Capítulo 31 | Grande Plano e resoluções
Alguns dias atrás.
Pale a observava em silêncio. Seus olhos, fundos e separados por um nariz comprido e aquilino, a olhavam com uma pontada de decepção.
– O que está esperando? – disse Lisette ao pai, abrindo um sorriso de provocação. – Chame o tio Wesdan. Não é assim que funcionam as coisas? – Fez um gesto casual com as mãos, do tipo que se usa para dizer a um criado que vá embora.
E com isso, basicamente estava dizendo a ele que não tinha capacidade de tomar nenhuma decisão por conta própria, já que precisava sempre recorrer a Wesdan.
Lisette havia sido trazida por aqueles dois capatazes da Companhia; pega no flagra enquanto decodificava as diversas transmissões no dia do Segundo Concílio, numa cabine abandonada de Ponta Rochosa. Woffrey lhe dissera que isso poderia acontecer. Ela própria havia considerado a possibilidade. Mas não esperava que tivesse sido tão rápido, a ponto de ser capturada menos de dez minutos após o seu primo partir ao resgate do herdeiro do Arquiduque.
– Não esperava vê-la de volta – disse Pale, sem parecer se afetar. – Muito menos, nessa situação.
– É uma surpresa para nós dois, acredite.
– Quando a deserdei, tomei a decisão de não engendrar mais nenhum filho. Porque havia o perigo de continuarem nascendo estúpidas como você. Conquanto você não tivesse a ousadia de dar as caras por aqui de novo, que ficasse onde o seu primo, ou o que fosse. Não fazia diferença alguma para mim. E ainda assim, cá estamos.
Lisette encolheu os ombros, mantendo a expressão desdenhosa no rosto. Estava sentada naquele sofá do vestíbulo da mansão Galbret havia vinte minutos.
– Foi você que os mandou me trazerem, pai.
Pale não disse nada. Lisette ladeou a cabeça, olhando para os quadros, para as estátuas, para o papel de parede; tudo para não olhar diretamente aquele velhote. Ele tinha razão: quando fora deserdada, quando lhe dissera que sumisse, porque não valia o sangue que carregava, Lisette nunca esperou encontrá-lo de novo. Estava ciente de que o seu pai sabia que Woffrey a havia acolhido, porque, afinal, os Tulling e os Galbret eram praticamente uma família só. Mas não fazia diferença. Havia vivido da forma que queria, e continuaria vivendo assim, estivesse onde fosse. Embora soubesse que tudo aquilo não era do tipo que um pai deveria dizer à filha, em teoria, nunca guardara ódio ou rancor em relação a ele, porque só havia lugar para um sentimento no seu coração. Indiferença.
Por baixo da porta que dava para o corredor, conseguia ver as sombras dos dois capatazes que a haviam trazido até Pale, e que ele mandara esperarem fora. Ele não quer que ouçam nada além do estritamente necessário para o desempenho da sua função, pensou. O mais provável é que tente extrair de mim toda a informação a respeito.
– O que você e Woffrey andam tramando, Lisette?
– Direto ao ponto, então? – zombou ela. – Já se cansou das ofensas?
– Está evidente que você e seu primo estão trabalhando juntos em algo. Mas ainda não ficou claro exatamente no quê – continuou Pale, como se não a ouvisse. Fez uma pausa, parecendo refletir. – Wesdan acredita que vocês se uniram ao grupo do Firlainn. Não sei se concordo. Consigo imaginar o filho dele agindo assim, porque é e sempre foi da natureza dele, mas uma escória como você...
– Ah, me enganei. Não parece ter se cansado.
– É estranho. É... estranhamente inusual. O que você, que nunca se interessou pela política, ganharia com isso? De qualquer forma, esse eixo ridículo que criaram não deve durar muito mais. Os nobres da velha aristocracia estão com medo do cisionismo, e eles tem razão: seria colocar o poder e a riqueza nas mãos de tolos. A única forma desse conclave manter o apoio deles seria adotarem uma posição abertamente contra a Cisão. Mas isso não farão, é claro, porque querem de uns, e querem de outros também. A figura do herdeiro do Arquiduque não vai ser suficiente; no final, a divisão os fragmentará.
Lisette bocejou.
– Continue com o seu monólogo, está muito interessante...
