~Capítulo 11.2
A caçada terminou por volta das cinco horas da tarde e não teve equipe vencedora. Ninguém conseguiu encontrar o caderno — último objeto da brincadeira. Todos os caderninhos estavam na recepção do hotel, no entanto nenhum dos times acreditou que a resposta pudesse ser tão óbvia e um por um acabou desistindo.
Adryelle entrou na recepção da primeira parte do hotel segurando muitas sacolas e olhou para a parede de vidro. Observou a parte dois do hotel — logo em frente — sendo decorada para a festa principal. As cortinas brancas sendo trocadas por vermelhas como era seu desejo. Sentiu um toque suave no seu ombro e virou a tempo de olhar para o melhor amigo. Antes que ele pudesse dizer o que queria, percebeu os traços de lágrimas em seu rosto e ficou com medo que tivesse descoberto sobre Hadassa da pior forma possível.
— Aconteceu alguma coisa, Adryelle? — percebeu a face temerosa que se projetou e resolveu perguntar mesmo com a tristeza que havia arrancado lágrimas de seus olhos. Anny surgiu sorrindo e colocou uma mão no seu braço o acariciando.
Adryelle olhava para os dois e ficou um pouco mais agitada. A culpa da morte de Hadassa estava aprofundando seu subconsciente e aqueles olhares pareciam um pouco recriminadores de certa forma. Quando percebeu uma mala ao lado de Anny notou o motivo de todo aquele suspense exacerbado.
— Está indo embora antes da festa?
— Sim! — respondeu Anny apertando o braço de Andrey de forma leve e quase chorando com a insatisfação projetada na amiga.
Em uma virada brusca, Andrey olhou no fundo dos olhos de Anny e por aquele momento soube tudo o que precisava dizer:
— Amo você, Annynha Furacão. Você errou e se arrependeu, quero que Ítalo perceba isso. Por favor, seja feliz. Eu estou muito satisfeito em ver a pessoa que se tornou. Olho para o passado e para as coisas ruins que me aconteceram em cada ano do ensino médio. Você esteve comigo em cada uma dessas desgraças e sou grato pela sua companhia na ascensão da minha maturidade. Quando rejeitou o pedido de Ítalo, percebi a mesma maturidade em você e fico feliz em saber que vai tentar fazer as coisas certas ao menos uma vez e tenho certeza, ao menos agora elas irão dar certo — Anny limpou as lágrimas que escorregavam por sua bochecha e o abraçou carinhosamente — Essa é a despedida que não tivemos ano passado!
Cintia se aproximou de Anny cambaleando um pouco. Estava agarrada ao braço de Victória, cada uma segurando uma garrafa de gim e bebericando em momentos avulsos. Apareceu para dar um aviso e com o movimento do álcool em seu organismo nem percebeu a mala da amiga próxima de seus pés.
— Não entrem na piscina, menstruaram lá dentro — ela e Victória gargalharam sem perceber que nenhum dos três estava rindo — Tá parecendo uma festa de sangue essa experiência toda – Gargalhou com mais força enquanto puxava Victoria por um braço, ambas muito bêbadas. Saíram do cenário pegando o elevador até seus respectivos quartos.
— Ela fez uma metáfora com a menstruação ou o fato da festa ser vermelha? — Adryelle indagou antes de voltar sua atenção para o assunto principal — Não queria que fosse embora. Mas, levando em consideração tudo que aconteceu por aqui nos últimos dias com o seu relacionamento, fico feliz com a sua decisão. Vou apoiar sempre tudo que desejar fazer — recebeu um abraço carinhoso também.
Segurou a mala e caminhou até a porta do hotel com os dois amigos a seguindo. Desceram os degraus de pedra que levavam ao jardim divisório das duas partes daquele estabelecimento e foram andando até a estrada mais próxima, na qual teriam carrinhos de camping que a levassem para o terminal ou para a marina.
— Como vai sair daqui? — Andrey perguntou curioso com a resposta.
— Lancha. Vou chegar mais rápido em Seattle assim. Irei à marina e alugo qualquer uma que me leve para casa. Preciso encontrar o Ítalo e resolver isso de uma vez por todas — posicionou a mão direita na barriga e seus dois amigos perceberam a saída brusca. Ela estava grávida!
As sacolas de Adryelle caíram no chão e ela correu para os braços da amiga. Andrey nem pensou e se atracou nos ombros de Anny. Os três se abraçaram até que perceberam uma movimentação próxima deles. Brunno se aproximou também segurando uma mala. Ao se afastarem os três olharam para o rapaz com a face transparecendo dúvida.
