Capítulo 11
Capitulo 11
- Anita, que bom que vocês chegaram! – Dira veio recebê-los assim que a família Tavares estacionou o carro em frente à casa branca. – Oi, tudo bom? Quanto tempo – cumprimentou o pai de Anita com três beijinhos – E você deve ser a Alice. Nossa, Anita, como ela está linda!
Alice, exibida, abriu um largo sorriso.
- Obrigada – ela respondeu acanhada.
- Rá! – a irmã mais velha achou graça – Essa aí é convencida, não dá para elogiar muito.
- Ah... – Alice resmungou, mas depois desfez a careta e deu a mão para Anita. Entraram na casa de mãos dadas. Alice, num ambiente onde não conhecia ninguém, ficava inicialmente tímida. Envergonhada, agarrou-se as costas da irmã.
- Já estão todos aí. O Igor, a Solange, a mãe, o Lipe, o Rui (o bebezinho de 9 meses), só o Ivan que ligou agora que não vem. Não conseguiu se liberar do plantão.
- Ah... – Anita arregalou os olhos, em choque - Eu nem sabia que existia a possibilidade dele vir... – ainda bem, ela logo concluiu, senão teria ficado muito nervosa. E o pior de tudo, teria ficado nervosa e provavelmente acabado com suas unhas, à toa.
- Dona Suzana! Que saudades! – Anita era toda emoção e sorriu ao rever seus antigos conhecidos. A família a qual quase pertencera. Mal teve tempo de cumprimentar o Igor e a Solange, pois Suzana a arrastou para dentro de sua casa.
O churrasco estava sendo feito no jardim entre as duas casas, e na parte de trás, ficava a residência da matriarca da família.
- Não repare a bagunça, querida. – ela novamente a abraçou. – Deixa eu olhar para você. Nossa, você está tão linda! – exclamou sensibilizada.
- Eu te trouxe um presente. A Dira me ajudou a escolher.
- Oh, não precisava! – abriu o pacote prateado – Que vestido mais bonito, Anita. Mas não precisava...
Como resposta, Anita apenas sorriu, comovida.
- Eu e o Ivan moramos aqui. Quer ver a casa?
- Hum rum.
- Quero te mostrar o escritório antes, pode ser?
- Claro.
O escritório tinha um monte de livros e recortes de jornais por todos os lados. Uma máquina de escrever cinza, alguns papeis amontoados no lixo. Anita logo sentiu a presença forte de Ivan. Seu coração se apertou.
- É... – não conseguiu falar. Sua voz embargou. Automaticamente seus olhos pousaram sobre o diploma na parede. – Ele... – a boca secou e o único som que saiu naquele instante foi um longo suspiro. -... Médico... – seus olhos umedeceram - ... Que bom...
- Se formou em um dos primeiros lugares da turma. – Suzana parou ao seu lado, colocando a mão sobre seu ombro.
- Ah....
- Sempre foi um ótimo aluno, dedicado e esforçado.
- Ah...
- E ele estudou por você, Anita. E se não fosse por você, ele não teria se formado. – surpresa, ela encarou a ex-sogra – Ele usou o dinheiro da tua conta, Anita, mas quer te devolver cada centavo.
- Não. Eu não quero...
- Eu sei que não, mas ele faz questão.
Anita baixou o rosto, cabisbaixa.
- Ele te esperou por muitos anos, sabia?
- Hmmm.
- Você quer ver o quarto dele?
Anita subiu o rosto, e um pequeno sorriso se formou no canto de seus lábios.
- Sim. – assentiu com a cabeça.
- Bom, eu vou voltar ao jardim. Fique a vontade, querida. Eu não vou contar a ele que você esteve aqui, certo?
- Tá bom. Obrigada.
- Eu que te agradeço, querida. Sempre.
Anita seguiu até o quarto indicado sozinha. Sua cabeça estava uma confusão de sentimentos. Uma das primeiras coisas que sentiu ao entrar naquele ambiente foi: dor. Uma dor aguda e lancinante pesando em seu peito. Em cima da cômoda, uma foto de Ivan com outra: uma loira de cabelo curto e crespo, toda sorridente posando para o retrato.
Sentou-se na cama, sentindo suas pernas trêmulas. Não pôde evitar um par de lágrimas. Com os dedos cobriu a face feminina e ficou admirando seu Ivan. Tão lindo agora mais velho... Perdeu a noção do tempo, suspirando e sonhando por seu amor perdido.
