VI
— Está na hora, Ester — retornei a esfera dos seres viventes com o meu irmão gritando ao meu ouvido.
Ergui levemente a cabeça apenas para avisar que havia tornado e ele bateu a porta em resposta, me dando um pouco de privacidade. Há anos não dormia tão bem quanto esta noite. Não sabia o que tinha acontecido, na verdade, eu sabia, o Deus dos meus pais fizera algo que me deixara claramente mais leve. Me dera uma paz que eu nunca experimentara antes. Era algo diferente, especial. As dificuldades estavam presentes, o frio na barriga com a eminente chegada ao castelo também estava lá, mas uma estranha calmaria inundava de onde vinha. Apesar de não entender, sabia de onde vinha: Jesus. Ele tinha transformado algo dentro de mim mesmo que eu não compreendesse o quê.
Tentei arrumar-me o máximo que podia para entrar no castelo, não desejava que pensassem mal de mim assim que me olhassem. Ninguém quer uma serva desleixada. Lavei meu rosto e minhas mãos com a água morna que a moça levara assim que me levantei e prendi meus cabelos em uma trança para acalma-los. Olhei-me no pequeno
espelho ao canto do quarto e gostei do que vi, claramente não era uma princesa, mas não estava com a aparência tenebrosa.
— Senhorita Lewis? — uma voz feminina proferiu depois de algumas batidinhas na porta. Reconheci de pronto a mulher que trouxera-me a água mais cedo.
— Entre — permiti, desacostumada com a formalidade.
Em meu pequeno vilarejo todos éramos chamados pelo nome, apenas homens desconhecidos que nos tratavam por senhorita, mas tão raramente que eu costumeiramente esquecia a existência dessa expressão e o uso de forma tão séria abalou-me levemente. Foi como me puxar a realidade: eu definitivamente estava em um lugar diferente do que estava acostumada.
— O Sir Lewis mandou-me entregar-lhe isto — ofereceu-me um bonito frasco.
— Meu irmão? — perguntei surpresa e ela assentiu, desconcertada pela minha informalidade.
— Sim, senhorita. São ervas perfumadas para que passe no corpo.
— Ah, sim, claro — dei as costas para ela e encarei o potinho em minhas mãos.
— Devo me retirar?
— Sim, sim — confirmei, olhando-a por cima do ombro.
Assim que abri o cheiro inundou o lugar, era realmente bom é muito forte. Após tossir algumas vezes passei em todos os lugares que achei necessário, admirada. Minha mãe preparava uma mistura de ervas perfumadas para que usássemos em épocas especial, mas nem de longe era como este. Novamente me deparei com o quanto a minha vida mudaria daqui para frente.
— Ester — meu irmão chamou minha atenção assim que desci a pequena escada de madeira desgastada —, venha até aqui — ordenou.
Segurei fortemente o impulso de revirar os olhos e virar-me, apenas para contraria-lo, e me impressionei com isso. Conter meus desejos e vontades inadequadas é um hábito que minha mãe ensinou muito bem, mas nos últimos dias tinham tornado-se impossível, já que qualquer pequena palavra me levava ao limite, todavia agora eu havia conseguido novamente, e agradeci aos céus por isso, afinal não seria nada educado gritar com o meu irmão na frente de seus comandados.
A mesa em que ele estava sentado na ponta era composta de mais cinco homens que me olharam com muita atenção. Manejei a cabeça em um comprimento silencioso.
— Sente-se para alimentar-se antes de continuarmos a viagem — ordenou, seco, e apontou para o banco ao seu lado.
Obedeci-o, contrariada, em respeito ao alto cargo que carregava e aos homens que estavam assentados à mesa.
— Muito bela sua irmã, Senhor — um deles elogiou-me algum tempo depois da minha chegada. Levantei a cabeça para analisá-lo melhor. Estava no outro lado, distante de mim. Seus cabelos eram castanhos e ostentava uma grande cicatriz em sua bochecha direita, os olhos eram completamente pretos e me passavam um ar sombrio, obrigando-me a desviar o olhar rapidamente.
— Mantenham-se com seus olhos nela e eu os arrancarei com as minhas próprias mãos — comentou, despretensioso, me deixando surpresa.
— Não quis ofendê-lo, Senhor — o homem se corrigiu.
— Não ofendeu, soldado, apenas gosto de clarear o máximo as situações — manteve-se no mesmo tom calmo.
O silêncio dominou o ambiente até ele decidir que meu desjejum já demorara o suficiente e estava atrasando a viagem.
Não havia entendido o porquê daqueles soldados estarem ali até subirem nos cavalos ao nosso redor: era a nossa guarda que eles estavam fazendo. Naquele momento me compadeci do Leon. Havia saído da nossa casa em busca da liberdade, mas estava preso em uma gaiola de ouro. Preso por seu próprio sonho.
— Chegaremos em pouco tempo — me avisou.
Antes do sol atingir seu pico pude ver a entrada da gloriosa cidade. Seus grandes portões eram impressionantemente imponentes e altamente guardados por fortes homens que nos deixaram passar de pronto. As pessoas pareciam alegres e bonitas a primeira vista, as ruas eram cheias e existiam barracas de vendas por todos os lados. As casas eram de diferentes tamanhos e em algumas eu conseguia ver a riqueza, mas o que de longe mais chamava atenção era o palácio. A construção era gigante, quase igual a cidade em largura. Os portões de entrada eram de bronze ornamentados com ouro e os jardins tão belos e compridos que eu não conseguia ver muito além deles. Ao passar pelas portas outra viagem fora necessária para chegar ao que realmente é o palácio. A grande estrutura composta por várias torres com a tintura branca e o ouro acompanhado da prata decorando cada coluna exalava riqueza, luxo e poder.
— Sir Lewis — uma mulher vestida pomposamente nos recepcionou assim que chegamos a entrada.
— Senhora Villin, dama da rainha — apresentou-me — É ela que, juntamente com a Soberana, coordena o andamento do palácio.
— É um prazer conhecê-la, Senhora.
— O prazer é todo meu, senhorita — sorriu docilmente para mim. — Sir, o Rei deseja vê-lo imediatamente. Levarei a sua irmã até ala das mulheres.
— Obrigada — agradeceu com o tom formal, antes de partir por um dos grandes corredores.
Ela olhou para duas pessoas atrás de mim: — Levem as bagagens da senhorita até a ala das mulheres — ordenou. — Agora vamos, senhorita.
— Me chame de Ester, por favor — pedi, um pouco atordoada.
— Claro, claro — concordou, animada. — Sou Bernarda, minha família presta serviços a família real a séculos, e hoje sou eu que cuido de todo o andamento do palácio — apresentou-se novamente, simpática.
— É muito grande — comentei, impressionada, já perdida em tantos corredores.
— Oh, sim, é — concordou gentilmente — Todavia o tempo lhe ensinará a andar por aqui — tranquilizou-me.
Os corredores eram impressionantes. As paredes eram repletas de telas e objetos de ouro, mostrando toda a riqueza e a pompa do lugar; os corredores eram imensos e o teto totalmente desenhado, formando histórias diferentes a cada curva. Lindo de se ver, difícil de entender.
Quando já estava cansada de andar paramos em frente a um arco com no mínimo dez soldados fazendo a guarda e grossos lenços brancos os separando do que continha dentro.
— Esta é a entrada para a ala das mulheres, estamos no centro do palácio — explicou-me. — O seu novo lar.
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