sala. Quando o sinal tocou e ela não retornou, ele ficou tenso. Sabia que a atenção de todos se voltaria a ela. Sabia que ela era a atual vitima favorita das fofocas da escola. A menina os pais abandonaram, que ficara sem dinheiro e sozinha da noite para o dia. Que agora teria que mendigar e implorar pela ajuda dos outros para sobreviver, conforme ouvia as pessoas comentando pelos corredores, pelo menos até seus pais voltarem. Sabia que todos olhariam para ela e desejava estar ao seu lado, amparando-a para o caso dela fraquejar. Mas Anita, em nenhum momento, fraquejou. Aquela menina linda, com jeito de boneca, pequena e franzina, era muito mais forte do que qualquer um poderia supor. Mais uma vez, ela o surpreendeu e ele se orgulhou dela.

Anita mantinha em seu olhar um brilho, algo que ao invés de se apagar com suas dificuldades, tornou-se mais evidente. Mas o que ninguém sabia – talvez nem mesmo ela soubesse – era que esse brilho era decorrente do amor que sentia por Ivan.

Curiosa, Anita observou seus colegas, um a um, certa de que não os veria tão cedo. Tinha vontade de puxar conversa com alguns, mas temia que todos lhe virassem a cara, tal como suas duas melhores amigas fizeram. E ela não agüentaria isso. Não agora, num momento em que se sentia tão vulnerável e despedaçada. Mônica e Virgínia participaram de sua vida por tantos anos... E o pior de tudo – Anita concluiu com pesar – é que um dia ela fora igual a elas.

Cabisbaixa, Anita apoiou a cabeça sobre o cotovelo. Sentiria falta de algumas daquelas pessoas presentes, mas especialmente, sentiria falta de Ivan. Era incrível o quanto ele se tornara essencial em sua vida, mesmo conhecendo-o há tão pouco tempo.

- No que você está pensando? – ele aproveitou uma distração do professor e sussurrou em seu ouvido. Ela mordia a ponta da caneta tinteiro, parecendo estar com o pensamento longe. Anita não se fez de rogada, respondendo:

- Estava pensando no quanto eu gosto de você. – piscou as longas pestanas, concentrando-se no rosto dele. Talvez assim, esquecesse do resto.

Amoroso, ele sorriu de leve e acariciou discretamente o braço dela. Mas não tão discreto a ponto de Adriano não perceber do outro lado da sala. Indignado, Adriano se ajeitou na cadeira com notável desconforto.

Quando terminou a aula, Anita ficou depois do horário para conversar com o professor. Explicar que iria para outra escola e ver se conseguia algumas dicas e conselhos. Ivan seguiu para a biblioteca para pegar um livro. Combinaram de se encontrar mais tarde no portão.

Ela fechou a sala de aula junto com o professor, nostálgica, olhou para o pátio agora vazio. Ficou parada sozinha, relembrando o que viveu ali. Recordando as incontáveis vezes que a sua mãe a buscara naquele mesmo local. Lembrando das brincadeiras que, ainda criança, fazia com Mônica e Virgínia. As corridas ao redor daquele gramado mais distante. As aulas de educação física que ela tanto odiava. Ela era descoordenada, isso era fato. Anita e os esportes não nasceram um para o outro. Simplesmente não combinavam.

Distraída, nem percebeu os minutos passarem. Perdeu a noção de tempo e de perigo. Nem percebeu alguém se aproximando e chegando ao seu lado.

- E então? – a voz de Adriano era grave, cheia de rancor. – O que você faz com o Moraes, Anita?

Chocada, Anita abriu e fechou os lábios rapidamente, como um peixinho dourado. Seus olhos se arregalaram, pressentindo o perigo. Mais a frente, de braços cruzados sobre o peito e cenho franzido, estava o amigo da biblioteca, vigiando para o caso de chegar alguém.

- Eu tenho que ir... – ela afirmou num fio de voz. Havia algo na expressão de Adriano que a estava assustando.