De repente, bateu uma curiosidade: como será que ele se vestia depois de dez anos? Levantou-se para investigar os armários. Abriu a porta maior do roupeiro de mogno e o que lhe chamou atenção foi o conjunto de três belos jalecos brancos, a vestimenta médica. Seu nome – Dr. Ivan Moraes – bordado em azul marinho nos bolsos. Sentiu um misto de orgulho e de melancolia. Ele devia ficar tão perfeito vestido de médico, será que ela o veria assim algum dia?
Ficou mais um tempo vasculhando e bisbilhotando seu quarto, sem coragem e sem forças para se mover. Mas em seguida, deitou-se na cama de Ivan, abraçada ao retrato dele com outra.
- Anita! Ah, você está aí! – Alice entrou no quarto, agarrada à mão de Igor, puxando-o em sua frente. – Ele queria falar contigo. Você sumiu faz um tempão, sabia? Tem que ver, o Billy é bem legal, e ele não cansa nunca!
- Quem é Billy? – Anita perguntou, curiosa.
- O cachorro, Anita! Ele é um cocker spaniel dourado. Eu e o Lipe estamos jogando bola com ele há um tempão, e ele não cansa. Posso ter um cachorro desses também? O Billy vai ter filhote, não vai? – ela indagou ao Igor, esperançosa.
- Tem que perguntar para a Dira, o cachorro é dela. – Igor respondeu, achando graça.
- Ah tá, vou lá perguntar. – Alice ia dar a volta para sair do quarto, mas algo chamou tua atenção – Quem está nessa fotografia? – sentou na cama ao lado da irmã. Igor permanecia em pé junto à porta. – Ah, é ele, não é?
- É. – Anita simplesmente respondeu.
- Ah, ele é bonito. Achei que pudesse estar barrigudo como o tio Igor, mas pelo visto ele não está. – a pequena logo concluiu.
- Alice! – Anita a recriminou, constrangida.
- Tá, eu sei, eu sei. Não é para falar essas coisas. Desculpa, saiu sem querer – ela tapou a boca. Olhou de relance para o Igor – Mas ele está barrigudo mesmo.
- Há há há – Igor deu risada, o que deixou Anita mais aliviada. – Tudo bem, deixa ela. Eu tenho mesmo que começar a fazer exercícios.
- Alice, vai lá brincar com o Billy, vai.
- Tá bom. – e ela saiu rapidamente, deixando os dois a sós.
Igor sentou-se ao seu lado.
- Como você está?
- Não sei. – Anita estava com o rosto baixo.
- Você está linda. Só precisa encontrá-lo.
- Mas ele não quer me ver... – ela choramingou.
- Rum. Nem a mim.
- Ah... – ela encarou-o – Desculpa, Igor... Se eu não tivesse ido para a casa de vocês, isso não teria acontecido.
- E se você não tivesse ido para a nossa casa, o Ivan provavelmente não estaria formado hoje, Anita. Eu perdi meu emprego logo depois que você foi embora e o que nos ajudou por um tempo foi o dinheiro que você deixou a ele. E o Ivan só não desistiu da faculdade porque te prometeu.
- Ah...
- Meu pai foi um covarde, Anita, um covarde ao nos abandonar. Ele nos deixou na pior. Mas agora o Ivan está ganhando bem, ele cuida da nossa mãe e ajuda a Dira também. Enfim a minha mãe pôde se aposentar e parar um pouco de trabalhar.
- Teu pai foi um covarde? – indagou abismada – Não entendi.
- O Ivan nunca te contou como ele morreu?
- Não.
- Ele se matou.
Anita abriu a boca, em choque.
- O sócio dele deu um desfalque nas empresas deles, desviando muito dinheiro e depois se mandou. Acho até que fugiu do país. Meu pai foi acusado de ladrão, porque ficou devendo para um monte de gente. Ele não agüentou a pressão e então pegou um revólver, levou contra a cabeça e apertou o gatilho. Só que graças a Deus, não fez isso em casa, fez na empresa. Eu não o vi, assim como ninguém da minha família. Ainda bem, porque teria sido horrível.
- Nossa! – ela estava perplexa, com a testa franzida – Vocês devem ter sofrido.
- Acredito que não mais do que você por perder a mãe.
- É. Mas eu ganhei a Alice.
- É. Ela é linda.
- É sim.
