O lugar a qual pertence - V
Nathan soltou um longo suspiro ao sentir o coração aquecido pela carta de Elena. Seu trabalho em Charlottetonw fora um desastre e além de precisar concentrar seus esforços em salvar a sua própria terra, já não tinha mais desculpas para retornar a cidade, mesmo que seu peito ansiasse por ver Elena novamente.
一 Boas notícias? 一 Perguntou a filha vendo o pai sorrir para o pedaço de papel.
一 Sim, de uma amiga que fiz em Dakota 一 Pousando o olhar sobre a moça que havia crescido muito nos últimos meses, ganhando traços de mulher e se não fosse tantas preocupações que seu povo vivia no momento, Green já devia estar tratando de arrumar um pretendente que a agradasse.
一 A mulher que viveu entre os selvagens do norte? 一 Perguntou Elise curiosa.
一 Sim, ela tem um rancho agora. Está me perguntando se há algum meio de comprar terras para garantir o território aos Mandan e formas deles não serem considerados hostis pelo governo.
一 Seria maravilhoso que fosse simples assim, não é ? 一 refletiu a garota de longos cabelos negros sentando-se ao lado do pai 一 Embora pagar por uma terra que é sua não me pareça muito justo, evitando sangue não seria ruim. 一 Sabia que queimaram a escola do povoado? Os malditos geórgianos! Também espancaram o chefe Yultah em público. Não queria ter de deixar nossa casa, mas...
一 Não vamos. 一 falou pousando a mãos sobre a da jovem.
一 Não é o que estão dizendo, papai. Muitos já estão indo embora, algumas fazendas estão sendo sorteadas na loteria pelo governo. Estão invadindo e expulsando e se fizerem isso conosco? Teremos de ir embora sem nada? Viu como está acontecendo a remoção? Eu não digo por mim, mas sabe da saúde de Tessa, ela não aguentaria ser expulsa e ter caminhar até o Mississipi. Recebemos propostas enquanto esteve fora, talvez fosse melhor vender as terras e começar em outro lugar. Estou com tanto medo, papai.
一 Não precisa ter, estamos seguros. Pelo menos por enquanto. Precisa se manter calma e ninguém vai fazer mal a vocês.
一 E quanto a você? O que vai acabar acontecer com meus irmãos e eu se estiver morto? Eu tive que fingir todos esses meses que recebia cartas suas, para evitar que o banco tomasse providências quanto a tutoria dos bens . Quantas vezes já tentaram te matar esse ano, pai?
一 Não conseguiram e se alguma coisa acontecer comigo, Frank cuidará de vocês.
一 Tio Frank? Aquele bêbado que a esposa não pode abrir a boca sem levar um bofetão que lhe faça perder um dente?一 Irritou-se Elisa levantando-se a frente do pai 一 Este é o seu desejo para nós? Não percebe que acabou? Que sua teimosia e as dos demais líderes só está adiando o inevitável? Talvez você esteja viajando tanto que não percebe o quanto seu povo está sendo humilhado e maltratado pelos Geórgianos. Tudo que lhe importa é essa terra, mas não existe terra cherokee, se seu povo estiver morto. Não se importa com a própria vida nem com o futuro das suas filhas!
一 E o que quer que eu faça? Que venda essas terras? Que entregue tudo que construimos e tudo que acreditamos aos geórgianos?
一 Vai lutar até quando? Até não ter mais povo pra lutar? As pessoas escutam você pai, se abrir sua mente a outras opções eles também abriram. Sei que pode fazer isso.
一 Também posso lhe arranjar um marido 一 Respondeu secamente一 Um marido com privilégios de homem branco que possa lhe dar toda a segurança que quer, já que a luta do nosso povo é desnecessária a você.
一 Você está lutando pela terra, seu povo está sofrendo por causa da terra e eu entendo, eu jamais pensaria em deixar o lugar onde meus avós, irmãos e minha mãe estão enterrados, mas eu prefiro deixar pra traz do que ter de enterrar você ou um dos meus irmãos 一 Disse caindo em pranto fazendo o pai sentir-se culpado pelas palavras ásperas.
