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FATO era que Domingos havia planejado tudo para que parecesse um assalto, com o propósito de manter o manuscrito longe das mãos do delegado Belo. Todavia, para bloquear a estrada, seria indispensável que ele soubesse a hora exata em que Olavo deixaria o sítio. Mas como? Como ele sabia? Era evidente que não se tratava de mera coincidência, a árvore cortada e caída no caminho. Alguém de dentro do alambique certamente havia fornecido a informação. E Ravacini não pôde evitar que suas suspeitas recaíssem sobre Fábio.

— Ainda que relutante, meu tio acabou por reconhecer que não havia outra possibilidade, e apesar dos anos de confiança, apenas alguém que tivesse saído do sítio bem antes de mim poderia ter informado o assaltante sobre o meu trajeto a tempo. E essa pessoa só podia ser o Fábio, afinal, ele estava de moto e o retiro ficava exatamente no caminho para sua casa. Ti Belo deu-lhe uma prensa e ele acabou confessando. Naquele dia, em troca de dinheiro, passou a informação ao homem. E confirmou: o sujeito era mesmo o 'centurião'. No entanto, ele afirmou que nunca o tinha visto antes, nem fazia ideia de quem fosse.

— E por que o Domingos simplesmente não lhe enviou o manuscrito pelos Correios? Para que todo esse trabalho?

— Boa pergunta: para quê? Muito provavelmente ele temia ser morto sem que houvesse tempo de me enviar, e quando soube que eu ia embora, viu-se obrigado a acelerar as coisas, mas ainda assim fez tudo parecer um assalto para não se expor. É provável também que precisasse falar tudo pessoalmente para que eu comprasse a ideia, e só então depois me entregar o manuscrito. São hipóteses, porém.

— Tal qual você fez comigo, não é? Deixando a cópia do manuscrito sobre a mesa e saindo, tudo para atiçar minha curiosidade.

Olavo Ravacini limitou-se a rir. Bruno continuou:

— E você nunca mostrou o manuscrito ao seu tio?

— Não houve tempo, pois o furtaram. Cheguei a contar depois toda a história para ele e sabe o que ele me disse? Que se de fato era tudo verdade, a melhor coisa era mesmo não se arriscar. Salientou que eu já tinha feito isso uma vez e que ter saído ileso havia sido um grande golpe de sorte.

Bruno achava paradoxal que um jornalista tão corajoso, a ponto de falar abertamente sobre o Jogo do Bicho — e de seus banqueiros, de repente tivesse ficado com medo da Ordem Agnus.

— Nenhum deles ameaçou minha família — ponderou o editor. — Quem esteve na mira dos banqueiros sempre fui eu, mas nesse caso era diferente.

Um último gole de água aguardava no copo sobre a mesa. A garganta de Bruno estava seca e assim ele o tomou, inquirindo:

— E o que aconteceu com Domingos Casqueira, afinal?

— Ah, sim, eu ia chegar lá...

"Na manhã seguinte à entrega do envelope com o manuscrito, resolvi descer ao alambique. Ao embrulhar uma garrafa de aguardente para um comprador, vi uma notícia no jornal matutino da região, abandonado por alguém na expedição."

— E o que dizia?

— Domingos Casqueira havia se suicidado na noite anterior!

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Ficava a pergunta: por quê? Por que Domingos tirara a própria vida? De duas opções, "morrer ou ser morto", o que o levara a escolher uma terceira via, o autoextermínio?

Ravacini entregou a Bruno um recorte de jornal da época, em que ao menos ficava explicitada a possível razão de ele ter dito: "Morrerei, de morte matada ou morrida":

"De acordo com a polícia de Conselheiro Lafaiete, Domingos Casqueira, 38, arqueólogo, foi encontrado morto em uma das residências da família no bairro Lima Dias. Conforme levantamentos periciais, a causa da morte foi suicídio, provocado por tiro fatal na têmpora direita. O delegado Jonas Casqueira, responsável pelo caso, informou que Domingos vinha sendo perseguido por dois homens, a quem ficou devendo vultosa quantia no velho continente, onde residia desde 1988. Repatriado ao Brasil, foi localizado e perseguido. Ainda, conforme informações apuradas por esta reportagem, Domingos tinha uma doença incurável, o que pode ter motivado o suicídio."

A reportagem de época, num jornal de vinte anos atrás, dava corpo à narrativa de Ravacini, numa clara evidência de parte dos fatos narrados vinte anos depois, mas afinal, o que se poderia depreender de toda aquela história até ali? Que Domingos tencionava o suicídio e talvez, por essa razão, precisasse colocar nas mãos de uma pessoa gabaritada, o manuscrito? E assim, no dia em que iria tirar a própria vida, pagou um rapaz para entregar a 'encomenda' a Ravacini?

