O que precisa ser feito
Kinauhauk falava diante de de Witchashawakan, Mansir e parte dos membros da tribo. O indígena questionava o fato de Mansir tomar o lugar como manto da tribo sem mesmo um conselho. Dito que Lua Negra, não havia deixado descendente direto apto para o cargo. Sua única filha, além de ser uma menina, era jovem demais até mesmo para unir seu sangue em uma união sagrada.
一Quando nosso clã se uniu ao vale, Lua Negra garantiu que seríamos um povo só. Meu filho Squanto estava sendo treinado por Maralah, ele seria o nosso manto, não Mansir. 一 disse o homem sob o olhar apreensivo da esposa 一 Mansir não tem direito algum ao manto, mesmo sendo mais velho, seu pai nosso antigo grande chefe, escolheu Tokalah. Porque agora temos que aceitá-lo sem questionar?
一 Eu nunca disse que o manto era meu por direito, Tokalah o confiou a mim quando deixou o vale. E ao contrário do que está tentando insinuar aqui, nunca almejei o lugar de meu irmão, pelo contrário, me senti aliviado quando nasceu, quando cresceu saudável para assumir seu destino perante a tribo. Squanto ainda é uma criança e até que nossos guerreiros e líderes voltem da guerra, carregarei o manto como meu irmão me confiou e se desejar tirá-lo de mim eu aceito o desafio. 一 Disse Mansir se levantando quando um grito foi ouvido anunciando que alguém chegava ao vale.
Ao longe os vigilantes arqueiros avistaram as duas figuras que seguiam a cavalo em direção ao vale, não demorou muito pra que Tokalah e Omaha fossem reconhecidos seguidos por Elena e sua égua.
Quando alcançaram a aldeia um enorme corredor de pessoas se formou e os rostos se dividiam entre curiosos e aliviados. A situação com os búfalos já era um péssimo presságio, perder seu grande chefe seria matar qualquer esperança de tempos melhores.
Tokalah desmontou e ajudou Elena a descer, entregando as rédeas dos cavalos a um dos garotos que se aproximou.
Wewomi surgiu com gritos de alegria agarrando as pernas do pai que a içou rapidamente ao colo deixando que os pequenos braços da criança se entrassem em seu pescoço.
一 Sapá hanwí *一 o povo começou a ovacionar seu nome e Mansir retirou o couro de búfalo Branco das costas, ajoelhou-se estendeu ao irmão.
一 O grande espírito devolveu nosso grande chefe 一 Gritou Witchashawakan levantando seu cajado ao céu.
Embora todos estivessem curiosos sobre o que havia acontecido, Tokalah estava exausto e envergonhado demais para sanar quaisquer dúvidas. Colocou o mando sob as costas e seguiu com sua filha nos braços até sua tenda chamando Elena para junto deles com um aceno de cabeça.
A mulher porém decidiu deixar que pai e filha tivessem um tempo a sós, sabia da falta que Tokalah sentiu da pequena nas semana longe de casa e que certamente também haviam sido dificies para a garotinha.
Conversou com o homem santo e Mansir e explicou-lhes o que havia acontecido. Witchashawakan disse a ela que mantivesse a história em sigilo, nem todos eram a favor da guerra e uma traição como aquela, só aumentaria a tensão sobre as decisões de Tokalah.
Quando deixou a tenda do homem santo Nathan a aguardava ao lado de Enepay que recebeu um abraço caloroso de Elena.
一 Tokalah está bem? Eu fui até a tenda dele, mas ele nao me deu muita importância. Não quis incomodá-lo. 一Disse o garoto.
一Ele passou por muita coisa nos últimos dias, está ferido e abalado por conta dos búfalos, melhor deixar ele descansar um pouco. 一Disse Elena e o garoto concordou com a cabeça
一E você, como foi a aventura? 一Conheceu Cavalo Louco e touro sentado? 一 Questionou Nathan com um sorriso galante.
一 Não tive a honra de falar com Touro sentado, mas Cavalo Louco é sem dúvidas um homem impressionante e obstinado. Se não se importam, soube que o bebê de Taisha nasceu vou dar uma olhada neles, conversamos mais tarde. 一Disse saindo o mais rápido que pode, sabia da curiosidade de Enepay e da habilidade de Nathan em conversar, mesmo que confiasse neles era melhor seguir o que Witchashawakan lhe pediu e evitar falar no assunto até que tudo estivesse resolvido.
