Chào các bạn! Vì nhiều lý do từ nay Truyen2U chính thức đổi tên là Truyen247.Pro. Mong các bạn tiếp tục ủng hộ truy cập tên miền mới này nhé! Mãi yêu... ♥

Capítulo 19 | Cinco cartazes e o cisionista Amarelo

Dia 48 do Hai Flamm.

Dia prévio ao Segundo Concílio Aberto.

O grupo estava congregado às sombras de um beco tomado pelas raízes úmidas, intrincadas, da cobertura árborea que crescia pelos telhados. Jovens, homens de meia-idade, mulheres, vestindo roupas de limofibra barata, camisas puídas, bonés ou vestidos que começavam a desfiar. Fediam aos resíduos das fábricas que processavam aquela gosma incolor em limoderivados. Operários. Um deles, que tinha uma expressão desafiadora no rosto ovalado de sangue vanier, estava de pé; o resto o ouvia sentado entre as raízes, ocultos da Praça dos Arcos pelos vários metros que o beco se estendia.

Viesling estava entre eles. A camisa e calça correntes, colete, o cinto, o chapéu baixo... Tudo parecia deslocado do eu que sempre havia tomado por ele mesmo. Sentia falta das sandálias, da túnica amarela. Ah, a túnica. Mas, se tivesse que apontar, sentia falta ainda maior daquela alegria transbordante do seu Rito. Onde, quando, havia se perdido do Caminho? A agonia que fermentava no seu interior, nas últimas semanas, era mais do que conseguia lidar.

Nenhum dos seus novos companheiros reparava em Viesling, é claro. Para eles, ele devia representar mais um trabalhador descontente e motivado pelo poder da mudança. Todos eles eram. Viesling ainda não sabia como terminara com os cisionistas.

– Muitos pensaram que não chegaríamos a lugar algum – dizia o suposto líder em tom de palestra, mas com a voz controlada. – Muitos duvidaram de nossa capacidade em tomar o que é nosso por direito. Está sendo difícil, é claro. Mas, com o segundo Concílio planejado para amanhã, ainda há quem negue o nosso poder de transformação?

– Não há! – concordou um.

– Não há, companheiro! – completou outro.

– Vida longa aos que se libertaram! – enunciou um terceiro.

O homem pigarreou, cobrindo a boca com a prótese de mão enferrujada. Havia em seu olhar afiado um brilho de satisfação.

– Um segundo Concílio Aberto é bom, é claro, mas não é o suficiente – continuou. – Porque são bem sabidos os métodos sujos que a Companhia usa para manipular as decisões. Comprarão votos de senadores, comprarão votos de camaradas nossos de ofício. Continuarão liquidando a oposição. Arrisco dizer que amanhã será o dia mais importante de nossas vidas – Olhou para uma mulher sentada diante dele: – Companheira, trouxe os papéis?

A mulher, que usava uma saia consideravelmente curta e um corselete apertado que dificilmente poderiam passar por uniforme fabril, tirou de um espaço desapercebido no busto um rolo de papéis dobrados. Entregou-os ao líder, que os distribuiu entre o grupo. Viesling recebeu cinco exemplares: panfletos com poucas palavras que chamavam à ação imediata.

– Seu trabalho é fazer com que cheguem aos olhos do maior número possível de pessoas – anunciou o líder, segurando um deles com a mão biônica. – Precisamos de muitos votos se quisermos garantir um direito que, desde o princípio, já deveria ser nosso!

– Mas, é claro, tomem bastante cuidado com a Guarda – avisou a mulher.

– Que se foda a Guarda! – disparou um dos presentes.

Todos pareceram concordar. Viesling guardou os cinco panfletos no interior do colete, sabendo que se fosse visto na rua com aquilo em mãos, teria um fim bastante desagradável. Ainda não entendera qual era esse "perigo" que essa Cisão representava, discurso repetido incansavelmente pelos jornais de ambos Partido Continental e Partido da Península. Para ele, como alguém de fora do meio político, estavam apenas lutando pelos seus direitos mais básicos. Que perigo isso representava? Ou talvez já não estivesse mais tão distante do meio político... Fazia já algum tempo desde que vinha andando mais com cisionistas do que com os irmãos dos Sete Caminhos. Suspirou.

No meio tempo, a maior parte do grupo se dispersara. O líder e a mulher dos papéis conversavam no limiar entre o beco e a rua.