Ele agarrou seu braço, impedindo-a de se mover. Ela tentou se desprender, mas a mão se apertou sobre o seu pulso.

- Você está me machucando – ela o enfrentou, mesmo com o coração aos pulos.

- Anita, Anita... Sempre tão tímida. Sempre tão acanhada. E eu agora descubro que era tudo fingimento. – ele a encarou com um olhar cheio de cólera – E você acha, minha querida, que depois de eu ter te visto de agarramento com o Moraes lá na biblioteca – segurou o queixo dela com força – que eu vou deixar impune?

Ela abriu a boca, mas não conseguiu dizer nenhum som. Sentiu as cores sumirem de sua bochecha. Respirou fundo e afinal se concentrou nas palavras:

- O que... O que você quer dizer?

- Quero dizer que eu não sou idiota. – ele contraiu os músculos faciais, parecendo estar com muita raiva. E começou a arrastá-la pelo pátio puxando-a pelo braço. Anita, numa tentativa desesperada de se defender, se agarrou à trave vermelha da quadra de vôlei.

-Não! – ela berrou, usando toda a sua força para se segurar na trave.

O amigo caminhou em sua direção, ficando mais próximo, deixando claro que ela estava em desvantagem. Eram dois contra um. Anita, ainda agarrada à trave, tentava resistir.

- Isso é entre nós dois, querida. – ele cerrou os dentes – mas se você resistir, o Edgar pode se juntar a nós, não é Edgar? – Adriano puxou os cabelos de Anita com força para fazê-la levantar a cabeça. – Eu só quero um beijinho. O beijo que você me prometeu na festa.

- Nunca! – com os braços agora imobilizados e sem alternativa, ela cuspiu no rosto dele.

Com asco, Adriano removeu a saliva de sua bochecha. Como resposta automática, estendeu a mão para meter-lhe um vigoroso tapa, mas mudou de idéia no meio do caminho. Aproveitando a mão estendida, acariciou a bochecha dela e se aproximou, prensando-a contra a trave vermelha.

- Seus pais podem ser comunistas, Anita, mas você é muito linda. – passou os dedos nos lábios dela, desenhando o seu contorno. – E pelo o que eu e Edgar vimos você não é nada santinha. – baixou os braços, roçando de leve sobre seus seios. - Nada santinha mesmo. – ele repetiu com os olhos fixos nos seios de Anita.

Anita ficou rígida. Com todos os músculos de seu corpo contraídos. Queria lutar, queria gritar, mas em pânico, não conseguiu se mover. A adrenalina percorria livre em seus vasos sanguíneos, deixando-a em alerta, com as pupilas dilatadas, mas em pânico, impedindo-a de se movimentar. Sua boca secou. Seu coração se acelerou fazendo um tum-tum-tum tão rápido que parecia querer sair do peito.

- Eu fiz o Edgar jurar que não contará a ninguém o que ele viu, meu amor, para não manchar a sua reputação. Porque quando teus pais voltarem, tudo voltará ao normal e a gente poderá ficar junto de novo. Eu não me importo com quem são teus pais, você é linda e eu a quero para mim. Agora, querida, para que eu aceite de volta, eu só preciso saber se você ainda é pura.

- Que...? – Anita mordeu o lábio e perguntou num fio de voz. Ele estava perto, com o rosto grudado nela e segurando seus pulsos.

- Você ainda é virgem, não é, Anita? – indagou e roçou seus lábios nos delas – Se bem que agora isso não importa, eu vou beijá-la de qualquer maneira. Depois você me conta.

Anita ficou ainda mais dura, como se isso fosse possível, quando sentiu os lábios de Adriano sobre os dela. Seus lábios gelados de puro pavor queimaram quando aqueles lábios tentaram invadir sua boca à força. A língua de Adriano penetrou sua boca, deixando-a enjoada. Deliciado com a maciez e o calor da boca de Anita, Adriano acabou se distraindo.