- Vamos para lá? Já devem estar perguntado por você. E você mal viu meus filhos. – comentou com uma expressão nítida de orgulho. – E quero que você conheça bem a minha esposa, ela é ótima. Acredito que vocês se darão bem.
- Então vamos – Anita tentou sorrir, mas o sorriso saiu extremamente melancólico.
Anita bebia seu terceiro copo de cerveja, e saboreava mais um pedaço da suculenta picanha assada por Henrique. Seu pai sentara ao lado de Suzana, engatando uma animada conversa. Alice e Lipe já haviam comido e logo voltaram a brincar com Billy. Dira ajudava o marido a cuidar do churrasco, servindo os convidados com alegria. Igor segurava seu pequeno bebê, faceiro e brincalhão como um pai babão. Parecia que todos se divertiam e estavam bem acompanhados - todos, exceto Anita. Ela se sentia só. Sentia uma tristeza profunda como há anos não acontecia. Aproveitando da distração de todos, deixou o seu lugar sem chamar atenção.
Anita caminhou a passos lentos, contornando a casa e indo para os fundos, desejando um pouco de paz. Escorou-se à parede branca e soltou um longo suspiro, liberando toda a angústia aprisionada. Voltou àquela família, família à qual quase pertencera, só que o Ivan não estava lá... Apertou os olhos e a imagem da loira sorridente dominou seus pensamentos... A namorada do Ivan... Era com aquela mulher que ele queria estar. Por isso que ele a evitava...
Pensou com dor nas promessas feitas...
"Eu vou te amar para sempre" "Eu vou te esperar, Anita"
- Ai... – um novo suspiro alto. Agudo como um grito de dor.
"Eu nunca vou tirar esse anel..."
- Para quê? – ela resmungou baixinho, ainda de olhos fechados.
- Você está bem?
Anita abriu os olhos rapidamente, e, espantada, viu que não estava só.
- Também venho para cá para me esconder. Essa família me deprime. – Solange se encostou à parede ao lado da Anita, olhando para os seus pés com tênis All Star preto.
- Ah... Eu... Eu, na verdade, amo essa família. – Anita afirmou constrangida.
- Eu sei. Eu sei tudo sobre você, Anita. – ajeitou seu rabo de cavalo, prendendo bem os longos cabelos castanhos do mesmo tom dos de Anita
- Sabe?
- Sei, - Colocou os dedos nos bolsos frontais da calça jeans desbotada.
- O Igor te contou? – indagou surpresa. – Tudo?
- Não ele, a Indira.
- Ah, é? E o que ela disse?
- Que você quase se casou com o Ivan. Que ele foi para a faculdade e se formou em medicina porque te prometeu. Falou que você teve que ir embora de um dia para o outro e que o Ivan ficou muito triste depois que você partiu. E ela também me contou que o Igor também foi apaixonado por você e aproveitou para dizer que eu nunca chegaria aos teus pés. E agora vejo que é verdade: você é muito bonita, Anita.
- Não! Solange, você também é bonita! – ela recriminou a outra, que pela primeira vez elevou os olhos – Eu... Eu meio que acho que entendo o que você está passando, Solange... – acrescentou com embaraço.
- Como assim?
- Quando eu fui para o Chile com o meu pai, fiquei muito triste. Senti muita falta do Ivan e andei meio desleixada como você. Não me arrumava mais, não tinha ânimo para fazer nada. Só que você não tem motivos para se sentir triste, Solange. Tem dois filhos lindos e um marido que te ama...
- Você nunca teve filho, Anita. Você não entende. – ela a interrompeu.
Anita arqueou as sobrancelhas.
- Você não deve se cobrar muito, acabou de ter um filho. Ninguém exige que tenha um corpo perfeito.
- Você pensa que inveja a minha vida, não é? Também queria ser mãe e esposa, não é Anita? E acha que eu deveria ser feliz por ter tudo isso?
- Lógico! – tudo que a Anita mais queria era constituir uma família com Ivan.
- Mas não é suficiente!
- Não?
- Você largaria sua profissão por causa do teu marido?
- Se eu largaria...? Não.
- Então!
- Você largou alguma profissão pelo Igor?
- Não, eu o conheci cedo. Nunca cheguei a trabalhar, Anita.
- Ah... E você se sente infeliz por que não quer ficar em casa... Entendo... E o Igor não te deixa trabalhar?