– O Arquiducado terminou. Caiu, e já não há volta atrás. Por trezentos anos, temos mantido a cidade ordenada e crescendo, desenvolvendo-se, enquanto que os Estigmas não faziam nada além de ser a figura que o público vê, com quem o público interage. Nem para isso Lowald Grantham serviu. Ele não conseguiu lidar com o poder crescente desses estrangeiros de Desterro; ao contrário, reduziu as verbas do Ministério de Defesa e da Guarda Distrital. Também não fez nada a respeito dos marinos. Deixamos crescer o monstro interior, e o monstro exterior cresceu por conta própria. A Grande União Setentrional diz algo a você?
Uma suposta nova potência imperial emergindo no norte de Bak. "A paz em perigo". Sorriu.
– Oh, mais um inimigo externo para justificar a necessidade do militarismo. Nunca ouvi essa história antes... – Lisette suspirou. – Para alguém da sua classe, você é um tanto quanto bobo. Mesmo que a união saia do papel, eles não têm porque nos atacar. Nunca demos motivos para isso.
– Quando você começar a sair do seu quarto, entenderá que um império expansionista não precisa de motivos para atacar ninguém. Kalori sempre foi neutra. Mesmo na Guerra da Ilha dos Escavadores, não enviamos um soldado sequer. Apesar disso, as estações de mineração a oeste e todas as patentes criadas pela Universidade são uma riqueza considerável.
– Faz sentido... E então Tenbalsam e Calimkot, nossos maiores parceiros comerciais de Bak, obviamente acharão vantajoso nos atacar e destruir quaisquer relações que possamos ter construído nos últimos cinquenta anos, ao invés de continuar comerciando conosco a taxas propícias. Faz muito sentido – Lisette fez um breve silêncio, e então perguntou: – Então era essa a narrativa que estava iludindo você todo esse tempo, pai?
Pale negou com a cabeça e abriu a porta que dava para o corredor.
Quando saiu, Lisette se permitiu ficar apreensiva por alguns instantes. Estivera provocando-o, mas a verdade é que preferiria muito mais que Pale ficasse do que fosse chamar Wesdan. Porque apesar das injúrias e ofensas óbvias, o velhote não era do tipo que faria tudo para conseguir a informação que procurava. Ela ainda era a família dele; haviam fronteiras que Pale não cruzaria. O tio Wesdan, por outro lado...
Começou a brincar nervosamente com os polegares, as mãos entrelaçadas no colo. Apertou os lábios violetas. Não tinha como fugir. Era preocupante ter que encarar a realidade dessa forma, mas a verdade é que não tinha como fugir. Não tinha uma arma escondida, habilidades marciais para enfrentar aqueles dois que guardavam a porta, ou resistência física para sair correndo; sua situação era irremediavelmente a de um refém. Usariam essa vantagem contra ela? Com toda a certeza, sabia que não aguentaria a mais mínima sessão de tortura: antes disso, terminaria revelando tudo o que sabia a respeito dessa conspiração do Grande Plano.
Lisette respirou aliviada ao ver a porta se abrir e Pale retornar, sozinho.
– De alguma forma, agora você parece um pouco mais feliz em me ver.
– Nem um pouco – disse ela.
Seu pai veio andando até parar à sua frente. Olhava-a bem fundo nos olhos.
– Lisette – murmurou, num tom perigoso –, este é o momento em que você me diz tudo o que sabe. Porque o seu tio está aqui, na sala ao lado, bebendo chá de cinzamel com leanberry, e eu sei que ele odiaria ter que largá-lo pela metade para vir interrogar você.
***
Atualmente.
Sob a cobertura repleta de furos do armazém abandonado, o grupo saboreava os sanduíches de limopasta sabor carne com entusiasmo exagerado. Um copo de latão com chá de ramopobre ia passando de mão em mão, de Haett para Vertfor, para Kasern, para Woffrey, e finalmente para Kinsey. O jovem pensou que quase não pareciam as mesmas pessoas com quem estivera convivendo nos últimos dias, aquelas que se queixavam de tudo e viviam brigando por pouca coisa. Pelo menos, esperava que de barriga cheia pudessem parar de brigar e pensar melhor no que fariam agora.
Wof disse que alguém da Fenbram estava vindo me matar, para impedir que eu chegasse à Praça dos Arcos. Por outro lado, aquela mensagem que chegou antes...
Kinsey bebeu o resto do chá e entregou o copo para Kasern, que se ergueu para enchê-lo no bule que faziam ferver numa fogueira improvisada. "Enquanto há chá, há esperança", dizia o velho ditado do Continente. Observou Haett e Vertfor contando piadas e rindo; mal parecia que estiveram a ponto de se matar, alguns momentos antes de que Kasern voltasse com a comida recuperada. De repente, uma ideia lhe ocorreu. Será que todos estavam a par do que estava acontecendo, e só ele não?