- Larga, ela! – Ivan gritou ao ver aquela cena. Anita estava sendo agarrada à força, imobilizada pelos pulsos! Que covardia! Que tipo de homem faz algo desse nível?

Edgar avançou sobre ele, colocando-se em frente ao amigo. Ivan, completamente alterado e irritado, passou por cima dele com facilidade, esmurrando-o sobre o estômago. Com um único golpe certeiro na boca do estômago, levou-o ao chão. Edgar ficou para trás, urrando de dor.

Ivan, com o rosto pesado, com um olhar irradiando fúria, parecia muito maior do que já era. Com a raiva lhe dominando, lhe subindo a cabeça, sentia vontade de matar Adriano. Começou a deferir golpe sobre golpe, mas após o terceiro soco parou, ao observar a expressão assustada de Anita.

- Fique longe dela! – Ivan gritou ao se afastar.

- Você quebrou meu nariz! – Adriano berrou, chocado. Ivan ignorou seus gritos.

Estendeu os braços para Anita, que estava amedrontada e encolhida, e a pegou no colo. Em choque, ela se deixou levar. Ivan não quis expô-la, carregando-a daquela maneira no meio de tantos conhecidos. Anita não precisava disso, já tivera exposição suficiente. Então ele sentou em um banco quase oculto, com ela aninhada em seu colo.

- Você está bem, meu amor? – ele indagou, preocupado, depositando um beijo no topo de sua cabeça.

Automaticamente, Anita levantou o rosto e o encarou. Imediatamente, suas bochechas coraram, seus olhos voltaram a brilhar e ela sorriu. Um sorriso estranhamente lento. Começando como uma leve contração nos cantos e depois se alargando, até se tornar amplo e luminoso. Como se ela voltasse de um susto. Seus olhos se fixaram aos de Ivan e estavam agora incrivelmente abertos e cheios de vida.

- O que foi? – ele indagou.

- Você me chamou de amor!

- É... – Ivan franziu as sobrancelhas, surpreendido com ele mesmo – Acho que sim... – ficou envergonhado.

Ivan poderia ter dito que era cedo para falar de amor. Eles só se conheciam há dois dias! Mas optou por não fazê-lo.

Anita achou graça daquela timidez inesperada.

- Vamos embora? – ela propôs mais disposta agora. – Senão podem nos trancar aqui dentro e então eu perderei minha passagem. E a passagem está cara, Ivan. – ela brincou.

Ele não se moveu. Olhou para o céu e nada disse. A expressão de seu rosto era indecifrável. Anita não entendeu, mas se aproveitou de sua distração e grudou seus lábios aos deles. Ele continuava apático. Anita tentou aprofundar o beijo. Então ele reagiu.

- Não. – ele grunhiu ao se afastar.

- Você está me rejeitando... – ela choramingou. Aquilo doeu.

- Anita, é melhor assim.

- Não. – ela cruzou os braços, desgostosa, e saiu caminhando na frente. Era tarde, a escola já se encontrava deserta. Sem sinal de ninguém, nem mesmo de Adriano e de Edgar. Antônio, o faxineiro, varria a sujeira acumulada ao decorrer do dia.

Ivan chegou às costas dela e colocou a mão sobre seu ombro.

- Anita, você é muito bonita, sabia?

Ela o observou sobre o ombro e então sorriu para ele. Ele a achava bonita, isso a fazia feliz.

Ele não quis dizer, mas estava com um pressentimento ruim. Ela iria para longe, ele não poderia mais protegê-la. Sua família olharia por ela, mas mesmo assim... Se até ele, geralmente contido, perdeu o controle...

- Acho que seria uma boa idéia você levar sempre contigo o teu spray de pimenta, Anita. - Temia por sua segurança. Ela o encarou com os olhos abertos, entendendo o que ele queria dizer. A passos largos, logo ganharam as ruas. – A melhor forma de se defender é acertar as partes intimas de um homem.

- Um joelhaço? – questionou, divertida.

- Ou um soco.

