Capítulo 25 | A fuga sob o Farol - Parte 4
Dois meses antes.
Na verdade, Woffrey estava decepcionado.
– Ah, não, nem adianta fazer essa cara para mim – Lisette o olhava com desdém. – Sabia que já não tem mais oito anos? Não vai conseguir me convencer de nada. Além do mais, tenho certeza de que você já pensou em muitos outros candidatos.
– Não, Lis, não pensei. Esse é o problema – murmurou o jovem. – Acha mesmo que eu pediria algo assim a você se houvesse outra escolha? É porque não há. Eu preciso da sua ajuda – Estavam a sós na sala dos prazeres de Woffrey, sentados cada um em sua almofada. Um feixe desesperançoso de sol entrava pela janela, iluminando parte do cômodo onde, em outros tempos, haveria uma pequena multidão de cortesãs. Mas estava vazio. Já há algum tempo vinha estando vazio.
Os lábios violeta de Lisette se torceram levamente.
– Eu não sou... tão inteligente quanto pensa.
– É claro que é – Woffrey bufou, sorrindo de repente. – Quem é que sempre me apresenta uma nova perspectiva para as coisas? Quem é que vive me ensinando em assuntos que eu pensava dominar? Você sabe que sempre termino precisando da sua ajuda.
– Na verdade, isso fala mais de você do que de mim.
– É verdade. Mas não tira o seu mérito – O jovem fez uma pausa, suspirando. – Sabe, o fato é que eu realmente preciso da sua ajuda, Lis. Não gosto de admitir isso, mas, neste ponto, são poucas as pessoas em que posso confiar. Menos ainda são as que tem qualquer conhecimento na área. O Grande Plano precisa de sua valorosa contribuição.
Pouco antes, Woffrey havia chamado a sua prima para uma conversa particular na sala dos prazeres, previamente esvaziada, onde os criados que serviam como ouvidos do seu pai não tinham como chegar. Lisette, desconfiada, acudira. Contara a ela que precisava de sua ajuda para desencriptar um receptor telegráfico, de modo que funcionasse como um vazamento no sistema. Receberiam transmissões que não se dirigiam propriamente àquele receptor, e as leriam sem que o verdadeiro destinatário percebesse. Um bom desencriptamento não deixava pistas.
No que tangia às deliberações mais gerais, Woffrey já a mantinha a par do Grande Plano: a contribuição secreta que estava ocorrendo entre o marquês Firlainn, os dois homens do Arquiduque, o diretor-geral da Guarda Distrital, alguns ministros e ele próprio, com o objetivo de impedir a chegada da Fenbram ao poder. A chegada do seu pai ao poder. Não eram um grupo coeso, verdade fosse dita. Suspeitava – e seria apenas natural – que cada um tivesse suas próprias intenções ocultas ao conspirar contra a Fenbram, coisa que ele próprio tinha.
Por enquanto, esse compartilhamento de informações estava sendo efetivo, mas tinha a sensação de que isso estava para mudar. Era o motivo para a ideia do desencriptamento que tivera. Desde a queda do Arquiduque, Wesdan Tulling não fizera nenhum grande movimento. Conhecendo o maldito velhote, sabia como isso poderia ser perigoso.
No geral, pedir a ajuda de Lisette não era coisa nova. Woffrey a estava mantendo a par do Grande Plano, e ela contribuía com seu nada modesto leque de conhecimento ou com informações confidenciais sobre os Galbret. Ajudava, desde o conforto da sua sala de chá, enquanto lia seus livros de aventura ou poesia. Dessa vez, seria diferente. Lisette teria que aprender um assunto novo do zero e, mais do que isso, participar ativamente na espionagem. Teria que sair de casa. Como alguém que via a prima há anos em sua casa, desde que ela fora deserdada pelo tio Pale, sabia que ela não costumava deixar o conforto de casa. Não, ela nunca saía de casa. Tentara muitas vezes antes, mas ela se negava a dar um passo para além dos portões.
– Qual a utilidade? – dizia, antes de enterrar novamente o rosto nos livros. – Não há nada para mim lá fora.
Esse dia havia chegado.
Bom, afinal, dois meses e meio passaram desde aquela merda, pensou o jovem. Fechou os olhos, esfregando os dedos nas pálpebras. Imaginou se Lisette sabia que o que ele fazia, fazia para compensar todo o mal que a sua "família" causara. Família. A quem estava querendo enganar? Nunca se sentira ligado com esse velho, ou com a mãe que não conhecera. Na verdade, nunca se sentira ligado com ninguém. Ninguém, à exceção de Kinsey. Kinsey...