– Está sendo muito careta, líder – insistia ela. – Muito certinho. Que mal tem? Não é como se a garota também não desfrutasse, no processo. Vamos lá, a chefe disse que era para levar você comigo.

– Não, companheira. Você sabe qual a minha opinião em relação ao seu ofício. Ou vai negar a evidente relação de exploração entre a sua chefe e uma das garotas? Não abro excessões.

– Mas lady Hestrine...

– Que lady Hestrine fique no canto dela, e eu no meu. O fato dos outros terem aceitado a colaboração dela não me faz pensar diferente a respeito.

Viesling passou ao lado deles no caminho para a saída do beco. Mas parou. Oldrey – o líder – havia o segurado pelo braço. Olhou para ele, curioso.

– Espere, companheiro Vies. Já está de saída, certo?

Viesling assentiu.

– Deixe que eu vá com você – pediu o sujeito. – Moramos próximos, afinal. O que me diz?

– Não vejo nenhum problema – disse Viesling, depois de um tempo.

– Então está decidido.

Viesling o esperou guardar o rolo de panfletos por baixo do colete, e então saíram. A Praça dos Arcos languidescia sob o mormaço do início da tarde: sob um sol que começava a se aproximar do Arco do Mundo, os vendedores de bugigangas, de roupas usadas, de comidas e brinquedos descansavam à sombra das copas baixas dos seivaroxa. Os horários de maior movimento eram o do início da manhã, do meio-dia, e do fim da tarde, afinal. Nos onipresentes canteiros, irmãos Amarelos descansavam de suas visões...

O líder Oldrey indicou para que esperassem à sombra dos beirais da pequena estação do teleférico. Viesling conferiu quantos bilhetes ainda tinha, e por sorte ainda eram suficientes.

O ar estava morno, quase avisando do frio que começaria a chegar após os três dias do Declínio; os grossos cabos da linha do teleférico chiavam. Logo o módulo subiria daquela primeira estação ao nível do mar, onde quase ninguém embarcava, e surgiria diante deles. Levaria-os encosta acima numa ascenção vertiginosa, como tudo era em Kalori. Então é assim que vai ser, de agora em diante? O apóstolo desgarrado suspirou mais uma vez. Oldrey tinha uma expressão culpada no rosto.

– Viesling, me desculpe por usá-lo dessa forma – disse o líder cisionista. Encaixou melhor o boné na própria cabeça. – Aquela mulher... Não, a chefe dela queria me dar um "presente". Duas garotas de companhia e quilos de ekghiraal e bebidas por conta da casa. Há dias essa enviada dela vem insistindo no mesmo. Imagino que não seja esperado um homem recusar uma oferta dessas. Desta vez, parecia que não aceitaria um "não" como resposta.

– Parece problemático – Viesling conhecia Odrey há pouco menos de um mês, mas já simpatizava bastante com ele. Por mais que o trabalho dele fosse convencer as pessoas, ele parecia realmente acreditar no que falava e seguir os princípios que havia estabelecido para si. Respeitava-o por isso.

– Não é pela oferta em si – Odrey estalou a língua. – Que me enforquem se eu estiver errado, mas a prostituição é um ofício tão exploratório quanto qualquer outro. Talvez mais. O fato de ter quem se beneficia disso só agrava a situação – Fez uma pausa; o ruído do módulo cortando o ar havia começado a soar nas proximidades. – Nunca gostei de lady Hestrine. Ela não acredita no que acreditamos, e mesmo assim se aliou conosco. Está escondendo o jogo, isso é claro. Mas é uma mulher perigosa. Sinceramente, tenho alertado todos desde o começo dos problemas que podem implicar essa aliança com muitas frentes, mas nunca me deram credibilidade. Esperemos que nada dê errado por isso.

Dali a pouco, o módulo parou na estação. Estava vazio. Viesling e Oldrey abriram a porta para uma senhora e entraram depois dela, procurando apoio nas barras antes do veículo recomeçar a subida. Não demorou muito; soou um apito, e a gaiola de metal começou a se mover através do cabo. Viesling viu a Praça dos Arcos se perder atrás dos telhados de fábricas e colunas de fumaça do Distrito Industrial, que passavam tão próximos a ponto de uma colisão não parecer uma ideia tão absurda.

