Capítulo 2 Garçonete
Uma tarde em que eu chorava e sofria o fato de que só tinha dinheiro para mais dois meses de convênio e mais nada, uma luz se acendeu conheci Clóvis Salgado o dono de uma rede de lanchonetes hospitalares, como não tinha qualificações fui contratada para ser garçonete, não dava para bancar o tratamento, porém eu poderia pagar o aluguel do cômodo em que eu morava num cortiço, era apenas servir lanches e café.
E no mesmo dia que o vi pela primeira vez, arrumei meu segundo emprego também para ser garçonete mas agora o ambiente era o oposto a hospitais. O Burlesco era uma das maiores casas noturnas de São Paulo.
Era muito glamouroso, porém preferia o primeiro, onde eu o via. Era estranho e ao mesmo tempo muito bom vê-lo, porém logo larguei a bandeja e a roupa e subi no palco, só ficava olhando o bonitão de trás de um biombo no balcão.
Sem brincadeira, ele era o homem mais lindo que eu já havia visto, o cabelo escuro era bem curto, volta e meia usava uma barba, que minha nossa senhora das mulheres solteiras, era um escândalo, a pele alva esticada perfeitamente sobre ossos e músculos o tornando um homem alto e forte.
Meu sonho era ver a nossa diferença de altura.
- Oh bonitona, vai lá.
Olhei para Patrícia, a pessoa mais próxima de uma amiga que eu tinha.
- Me deixa, Maionese. Me deixa.
Fui para a cozinha e respirei fundo, ninguém sabia sobre Ametista, somente os funcionários do Burlesco. Então fingia uma falsa timidez, se bem que não era tão falsa assim.
Durante dois anos, essa foi minha vida, curtia minha paixão platônica pela manhã, era a coisa mais próxima que eu tinha de um amor, o vi colocar uma aliança de ouro na mão direita com tristeza e depois veio a sensação de alívio quando o anel sumiu. Não que isso mudasse algo, a Ametista me afastava dele.
Nas noites de segunda eu ensaiava, a minha vontade de arrecadar dinheiro era tanta que não precisei de professores de pole dance, eu olhava e fazia, e amava. É um esporte maravilhoso.
Madame Bovary a travesti dona do Burlesco, me mimava, o sonho dela era financiar um show meu que rodasse o Brasil. Com a ruiva aprendi a expor minha nudez, a me sentir segura ao ficar apenas de calcinha na frente de homens afoitos e velhos babões.
Tinha terminado o ensaio do número novo e me vestia quando ela entrou no camarim.
- Linda, Ametista eu tenho tanto orgulho de sua garra.
- Eu não tinha outra opção.
- Sempre há outra opção, minha rainha. Você é tão bonita e tão sozinha.
- Que homem iria me querer? - meu pensamento voou até o bonitão.
- Ih, esse olhar significa que você já tem um rapaz em vista.
- Não - desmenti -Não há ninguém.
- Ele frequenta aqui?
- Não, ele é um médico.
- Ah, um médico... Então ele não sabe sobre a Ametista?
- Ele não sabe nem sobre a Andreia.
Respirei fundo, enfiando a calça jeans. E a imagem dele veio perfeita em minha mente, ele bebendo café olhando no celular, ou lendo jornal.
- Por que?
- Eu não tenho o direito de envolver ninguém nisso, além do mais tem mamãe.
- Aí rainha, quantos anos?
- Minha mãe?
- Sim amada, quantos anos nesta situação?
- Três, muita gente disse que ela não conseguiria... - Senti meus olhos encherem de lágrimas.
- Rainha, não chore. Vamos eu te dou uma carona.
Bovary me levou até a rua de casa, eu estava simplesmente morta, e ainda era segunda, não que na época eu tivesse folga, mas detestava as terças, se bem que aquela terça-feira foi diferente.
Eu acordei atrasada, sai quase que colocando as calças na rua, e corri peguei o metrô até a Santa Cecília e mal acreditei quando vi no celular que daria tempo, sai da estação e sai correndo. Cheguei e cumprimentei seu Clóvis enquanto tirava o avental do bolso.
- Funcionária nova? - senti meu sangue gelar ao ouvir a voz atrás de mim, não precisava virar para saber que era ele.
- Nunca viu Andreia? Está aqui há uns dois anos...
- Oi Andreia...
Me virei para encará-lo, oh Deus, de perto ele parecia um sonho, era impossível não sorrir ao olhar para ele.
- Oi...
- Miguel - nunca vi olhos castanhos mais lindos do que aqueles, acho que não existe - eu trabalho aqui também, não na lanchonete, no hospital.
- Eu sei...
- Você sabe? Interessante. Que tal tomar um cafezinho comigo?