Anita não conseguiu reprimir uma careta mediante a sugestão. Ivan prosseguiu:

- Quando for dar um soco, deve deixar a mão assim. – demonstrou a forma correta de fechá-la. – Se for acertar um queixo, por exemplo, deve golpeá-lo de baixo para cima. Bem assim. – caminhavam em direção à condução para irem até a casa de Anita, enquanto ele a ensinava. – Bata em mim, Anita.

- Eu não!

- Por favor. Você precisa aprender.

De forma incorreta e com pouco uso de sua força, ela assim o fez. Machucou a própria mão, mas o rosto de Ivan permaneceu intacto. Pararam a espera do próximo bonde.

- Não, Anita. Você deve fazer assim. – a orientou novamente.

- Ah! Acho que entendi.

- Então bata em mim.

- Não.

- Pense que eu sou o Adriano. Use sua força e me acerte com raiva, Anita.

Anita franziu as sobrancelhas, incerta.

- Só se você me beijar de novo. – sugeriu com esperteza.

Ele endureceu o rosto, contrariado.

- Tudo bem. Se você me bater de leve, terá um beijo leve. Se você me bater com força, terá um beijo como o da biblioteca.

- Quando?

- Na tua casa. Antes de sairmos para a rodoviária.

- Tá. – concordou com o coração aos pulos.

Anita olhou para seu próprio punho, se concentrando. Fechou-o da maneira ensinada. Com pesar, observou o queixo de Ivan. Mas as dúvidas se esvaíram quando ela subiu os olhos para a boca. Ela queria muito beijá-lo. Caprichou no golpe, dessa vez acertando-o em cheio.

O barulho do bonde chamou atenção de ambos, Anita se encheu de coragem e abriu os olhos. Primeiro voltou sua atenção ao bonde, e depois reparou no rosto de Ivan. Ele esfregava o queixo, parecendo sentir dor. Anita subiu no bonde sorrindo, e então se sentou num dos lugares vagos.

Encaixou seu braço no de Ivan, e então sussurrou:

- Doeu muito, é?

- Mais ou menos.

- Mentiroso. – ela brincou. - Você vai ter que me beijar – balbuciou baixinho, analisando as pessoas nas ruas, enquanto mexia os dedos, inquieta. Ivan achou graça. Sentia-se mais aliviado agora. Afinal a baixinha indefesa não era tão indefesa quanto ele pensara.

- Tuas malas já estão prontas?

- Já.

- Que horas sai o ônibus?

- As dez. Chega lá as seis da manhã.

- Já combinei com meu irmão, ele irá te buscar.

- Ele é mais velho ou mais novo?

- Mais velho. Tem 25 anos.

- É Igor, não é? E tua mãe é Suzana e tua irmã é a Dira. – ele assentiu com a cabeça – Como eles são?

E mais uma vez, ela o encheu de perguntas. Ivan já estava quase se habituando a isso. Um inconveniente do qual provavelmente sentiria falta.

Geladeira vazia. Luzes desligadas. Tudo fora da tomada. Uma casa outrora feliz, agora jazia em silêncio. Malas na porta. Um casal pronto para sair. Um carro na garagem a disposição, um Simca Chambord azul e branco do ano de 1967, último ano de fabricação. Um motorista inexperiente.

Anita estancou, sentindo um aperto em seu coração.

- Não quero ir embora, Ivan. – lágrimas umedeceram seus olhos, um bolo subiu a sua garganta. Sua boca secou.

Ivan a enlaçou pela cintura, às suas costas.

- Eu sei. – comentou amoroso.

- Se meus pais voltarem...

- Eles te encontrarão.

Anita lembrou dos incontáveis bilhetes espalhados pela casa, em vários pontos, com seu novo endereço e o de Ivan. Além de avisos deixados com todos seus conhecidos.

- Mas se eles voltarem, eu estarei tão longe... – ela lamuriou – Eu não posso mesmo ficar?

