XV
— Você... — ela puxou o ar mais forte e pude ver claramente o nervosismo que ela escondera durante todo esse tempo — Você não pode me entregar, Ester — implorou.
Senti todo o meu corpo protestar quando me sentei, mas não demonstrei. Naquele momento o mais importante era descobrir o lugar onde eu havia me metido.
— Não falarei com o rei, Constance — o sorriso dela finalmente apareceu e pude ver seus olhos brilharem aliviados, assim como seu corpo.
Ela estendeu a mão, eufórica, e pegou as minhas, plantando vários beijos nelas. Eu a entendi que provavelmente, como princesa, nunca havia feito isso com ninguém, mas ser salva da morte era muito gratificante. Eu sabia bem o que era isso.
— Obrigada, Ester — disse com verdade no olhar e um sorriso radiante no rosto.
— Não precisa me agradecer, Constance — ela me encarou ainda com os olhos brilhando e soube que ela realmente não havia entendido o porque de te-lá acobertado, então, continuei: — Se fosse entrega-lá teria que ir junto. Eu creio no mesmo que você — simplifiquei e finalmente vi a surpresa se apossar de cada traço do seu rosto.
— Você... Ester! — exclamou em um misto de choque e animação. — Eu não posso acreditar! — riu.
Acabei rindo com a sua euforia. Então, a princesa parou de repente e olhou para os lados, então, sussurrou: — É perigoso conversamos sobre isso aqui. Vamos até o meu quarto.
Eu assenti, rapidamente. Constance se ergueu e logo após eu fiz o mesmo, em todo o processo ela conversava a altas vozes amenidades. Estranhei. Por um momento pensei que ela estava louca, até ela abrir a porta e olhar para os dois lados.
— Se houvesse alguém aqui nós iríamos pega-los — disse. — Iriam continuar, achando que estávamos apenas conversando, e quando eu abrisse a porta saberíamos.
— Acha que alguém poderia escutar o que falamos? Alguém como Natanael ou Leon? — perguntei, alarmada.
Ela balança a cabeça em negação.
— Acredite em mim, Ester, eles não são do tipo que escutam atrás de portas. Natanael e Leon mentem e dissimulam, mas, nunca se escondem atrás de algo que não sejam as próprias máscaras. Ambos são adeptos a se esforçarem, não a aproveitarem-se do erro dos outros. E talvez esse seja o maior defeito deles.
Minha mente estava ocupada demais tentando decifrar a sua última fala para que eu pudesse conversar algo durante o caminho até o quarto da princesa. Assim que paramos em frente ao quarto da princesa os soldados abriram a porta e nós adentramos o lugar.
— Venha — Constance me puxou para sentar-me em duas cadeiras no lado oposto a porta. — Também devemos falar baixo, não podemos arriscar que ninguém nos escute.
Eu assenti, concordando. Não era meu desejo ir para a forca tão cedo.
— Constance — fiz uma pequena pausa tentando organizar meus pensamentos e infinitas perguntas por lista de prioridades —, me conte sua história — pedi.
Ela franziu o cenho, provavelmente se perguntando como em meio a tantas descobertas meu primeiro pedido fosse esse, mas, eu aprendera, que em meio a histórias suas outras perguntas poderiam ser respondidas.
— Como você deve imaginar meus pais sempre nos falaram muito mau sobre os cristãos, isso quando esse assunto por algum acaso aparecia, o que acontecia muito raramente. Cresci sabendo que era um grande erro, uma mentira. Entretanto, em um dia que me sentia vazia encontrei a Provisão — ela sorriu, nostálgica. — Tinha catorze anos e meu irmão me humilhara na frente de seus "amigos", ele era um moleque na época e me pediu perdão horas depois, mas, naquele momento, eu me senti tão... inferior, diminuída, que decidi fazer algo grande. Um ato de rebeldia. Então, corajosamente, decidi entrar na biblioteca real, proibida para mim e para qualquer outra pessoa que o rei não convide ou permita. Meu pai nunca me disse que eu poderia ir até lá, talvez porque não quisesse, ou não achou necessário já que existem tantas outras bibliotecas no palácio... enfim, o fato é que eu não poderia entrar.