– Amarelo... Kasern. Haett. Vertfor. Eu tenho uma pergunta.
Os três se viraram para ele.
– Guarde ela para você mesmo – resmungou Haett. – Estamos comendo.
– Não posso – Kinsey suspirou. Olhou para o carcereiro, a quem costumava odiar (e com razão) no tempo em que esteve recluso. Depois, olhou para todos. – Sei que algo aconteceu. Naquele dia, ouvi o ruído do transmissor tocando, e vocês falando que precisavam me deixar decentemente arrumado para algum evento em especial. Que, no caso, era esse Concílio Aberto.
– É... era isso mesmo – disse Vertfor, parecendo desconcertado. – Mas como você ouviu, rapaz? Tinha jurado que estava dormindo.
Kinsey negou com a cabeça.
– Eu quase não dormia. Não tinha suficiente força de vontade para dormir – Fez um gesto para Woffrey. – Você poderia dizer a eles o que sabe?
Woffrey meneou as sobrancelhas, algo desconfiado.
– Kin, eu acho que eles sabem tudo o que eu sei.
– Não tenha tanta certeza.
– Vocês estão a par do Grande Plano? – perguntou o herdeiro dos Tulling aos três. – A essa altura, não vejo problemas em contar tudo a vocês, já que estamos envolvidos até as entranhas. Mas preciso saber o quanto vocês sabem.
Haett fez um gesto para que esperasse.
– O quê? – perguntou Woffrey.
– Não diga ainda. Antes de ouvir, preciso confirmar duas coisas. Primeiro, saber dessa informação pode me matar?
– Hmmm... Talvez.
– Certo – Haett assentiu para si mesmo. – Segundo: isso que você está prestes a contar é o motivo pelo qual estamos escondidos nesse lugar, cuidando de um preso político.
– É, sim.
Ao ouvir a resposta, Haett se levantou e se separou do grupo, levando consigo parte do sanduíche que ainda comia. Ouviram o rangido da porta do armazém se fechando.
– Ele... acabou de ir embora? – questionou Woffrey, parecendo levemente assustado. – Precisamos trazê-lo de volta! Se o homem acabar tentando contatar o diretor-geral, os mercenários da Companhia vão descobrir onde estamos.
Kinsey negou com a cabeça, despreocupado.
– Haett não vai contar nada. Ele pode ser amargurado, mesquinho e tudo, mas não é idiota. Você deixou bem claro o que aconteceria se não mantivéssemos em segredo a nossa localização. Não há nada mais que precise ser dito.
– Kin, você percebeu tudo isso... só de estar no mesmo espaço que ele por tão pouco tempo?
– No Farol, sim – Ao sentir a excessiva surpresa que o outro lhe dirigia, acrescentou com vergonha: – Como eu disse antes, não havia muito o que fazer naquela cela.
Woffrey assentiu para si, ainda um pouco aturdido. E então começou a apresentar os pormenores desse esquema que havia sido montado pelo Estigma antes da sua morte, e agora era perpetuado pelos vários grupos que compunham o diagrama político de Kalori. Resultou que Vertfor, Kasern e o próprio Kinsey sabiam um pouco, mas não muito.
Então Lowald... Há quanto tempo ele vinha planejando o futuro da cidade? Esse... parece o trabalho de uma vida.
Enquanto Woffrey terminava de nomear os papéis dos vários contribuintes, ministros, senadores, jornalistas e comerciantes de grande porte para o grupo, Kinsey foi tomado por uma sensação de paz, do tipo que não sentia havia muito. Era estranho; falava-se se intrigas e conspirações, mas ele só conseguia se alegrar com o fato de que ouvira os nomes do senhor Gournier – G – e Jarren – J – mencionados. Significava que, afinal, eles estavam bem. Quando fora levado com Lowald para aquele tribunal falso, temia o que poderia ter acontecido com os funcionários do Palácio. Pelo menos, dois deles estavam bem. Esperava que os criados e criadas, J1 e Garrinha também estivessem.
Kasern e Vertfor, mais atentos à explicação, não pareceram se dar conta de quando levou uma mão ao coração para agradecer a Lenkin, a Aquele Que Sobe a Ponte, às deusas dos Kell Vani, ou a quaisquer outras divindades que pudessem ou não existir. Também percebeu que Woffrey quase não falou da Cisão. O mais provável era que não soubesse.
Eu entendi, pai, pensou Kinsey. O senhor deixou as cartas na minha mão, todas elas, e partiu para que não pudessem se apoderar delas. Se agora eu não fizesse nada a respeito, que me cremassem, porque seria um mal-agradecido que morreu em vida.