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O ocaso imprimia-lhe leve sensação de dever cumprido, mas desconfiava que toda a adrenalina daquele dia resultaria em insônia líquida e certa. Menos mal, a literatura exercia sobre ele fascínio quase hipnotizador e ler o manuscrito não lhe seria tarefa nem um pouco penosa. Sim, pois ele resolvera lê-lo, apesar de todos os perigos aos quais poderia definitivamente estar se expondo.

Chegando enfim ao apartamento, tomou um banho e jantou, atirando-se o mais rápido que pôde ao 'canto da leitura', um espaço em seu dormitório especialmente preparado para incursões literárias. O cansaço do dia, entretanto, ensejaria derrubá-lo, ao que ele rebateria com abluções do rosto — e amargos goles de café.

O manuscrito de Domingos Casqueira era bem escrito. Seus capítulos não eram extensos e a linguagem buscava um meio termo entre ser simples e direta, com boa utilização de técnicas narrativas. Notava-se a preferência pela pouca utilização de verbos declarativos ou de sentimento. Texto enxuto, narrado em primeira pessoa. Uma novela? Um diário? Um registro romanceado dos fatos? Não era fácil classificá-lo.

Quando lia um bom texto, Bruno logo se imaginava diante de um computador, digitando histórias de ficção policial. Gostaria de ter mais tempo para desenvolver seus próprios enredos e talvez Ravacini, um dia, quem sabe, pudesse avaliar alguns deles. O curso de Letras havia-se distanciado tanto, em detrimento e prioridade ao Direito, que mais parecia uma doce lembrança de sua infância.

"Um dia, quem sabe...", pensou.

Antes de retomar a leitura, porém, releu o prólogo, refletindo mais uma vez sobre aquele ponto que lhe incomodava tanto: como? Como Domingos Casqueira narrara o capítulo de sua própria morte?

Voltando em pensamento ao escritório de Ravacini, lembrava-se vivamente do trecho final da conversa, em que o editor buscara explicar o quase inexplicável. À pergunta de Bruno:

— Como isso é possível, um morto descrever sua própria morte? Acaso temos aí um caso de psicografia?

Ravacini dissera:

— Ele a descreveu antes, antevendo tudo. Não houve nenhum intermediário.

— Era um vidente, portanto.

O editor riu, dessa feita de forma mais escrachada:

— Não! — E esticou sua risada. — Ele tinha tudo premeditado (e com tudo já escrito de antemão). A prova disso é que me destinou os cadernos logo pela manhã e lhe garanto, nele já estava o prólogo. E ele morreu somente à noite.

Bruno não se conformava:

— Pois então, como pode isso? A cena descrita, entregue pela manhã, que só foi ocorrer à noite? E que provas há de que ele se suicidou?

— Todas, meu amigo. A arma estava firmemente presa à sua mão, em um evidente "sinal de Kossu"¹; além disso, havia sinais do disparo e sangue tanto na manga da camisa quanto na mão. Assim sendo, tendo em vista o laudo da necrópsia, da balística e o relatório final da própria polícia, não há dúvidas do autoextermínio e de que Domingos era o morto, atestado inclusive pelo próprio delegado que atendeu à chamada, tio de Domingos.

— Mas e se tudo foi forjado e alguém foi enterrado em seu lugar? — arriscou Bruno.

— Impossível, uma vez que se é um fato demonstrado que houve um espasmo cadavérico, além dos sinais do disparo e sangue, o simples fato de segurar firmemente a arma já descarta a possibilidade de um assassinato, pois não se pode reproduzir um espasmo em uma pessoa já morta. Não se poderia simplesmente matar alguém e colocar a arma em sua mão. Houve um suicídio e o suicida era Domingos, isso é um fato. Agora, sobre como ele escreveu o texto previamente, tenho uma teoria...

— Qual?

Ravacini iniciou sua resposta, a princípio parecendo fugir do assunto:

— Dizem que a verdade possui dois lados, não é?

— Sim — concordou Bruno. — Só que dizer que há dois lados é tão somente uma contingência relativa a pontos de vista diferentes. Uma história pode possuir duas versões, mas a verdade via de regra é uma só.

— Perfeito! E esse seria o chamado "terceiro lado da verdade", pois, objetivamente, existe a minha versão, a tua versão e a versão verdadeira, ou seja, o primeiro lado representa a nossa percepção; o segundo reflete a perspectiva dos outros; já o terceiro é a verdade objetiva, fundamentada em fatos.