Ainda havia um longo caminho até Estrado: teriam que atravessar Torre Marinha e parte do Estilhaço. Mas, Estrado? Viesling não tinha certeza se desceria lá. Afinal, ainda posso chamar aquele lugar de casa? 

Não havia ninguém para lhe dar a resposta.


Desde quando voltara a si – há quase quarenta dias –, nas profundezas de um quarto escuro e mofado, Viesling vinha experimentando o declínio do eu que sempre tomara por seu. Havia sido um deles (os trabalhadores comuns), no passado, é claro. Um limpador do musgo dos canais. Mas deixara aquilo para trás quando se encontrara no Caminho Amarelo. Transformara-se num vagabundo, num pária, com a intenção de conhecer aquela faceta de Lenkin. E como havia conhecido! O uso prolongado de gomabrava, raiz-de-ekghiraal, fermentados de frutos, desgastava a coordenação motora tanto quanto o raciocínio e a capacidade de se situar no mundo, mas era intencional. Liberto da prisão do senso-comum, do tempo e do espaço, viajara pensamentos e dimensões, conhecendo toda manifestação daquelas duas forças primordiais que derivam de Lenkin: o Círculo e o Ovo.

Nenhuma de todas essas visões teria tido alguma utilidade se não tivesse experienciado a Alegria Eterna, é claro. A Alegria do Caminho Amarelo.

Mas as lembranças de ter percorrido esse caminho agora lhe traziam dor quase física. Porque... já não estava nele. Viesling acordara de algo parecido com um coma, naquela tarde, sem saber como ou porque terminara naquele quarto. Desgastado, ferido. Não lembrava de nada. Mas havia se perdido do seu Caminho: nem a goma, nem qualquer outra substância, faziam efeito. Como retornar ao seu lugar de costume? Nenhum dos seus irmãos soubera lhe dizer. Por coincidência ou ironia do destino, naqueles dias em que ainda não havia se resignado à dor da própria perda, um grupo de gente nova andava se reunindo no pátio, para apregoar e discutir ideias que nunca haviam sido suas. Encontrara os cisionistas.

Viesling optou por descer em Estrado, como sempre. Afinal, mesmo que não fosse voltar à casa anelar, ainda conhecia aquele distrito muito mais do que os outros. Ainda sentia-se confortável nele.

– O vejo amanhã, companheiro Viesling – disse Oldrey, acenando antes de seguir por outro caminho.

Viesling acenou para ele sem muito ânimo, e em seguida desceu os degraus que separavam a pequena plataforma do nível da rua. O que fazer? Encontrou-se andando sem rumo pelas ruas tranquilas e perfumadas. Agachou-se para observar um ramopobre raquítico que crescera através dos paralelepípedos, rachando o calçamento. Grupos de denteplanadores corriam pelas cornijas ou atravessavam varais, no alto.

Inevitavelmente, pensou nos seus cinco panfletos e na tarefa da qual fora incumbido. A Cisão precisava angariar votos suficientes, ponderou, para contrabalancear aqueles que inevitavelmente escorreriam para o lado da Companhia Fenbram. Precisavam uma quantidade mínima de votos para levar adiante o projeto de emancipação partidária; o Continental e o da Península não serviam mais do que para dividir os aristocratas entre "restringidos" e "moderados", uma classificação que abarcava uma pequeníssima parcela da metrópole. E as pessoas comuns, e os seus direitos? A Cisão de Kalori não era um partido e, por isso, não tinha qualquer poder de decisão nas sessões dos Concílios comuns – fechados. O sistema persistia três séculos sem qualquer modificação evidente.

Havia pressa nas ações de todos, Viesling percebera. O vácuo criado pelo descrédito e posterior morte do Arquiduque do Estigma levara alguns a considerar novas formas de organização política e, pelos lados dos detentores do poder, uma centralização ainda maior. Afinal, independente do alinhamento, o fato da Companhia e do Estigma (o governador, de fato) serem duas instituições distintas levava a certa inconformidade nas decisões. Na teoria. Oldrey dizia que deveriam correr para evitar o fim.

O apóstolo desgarrado tinha as próprias dúvidas a respeito da efetividade desses panfletos, ainda mais logo no dia anterior. Tocou o peito onde, por baixo do colete marrom, os havia guardado. Sua opinião não estava em questão ali. Precisava procurar por ruas vazias, muros expostos, e...