***
Pouco depois dos desconhecidos irem embora, entrarem num dos velhos armazéns abandonados da vizinhança, Varil apareceu ao seu lado. Olhou para Tinn, olhou para os garotos ainda um pouco agitados, para a pistola-sino que Tinn segurava e para Brett desacordado no chão. Atrás dos óculos, seus olhos cinzentos se arregalaram de assombro, e medo.
– Tinn, eu sei que demorei um pouco para ir buscar a pistola, mas onde conseguiu essa aí tão ráp...
– Traga a corda, Var – disse Tinn.
– Corda? Que corda?
– Qualquer corda. Alguma corda. Temos várias cordas – Tinn não o olhava; ao invés disso, mantinha-se voltado para Brett. Fez um gesto na direção dele. – Vamos amarrar esse traidor.
Não imediatamente, ouviu os passos de Varil se afastando, enquanto resmungava algo inaudível. O rangido do portão do Quartel-General soou em seguida.
Tinn rodeou o corpo de Brett, chamando Sunnox e Ginger para que o ajudassem a levantá-lo, a segurar cada um as mãos e pés, para o caso dele acordar e tentar reagir com violência. Mas o narigudo não acordou. Varil voltou com uma corda de fibras de alga seca, que usaram para amarrá-lo rapidamente. Arrastaram-no de volta ao interior do QG, apoiando-o numa parede ao lado de barris de água.
O suposto líder do bando Lintoy foi até seu colchão e deitou-se nele, virado para a parede. Descarregou a pistola-sino e a jogou de lado. As balas de metal tilintaram no concreto. Não estava com humor para nada. Via uma sombra refletida no metal ondulado da parede, ondulada também. Supôs que era Varil, que queria lhe fazer perguntas a respeito do que havia ocorrido exatamente, mas não estava com paciência para explicar. Impaciência talvez não fosse a descrição exata para o seu estado mental, mas... que se danasse tudo. Se ele queria mesmo saber – e obviamente Var queria, porque ninguém gostava de ser deixado de lado –, que perguntasse aos garotos; eles também estavam lá vendo tudo acontecer. A sombra o esperou por algum tempo, mas logo foi embora.
Não era pela esfera metálica. Que se explodisse aquela esfera; era pelo que aquilo representava. Varil, Célinn, Loiss, e até outros garotos mais jovens que haviam estado no dia em que os cabeças-de-peixe apareceram à porta de sua casa... Todos o haviam avisado. Loiss havia lhe dito o que ouvira: que um clã importante estava à procura dessa sua esfera, e que Brett havia entrado numa espécie de acordo com eles para lhes entregar o objeto. Daquele dia em diante, além de evitar as zonas frequentadas pelos marinos, vinha esperando que o narigudo lhe contasse a verdade. Porque era o que costumava acontecer no passado. Quando Redri fora preso e Tinn assumira o comando, quaisquer problemas que surgiam eram sempre trazidos à tona, sem rodeios ou meias-verdades. Porque era assim que deveria ser! Mas Brett permanecera em revoltante silêncio. Até que aparecesse naquela manhã, trazendo esse grupo de guerreiros para o Quartel-General, havia pensado que ele tinha se esquecido. Teria sido melhor se fosse esse o caso.
Há tempos, vinham lhe dizendo que Bretten Nuvem Fria era um problema. O que revelara ser verdade: ele o havia vendido, alguém do seu próprio bando, sua própria família. E quase o matara. A raiva explosiva que sentira antes já quase se esvaíra totalmente, transformada em culpa fria e pesar. O culpado era óbvio. Mas será que era mesmo? Se algo assim se repetisse de novo... Não queria pensar a respeito. Não queria pensar que o bando, por quem havia dado tudo nos últimos anos, poderia virar-se contra ele sem mais nem menos. Não queria pensar que, se isso acontecesse, estaria sozinho no mundo.
Passou-se algum tempo, dez minutos, um dia ou uma década, quando ouviu a porta do armazém se abrindo de novo. Ouviu os recém-chegados cochicharem, e supôs pelo tom de voz que deviam ser Célinn e Nímie. Mas não se virou. Não esboçou reação alguma, mesmo ao sentir que alguém pressionando as bordas do seu colchão.
– Tinn, você está bem?
Era a vozinha de Nímie. Soava excessivamente preocupada, o suficiente para fazê-lo pensar em contar tudo para ela. Ignorou esses anseios.