A noite já começava a cair quando finalmente tomou coragem para se juntar a Tokalah em sua tenda, sabia que apesar de ter o carinho de boa parte das pessoas da aldeia, muitas ainda a viam como uma intrusa e se tornar mulher de seu grande chefe talvez lhe casasse ainda mais revolta. Respirou fundo e caminhou com seus tapetes de dormir até a tenda dele e não demorou muito para que seus passos se tornassem alvo dos olhares indiscretos dos membros do clã. Chegou em frente a tenda ao mesmo tempo que Lytonia saía, a irmã caçula de Tokalah lhe deferiu um olhar de desprezo que se tornou raiva quando percebeu os cobertores em suas mãos. Porém antes que a irmã abrisse a boca o indígena lhe deferiu um olhar forte e pediu espaço para que Elena pudesse passar.
A mulher apenas sacudiu a cabeça e os deixou visivelmente incomodada com passos rápido.
一 Ela me odeia 一Elena disse ajeitando seus poucos pertences na lateral da tenda.
一Ela não precisa gostar de você, precisa respeita-la e ela fará isso. 一Disse Tokah enquanto divide um pedaço de carne com a filha.一 Está com fome? 一Disse lhe oferecendo outro a Elena.
一 Não obrigada, eu comi na tenda de Taisha e Chocath, o bebê deles nasceu. É um menino muito bonito e forte, devia ir vê-lo amanhã, eles ficaram contentes de receber sua visita.
一 Duvido que este bebê sobreviva ao inverno 一Ele disse e Elena arregalou os olhos.
一 Não estou maldizendo o menino, mas sei como as coisas acontecem, eles já em três crianças pequenas.一 disse Tokalah balançando a cabeça em reprovação. 一 Será um inverno difícil, as mães comem pouco pra deixar para os filhos, ficam fracas, seu leite fica fraco e seus bebês... Muitos não sobrevivem as febres de inverno 一 Explicou olhando para a filha que continuava a comer tranquilamente 一 e estamos em guerra, como correr com quatro crianças em seus braços? Não deveriam ter tido mais um bebê 一 Disse e Elena sentiu seu peito apertar e mesmo sabendo que Tokalah estava falando como um líder responsável e preocupado, foi impossível não perceber que talvez sua gravidez não seria recebida com alegria. 一 O que foi? 一 Ele voltou-se a ela ao perceber o choque que suas palavras causaram.
一 Nada .. entendo que não seja uma época propícia pra se trazer mais crianças ao mundo, mas o menino já existe e seus pais estão felizes com a vida dele. Devia visitá-los e levar sua benção a criança, uma vida nova é a esperança renovada, se não for por isso que seja por política. Todos estão alarmados porque os homens ainda não voltaram, passou o dia todo aqui trancado com sua filha, Kinauhauk está dizendo a todos que desistiu.
一 Eu cuidarei de Kinauhauk quando for a hora e Não, não vou ver o bebê. É bom que comportamentos como o de Taisha e Chocath não sejam incentivados. Não vê que a maioria aqui não tem mais que um ou dois filhos? Já é difícil de alimentar a todos durante o inverno e sem os búfalos... 一 Ele soltou um longo suspiro preocupado 一 Não somos os únicos que precisam deles, quando a fome assolar as outras aldeias, os waikiki não precisaram gastar mais pólvora para nós matar... Haverá guerra entre os povos, por território de caça, por comida, crianças e mulheres serão roubadas de suas tendas pra serem vendidas ou trocadas. 一 Falou e voltou o olhar a Wewomi que agora parecia prestar demais sua atenção na conversa e ele findou o assunto.
Elena passou a noite sem conseguir pregar os olhos, mesmo que desejasse trazer e aquela criança ao mundo, Tokalah estava certo em dizer que seriam tempos dificies. Além de tudo, seria um mestiço, por mais gentis que os Mandan fossem, Enepay não era tratado como um igual por grande parte da tribo. Como veriam o filho de um grande chefe com uma mulher branca em tempos como aqueles? Uma maldição, um presságio ruim? Por vezes sentiu as lágrimas quentes escorrem pelo rosto porém evitou fazer qualquer barulho que despertasse Tokalah e a filha e na manhã seguinte levantou cedo e esperou do lado de fora da tenda de kimimela.
一 Preciso de sua ajuda 一 ela disse assim que a Índia saiu pela entrada.
Hora mais tarde as duas estavam dentro da tenda, kimimela já havia reunido os ingredientes e amassava a pasta verde que seria fervida com algumas raízes.
一 O filho é de Tokalah? 一 questionou a Índia.
一 É claro, de quem mais seria?
一 Eu não sei, você foi a guerra e pela forma que voltaram muitas coisas ruins aconteceram 一 disse kimimela.
一 O filho é dele 一 Elena disse apenas, sabia que assim como todos, Kimimela estava curiosa e tentaria arrancar informações dela.