- Ele disse que eu não preciso e a mãe e a irmã dele concordam. E agora a Dira também pretende parar de trabalhar para ficar em casa com os bebês. Mas se ela quer isso, eu não a condeno, é a escolha dela. Cada um sabe o que faz com sua vida, só que ninguém me perguntou o que eu gostaria ou não de fazer.
- E o que você gostaria de fazer?
- Trabalhar – ela deu de ombros – Trabalhar com qualquer coisa.
- Hmmmm.... E você gostaria de trabalhar comigo?
- E fazer o que?
- Sei lá. Eu sempre preciso de ajuda. Agora tenho que organizar um desfile para a nova coleção de verão. Preciso me virar em duas para dar conta de tudo. Tenho que fiscalizar as costureiras, porque se eu não fico em cima elas deixam passar alguns defeitinhos que eu não admito. Agora preciso contratar maquiadoras e fotografas e não conheço muita gente. Preciso pesquisar preços de tecidos, atender clientes e o mais chato de tudo: preciso comparecer a alguns eventos. Não gosto muito de festas e, para falar a verdade, preferia ficar em casa, só que tenho que fazer meu nome, me tornar conhecida. E sabe, preciso de alguém de confiança ao meu lado, mas eu não tenho nenhuma amiga aqui. Minha única amiga que sobrou de antigamente foi a Dira, só que ela, com dois bebês a caminho, não estará disponível. Enfim, se você quiser me ajudar e ser meu braço direito, a vaga é tua. Só não sei se será possível por causa do teu filho pequeno e com vocês morando em outra cidade.
- Por quê?
- Por que o quê?
- Por que você empregaria alguém como eu? Sem nenhuma experiência?
- Porque essa família quase foi minha família também. E de alguma forma, eu sinto que continua sendo. E eu quero ver o Igor feliz, eu gosto muito dele. E se você ficar feliz, ele ficará também, não é?
- Hmmm. – ela colocou a mão sobre o queixo, considerando a hipótese. – Sabe, o Igor recebeu uma oferta para trabalhar em Porto Alegre, eu que não aceitei. Disse que não seria bom para as crianças, mas na verdade... - baixou o rosto, envergonhada.
- Você não queria vir por causa da família dele. Para não ficar tão perto – Anita concluiu, perspicaz.
- É... Mas a tua proposta é séria mesmo? – Solange ergueu os olhos verdes e sorriu de leve, já exibindo um brilho diferente no olhar.
- Hum rum.
- E se o Igor não concordar? – questionou temerosa.
- Sabe qual é a melhor maneira de fazermos isso dar certo?
- Hmm?
- Vamos fazê-lo pensar que a idéia é dele. – Anita sorriu e relatou seu plano - Quer ver como dará certo?
Solange e Anita voltaram à mesa, sentando uma de cada lado de Igor.
- Sabe, Igor... – Anita começou a mencionar seus infortúnios – ... E é tão difícil arranjar alguém de confiança para me ajudar. Eu passei dez anos fora, todos os meus conhecidos ficaram em Paris. Você por acaso não sabe de alguém disponível, que queira trabalhar comigo? Conhece alguma mulher inteligente e competente? Nem precisa ter experiência, basta ser esforçada e ter vontade de apreender.
- Hmm... – ele pareceu pensar – Acho que não.
- Ah... Que pena... – ela lamuriou – Eu ando esgotada... Precisava mesmo de alguém legal para trabalhar comigo... – carregou no tom e nos gestos dramáticos. – Estou exausta.
- Ah não ser... – Igor acrescentou e Solange, que até o momento permanecia calada, ergueu os olhos, esperançosa.
- O quê? – Anita questionou rapidamente.
– Não... Não sei se daria certo....
- Por favor, Igor. Fala de uma vez. Eu estou realmente desesperada. Qualquer ajuda me serve.
- A Sol sempre quis trabalhar e ela é de confiança.
- Ah, é mesmo? – Anita abriu um largo sorriso – Que ótima idéia, Igor. Muito obrigada – bateu no ombro dele, agradecida – O que você acha? – se virou para Solange – Você gostaria?
- Ah! – ela sorriu e ajeitou melhor seu bebê no colo – Eu adoraria.
Então os três continuaram a conversar sobre o assunto. Ao ver o entusiasmo de Anita e da esposa, Igor se sentiu envaidecido por ter achado uma solução tão fácil e brilhante para o problema de Anita.