一 Filha... eu... 一 Nathan levantou-se e a puxou para um abraço terno 一 Eu não posso, não posso fazer o que me pede. Seria trair a nossa gente este é o lugar que nós pertencemos. Eu sei que é difícil, mas precisamos ser fortes.
一 Eu não quero ser forte, quero que isso acabe 一 Disse a jovem se desenrolando dos braços dele e saindo a passos largos para dentro de casa.
Nathan recostou-se a cadeira de balanço e lançou o olhar ao longe. Cruzando o gramado verde, a estradinha de chão batido e a imensidão de pomares de maçã, que devido ao inverno ostentavam galhos marrons finos e retorcidos . Todos os anos desde que nasceu via-o morrer com frio e
renascer em um verde frondoso na primavera. A mágica da vida dizia seu avô irlandês. Tentou lembrar do cheiro das flores e do gosto adocicado das maçãs que trouxeram status e riqueza a sua família, por mais que quisesse não pensar no assunto, não tinha certeza se veria aquela magia novamente.
***
Elena sentiu-se aliviada quando a mulher que se chamava Linoe, finalmente despertou com sinais de melhora e mais ainda quando percebeu que ela sabia o suficiente de sua língua para que pudessem se comunicar.
Contou o que já imaginavam, há algumas semanas os Waikikis obrigaram seu povo, os Shoshone, a levantar acampamento. A princípio foram escoltados até uma fazenda, onde passaram dias amontoados dentro de um cercado como gado pro abate. Houve resistência, muitos homens morreram, incluindo seu marido. Seguiu os seus por dias, revezando as filhas sobre as costas. A doença que os brancos chamavam de coqueluche, estava matando as crianças e ela decidiu fugir, antes que adoecessem também. No entanto sozinhas, não tinham nem a pouca ração distribuída pela cavalaria, muito menos o calor humano o qual se aqueciam ao dormirem todos juntos . Por mais que soubesse o quão perigoso era, não pensou duas vezes em ter uma noite um pouco mais quente naquele estábulo. Ao ouvir sua história Elena não exitou a convidá-las pra viver ali.
Os dias foram passando lentamente, e Elena não conseguia parar de pensar nas condições da comitiva e quando soube que eles estavam acampados a dois dias de viagem, pois a neve os impossibilitava de seguir. Chamou Yke e Beijamin e mandou preparar o maior carroção que possuíam no rancho. No povoado comprou grãos, peles de búfalo e todo o tipo de medicação que encontrou. Embora Yke e Dorothy tivessem sido totalmente contra a viagem da patroa naquele estado, nenhum argumento foi capaz de barrar Elena que fazia questão de estar presente, já que pelos relatos de Linoe, haviam muitas pessoas precisando de tratamento médico.
Embora a neve houvesse cessado durante a viagem, um vento norte bramia fazendo com que até mesmo os cavalos tivessem de ser protegidos com o couro de búfalo. A fumaça de dezenas de fogueiras estendia-se pela paisagem quando finalmente alcançaram o acampamento da caravana. Uma imensidão de cavalos, bois, carroções, davam cor a imensidão branca que Elena avistou a sua frente. Ao se aproximar logo foram recebidos por dois oficiais da cavalaria.
一 Bom dia 一 cumprimentou o homem com a aba do chapéu congelada pelo frio. 一 Estão perdidos?
一 Não, na verdade... Eu me chamo... 一 Elena ponderou por instante 一 Elena Stevens, eu sou médica e soube que há um surto de coqueluche no acampamento e trouxemos doações da comunidade de Eldengreen para os desafortunados viajantes. 一 disse e os dois homens se entreolharam.
一 Uma médica mulher? 一 o soldado estranhou 一 E não conheço essa comunidade, não está no mapa.
一 É um pequeno povoado cristão, cumpridor de seus deveres com os mandamentos do nosso senhor Jesus 一 Beijamin Intrometeu-se 一 a senhora Stevens é inglesa e uma excelente médica.
一 Bom creio que nosso senhor tenha os mandado, precisamos de toda ajuda possível 一 Disse o soldado descendo de seu cavalo fazendo Elena fazer o mesmo 一 Meu nome é Bryan Hilton, sou tenente e o encarregado pelo translado dessa comitiva até o Mississipi 一 falou estendendo a mão a Elena que fez o mesmo.一 Quando deixamos o sul, não imaginávamos que seria tão difícil.
Elena, Yke e Beijamin passaram três dias no acampamento, distribuindo cobertores, dando tratamento e ensinando-os a lidar com a coqueluche e outras possíveis pestes que poderiam surgir pelo caminho. Apesar da rigidez no comando, olhar desolado e as conversas no fim de tarde com Hilton, demostração a ambiguidade que reinava em deus corações ao cumprirem as ordens da federação. O tenente realmente queria cumprir sua missão de forma digna aos Shoshone, mas as condições que lhe eram impostas eram precárias. Além de ter de controlar os índigenas, precisava manter seus soldados sob controle, o que era muito difícil já que nem todos partilhavam do mesmo sentimento sobre aquele povo.
一 Bom, saiba que esses dias conseguiu fazer algum alento a essas pessoas, senhora Stevens e espero que nosso senhor a abençoe grandemente lhe dando um parto seguro e uma criança saudável. 一 Disse Hilton ao se despedir de Elena.
一 Obrigada Tenente, sabe a quantos dias está a próxima comitiva? 一 questionou Elena recebendo um olhar questionador de Yke.
Ao seguirem o caminho de volta Elena percebeu o silêncio do caseiro.
一 Qual o problema, achei que tivesse gostado de ajudar aquelas pessoas.
一 Sim, eu gostei.
一 E porque esta cara? 一 Elena questionou levantando a sobrancelha.
一 Porque é perigoso, o senhor Norton sempre foi muito bom pra mim e minha família, quando ele souber que eu lhe trouxe até aqui, correndo riscos, ele se sentirá traído.
一 Bom, o senhor Norton não é mais o senhor de Eldengreen, mas mesmo se fosse, não acho que ele esteja se importando com o que faço de minha vida. Nada me deixa mais feliz do que praticar medicina e ajudar as pessoas, é minha missão de vida ou como os Mandan diriam, minha maneira de provar meu valor a grande mãe.
一 Demos sorte daquele tenente ter nosso senhor Jesus no coração, mas sabe que nem sempre pode ser assim. Se continuarmos fazendo isso, além da senhora arriscar o seu filho nesse inverno feio, com pessoas doentes... Eles mesmos podem simplesmente dar um tiro na nossa cabeça, roubar tudo e nos deixar enterrados na neve ou um daqueles selvagens pode nos esfaquear enquanto dormimos, porquê me acham um vendido, meu filho um maldito mestiço e a senhora uma mulher branca que está usando remédio branco nos filhos deles, não dá pra confiar em ninguém, mesmo fazendo uma boa ação. É assim que deseja morrer?
一 Eu sei, mas minha família conta que a irmã da minha avó, morreu engasgada com um brioche. Ninguém sequer lembrava como ela era ou que gostava de fazer, acho que falaram o nome dela, mas não lembro. Mas lembro que desde muito pequena eu morria de medo de brioches, eu não comia brioches. Então quando fui ajudar na clínica do meu tio por volta dos dez ou onze anos, percebi que tirando os casos de velhice e doença, a maioria das pessoas morria de formas tolas. E que todo mundo morre um dia, mas decidi que se eu vou morrer de qualquer jeito, faria minha vida valer a pena a ponto das pessoas não se lembrarem de mim apenas por morrer engasgada por um brioche. 一 Falou e Yke riu balançando a cabeça. 一 O que foi?
一 Eu comi um brioche uma vez e era muito bom, eu não me importaria de ser o último gosto a sentir 一 falou tirando um riso de Elena e Beijamin 一 Mas eu entendo senhora Elena e se a senhora decidir fazer isso de novo, eu lhe acompanharia. Só acho que da próxima vez devemos ter mais cuidado. Garantir a nossa segurança, não é ruim. Se sua tia avó tivesse tido mais cuidado ao comer o brioche, não teria se engasgado.
一 Está certo Yke, está certíssimo. Prometo que serei mais ponderada com minha ações da próxima vez.
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