— Anny está indo embora também? — Brunno perguntou com medo que algum dos amigos de Sara o confrontasse sobre a situação ocorrida — Posso ir com você? Seja no ônibus ou em algum barco, não me importa.
Ela assentiu sorrindo e deixou o funcionário do hotel colocar sua mala dentro do carrinho. Brunno sacou uma carta de dentro do seu bolso e entregou nas mãos de Andrey já pedindo um favor usando seus olhos. A noite havia caído de repente sobre eles.
— Entrega a Sara, por favor? — Andrey balançou a cabeça positivamente e observou enquanto Anny sentava no carrinho e esperava que Brunno fizesse o mesmo. Quando o carrinho começou a se locomover, Andrey e Adryelle se abraçaram. O caso de Hadassa não estava completamente resolvido e ela sentia medo do que pudesse acontecer e seguida.

*Aracaju (23 de novembro de 2017)*
Observou a porta do porão fechando e sabia do significado. Willian estaria fugindo com Iasmim para bem longe apenas para não precisar lhe fazer mal algum. Andrey jamais ficaria em silêncio acerca da morte de Charlotte e saber o motivo da partida do melhor amigo o fez chegar a mais uma conclusão: Ele não tinha assassinado a própria mãe.
Se tivesse cometido mesmo um assassinato com uma pessoa importante igual aquela que lhe levou ao mundo, jamais ia se ressentir em matar alguém que chegara como uma gota de chuva em sua vida. Com todas as conclusões, precisava novamente conversar com o amigo, precisava prestar suporte e avisar sobre os efeitos de sua fuga por um crime nunca cometido por ele. Andrey olhou para todos os lados querendo algo que cortasse as cordas em seus pulsos e encontrou uma serra do outro lado do cenário.
— Preciso chegar até lá — disse enraivecido com toda aquela situação. Para piorar tudo, sua mãe não perceberia a ausência em no mínimo dois dias sem notícias e Chris jamais o encontraria naquele porão no que dependesse dele, uma vez que não descia ao cômodo com muita frequência. Arrastando a cadeira até o outro lado do cenário, devagar e com dificuldade, sentia suas pernas sedendo ao cansaço da pequena corrida do dia anterior.
Encontrar Willian e Iasmim fazendo aquelas coisas foi como sentir uma faca de prata atravessando seu peito — refinada, bela e, ainda sim, mortal. Era assim que era Willian: belo como nenhum outro, refinado e querido como nenhum outro, no entanto com ações que podiam parecer simples e machucavam como nenhuma outra.
No dia anterior ele tinha beijado Andrey e era de seu conhecimento as dúvidas acerca do amor que sentia por ele. Mesmo assim o beijou, um beijo terno e doce que explicitava sentimento romântico exacerbado. Mas, no mesmo dia estava na cama com outra mulher, outra mulher essa que também era sua irmã. Talvez aquele sentimento não fosse totalmente real.
Essa retrospectiva passou na cabeça de Andrey enquanto arrastava a cadeira em busca daquela serra em formato de régua. Única coisa naquele porão que podia desamarrá-lo das cordas ao cortá-las. Mesmo com uma mínima distância, ainda pensou no quanto insatisfeito ficou ao deduzir que Willian pudesse ter assassinado a própria mãe, quando ficava muito explicito que tentava defender alguém.
— O que eu vou fazer? — resistiu à vontade de gritar por ajuda, uma vez que era explicito que ninguém o ouviria.
Olhou para o teto e observou uma grade, provavelmente a entrada dos dutos de ar existentes por toda a residência.
— Obrigado aos Ning por terem a casa mais chique de Aracaju — agradeceu em sussurros aquela dádiva. Era magro mesmo que muito alto, conseguiria entrar nos dutos de ventilação e sair em algum dos outros cômodos.
Aproximava-se lentamente da serra e conseguiu chegar até a mesa que estava. Colocou sua cabeça em cima do móvel e usou a boca para segurar aquele objeto com dificuldade. Existia um medo aparente de que pudesse cortar sua boca, mesmo assim virou a cabeça a fim de soltar a serra em suas mãos amarradas. Quando abriu a boca para soltá-la percebeu que passou por entre seus dedos — não os cortando por algum milagre divino — e pousou no chão sem nenhum barulho surpreendente.
— Inferno. Pegar o Willian na minha frente vou enfiar essa serra no...
