O que precisa ser feito - II
Elena retornou a área das tendas e retomou suas atividades com as mulheres do clã, evitando qualquer assunto que levasse aos últimos acontecimentos. Embora entendesse a preocupação delas a respeito de seus maridos e filhos longe de casa, Witchashawakan estava certo, qualquer menção sobre a traição de Navalha seria um golpe duro aos membros da tribo e principalmente a liderança de Tokalah.
Este por sua vez tratou de resolver os assuntos mais urgentes, há poucos dias um membro do clã dos Búfalos, havia estado na aldeia, não só para alertar sobre a matança desenfreada, mas também para avisar sobre um possível acordo com Charlotetonw e os povoados dominados pelos waikikis da região. Mesmo que o líder sentisse seu orgulho ferido em ouvir a proposta dos brancos, como manto deveria pensar e buscar o bem para seus irmãos e irmãs e se isto significava dar uma chance a negociação, talvez fosse o que ele devia fazer.
No entanto, antes de qualquer coisa, precisava regressar ao acampamento de Cavalo. A cada dia que ele passasse na aldeia, mais distante estava de seus companheiros de luta, sendo assim, formou um grupo e escolheu os cavalos mais rápidos, para partirem no dia seguinte.
A noite já caia quando regressou a sua tenda, ficou um tempo parado observando da abertura Elena distraída enquanto Wewomi enfeitava os cabelos dela com contas e penas coloridas e cantarolavam uma música ensinada pelos seus ancestrais.
一 Ela está bonita não é papai? 一A menina disse em sua língua mãe assim que percebeu o pai a obsserva-las.
一 Ela sempre está bonita, Wewomi e você também falou tocando o queixo da menina, vá dormir na tenda de sua tia está noite. 一 Disse a menina, assim que percebeu a expressão seria de Elena.
A menininha insistiu um pouco, não queria deixar a brincadeira porém obedeceu o pai quando ele repetiu a ordem, encostou a sua testa a dele e recebeu um beijo no topo de sua cabeça antes de sair.
一 Partirei amanhã cedo, não poderei levá-la comigo dessa vez 一 disse e Elena permaneceu em silêncio enquanto reunia os poucos brinquedos que a menina possuía e que agora estavam espalhados pelos tapetes de dormir.一 Está brava? Ele questionou.
一 Você tem uma promessa crescendo com nuvem vermelha, quando iria me contar?
一 Quem lhe falou isso? 一 Ele arqueou a sobrancelha recostando-se a lateral da tenta.
一 E isso importa, é mentira por acaso?
一 Não, não é.一 Ele respondeu sem rodeios e sentiu o olhar furioso dela pousar sobre ele. 一 Anori tem apenas dez invernos e isso não muda o que sinto por você.
一 Ela não terá dez anos pra sempre. 一Falou colocando os brinquedos da menina reunidos entre as armas de Tokalah e se pôs a dobrar seus cobertores.
一 O que está fazendo?
一 Asha disse que posso ficar em sua tenda até que seu marido retorne 一 falou amarrando seus pertences. 一 Depois eu verei o que faço.
一 Está sendo tola 一 disse Tokalah 一eu sequer a conhecia quando aceitei a promessa de Nuvem. 一 São nossas tradições, achei que entendesse e aceitasse nosso modo de viver.
一 Você mentiu para mim, fez com que eu escolhesse você, que negasse todos os preceitos em que fui criada, minha família, marido e tudo que acreditava por achar que me amava tanto quanto eu o amava. Para que? Para ser um passatempo em seus tapetes, para que se divertisse dormindo com uma mulher branca enquanto espera a promessa de Nuvem vermelha crescer?