– Tinn, acabei de saber... Me disseram o que aconteceu. Mas não entendi muito bem. Você está bem? Pode pelo menos dizer que está bem?
Tinn não disse nada.
– Ele era seu amigo, não era? – Nímie parecia perdida. – Eu... olha, eu não sei exatamente o que dizer. Me desculpe. Eu só não sei. Agora há pouco, Célinn me disse para vir... para vir falar com você. Ainda assim, eu não sei o que falar. Só quero que você saiba que estamos todos aqui com você. Eu estou com você.
O que é que Cél anda dizendo para essa garot..., ia pensando Tinn, mas o pensamento repentinamente se desfez quando sentiu Nímie abraçando o seu ombro. O perfume, a calidez, a suavidade... De alguma forma, o fizeram lembrar do dia em que havia começado a alimentar esses sentimentos impossíveis pela sua amiga mais querida. Mesmo assim, nada foi o suficiente para fazê-lo se virar ou responder qualquer coisa que fosse, e logo foi deixado sozinho mais uma vez com a sua maldita dor.
– Tinn ia matar Brett com aquela pistola – comentou Ginger, quando haviam se congregado na outra extremidade da instalação, longe dos ouvidos do líder. – Brett foi quem trouxe ela, mas não sei de onde. Quando os cabeça-de-peixe pegaram a esfera e foram embora, os dois começaram a brigar.
Nímie assentiu, prestando toda a atenção das palavras daquela garotinha ruiva que não devia ter mais de dez anos.
– Eu cheguei tarde – Varil se desculpou. – Achei que ia começar uma briga com os marinos, então fui buscar a pistola-sino. Mas não sabia que eram esses dois que estavam brigando.
– Você deveria ter saído com o Tinn! – repreendeu-o Célinn. – E se o pior tivesse acontecido no meio-tempo, quem seria o culpado por deixar ele sozinho? Não importa se está com arma, ou sem!
– Eu sei, mas... É que...
– Não, você está muito errado, Var. Tudo teria sido culpa só sua.
– Eu sei.
Nímie achou que eles estavam se desviando do assunto mais importante.
– Mas, pelo que eu entendi – continuou dizendo para Ginger –, vocês tinham imobilizado o Brett naquela hora, não? O Tinn estava com a arma dele. O que impediu ele... de atirar?
Ginger assentiu, parecendo entender o cerne da questão.
– Um homem chegou.
– Um homem?
– Era um Amarelo, assim, um Amarelo bem alto – disse a garotinha dos dentes tortos. – Tinha a cabeça raspada, uma barba grande e o olhar tranquilo. Ele falou alguma coisa, e aí o Tinn guardou a arma e mandou segurarmos o Brett.
De repente, além de Nímie, Varil e Célinn também pareceram interessados no que a menina ruiva dizia. Por algum motivo, Loiss parecia nervoso. Havia chegado junto com eles, mas passara todo o tempo mordendo as unhas em silêncio.
– O que esse homem disse para o Tinn? – perguntou Célinn, lentamente.
– Eu não ouvi – admitiu Ginger, encolhendo de ombros. – Ele falou baixo. Assim, talvez ele não queria que a gente ouvisse ele.
– Talvez. Mas um pouco estranho.
Nímie, por outro lado, ainda não havia tirado da cabeça a descrição rápida que Ginger fizera do Amarelo misterioso. Porque conhecia não muitos Amarelos, mas havia um que ela conhecia bem, e que se parecia exatamente com o que ouvira. Kasern? O que ele fazia por ali, se fosse ele, era um mistério; mas, pensando bem, sempre havia pensado que a vida daquele apóstolo-pregador era um mistério por si só. Haviam dito que umas pessoas novas estavam ocupando o armazém mais ao sul, e que três delas – o Amarelo incluído – presenciaram a briga de Tinn e Brett.
A garota se levantou, decidida. "Alguém precisa ficar do lado do desgraçado do Tinn", havia dito Célinn, na volta do passeio. "Ele não me ouve, não ouve ninguém; mas, se fosse você, Ním, acho que tudo ficaria bem". Fosse ou não fosse Kasern, alguém havia impedido Tinn de cometer assassinato contra o seu amigo, e agora pelo menos um agradecimento lhe era devido.
– Aonde você vai? – perguntou Célinn, surpresa ao ver Nímie se levantar de repente.
– Lembra do que você medisse antes? Pois então... Eu acho que alguém chegou primeiro e impediu o Tinn defazer alguma bobagem. Eu sinto... que preciso agradecer a essa pessoa. Quaseninguém se importa com um desconhecido a ponto de fazer isso pelo outro.
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