Um guincho nervoso. Dois borrões na altura dos olhos. Penas brancas, asas batendo desesperadamente. Um baque no chão.

Viesling se sobressaltou e parou. Os dois escamaemplumados haviam passado disparando a um palmo do seu rosto, agarrados; uma confusão de penas brancas e escamas verde-amarronzadas. Tivera que recuar um passo. Os bichos alongados haviam atingido o chão sem largar um do outro. Os guinchos preenchiam a rua enquanto agitavam-se, juntos, no calçamento, e era impossível dizer se estavam cruzando ou brigando. Em dado momento, um deles se soltou e saiu voando baixo, nervoso.

Uma garota que virava a esquina adiante pareceu se assustar ao ver o animal tão perto do chão, e levou um tombo. O outro escamaemplumado levantou vôo, passando perto do ombro de Viesling.

***

– Você está bem, Ním?

– Eu... acho que sim – respondeu a garota, ainda zonza pela queda. Olhou em volta, procurando o escamoso que a havia assustado, mas não viu sinal algum dele. Franziu as sobrancelhas, atrás dos óculos de aviador. – Não se de onde essa coisa apareceu, na verdade. Outro dia um peludinho voou na minha cara, sabe-se lá o porquê. Eles devem gostar do cheiro das... – Nímie voltou o olhar para o estranho à sua frente. – Espere um pouco, quem é você e por que me conhece?

O homem esboçava um sorriso contido.

– Tão diferente assim eu estou? – perguntou.

Nímie apoiou os braços no chão e se ergueu, curiosa. Estava na vizinhança do orfanato, mas aquele não era alguém que tivesse visto antes. Ainda que, se observasse direito, o rosto dele tivesse certas semelhanças com um amigo seu...

– Viesling! – A percepção estalou na mente da garota. – Não, você é o Viesling mesmo? Parece, mas não parece... Eu acho...

– Sou eu – confirmou ele. Mas, apesar das semelhanças, estava muito diferente do Vies que Nímie lembrava. O Vies que conhecera era mais gordinho, distraído, e falava com o tom de alguém que acabou de acordar; esse, por outro lado, estava magro. Muito mais magro. Tinha olheiras, e parecia muito mais um operário arruinado do que um Amarelo contente. As mechas de cabelo loiro que antes flutuavam ao redor dele como um halo haviam sido cortadas, escondidas sob um boné cinzento. A túnica fora substituída por colete, camisa sem gravata e calças de segunda mão.

Nímie engoliu seco ao ver a imagem do seu falecido pai, nas suas últimas semanas de vida, naquele Viesling alterado. Seu coração apertou. Já tinha perdido pessoas importantes demais.

– Vies, você está bem? – perguntou, segurando a mão dele. Desviou o olhar para o dorso dela, onde, na penúltima vez que o vira, percebera os arranhões que ele mesmo se infligia. – Eu não fui visitar mais vocês. Não tenho tido muito tempo. Essa é a verdade... Mas, sabe, tenho pensado muito nisso também. Quão importante é esse meu aprendizado? Vocês são meus amigos; me ajudaram quando mais precisei. Quando eu fugia para não ser castigada pelo antigo diretor, e quando chorava porque não tinha mais o sr. e a sra. Hammson do meu lado – Respirou fundo. – Eu sinto que não tenho dado valor àqueles que me acompanham. O Tinn me ajudou bastante a procurar a Airyn, mas não conseguimos nada. Ela sumiu sem que eu pudesse dizer que ela era minha amiga, que eu gostava dela. Quando você ficou daquele jeito... Sou impotente para todas essas coisas. Esses incidentes acontecem, e eu tenho simplesmente que ficar assistindo. Por quê, Vies? Por que eu simplesmente não consigo resolver nada?

A resposta demorou alguns instantes em vir.

– Você mudou, Ním. Você mudou bastante – Quando os olhos de Nímie se voltaram para ele, encontraram uma centelha do antigo Viesling ali, dormente. Viesling sorria; um sorriso vazio, e ao mesmo tempo repleto de significado. Lembrava o de Kasern.

– Você é quem mudou. Eu estou igual – disse a garota, soltando a mão dele.

– Ilusão sua, jovem senhorita – Viesling se curvou para ela numa pequena reverência teatral. – Talvez esteja... dois centímetros mais alta.