— Teoricamente sim, mas onde quer chegar com tudo isso?

— No quarto lado da verdade.

— Quarto lado?

— Exato, o quarto lado. Se há duas versões que precisam de uma terceira, sendo essa a verdadeira; e a verdadeira é baseada em fatos, entre esses fatos há algo que pode não ser sabido, mas pode ser deduzido, mesmo sem ser conhecido. Dou um exemplo: um homem sai de um ponto conhecido (fato 1) e caminha um quarteirão (fato 2). O que ele fez durante a caminhada não se sabe, mas o fato é que ele foi do ponto 1 ao 2. E foi assim que Domingos fez: se você tem dois fatos muito prováveis, é quase certo que consiga deduzir boa parte do que acontecerá entre eles. E ainda que você não acerte, a chance de se aproximar é muito grande, pois você conhece os pontos 1 e 2.

— E quais seriam esses pontos?

— Um deles: que seria perseguido pelo beco. Outro: que o cão atacaria um dos agressores.

— Mas como ele sabia que seria perseguido pelo beco, e pior, que o outro entraria pela porta da frente?

— A única explicação é que ele conhecia, de alguma forma, o plano dos algozes. Conhecia os fatos pretendidos, portanto.

Bruno estava perplexo, ao mesmo tempo, nem um pouco crente em tudo aquilo. Ravacini então pinçou parágrafos do manuscrito para corroborar sua ideia:

— Ouça isto, está no prólogo:

"(...) As ligações telefônicas grampeadas e a vigília de meus perseguidores vertiam agora em ansiedade, a escorrer pelos poros, como as gotas da tormenta descendo céleres, feito lobas, esperando o momento certo para o bote".

Bruno ainda externava dificuldade em processar as informações:

— Sem rodeios, explique!

— Pois bem, "as ligações grampeadas", não se referem aos perseguidores, grampeando as ligações de Domingos, mas justamente o contrário. Verá, na história, que Domingos tinha um tio policial, o delegado Jonas. Este devia saber onde estavam hospedados os perseguidores e assim grampeou os telefones. Com isso, soube de antemão o que pretendiam. E mais: "A vigília de meus perseguidores". Ora, se ele diz isso, é porque sabia estar sendo vigiado e assim pôde deduzir quase tudo que aconteceria.

Uma pergunta, contudo, se fazia capital:

— E os fatos narrados se deram exatamente do jeito previsto? Você chegou a pesquisar?

Ravacini ponderou:

— Pesquisei e logo pensei: se tudo o que está escrito se confirmar, talvez o texto tenha mesmo sido escrito depois (de conhecidos os fatos), portanto, com Domingos forjando sua própria morte. Sendo, porém, um texto necessariamente romanceado, sobre fatos previstos, coisas teriam que destoar.

— E algo destoou?

— Sim. Por exemplo, não estava chovendo. Havia previsão de fortes chuvas que não ocorreram senão mais tarde. Portanto, tudo o que se refere à chuva foi simplesmente romanceado; mas não importa, com chuva ou sem chuva, se havia a certeza de que um o seguiria pelo beco, e outro pela porta da frente, era quase certo um ser morto pelo cão, e o outro apenas encontrar Domingos sem vida no segundo andar; depois ir embora, nada podendo fazer nada pelo comparsa.

Bruno estava pasmo:

— Difícil de acreditar em tudo isso. Um cético diria que está mais fácil crer em Deus do que em todo esse fantástico enredo.

— Fantástico ou fantasioso? — lançou sarcástico Ravacini.

— Não sei. Não sei onde termina uma coisa e começa a outra.

— Você ainda não viu nada, espere até adentrar o manuscrito em si, toda a história do documento "Q".

Havia uma folha de papel sobre a mesa e Bruno desenhou nela um número:

— Que número você vê?

— Vejo um 6.

— Pois bem, eu vejo um 9.

— E daí?

— Daí eu me pergunto: onde a verdade?

E assim terminara a conversa entre Bruno e Ravacini, sendo o combinado reencontrarem-se às 14h00 do dia seguinte, tendo Bruno uma única e importante missão: ler o manuscrito até o fim! E talvez tomar conhecimento de algo que o faria também alvo da temida Ordem Agnus.
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Nota:
¹ Sinal de Kossu (espasmo cadavérico): Rigidez muscular súbita adquirida no momento da morte. Contração particular de músculos muito comum em suicidas ou até em pessoas que se agarram a objetos, ao tentarem salvar a própria vida, num ato extremo, mas que também pode ocorrer em outras partes do corpo (difere da rigidez cadavérica, que se instala progressivamente ao longo das primeiras horas do óbito).

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