Pouco depois, a família Tavares partiu.
O pai de Anita assumiu a direção e enquanto dirigia surpreendeu a filha mais velha com o seguinte comentário:
- Não me lembrava que a Suzana era tão bonita.
- Mas, pai, como você poderia lembrar se só a viu uma vez? – Anita objetou.
- Eu nunca esqueço o rosto de uma mulher bonita.
- Mas pai... – Anita iria lembrá-lo das circunstâncias daquela fatídica madrugada de 1969, o único momento em que ele a encontrara. Um dia em que provavelmente ele não teria visto nada a um palmo de seu nariz. Só que optou por se calar – Parabéns, Alice – se virou para a irmã no banco de trás – Você se comportou muito bem hoje.
- Eu sei. – ela sorriu, orgulhosa. – Pai! Eu quero um cachorro!
- Vamos ver. – ele disse e deu um jeito de encerrar o assunto.
Já na semana seguinte, Solange começou a trabalhar com Anita. Desde o início, mostrou-se interessada e competente. Sentindo-se feliz, começou a se arrumar e se cuidar cada vez mais. Solange passava as tardes com Anita, voltando apenas à noite para Novo Hamburgo, o que deixou Igor inicialmente descontente. Só que como a idéia tinha sido "teoricamente" dele, ele não podia reclamar.
O natal chegou e Pablo voltou de Curitiba. Quase todos os dias, passava na loja para ver Anita.
Com a convivência, Anita e Solange tornaram-se grandes amigas.
- Tudo dará certo amanhã. – Solange encerrou a última ligação e cruzou os dedos fazendo figa – Se Deus quiser, o desfile será um sucesso. Todos os lugares já estão reservados, vai estar lotado.
- E vai todo mundo da família Moraes?
- Era para convidar todo mundo? – Solange franziu o rosto numa careta nervosa.
- Você não convidou todo mundo?
- Er... Eu não sabia que era para convidar os homens... Eu, na verdade, só convidei a Dira e a Suzana.
- Ah... Tudo bem. – Anita deu de ombros e fingiu não se importar. Mais uma esperança de ver o Ivan que escorria pelo ralo... De qualquer forma, ela sabia que ele não viria... Ele não a queria. E era para evitar pensar nele que Anita, desde que voltara ao Brasil, trabalhava exaustivamente.
Como se lesse seus pensamentos, Solange acrescentou:
- Os gêmeos de Dira nascerão até o fim do mês, Anita. Vocês acabarão se encontrando por causa dos bebês – ousou tocar naquele assunto pela primeira vez.
- É. Eu sei. – elas andavam pelo segundo piso averiguando cada peça de roupa que seria usada no desfile da coleção de verão, no dia seguinte. A loja já estava fechada e as duas estavam sozinhas.
- O Pablo não é teu noivo, não é? – Solange indagou.
- Não.
- E nem namorado.
- Não.
- Por que você não quer, pois ele gosta de você.
- É. – ela revistava cada peça de roupa com concentração, enquanto Solange a seguia, fazendo as perguntas.
Anita esticou o corpo para alcançar um lenço preto da última prateleira do armário, e colocou no pescoço de um manequim com um conjunto de saia de blusa preta com branco. Solange observou atentamente seus braços estendidos.
- E por que você não tira esse anel?
- Não sei. – Anita simplesmente respondeu.
- Ei! Acho que esse acessório – pegou uma larga pulseira cor cobre – combina com essa roupa vermelha. O que você acha?
Ela ergueu as sobrancelhas, surpresa.
- Acho ótimo, Sol. – abriu um sorriso.
A campainha tocou.
– Deve ser o Igor. Ele veio me buscar com as crianças. Posso deixá-los subir?
- Lógico.
O desfile foi um sucesso. Ocorreu no fim de semana e na semana seguinte Anita recebeu várias clientes novas e algumas encomendas. Os pedidos de peças sob medidas e exclusivas eram os que mais geravam lucros.
- Anita! – Marcos, o vizinho e amiguinho de Alice chegou bufando na cozinha. Ela terminava de lavar a louça do almoço de domingo, enquanto seu pai estava trancafiado no escritório escrevendo seu primeiro livro. Anita não gostava de incomodá-lo, para que ele não perdesse a inspiração. Tudo o que ela mais queria é que ele trabalhasse mais tempo em casa.
- O que foi?