– Não tem como sabermos sem medir – constatou Nímie, tentando corresponder ao sorriso dele. Ainda que soubesse que, provavelmente, ele fazia mais por costume do que por vontade real. – Aonde você estava indo?

Viesling enfiou a mão dentro do colete, tirou um panfleto e entregou-o a ela. Nímie analisou o papel com desconfiança.

– Propaganda cisionista?

– Tenho mais quatro desses aqui, comigo – explicou o apóstolo desgarrado, sinalizando o próprio peito. – Até hoje à noite, precisam estar colados nas paredes dessa vizinhança; na verdade, o objetivo é que tenham sido vistos pelo maior número de pessoas. O dia de amanhã será importante.

– Eu sei. O Concílio Aberto – Para ela, como aprendiz da sra. Vinders, grandes eventos como esse significavam potenciais chances de vendas muito acima do esperado. Como o Festival da Cascata foi, ou o 12 do Hai Suff (dia do primeiro Concílio Aberto) teria sido, se ela não tivesse desmaiado no incidente. De qualquer forma, o trabalho seria quase tão duro quanto a preparação dos dias anteriores. Nímie fez uma careta ao lembrar das quantidades de massa que teria que sovar, dos baldes e baldes de carne de quatropinças que teria que cozinhar, cortar, temperar e armazenar. – Na verdade, isso me faz lembrar que estava indo ao canal tomar banho. Depois, vou para a casa da minha mentora.

– Nesse caso, é melhor que eu...

Nímie olhou para Viesling, uma sobrancelha erguida.

– Não, espertinho, você não vai embora – antecipou. – Do canal, vou subir para me trocar, mas vai ser rápido. Se quiser, me espere aqui, ou na frente do orfanato; não faz diferença. Mas você vai comigo. Pode ir colando esses cartazes pelo caminho.


– Você... se tornou mesmo um cisionista, Vies? – perguntou Nímie, enquanto Viesling colava o último cartaz na fachada enegrecida de uma antiga alfaiataria, já fechada. O panfleto começava com "Trabalhador! A Flor da Península precisa de você! Neste 49 do Hai Flamm, compareça à grande congregação na Praça dos Arcos para assegurar que seus interesses sejam representados!", e continuava a discorrer por longas linhas sobre a importância do voto popular para o projeto de reorganização do governo, ou algo assim. No centro, havia a gravura de um homem que acabava de se libertar de correntes muito grossas.

Viesling deu batidas leves para assegurar que a cola tivesse se firmado, e olhou para ela.

– Francamente, eu não sei. Já faz algum tempo que venho frequentando as reuniões que Oldrey organiza, ouvindo as discussões. Mas não consigo me decidir. Talvez não consiga me ver como parte do movimento... Bem, esse é um problema muito mais meu do que relacionado a eles, em si.

– Entendo – disse Nímie. Viesling veio para o seu lado e recomeçaram a caminhada. Olhou de lado para ele: – O que os outros disseram a respeito disso?

– Não disseram nada – Viesling esfregou os restos da cola dos dedos nas calças. – Acredito que nenhum deles sabe. Não voltei para lá desde que comecei a frequentar as reuniões; talvez termine alugando um quarto naquela baixada perto do Distrito Industrial. Ou talvez não. Ainda não decidi o que devo fazer agora.

Nímie deixou seu olhar permanecer um pouco mais naquele homem – que, apesar de carregar o nome e identidade de Vies, quase parecia uma outra pessoa –, e então o voltou para o caminho. Deixavam Estrado para trás por uma das numerosas vielas transversais que se abriam para Vista da Gávea, um distrito antigo e estático como um terrário empoeirado. As ruas eram mais largas e as construções mais baixas, os telhados tomados quase na totalidade por forragem vegetal, cujas raízes desciam pelas laterais das casas como mechas de cabelo seco. Haviam passado por um velho que marretava uma estátua de argila-pelágica em plena rua. Você parece bem confuso, novo Vies, mas eu não posso culpar você, porque também tenho estado assim.

A transformação de Vies era apenas uma das muitas ocorrências que vinham surgindo, nos últimos meses. Mas Nímie já pensara – e lamentara – muito a respeito delas. Não queria estragar esse momento de reencontro com um amigo pensando nisso.