— Mas você entrou — respondi em seu lugar, totalmente absorvida pela história.
— Sim. Entrei escondida pela única porta do lugar onde não têm guardas: a do corredor real. Na verdade, foi fácil. Precisei apenas abrir a porta com cuidado para que ninguém escutasse e entrar. Os livros eram lindos e a maioria eu nunca vira ou ouvira falar antes. Então, andando por aquele lugar achei os Escritos Sagrados. Assim que abri e li o nome "Jesus" soube que não deveria ler, mas a curiosidade falou mais alto do que deveria e eu li. Não consegui parar. Li uma página, depois outra e outra até decidir que estava na hora de sair. Mas, no outro dia voltei e fui direto até lá, terminar a leitura, no dia seguinte novamente e nos outros que se seguiram. Sempre que podia estava lá, lendo. Um dia, quando estava com muita dor durante a noite, pedi a Deus que me curasse se Ele realmente existia e a dor passou. A partir daquele momento eu soube que, por mais arriscado que fosse, não poderia duvidar da sua existência nem crer em outro falso deus.
Parei alguns segundo, apenas processando tudo o que ela falara. Constance era mais corajosa e inteligente do que qualquer um de nós poderia imaginar.
— Há alguns meses — continuou, para a minha surpresa — ouvi o ourives falar sobre Cristo com um soldado.
— O ourives? O mais novo? — perguntei, lembrando do homem que vira quando fui pegar uma joia para a princesa.
Ela sorriu calmamente.
— Sim, você já o conheceu quando foi pegar meu colar, não? Pois bem, eles estavam falando sobre Jesus e o soldado segurava em sua mão direita uma corrente com a estrela de Davi como seu grande pingente, exatamente igual ao que você guardou na caixa mais cedo. Eu a reconheci de imediato. Dois dias antes meu pai mandara matar um homem que, corajosamente, gritara "Jesus está vivo! Ele é o único que pode salvar! Volte para o Pai" e, por um acaso, tinha esse símbolo no peito, mas, diferente do meu, este era apenas uma corrente. Então, quando ouvi a conversa dos dois fui falar com eles. No primeiro momento, eles se assustaram, pensando que eu iria entregá-los, mas, muito depois, entenderam que eu queria era conhecer e conversar com pessoas que criam no mesmo que eu.
— Então existem aqui no palácio outros cristãos? — indaguei, animada.
— Sim, mas, o mais importante é o que está fora do palácio.
— Como?
— Nos dias que se seguiram ouvi falar pela primeira vez no que chamamos de Sociedade Secreta. É composta por cristãos de vários lugares do reino. Nós nos ajudamos tanto na proteção, quanto no aprofundamento do conhecimento de Cristo. Existem diversos líderes, alguns viajam de cidade em cidade, vilarejo em vilarejo, indo em cada reunião escondida e pregando a palavra de Deus. Outros, enviam cartas, instruindo sobre o agir cristão. Mas, existem também aqueles que são como aquele soldado e estão aqui no palácio para ter sempre as informações novas sobre invasões, leis promulgadas, ou até quando os soldados vão até as casas para investigar.
Minha boca estava aberta, surpresa, e meus olhos arregalados. Nunca imaginei que algo comum na minha aldeia fosse tão grande e organizado. Na verdade, achei que estávamos sozinhos, em um luta pequena e quase perdida.
— Constance, isso é incrível! Eu quero conhecer tudo! — exclamei, animada. — Esse soldado que você fala é o que te entregou a corrente hoje?
Ela respirou fundo e foi possível ver o arrependimento nos seus olhos novamente.
— Bom, essa é outra parte da história...
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