O rosto de Marcos estava vermelho, os cabelos desgrenhados – talvez pelo susto - e ele se inclinou para frente, apoiando seus braços sobre os joelhos, para retomar o fôlego.
- A Alice... – ele arregalou os olhos negros, assustado – A Alice caiu da árvore.
- O quê? – Anita jogou o pano de prato sobre a mesa e soltou a avental da cintura – Onde ela está?
- Lá fora... – ele corria atrás dela. – Embaixo da árvore.
- E ela se machucou?
- Sim! Ela não conseguiu nem ficar em pé.
- Ai, meu Deus! Onde? – ele apontou na direção, e ela apressou ainda mais o passo. – Alice!
Ela estava sentada escorada ao tronco, agarrando a perna direita com ambas as mãos. Com os olhos cheios de dor, fitou a irmã.
- Desculpa... – Alice balbuciou constrangida – Eu sei que eu prometi que não subiria mais em árvores... – choramingou.
Anita se abaixou para observar o tornozelo. Tocou de leve e Alice gemeu, se contorcendo.
- Ai! – gritou numa nova tentativa de exame.
- Está doendo muito? – Anita indagou preocupada.
- Sim!
Sem hesitar, Anita pegou a irmã mais nova no colo.
- Aonde nós vamos?
- Ao hospital, querida – a carregou até o carro – Não deve ser nada de grave, mas temos que verificar.
- Tá bom. E o pai?
- Ele está trabalhando. Vamos só nós duas, tá?
- Tá. – ela concordou com a cabeça, apertando os olhinhos de dor. Anita a ajeitou no banco traseiro do automóvel.
- Posso ir junto? – Marcos, que até aquele momento a acompanhava calado, questionou.
- Não. Mas cuida dela enquanto eu pego a minha bolsa.
Ele assentiu com a cabeça, comprimindo seus lábios.
Chegaram ao Pronto Socorro e Anita colocou Alice sentada descalça (removeu os sapatos por causa da dor) numa das cadeiras pretas da sala de espera. Ficou preenchendo a ficha, procurando se acalmar. Alice precisava que ela cuidasse dela, não que tivesse um chilique. Embora por dentro se remoesse de medo de que fosse algo grave (como uma fratura óssea) tentava não demonstrar.
- Agora podem aguardar. O Dr. Moraes já irá chamá-la.
Anita engoliu em seco. Sentiu as cores de seu rosto desaparecerem. Tentou se recompor.
- O... Dr. Ivan Moraes? – forçou sua voz para soar casual.
- Sim. – a recepcionista sorriu - Você o conhece?
Ela apenas balançou a cabeça, muda, e deslizou até seu lugar. Porém, a expressão de dor de Alice fez com que ela voltasse à realidade. Naquele momento, ela era mais importante do que qualquer outra coisa.
- Como você está? Está doendo muito? – questionou amorosa.
-Tá...
- Alice... – ela murmurou, olhando para o rosto da irmã, enquanto tentava ajeitar seus cabelos, posicionar melhor os fios fora do lugar. Em pânico, lembrou dos trajes que vestia. Uma bermuda jeans, uma blusa vermelha simples e um par de tênis! Sim, ela estava em casa lavando louça e por pouco não foi ao pronto socorro de chinelos de dedos! Argh! Ótima escolha para um reencontro após dez anos!
- O que foi?
Não havia outro Pronto Socorro perto, não havia muitas opções de lugares para se ir num domingo à tarde. Se houvesse, ela não pestanejaria e levaria sua irmã embora dali em questão de segundos.
- Eu estou bonita? – Anita franziu a testa - Arruma meus cabelos?
Alice achou graça e fez o que a irmã pediu.
- Pronto. Agora melhorou – a pequena riu mesmo com dor.
- Tá bom. – inquieta, se ajeitou na cadeira ao lado da irmã.
- Alice Tavares – a voz feminina as chamou, deixando Anita aliviada e um pouco esperançosa. Talvez a recepcionista estivesse enganada. Talvez – afinal de contas – não fosse o Ivan o seu médico. Mas toda essa esperança se esvaiu quando ela acrescentou – Pode aguardar nessa sala, o Dr. Moraes já vem.
- Dr. Moraes? – Alice repetiu ao ficaram a sós, olhando para sua irmã com um misto de perplexidade e curiosidade – É ele?
- Hum rum.
Então se sentaram as duas na sala, caladas e ansiosas, a espera de Ivan.
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