一Suas palavras são pesadas pela raiva, nem você acredita no que está falando, eu não precisaria ter aprendido a língua dos brancos, não teria gastado tanto tempo tentando conquista-la se tudo que quisesse fosse trepar com uma mulher branca. Teria-lhe jogado em meus tapetes e pronto, se então lhe contei sobre Anori é porque isso não importa para mim 一 ele disse em tom ríspido visivelmente incomodado com a acusação de Elena 一 Tenho assuntos muito mais urgentes a tratar do que o seu ciúme, por uma coisa que você nem sabe se um dia iria acontecer. Mais da metade dos homens dessa aldeia estão sob as ordens de um traidor que tentou me matar, nossas reservas de milho estão baixas, não há búfalos para serem caçados e em breve talvez não tenhamos o que dar de comer a nossas crianças e está preocupada se dormirei ou não com uma menina que nem se quer conheço daqui há cinco ou seis anos? 一 Ele retrucou e ela baixou a cabeça envergonhada 一 O que está havendo com você?
一 Desculpe 一 ela disse a sentando sobre os tapetes sentindo as lágrimas encherem os seus olhos. 一Acho que dei mais importância ao assunto que ele merecia, é que eu ... Eu estou grávida Tokah 一 confessou e ele aproximou dela confuso 一 tem uma criança crescendo dentro de mim e eu estou com muito medo do que você vai pensar sobre isso, de como as coisas serão, de como poderei trazer uma criança pra esse mundo horrível 一 Disse de cabeça baixa e ele levantou seu queixo forcando-a a olhar para ele. 一 Eu tentei Tokah eu juro tentei fazer o que precisava ser feito, mas eu não consegui, eu não posso. Não me peça isso por favor não me faça escolher entre vocês... Eu não posso...
一Esse mundo não é horrível Elena, a situação em que estamos pode ser angustiante no momento, mas o mundo é um presente lindo da grande mãe, assim como a vida. O que precisa ser feito é o seu desejo Elena, não lhe pediria pra fazer algo que não quer, é em seu ventre que a criança cresce.
一 Deseja que eu tenha essa criança? Mesmo sabendo que talvez ele não sobreviva ao inverno? Sabendo que será um mestiço, visto como uma maldição por todos. Sabe que ele pode nascer branco, como eu, Tokah? Você conseguirá ama-lo mesmo que ele cresça e se pareça com aqueles que tanto fazem mal ao seu povo?
一 Não mudarei o que eu disse, não acho que devamos trazer uma criança em tempos tão ruins, mas jamais te desrespeitaria a ponto de te fazer escolher e sim Elena eu vou ama-lo, mesmo que seja branco como a lua, mesmo que saía de seu ventre usando um casaco azul de waikiki, eu ainda o amaria, Elena. Porquê eu a amo e ele é parte de você, parte de nós 一 falou levando a mão a barriga dela e dando um leve sorriso. 一 Nunca mais pense que não pode dividir algo comigo. 一 Falou aproximando suas testas, depois roçou seu rosto ao dela findando o carinho com um beijo demorado na testa. 一Vamos ficar bem e fique tranquila, ninguém vai ousar chamá-lo de maldição ou irá encontrar meu machado como resposta. 一 Falou puxando-a para ele e a enredando em seus braços 一 Amanhã partirei cedo, tentarei ser rápido, mas se as coisas não saírem como imagino, Mansir cuidará de você e da criança.
一 Você precisa voltar, sabe que se não fizer isso eu irei atrás de você e acabaremos mortos seu filho e eu então, volte... 一 Ela disse com convicção e ele deu um leve sorriso e acariciou a lateral o rosto.
一 Acredite depois que essa criança nascer, metade da sua coragem vai embora com o primeiro suspiro dele ou dela. Eu não temia a morte, a fome, doenças ou qualquer tipo de provações, até ter Wewomi em meus braços. Um filho é nossa maior fraqueza, mas também um dos maiores motivos pra permanecermos vivos. Difícil entender, mas vai experimentar quando chegar a hora.
***
Nathan Green respirou aliviado quando de longe avistou a silhueta de Charlotetonw.
A Cerca de três dias, Tokalah havia colocado um saco de couro em sua cabeça e o levado para fora do vale, fazendo-o cavalgar durante horas antes de finalmente o retirar da escuridão, cortar a corda de suas mãos e o deixar seguir em liberdade. Assim que alcançou a entrada principal, desmontou do cavalo velho que foi lhe dado e caminhou sob os olhares apreensivos dos cidadãos até ser barrado por um membro da cavalaria.
一 Onde pensa que está indo selvagem?