一 Ele sabe?
一 Não, ele já tem problemas demais. Cuidarei disso sozinha, não é tempo para se trazer uma criança ao mundo.
一 Quanto mais um mestiço 一 kimimela sentenciou e Elena franziu a testa 一 Ninguém se importa se seu grande chefe se deite com uma mulher branca, mas juntar sua linhagem a dela, seria desastroso. Tokalah tem uma promessa de união sagrada, um dever a cumprir com os Mandan e isso deve estar acima de seus desejos como homem ou mesmo como pai.
一 Ele já cumpriu com sua união sagrada, Wewomi é sua promessa.
一 Wewomi é uma menina, por mais abençoada que seja a chegada de uma detentora da vida, uma linhagem importante precisa de um homem e quando Hanna se perdeu ele recebeu a promessa de Nuvem, a aceitou. A garota ainda é jovem demais, mas quando ter idade suficiente, se unirá a ele. 一 Disse e Elena sentiu os olhos arderem, porém controlou o misto de emoções que sentia e não deixou uma lágrima sequer escapar.
一 Acho que o chá já está pronto 一 falou apenas tentando controlar a raiva. Tokalah não havia dito uma palavra sequer sobre isto e por mais que soubesse que uniões sagradas eram protocolos a serem cumpridos e não exigiam qualquer envolvimento sentimental, sentiu-se traída e enciumada.
一 Aqui 一 kimimela estendeu a cumbuca de barro a ela 一 Beba tudo ou pode não ter o efeito desejado.
Elena tremulou o líquido entre as mãos, da outra vez fora diferente. Não tinha ideia do que estava ou não acontecendo em seu corpo, agora ela sabia, havia uma criança crescendo dentro dela e o peso da decisão era grande demais. Respirou fundo e tentou não pensar em mais nada, apenas bebeu o líquido amargo e agradeceu kimimela, saindo da tenda em seguida.
Conseguiu segurar o choro até deixar o emaranhado de tendas, porém quando chegou na área dos cavalos desabou sobre os joelhos em um prato profundo. Levou a mão na barriga que ainda não denunciava qualquer sinal da gravidez e chorou mais ainda.
一 Eu não posso, eu não consigo 一 disse a si mesma enfiando os dedos na garganta o mais fundo que conseguiu, até que a ânsia a fizesse colocar tudo o que havia em seu estômago para fora. 一 Me perdoe, me perdoe... 一 disse entre soluços acariciando o ventre.
一 Elena... 一A voz de Nathan lhe chamou a tenção, você está bem? 一 Ele questionou curioso e Elena limpou rapidamente as lágrima do rosto.
一 Estou, não é nada... Coisa de mulher. 一 disse se levantando.
一 Se quiser conversar, não sou muito experiente c assuntos femininos, mas talvez eu possa ajudá-la. Você salvou minha vida, a considero uma grande amiga, queria que também me visse assim.
一 E eu vejo 一 ela respirou profundamente一 Estou grávida. Grávida de um mestiço, que provavelmente será odiado por todos, nascerá em meio a guerra e fome... E mesmo assim, não sou forte suficiente para fazer o que precisa ser feito. 一 disse voltando a sentir os olhos arderem.
一 Não quer a criança?
一 A quero mais que tudo, mas não deveria.
一 Sabe porque as mulheres da terra chamam aborto de "o que precisa ser feito?" 一 Disse e Elena olhou - o intrigada 一 não existe palavra para descrever algo assim em nenhuma das línguas nativas que eu conheço, não era algo presente na cultura, mesmo nas tribos nômades. Não era aceito ou instruído ou tido como algo banal ou mesmo auspicioso e altruísta porque, não é. E você pode dizer, certo Cheyenne do sul criado entre xamãs e missionários, corrompido pela crença dos brancos, mas o fato é que estamos matando nossa gente porque temos medo que elas morram.
一 E lhe parece mais justo trazer uma vida a terra apenas para sofrer?
一 Não, não acho justo e por vezes concordo que seja a saída menos dolorosa a todos, mas você acredita que tendo você com mãe, essa criança só conhecerá o sofrimento?
一 Não. Mas estou com medo.
一 Eu estaria surpreso se não tivesse, ter um filho é a coisa mais assustadora e maravilhosa da vida.
一 Eu imagino 一 disse ela voltando a tocar o próprio ventre.
一Será uma boa mãe, e sem querer estragar a conversa, espero poder retornar pra minha casa antes que meus filhos comecem a chamar outro homem de pai.
一 Eu vou falar com Tokalah sobre isso e obrigado pela conversa. 一 disse Elena controlando a própria respiração.
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