- Não dá, estou em horário de trabalho.
- Que pena.
O vi sentar-se e pegar o celular, a rotina pareceu voltar ao normal, com exceção de eu estar com tesão, foi algo tão fora da minha rotina, que demorei para entender o sinal de perigo.
- Patrãozinho, cheguei. Antes tarde do que nunca.
Paty deu um sorriso e entrou, como sempre ela serviu Miguel. Que tomou o café deixou a gorjeta e saiu.
Confesso que fiquei decepcionada, ele se quer olhou para onde eu estava.
O dia foi corrido como geralmente era quando tinha plantão de pediatra por volta das seis, depois de uma hora de extra, eu só queria a minha cama, ainda bem que o Burlesco não funcionava as terças e quartas.
Estava saindo quando ouvi a voz dele próxima ao meu ouvido.
- E agora quer um cafezinho?
Virei para ele, e ele estava tão perto que pude sentir sua respiração em meu rosto.
- Não sei...
- Pode ser um refrigerante?
Era difícil pensar com ele tão próximo, acabei aceitando. Fomos até uma padaria que ficava na esquina e tomamos um café.
- Como eu nunca vi você por aqui?
- Ah, tem tanta gente naquele hospital, como conheceria uma das dezenas de garçonetes, ficamos todas iguais de uniforme.
- Não você, Andreia você é muito bonita, com todo respeito.
- Obrigada.
Senti que ficava vermelha, era desconcertante flertar, um strip-tease para cinquenta homens era mais fácil que encarar esse único homem que mudava o tom da minha respiração, me encabulava, me afetando de um jeito inédito só de estar sentado a mesma mesa que eu.
- Antes que me pergunte, estou solteiro, não convidaria uma mulher tão bonita para um café, se estivesse comprometido.
- Seu estado civil não me interessa - interessar, interessava, mas não devia, em hipótese alguma eu podia sentir o que estava sentindo.
- Mas o seu me interessa.
Mordi o lábio superior, aquilo era tão absurdamente certo e estupidamente errado. Miguel tomou o café, sem desviar os olhos do meu, e meu pensamento era porque naquele momento?
- Solteira - me peguei respondendo.
- Que bom, porque eu passei o dia inteiro pensando em você, acho que nunca fiquei tão atraído, me desculpe ser tão direto, mas sou péssimo em demonstrar interesse.
- Hm... Eu vou nessa, Miguel né? Obrigada pelo café, foi um prazer.
- Eu te levo em casa, prometo que vou me comportar.
- Não precisa prometer nada, eu não quero sua carona.
Eu sabia que não podíamos ter nada, então apesar da atração que eu sentia, o certo era cortar aquela atração, desde o princípio.
- Bonita e inacessível, tudo que um homem procura em uma mulher.
- Olha, Miguel. Por mais que eu quisesse ficar aqui falando com você, eu tenho que ir, tem um metrô lotado me esperando, e não vejo a hora de tirar este uniforme e dormir.
- No meu carro seríamos só você e eu...
- Não, passar bem.
- Me dê um beijo antes de ir?
Inclinei-me em sua direção e beijei a bochecha, e quando meus lábios tocaram a pele clara, eu senti que poderia desmaiar.
Sai da padaria, num misto de emoções, a vida era injusta, o meu crush, o cara que eu passei anos observando queria me levar e eu não podia aceitar. Como eu poderia me apresentar? Sou stripper, as chances de você conhecer alguém que ja colocou dinheiro na minha calcinha é imensa.
Abanei a cabeça, eu não tinha escolhas sem a boate, sem o tratamento que minha mãe precisava, nos últimos meses nem só a boate estava dando o suficiente.
- Andreia, Andreia - olhei para trás, Miguel abanava uma folha de papel - Você esqueceu isso.
Parei tentando lembrar em qual momento eu abri a bolsa.
Parei e fiquei esperando por ele, peguei a folha quando ele parou perto de mim, e nela tinha uma sequência de números, que logo vi ser um telefone.
- Eu não esqueci isso...
- Estes são meus telefones.
O encarei de cenho fechado, será que ele não percebia os meus nãos?
- Você me disse que eu esqueci algo, você queria...
- E esqueceu mesmo - ele me interrompeu - Esqueceu isso.
Mal senti quando Miguel me enlaçou a cintura, me erguendo um pouco para que nossos lábios se unissem em um beijo devastador, eu nunca mais seria a mesma depois de provar o seu gosto. Entretanto não corresponder estava fora de questão, foi como se ele tivesse acendido o estopim de uma bomba relógio que estava oculta em meu corpo.
A febre que me consumiu foi o começo da minha destruição.
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