- Anita, eu não posso ficar com você... – ele afirmou, se abaixando e colocando o nariz no pescoço dela. Aspirando seu perfume. – Bem que eu queria, mas não posso.

- Mas eu posso ficar sozinha... – afirmou insegura.

- Não. Você não pode. – Ivan apertou o abraço e subiu o nariz pelo pescoço de Anita, extasiado com sua suave fragrância misturada ao cheiro de sua pele.

- Hmmm. – ela murmurou, com tristeza.

- Você não quer teu beijo? – ele sabia que não devia, mas faria qualquer coisa para que ela não ficasse triste.

Ela não respondeu.

Ivan depositou suaves beijos em seu pescoço, subindo lentamente pela bochecha, até chegar ao canto da boca. Anita gemeu, inclinando seu corpo na direção dele. Automaticamente, ela entreabriu os lábios para receber os dele. Agora mais calmo e contido, a língua de Ivan encontrou-se com a dela. Uma das mãos de Ivan se encaixou à nuca de Anita e a outra ficou frouxa em sua cintura, onde pretendia mantê-la.

Anita girou seu corpo, unindo-se melhor a ele. Encaixou suas pernas entre as dele, inconsciente que essa posição o enlouqueceria. A mão de Ivan da cintura subiu, invadindo por baixo da blusa de Anita. Ela não reagiu, aceitando seu toque ousado com tranqüilidade. Era bom. Anita estremeceu. Não imporia nenhum limite a ele. Sem que eles percebessem, as duas mãos de Ivan se encontravam sobre a blusa. Cada uma alisando, apertando, um dos seios. Anita era macia e quente. Ivan mais uma vez perdia o controle.

- A gente tem que ir. – ela balbuciou entre os beijos. Sua voz estava ofegante, entrecortada.

- Eu sei. – mas ele era incapaz de parar. Continuava beijando-a, esquecido de tudo. Continuava explorando aquele par de seios tão macios.

Anita achou graça, e sorriu com os lábios grudados aos deles.

- A gente tem que ir. – ela repetiu agora rindo.

Tomando consciência, ele se afastou.

- Meu Deus! – encarou-a, sentindo-se um canalha. Sentindo raiva de si mesmo – A gente não pode mais fazer isso!

- Ivan – ela estava com as bochechas coradas, com os olhos novamente brilhantes e alegres – Se há algo que a gente não pode é não fazer mais isso.

- Hmmm?

- Vem, vamos embora antes que eu desista. – ela alcançou a porta, agora risonha.

Estava na hora dela ir, o ônibus partiria em questão de minutos.

- Anita, eu estava pensando, é melhor que ninguém lá em casa saiba que a gente está namorando.

- Por quê? – questionou desconfiada.

Ivan ainda não se convencera que Anita gostava dele, acreditava que ela estava carente e confundindo seus reais sentimentos. E ela era muito linda e cheia de vida e logo estaria rodeada por inúmeros pretendentes. Muitos melhores do que ele. Aliás, a grande maioria seria melhor do que ele. E Ivan não queria que ela se sentisse presa por sua causa quando mudasse de idéia.

- Eles podem achar estranho, Anita. É melhor assim.

Anita não se convenceu. Achou aquilo muito esquisito. Mas gostava demais de Ivan e não queria contrariá-lo.

- Se você prefere assim... – ela balbuciou, sem conseguir esconder sua decepção.

- Prefiro – ele se manteve firme – É melhor assim.

- Você não está inventando isso para arranjar outras, não é?

- Claro que não! Que tempo eu tenho para arranjar outras?

- Sei lá... Homens sempre arranjam tempo para outras – ela resmungou. Ele achou graça e riu.

- Nenhuma outra. – deu um beijo leve no lábio dela.

Então se despediram e ela subiu no ônibus. Da janelinha, Anita ficou observando Ivan se afastar, ficando pequeninho até se transformar num ponto distante. Seus pais também eram pontos distantes, assim como sua tia. Exausta, sentiu o sono lhe dominar. Anita adormeceu rápido.

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