– E você... tem ido à casa anelar? – perguntou Viesling. Parecia a conversa de dois amigos de infância que se reencontram depois de muitos anos; nem um, nem o outro, sabem exatamente como reagir às mudanças. Era estranho pensar que não devia ter se passado nem um mês.

Nímie negou, sorrindo pela ideia.

– A verdade é que não. Nunca imaginei que ficaria tão ocupada a ponto de, sempre que chego em casa, não conseguir pensar em mais nada além de dormir. A cada três dias, ainda tenho que voltar para a casa da minha mentora para ajudá-la a deixar o recheio pronto. É muito cansativo, e... Estou falando demais, não é?

– Para o que era antes, talvez – Viesling riu. – Mas não deixe isso incomodar você. É uma mudança positiva. Pelo menos, você parece estar bem.

– Obrigada... eu acho – disse a garota. Deve ser o tempo que passo com a sra. Vinders. Ela fala bastante. – Mas não estou tão bem assim, não...

Viraram à direita para subir por uma rua principal onde, muitos degraus acima, uma torre sineira erguia-se para sinalizar as horas. Aquela torre era a referência de Nímie: duas quadras à esquerda dela, ficava a casa da sra. Vinders.

– Nímie – disse Viesling de repente, quando chegaram à torre –, mais cedo você me perguntou se eu estava bem – O olhar dele pairou sobre três Amarelos que mascavam goma ao pé da estrutura. Uma expressão enigmática se formara no rosto de Viesling. – Não, eu não estou bem. Não é algo em que você possa me ajudar, mas fico genuinamente agradecido pela sua preocupação – Fez uma pausa. – Mas Airyn... é aquela menina que eu vi no seu quarto naquele dia? Aquela que parecia rir de qualquer coisa, que tinha um cabelo ondulado muito comprido?

Nímie parou de andar e se voltou para ele.

– Airyn é minha colega de quarto – respondeu.

– Mas era ela?

– Era, sim – O cenho da garota se franziu. – Mas por que a pergunta?

Viesling pareceu mais sério quando disse:

– Tenho a impressão de tê-la visto quando saí do transe. Ainda não lembro de como terminei nesse estado, ou o que aconteceu enquanto estive assim, mas o que você disse... Tenho a impressão de tê-la visto. Foi logo assim que acordei. Ela... estava naquele quarto, mas saiu em seguida.

A garota engoliu seco. Tinha evitado pensar no que havia, afinal, acontecido à sua amiga. Airyn desaparecera no final do Hai Suff, e apesar das inúmeras tentativas de encontrá-la (de várias pessoas diferentes), não aparecera. O sumiço dela estava para completar um mês. Era doloroso pensar no que poderia ter acontecido com ela, mas ainda pior era constatar a sua impotência diante do fato. "São... Bem, são coisas da vida. É uma pena.", dissera a diretora. Diferente dela, Nímie não se resignara, mas... o que poderia fazer?

Nímie lançou vários olhares inquisitivos na direção de Viesling, mas ele não disse nada. O curto trajeto da torre sineira até a casa da sra. Vinders manteve o silêncio. Viesling não era assim, Nímie sabia: se ele soubesse mais a respeito, falaria. Como ela, Vies provavelmente não sabia mais do que isso. Mesmo assim, aquela informação acendeu uma fagulha de esperança dentro dela.

Já estavam diante da porta. A garota respirou fundo.

– Vies, você tem certeza disso? – perguntou, finalmente. – Não existe a possibilidade de ter sido só a sua imaginação?

Viesling voltou o olhar para ela e negou.

– Ela estava lá quando despertei. Tenho certeza disso.

Um sorriso de alívio brotou nos lábios rosa-claro da garota. Sentia-se mais leve, ainda que soubesse que não havia motivo concreto para isso. Fora semanas atrás. Havia se passado muito, muito tempo, e ainda assim...

Abraçou o apóstolo-pregador. Definitivamente, a sensação não era desconfortável, como seria se estivesse abraçando um estranho. Aquele era, de fato, Viesling.

– Obrigada – disse Nímie, e se soltou. Lembrou do que ele havia comentado pouco antes. – Você está bastante confuso, eu sei. Eu também estou. Mas espero... Espero que consigamos atravessar essa tempestade.

Antes, seria ele quem teria me dito isso.

Viesling assentiu, segurando o boné cinzento sobre a cabeça.

– Assim espero.

Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro