
Augustine - I
Já faziam seis meses desde a última vez que Andrew vira a esposa. Os crescentes embates ao norte com as tropas de Cavalo Louco e o desfalque gigantesco em pessoal e mantimentos que o forte Bennington sofreu, outra incursão contra os índios da região não era uma prioridade.
A sociedade cobrava uma solução do conflito que muitos já chamavam de guerra civil indígena americana. E o medo e a apreensão se espalhava pelo país, assim como histórias fantásticas sobre os eventos estampavam a capa de tablóides, nem sempre comprometidos com a verdade.
Andrew usou todos os esforços disponíveis para não ser convocado ao fronte e apesar dele já saber a localização de mais três clãs, estava de mãos atadas. Tentar ir sozinho ou com o pequeno grupo de patrulha que formou junto ao sargento Gilbert, seria suicídio. No entanto, tomou as providências que podia, fez um pedido junto ao procurador geral e ofereceu uma polpuda recompensa a qualquer homem, branco índio ou negro que trouxesse sua amada de volta.
Além da guerra propriamente dita que se estendia pelo norte, haviam outras deliberações públicas dadas a cavalaria e a própria população que visava frear o avanço dos peles vermelhas pelo território. A ordem para extinguir as manadas de búfalos era seguida a risca, um golpe baixo e cruel, Andrew admitiu, mas sendo a principal fonte de alimento e proteção contra o frio, em questão de tempo sua falta causaria um colapso tão grande nas aldeias que o financiamento de suprimentos ao exército de Cavalo louco seria comprometido. Com sorte seria o bastante para fazê-los perder a força.
Para Augustine, foi impossível não se incomodar com o odor fétido de carne podre que adentrava o trem todas as vezes que cruzavam com as manadas putrefatas. Estavam a menos de uma hora de Charlotetonw e apesar da viagem ter sido exaustiva, sentia que poderia cavalgar algumas léguas atrás da sobrinha antes da noite cair, tamanha era sua vontade de vê-la novamente.
一 Eu não acredito que Elena nos deixou por esse pedaço de nada. 一 resmungou a mulher abanando o rosto com um leque a fim de dissipar o cheiro.
一 Tem de admitir que cruzamos paisagens belíssimas.
一Pedras, terra, mato, mais pedras e terra seca. Não há nada de belo aqui, onde estávamos com a cabeça quando deixamos ela subir naquele navio?
一 A decisão não era nossa Augustine, Elena queria ficar junto da família o que podíamos fazer?
一Nós somos a família dela, não a trouxemos ao mundo, mas cuidamos dela desde o primeiro suspiro. E agora ela está perdida, entre selvagens, você já pensou em tudo de horrível que pode estar acontecendo com a nossa menina? Isso se ainda estiver viva. 一 Disse com um aperto crescente no peito.
一É claro que penso Augustine, sabe muito bem que não durmo desde a carta do senhor Norton, mas confio em Elena e no nosso bom Deus, que há de protege-la. Li sobre os selvagens que Norton relatou, não há muita coisa porquê ao que parece não são uma grande nação como os Lakotas ou Comanches, mas dizem que são um povo pacífico.
一 Pacífico, mas sequestraram uma mulher e a mantém prisioneira há meses! Eu sabia... Sabia que devíamos ter vindo e a buscado quando a carta relatando a infelicidade de Davina chegou, se tivesse me permitido vir Elena não estaria nessa situação, Armand!
一 Ela já estava casada quando nos escreveu. Eu respeitei a escolha dela.
一 Não importa, deveríamos ter vindo mesmo assim, ela é uma criança não sabe nada da vida.
一 Elena é uma mulher agora Augustine, já faz um ano... Ela nunca pediu pra que a buscarmos em suas cartas. 一 Armand disse com a voz calma colocando a mão sobre a da esposa 一 Também foi um golpe duro perdê-la, sinto a falta dela todos os dias, em casa, na clínica... No entanto é pra isso que criamos os filhos, pra que cresçam e andem com as próprias pernas.
Quando desembarcaram na pequena cidade imediatamente atraíram os olhares dos transeuntes e de Andrew que os aguardava bem vestido no seu uniforme cerimonial.
一 Aquele é Andrew Norton?一 Cochichou Augustine e Armand assentiu com a cabeça. Um americano rústico, sem dúvida pra não dizer outra coisa... 一 Disse arrancando um sorriso discreto do marido enquanto via o homem se aproximar.
一 Boa noite, imagino que seja o senhor e a senhora Stewart, sou Andrew Norton estou muito feliz por terem vindo. 一 Disse Andrew com um sorriso galante ao distinto casal. Armand era totalmente o oposto do que imaginava, Elena sempre o descreveu com tanta admiração que jamais imaginou encontrar um homem de estatura mediana, com óculos de grau atarrachandos em um par de bochechas salientes e um bigode. Augustine no entanto fazia jus a todos os elogios da sobrinha, apesar da idade já estar evidenciado em seu rosto, a loura era sinônimo de elegância e beleza. Com os cabelos louros claros, presos em um penteado bem elaborado e um vestido agarrado a fina cintura, sua exuberância não deixava a desejar a qualquer mulher mais jovem. Por instantes, Andrew questionou-se se o motivo da união fosse realmente o belo romance que ela dois viviam desde a adolescência descrito por Elena, pois Augustine e sua beleza e jovialidade, destoavam ao porte do marido.
一 É um prazer conhecê-lo senhor Norton.一 Armand estendeu a mão e foi imediatamente cumprimentado pelo capitão que em seguida beijou a delicada luva de seda de Augustine 一 É uma pena que seja sob tais circunstâncias.
一 Sim, infelizmente seguimos sem notícias, mas há rumores de que havia uma mulher branca entre uma comitiva de Índios que rumaram ao norte, alguns fazendeiros a avistaram entre eles. Mas com a recompensa... ela tem sido vista em tantos lugares que estou ficando desesperançado de seguir as pistas, mas venham vou levá-los até a pousada, reservei o melhor quarto para que fiquem bem acomodados.
Caminharam até a pousada e lá fizeram uma farta refeição. Andrew sentia o olhar de reprovação de Augustine em cada palavra que ele proferia e odiava os questionamentos que a loura tinha que o faziam parecer relapso com os cuidados que um homem deveria ter com a esposa em terras tão selvagens quanto aquelas.
一 Minha pobre sobrinha, ela estava tão animada e feliz antes de embarcar, tanto que Armand e eu fomos incapazes de negar isso a ela. Mas tudo que encontrou nesse lugar foi perigo e dor.
一 Está enganada senhora Stewart, Elena teve alguns percalsos, mas ela amava este lugar, sentia-se feliz ao meu lado. Apesar de nossas diferenças eu sempre tentei ser um bom marido para ela.
一 Perdoe-me senhor Norton, mas o que seria um bom marido para o padrão dessas terras? Estou curiosa porque em plena Nova Yorque, num bom hotel o gerente teve a petulância de dizer aí meu marido que devia me dar uma surra.
一 Querida 一 Armand tentou controlar a mulher que já estava alterada. Você está exausta 一 Armand tomou sua mão e beijou-a com leveza 一 porque não sobe para o quarto enquanto troco mais algumas palavras com o capitão? 一 Disse e Augustine bufou porém concordou com o marido e subiu as escadas apressada.
一 Ela me odeia 一 concluiu Andrew.
一Perdoe minha esposa, ela sempre foi muito superprotetora com relação a Elena e bem, você tirou a bonequinha dela. O acordo era que Elena voltasse a Inglaterra caso o casamento que seu pai estava acertando não fosse de seu agrado. E creio que nem em um milhão de anos, Augustine imaginava que ela iria aceitar sua corte, assim como não aceitou nenhum dos bons pretendentes que tentamos oferecer a ela. Mas de alguma forma, você a conquistou 一 Armand disse e Andrew sentiu o peso de suas palavras ao saber que Elena não era de acordo com aquele casamento até a morte de Davina lhe fazer sentir-se culpada demais para manter sua posição. 一 Senhor Norton? O senhor está bem?
一 Me perdoe senhor Stewart, eu divaguei por um instante. São tantas coisas na cabeça que...
一Ora por favor, me chame de Armand. Mas sem querer ser um pessimista, como médico por muitas vezes tenho de avaliar as chances de sobrevida de um paciente. Sem deixar me ludibriar pelas minhas esperanças e fé, o senhor certamente está mais familiarizado com uma situação de sequestro do que eu, então me diga 一 Armand sibilou em uma longa pausa 一 Se Elena não fosse sua estimada esposa, quais as chances você avaliaria que teríamos de encontrá-la com vida depois de tantos meses? 一 Armand questionou com medo da resposta, porém sentia que seria necessário basear suas aspirações em algo mais realista.
一 Alguns nativos tem o costume de sequestrar mulheres brancas, os Comanches e Crows costumam vende-las aos espanhóis ou mexicanos para servirem em prostíbulos. Costumam fazer as negociações rapidamente, então foi a primeira coisa que chequei, no entanto não houve indícios de que isso tenha acontecido com Elena. Outros também as incorporam as suas tribos, os Hidatsa daqui tinham esse costume, dao-lhe um novo nome, um marido 一 ele parou tomando um gole longo de uísque 一 No entanto essa prática não é muito comum entre os Mandan, eles são um povo que prefere se manter isolado, também não são muito tolerantes com mestiços, mas houve alguns casos no passado de servidão.
一 Eles mantém escravos?
一 Não exatamente, não como conhecemos, mas sim. Há seis anos antes dos acontecimentos que levaram os Mandan para mais longe. Eles tiveram embates com alguns colonos que atearam fogo em suas plantações. Capturaram a família e os mantiveram cativos por dois anos, os obrigando a trabalhar para reparar o dano que causaram.一 Andrew soltou um longo suspiro 一Quando o filho mais velho conseguiu fugir, relatou as autoridades e foi o estopim que faltava para que a remoção dos Mandam das terras que ocupavam fosse decretado. Eles mataram aqueles Crows, mas o corpo de Elena não estava ali nem nas imediações, eu chequei tudo. Eles a levaram, eles tem muito cuidado com a localização dos clãs e não são tolos, sabem que uma mulher branca seria procurada com afinco, de longe daria pra se ver que Elena não é uma camponesa ou criada, não a levariam se a intenção não fosse mantê-la viva. E além disso tem o mestiço, pode parecer uma tolice dados os fatos, mas o menino parecia ter afeto pro ela, creio que intercederia por sua vida se fosse necessário. 一 Explicou Andrew e Armand assentiu com a cabeça.
一 Quadriplique a recompensa que ofereceu, eu lhe darei o dinheiro. Também vou cuidar para que o caso seja amplamente divulgado nos jornais oficiais e tablóides, embora creia que os nativos não leiam, quanto mais gente conhecer o seu rosto e sua história e procurarem por ela, mesmo que movidos pelo dinheiro, maiores as chances de encontra-la.
一 Eu agradeço, porém acho que estaremos comprando uma briga com o General Krigher. Ele não gostou nada de quando eu ofereci a recompensa, disse que estou admitindo publicamente que Bennington não tem o controle dos índios da região.
一 Quando minha irmã morreu logo depois ao parto, eu lembro que ele disse que além de matar a mãe ainda era uma menina. Ele mal olhava para ela quando era criança, nunca se deu a chance de perceber que Elena é a mais brilhante entre seus filhos. Eu duvido que ele tenha perdido uma noite de sono desde que ela desapareceu, então se quer sua esposa de volta, melhor não contar com a aprovação dele.
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