一 Meu nome é Nathan Green sou advogado e faço parte da comissão nacional pelos direitos Dos Cheyennes e Cherokees com sede em New Echota no estado da Georgia. Estive na cidade há cerca de dois ou três meses... É difícil mensurar o tempo onde eu estava, creio que tenha sido dado como morto, mas o prefeito me conhece e desejo vê-lo. 一 Disse o Cheyenne e o soldado o encarou confuso.
Cerca de hora mais tarde estava diante do prefeito, dei-lhe uma explicação geral dos últimos acontecimentos, desde o massacre no clã de Maralah até sua chegada aos portões da cidade.
一 Bem há de convir que a cavalaria não teve escolha, um soldado havia sido brutalmente assassinado e havia outros em poder da tribo que também poderiam ser mortos se eles não agirem.
一 A morte daquele rapaz não foi um ato de hostilidade da tribo, foi uma punição por um crime, uma jovem mulher foi violentada e morta de forma brutal e um pertence pessoal de um dos soldados da cavalaria estava com ela. Por provas muito menores, homens são enforcados todos os dias em praças e fortes. E mesmo que o homem fosse inocente, mais de duzentas pessoas morreram a maioria eram mulheres e crianças, o ato foi totalmente desproporcional a resposta.
一 Bem senhor Green, eu não respondo pela cavalaria sabe bem, eles pertencem a federação, meu dever é para com a cidade e seus habitantes. Mas enfim, enviarei um telegrama ao governador informando sobre seu retorno e é claro tem enviarei a New Echota, para que avisem seus parentes de que está bem.
一 Ficaria agradecido prefeito, se não se importa não sei se as minhas coisas ainda estão na estalagem ou se foram enviadas a minha família. No momento estou exausto, faminto e sem qualquer provimento.
一 Não se preocupe com isso senhor Green, meu criado vai acompanhá-lo até a estalagem e providenciaremos tudo que precisar, um amigo do governador também é nosso amigo. 一 Disse o prefeito com um sorriso largo.
Andrew foi acompanhado pelo criado até a pousada, a maioria de suas coisas havia sido saqueada no próprio depósito. Mas conseguiu recuperar alguns documentos, livros e algumas mudas de roupa. Quando retornou ao salão principal, reconheceu Andrew sentado em uma das mesas na companhia de um senhor, conversamos enquanto degustação doses de uísque. Respirou profundamente e caminhou com um olhar altivo até a mesa,esforcando-se para não mancar. Parou ao lado deles chamando a atenção do capitão que demorou um pouco para reconheccê-lo.
一Boa tarde senhor Norton 一 disse num tom desafiador.
一 Senhor Green, achei que estivesse morto.
一 Não graças a você, já pode avisar que não foi dessa vez que seus amigos georgianos se livraram de mim.
一 Eu tentei lhe tirar de lá, junto com os outros que estavam em missão, mas o senhor pegou em armas contra o exército.
一 Eu não estava contra o exército, não matei um só homem aquele dia, apenas tentei salvar o máximo de mulheres e crianças as quais você e seus homens estavam assassinando deliberadamente. Porquê aquilo, não foi uma batalha, foi um massacre e eu farei o que for preciso ser feito, para que os responsáveis sejam punidos 一 disse Green enquanto Armand observava a conversa apreensivo. 一 Com sua licença senhor Norton. 一 disse se afastando em direção a escada.
Armand observou o homem se afastar e subir as escadas em direção aos quartos. Agradeceu por Augustine não presenciar a cena pois na certa seria mais um motivo para um de seus discursos intermináveis sobre como fora um erro permitir que Elena se casasse.
一 Ele parece inteligente pra um nativo. A maioria dos que tive contato até agora, mal sabem falar.
一 Nathan Green é um mestiço sulista, de uma região onde Cherokees e Cheyennes fundaram um pequeno condado com legislação própria. Há anos a federação tenta retirá-los da área por conta da pressão dos georgianos, mas a briga no supremo tem se estendido e Nathan Green é um dos grandes responsáveis pelas vitórias dos indígenas nos tribunais. Ele é uma pedra no sapato dos Georgianos e até mesmo do próprio presidente. E agora parece que será no meu também.
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