Parou com as frases obscenas e se atirou no chão, a cadeira girou e o derrubou. Estava novamente de frente para a serra e precisou de muita força para conseguir virar todo o corpo a fim de ficar de costas para a localização da serra no chão. Infelizmente não tinha olhos nas costas. Teve de alisar toda a extensão do chão, movimentando o corpo para cima e para baixo no piso do porão. Tocou com o dedo em algo duro e o alisou tentando entender o que era.
— Se for um esquadro eu vou ficar muito puto!
Apalpando mais um pouco percebeu que tinha um buraco triangular no meio e sua extenção era muito maior que a da serra. Era um esquadro.
— Puta que pariu tá foda fugir desse sequestro aqui — ele estava muito preocupado com toda a situação e todas suas falas, por mais que parecesse um deboche, refletiam sua frustração com a dificuldade em se livrar das cordas.
Voltou a apalpar o chão a procura da serra e finalmente encontrou outro objeto duro e pelo toque aparentava ser metalizado. Segurou com cuidado e começou a pressioná-lo nas cordas, mas não estava adiantando muita coisa. Parecia apenas estar alisando o nó da corda.
— Acho que tenho que virar essa coisa para o outro lado.
Virou e sentiu os dentes da serra em seus dedos. Finalmente conseguiu começar a serrar a corda e livrou seus pulsos já doloridos com toda a tentativa frustrada. Os pés foram mais fáceis de soltar e quando ficou de pé sentiu as dores de seu corpo o pressionando para baixo, como se pesasse mais do que pudesse suportar.
Não podia retirar o macacão que vestia e infelizmente teria que rastejar nos sujos dutos de ventilação usando ele. Pegou uma escada achando que seria fácil abrir a porta e subir, mas logo percebeu que o cadeado ia dificultar tudo.
— Nos filmes parece fácil. Mais uma vez frustrado pela netflix, se foder.
Foi caminhando até a mesinha e apanhou um martelo. Subiu na escada e começou a bater no cadeado com toda a força existente em suas mãos. Batia e o esforço parecia não surtir o efeito esperado, estava começando a ficar frustrado. Pareciam ter passado alguns minutos desde que tentava quebrar o cadeado e seus braços já doíam cansados daquela movimentação exacerbada.
Ouviu o trinco da porta abrindo e notou Willian descendo os degraus. Assustou-se rapidamente sem saber das vontades do garoto no momento. Tudo que havia deduzido era apenas teoria, ele podia sim ter matado sua mãe e retornado para matar a única pessoa que sabia do seu crime e poderia entregá-lo.
— Willian?
O garoto chorava demasiadamente. Parou perto da escada e ficou olhando nos olhos de Andrey, meio que pedindo algum tipo de ajuda silenciosa.
— Não matei minha mãe, não precisa ter medo de mim. Não te farei mal — sua mão direita se movimentava de uma forrma que prestava conforto para a pessoa assustada em sua frente.
— Eu já tinha deduzido isso — Andrey falou ainda segurando o martelo frio em seus dedos e olhando temerosamente para o rapaz de lindos cabelos loiros.
Willian indagou e com voz de choro desatou a falar:
— Prometo te explicar tudo, mas quero pedir uma coisa antes — Levantou uma mão de maneira amigável para o outro garoto no recinto — dê-me um abraço.
Andrey colocou o martelo em um dos degraus da escada ainda temeroso e se aproximou dos ombros de Willian. Recebeu o abraço terno e sincero do melhor amigo e o corriqueiro beijo na bochecha que já sentia saudades de sentir.
— Eu sinto muito Andrey. Cuidado em quem você confia.
Antes que o rapaz usando macacão pudesse falar alguma coisa, sentiu a picada de algo em sua cintura. Não teve tempo de olhar para o membro, sentiu sono ainda abraçado a amigo. Seu rosto já respirava ofegante no pescoço do garoto e suas mãos não se seguravam mais em nenhum membro daquele corpo. Tentava falar algo e não conseguia, era bastante frustrante sentir aquilo tudo.
— Em alguns instantes vai acordar e eu vou poder te explicar tudo — Willian disse isso com sua testa colada na de Andrey, olhando no fundo daqueles olhos castanhos.
Suas pálpebras fecharam e a última coisa que sentiu foi uma mão quente em seu rosto e uma respiração ofegante e quente em sua face. Um doce sugar em seu lábio antes que seu corpo fosse puxado e carregado para algum no lugar que não podia visualizar.
*Este é o penúltimo capítulo da primeira parte*
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