Quando se voltou para Lisette, teve a impressão de que o olhar dela havia mudado.
– Você... está mesmo disposto a levar tudo isso às últimas consequências, não está, maldito pervertido?
– Estou – assegurou Woffrey.
– Mesmo que isso signifique...– Lisette não completou a frase, mas era óbvio o que ela queria dizer: enfrentar o seu pai, perder a casa, a herança, o nome. Perder tudo.
O jovem não hesitou.
– Estou.
A mulher da trança loira se reclinou para trás, na almofada, pensativa. Seus olhos estavam voltados para cima, mas ela dificilmente estaria observando qualquer coisa. Lisette refletia. O seu temperamento recluso impossibilitava os outros de verem, mas Woffrey, por conviver com ela, sabia que a mente da Galbret se potencializava quando ela precisava. Não havia como saber exatamente no que ela pensava, mas certamente não era apenas no pedido que fizera a ela.
Então, ela se ergueu um pouco para mover a almofada de lã. Tirou-a de debaixo das pernas e a apoiou na cabeça, deitando com ela no chão. Voltada para o lado oposto ao dele.
– Você... vai dormir agora? – perguntou Woffrey, curioso.
– É claro que vou. O que você está fazendo provavelmente fará você terminar como eu, então tenho que aproveitar o conforto enquanto posso – Ela bocejou. – E também, infelizmente, terei que dar uma mão ao meu querido primo e benfeitor.
– Obrigado, Lis.
***
Atualmente.
As pessoas haviam começado a ir embora.
Era inevitável.
À nona hora da manhã ocorrera a votação para a criação da junta, que terminara sendo, por unanimidade, positiva. Divulgado o resultado ali mesmo, houvera uma comoção do tipo que Jarren já esperara: os cisionistas, dispersos entre a multidão, haviam começado a gritar, exigir que se fizesse uma recontagem. Jarren já esperara que eles não fossem aceitar o resultado, caso fosse positivo. O que não esperava era a quantidade de cisionistas entre os presentes. Metade, ou talvez mais, pertenciam ao grupo. Como é que o sim ganhara daquela forma? Tinha que admitir que era um pouco estranho.
À décima hora da manhã, já não havia nada para fazer, a não ser esperar pela chegada do herdeiro. Anúncio que ele mesmo havia feito. Suspeitava que isso estava longe de estar programado. Conhecendo o Principal Barland e os outros senadores, era mais do que provável que eles quisessem terminar todas as votações o quanto antes para voltar ao conforto das suas mansões. Mas não poderiam fazer isso enquanto o Concílio estivesse em curso.
À primeira hora da tarde, havia sobrado menos da metade dos participantes iniciais.
Os vendedores ambulantes andavam por entre os presentes, oferecendo empadas, quiches e pastéis para quem estivesse esfomeado. Jarren comprou uma empada de quatropinças a uma senhora com sua aprendiz, e ia começar a comê-la, quando divisou uma figura conhecida à distância, acenando em sua direção. Suspirou, descendo do estrado com o salgado numa das mãos. À sombra do beiral de uma loja fechada, seu colega limpava o próprio suor com um lenço.
– Gournier – cumprimentou-o.
G olhou para a empada.
– Por acaso, isso se destinaria à minha pessoa?
– É claro que sim. Certamente eu abriria mão do meu próprio almoço para dá-lo a alguém que está interrompendo o meu trabalho.
– Que trabalho? – zombou G. – Por Lenkin, todas as pessoas à volta parecem tão cansados quanto uma prostituta requisitada. Não há nada acontecendo!
– Realmente, não há. E imagino que você saiba o porquê.
A expressão jovial de Gournier se desfez. Jarren olhou em volta, certificando-se de que ninguém os estava espionando. Não era difícil supor o motivo pelo qual esse sujeito estava ali, quando haviam concordado de que trabalhariam separados naquele dia.
O veredito veio sem demora.
– Eu perdi o rastro do jovem mestre – murmurou G, desviando o olhar.
– O quê?! Mas como? Isso não é possível! Você fez tudo conforme nós...
– Conforme havíamos combinado – O outro pareceu ofendido. – Francamente, Jarren, quem acha que sou? Não há como eu cometer um erro banal num momento tão importante. Não há a mínima chance de acontecer isso!
Jarren se apoiou na parede, zonzo, suportando o olhar de Gournier.
– Eu sei... Me desculpe – Mil coisas giravam dentro de sua mente, torcendo e se desfazendo. O chão era o céu, e o céu estava do seu lado direito, e depois não estava mais. Algo o sufocava. Jarren teve a impressão de que perderia a consciência umas duas vezes, mas se forçou a mantê-la. O momento exigia que a mantivesse. – Mas como... Como... isso foi acontecer?
– Não foi nada do que eu fiz. Infelizmente, não foi nada que pudesse ter feito diferente.
» À oitava hora da manhã, como havíamos planejado, eu já estava na Central do Telégrafo para mandar aquela mensagem ao receptor no Farol. Mais cedo, o diretor Orhan me confirmou que dois dos agentes estariam de folga, então sobrariam três por lá. O apóstolo-pregador, em tese, também devia estar com eles.
» Graças à ajuda do ministro Dunley, a linha 5 do teleférico estava vazia, mas ainda assim demorei quarenta minutos para chegar ao Farol. Nossa Kalori às vezes pode ser grande demais, sabe? O problema é o que vi quando cheguei lá.
» Não vi nada. Porque não havia nada, nem ninguém.
» Como três agentes, um lenkinista e um jovem podem ter desaparecido, eu não sei explicar. Entrei o contato com o diretor, mas ele disse que não sabia de nada; seus agentes não o informaram de nenhuma eventualidade. Então comecei a me perguntar: por que desapareceriam logo antes do Plano? Há sempre a possibilidade da traição, creio eu. Mas, pelo mesmo motivo, não seria melhor terem interrompido o processo no meio do que esperarem até quase vê-lo pronto? Pelo que sei, Wesdan não é muito adepto a espetáculos. De modo que pensei: há algo de errado aí. Talvez o "tempo", que foi logo após a transmissão e logo antes da minha chegada, tivesse a ver com a transmissão em si.
Jarren, que já começava a se sentir melhor, perguntou:
– Alguma ideia?
– Nenhuma conclusiva – G inclinou a cabeça, enquanto olhava para um relógio de bolso pendular. – Primeira hora e vinte minutos.
– Mas imagino que você tenha falado com os outros, certo? – insistiu Jarren, confuso. – Nenhum deles teve quaisquer envolvimento?
– Não. Não parece, na verdade. Só não falei com o ministro Hean e o marquês Firlainn, que estão aqui com você, mas posso supor que não foi ideia deles.
– De fato, eles não receberam nenhum mensageiro, nas últimas horas.
De repente, o silêncio havia os dominado.
– Meu caro – sussurrou G, apertando os lábios –, talvez tenhamos um problema.
Jarren não respondeu. Estava pensando se havia alguma forma de descobrir a verdade, de desenrolar o fio dos acontecimentos, sem que estes apontassem para aquilo que insistiam em apontar. Porque... não havia forma da Fenbram ter descoberto tudo, havia? Não havia como... terem matado o jovem mestre, certo? Não ele, o filho de Vossa Excelência...
Enquanto não trouxessem à tona os fatos, essa hipótese continuaria plausível. Mas não queria pensar nela. Deveria se ater às informações que Gournier apresentara. A mensagem fora enviada? Fora. Recebida? Talvez. Quando G aparecera para buscar Kinsey, não encontrara ninguém por lá? De fato, isso acontecera. Tentara falar com os outros conspiradores? Sim. Com todos? De súbito, um pensamento o havia tomado por completo. Woffrey, o jovem herdeiro dos Tulling, era um dos conspiradores. O próprio Jarren havia acompanhado de perto a evolução da amizade entre os dois rapazes, e por isso podia dizer que entendia os motivos dele ter se unido ao Grande Plano.
O antigo mordomo do Palácio e confidente do Arquiduque olhou para cima, para a cúpula de vidro da Câmara. Ali certamente estavam muitos dos aristocratas e a própria Fenbram, que precisavam assistir ao Concílio e acompanhar seu andamento, mas de igual forma não desejavam fazê-lo junto das "pessoas comuns" dos Baixos. Do estrado onde estivera, não vira Woffrey. Estaria ali, com o pai e a companhia?
– Como foram as coisas por aqui, aliás? – perguntou G, voltando-se para o grupo reunido no anfiteatro, a alguns passos de distância.
Mas Jarren não estava preocupado com aquilo.
– Você tentou falar com o Tulling?
– Perdão? – G pareceu confuso.
– Você disse que falou com todos, à exceção do ministro Hean e do Marquês – Jarren estreitou as sobrancelhas finas. – Falou com o Tulling?
– Ah, não... Ele não. Não sei... Agora que diz, acho que devo ter esquecido.
Jarren balançou a cabeça em negativa.
– Não importa – sentenciou. – Acabei de ter uma ideia. Procure-o na cúpula da Câmara. Enquanto isso, devo voltar para informar ao Marquês do ocorrido.
Gournier começou a remexer a mão enluvada que segurava o cajado, a brincar com ele. Era um gesto que fazia quando ficava impaciente.
– Oh, por Lenkin, você sempre tem ideias, Jarren. E sempre sobra para mim resolvê-las.
– Não reclame – disse J. – O nosso jovem mestre pode estar em perigo.
À primeira hora da tarde e vinte e oito minutos, um marino se aproximou do estrado central, onde todos os senadores estavam reunidos. Veio cambaleando, descendo as arquibancadas, e as pessoas à volta lhe deram espaço. Não era comum ver marinos em qualquer lugar, fora os guetos, e a lança-espada serrilhada que portava devia deixá-lo ainda mais intimidador aos olhos das pessoas.
O marino parou à frente dos senadores, como um convidado esperando seu anfitrião.
Seus olhos amarelos esbugalhados passearam pelos homens sentados nas cadeiras, sem se fixar em nenhum. Como se bocejasse, abriu boca largamente, enquanto usava as garras para limpar os espaços entre os dentes.
De repente, a multidão havia deixado todo o marasmo das horas esperando que algo acontecesse, e se encontrava fixamente atraída por aquele ser incomum. O que ele esperava encontrar ali, no Concílio Aberto? Pelo pouco que as pessoas comuns sabiam dos marinos, eles não seguiam a maioria das leis vigentes em Kalori. Sequer se sujeitavam ao poder do governador: tinham um próprio, a quem chamavam de Maior. Ou... cada clã tinha um. Haviam chegado à cidade há muito tempo, mas sempre estiveram, ao mesmo tempo, separados dela. O que ele, ou ela, queria com os senadores?
Alheio aos olhares, o marino agora parecia brincar com os seus longos barbilhões.
Uma série de murmúrios correu entre as pessoas. Mesmo entre os doze que ocupavam o estrado, não parecia haver qualquer concordância sobre o que fazer com ele. Alguns diziam para ignorá-lo, que iria embora sozinho; outros, que viera interferir no Concílio, que deveriam tomar uma medida. O principal Barland, a quem todos pareciam querer interrogar, estava dormindo em sua cadeira.
Finalmente, sem muita cerimônia, Firlainn se levantou e foi até ele. Abaixou-se até ficar da altura do outro, e disse:
– Me permitiria perguntar se tem algum assunto a tratar conosco?
O marino olhou para a multidão absorta, para o velho Marquês, e voltou a fechar a boca. Bateu de leve na própria barriga.
– Vn demrar muto aind? – perguntou Chgatnn. – Quro sabr prque ach que nan vo cnsegur sgurar a vntad d mshar, e ach que o velh' va fic'r bravo se eo mshar aqu'.
***
No pátio principal da prisão de Fragatas, a tarde chegara como um suspiro de alívio. Os carcereiros e guardas penitenciários haviam tomado uma folga naquele dia, não todos, mas o suficiente para que os presos sentissem que, por um dia, tinham o lugar todo para si. Haviam uns poucos nas torres de vigia, menos nos portões, e muitos menos nos corredores mal iluminados. Redrian sinceramente estivera preocupado: muitos dos que conhecia não eram apenas ladrões de pão e de mingau, nem presos políticos como ele, mas gente mais perigosa, pessoas do submundo kaloriano. Com poucos guardas, poderia se instalar uma confusão tamanha.
Felizmente, não era o que acontecia. De alguma forma, era um tanto inesperado vê-los fumando raiz-de-ekghiraal todos juntos, à sombra dos altos muros de pedra. Na verdade, era consideravelmente inesperado.
Mas... tinha que concordar que era uma bela tarde. Uma bela tarde para a reconciliação.
O jovem observou dois sujeitos brigões compartilhando o mesmo cachimbo de fumo e sorriu. O pátio estava ocupado em sua totalidade, mas não cheio. Cada indivíduo ocupava seu espaço e todos, como se num acordo mútuo, haviam deixado o centro com os canteiros de plantas livre. As folhas azuis, verdes e brancas, os talos espiralados e flores enrugadas reluziam ao sol, protegidas. Ninguém ousaria mijar nelas ou arrancá-las, quando gastavam tantas horas da semana sendo obrigados a trabalhar nos canteiros. Seria apenas idiota.
Redrian ergueu os olhos para o alto, justo a tempo de ver um denteplanador atravessar os muros da prisão e pousar no canteiro das pimentas-botão. Levantou-se e foi até ele, antecipando qualquer um que tivesse ficado com fome depois do almoço e quisesse usá-lo como complemento de dieta.
O bichinho de pelo castanho cheirava as folhas quando o encontrou. Pegou-o nas mãos. Logo viu o papelzinho preso nas patas traseiras dele. Voltou ao seu lugar à sombra, ao lado de dois homens que haviam improvisado um tabuleiro na terra, levando o animal consigo. Agradeço pela sua contribuição à causa, amigo peludo, pensou, enquanto desdobrava o papel com a mensagem.
Terminava de ler quando uma sombra obstruiu a luz à sua frente.
– Mascote novo, ou...?
Era a voz de Daxcett. Redrian balançou o papel manchado diante dele.
– Finalmente, notícias – anunciou.
– Finalmente – concordou Dax, sentando do seu lado. – Quer me deixar ler um pouco?
– À vontade.
No colo de Redrian, o denteplanador começava a se impacientar quando Daxcett terminou de ler a mensagem dos companheiros no Concílio. O homem de olhos fundos e barba rala amassou o papel. Fez uma careta de desagrado e resmungou, parecendo lutar contra o impulso de tacar o papel longe ou de socar o muro. Quando se acalmou, não pareceu mais satisfeito.
– Não sei o que eu esperava – murmurou.
– Não precisa fingir que está tudo bem, Dax – disse o jovem.
Foi o suficiente para soltar a língua do outro.
– Aquele maldito do Oldrey está mesmo fazendo o trabalho direito?! – Daxcett parecia incrédulo. – Não é possível que tenhamos... Não é possível que as pessoas continuem acreditando que ganharemos alguma migalha se continuarmos com a velha política! Essa junta... Isso é um desrespeito com o trabalhador! – Seus olhos, de repente, se voltaram para Redrian. – Já sei... Isso deve ser obra da Fenbram! Tem que ser obra deles, não tem?
Às escondidas, Redrian cutucou o homem do seu lado, que jogava uma versão com argila e terra do Casco e Canhão. O sujeito pareceu entender de imediato: entregou-lhe o cachimbo que usava.
– Bom, sempre há a possibilidade.
– Não, certamente são eles! – Os olhos de Dax se arregalaram. Seus lábios se torceram naquele sorriso obsessivo que já conhecia. – Temos que fazer algo, temos...
Redrian sacudiu o cachimbo pela haste, bem próximo do nariz de Daxcett Fowlgrenn, obrigando-o a inalar a fumaça de raiz-de-ekghiraal. Quase no mesmo instante, Dax relaxou, deixando o corpo cair para trás como uma boneca de pano. Redrian suspirou, dando uma tragada antes de devolvê-la ao dono. Esse Dax... Estava com ele desde que foram presos pela greve de seis anos atrás, mas o coitado parecia a cada dia mais próximo da loucura. Devia ter algo a ver com o filho. Ultimamente, os colegas de cela dele lhe contavam que o homem vinha tendo mais problemas para dormir, que às vezes passava a noite sussurrando para si mesmo, pedindo desculpas ou coisa do gênero. Pelo pouco que sabia, haviam brigado há muito tempo, e ele nunca mais o vira. Nesse ponto, conseguia simpatizar com ele. Ahh, problemas de família que nunca parecem se resolver, pensou, lembrando de Tinn.
Por outro lado, Dax tinha razão em se preocupar. A criação de uma junta como essa, que repetia os mesmos personagens políticos de sempre, não traria mudança nenhuma; no pior dos casos, seria uma piora. E o "sim" havia ganhado de lavada! Era o que a mensagem, trazida nas patinhas do denteplanador, dizia. Que a votação para a criação da junta fora realizada, e que o "sim" ganhara de lavada. Preocupante. O pior era saber que, mesmo tendo sobre si o poder de uma das lideranças da Frente Ampla da Cisão, não podia articular tanto quanto deveria. Muito melhor seria estarem ele e Dax lá fora, junto de Oldrey. Porque, apesar do que Dax dissera no arrebato de raiva, Oldrey fazia um bom trabalho...
Naquela tarde, Redrian Lintoy começou a considerar a fuga como uma opção viável.
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