Se eu ficar com você

Se eu estiver escolhendo errado

Eu não me importo

Se eu estiver perdendo agora

Mas estarei ganhando mais tarde

Isso é tudo o que eu quero

Agora precisamos de algum tempo

Porque eu tenho sentimentos por você

E eu quero mudar

Crescer sozinha, parece tudo tão rápido

Não consigo explicar

(...)

Eu não me importo

Estou perdida

Eu pouco me importo

Perdi meu tempo, minha vida está passando

- Cecilia Krull -

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1 dia para O Dia

19 de julho, sábado

Henrique estava no penúltimo bimestre do Ensino Médio quando tomou seu primeiro copo de cerveja. Após a festa de despedida, organizada pela própria escola, alguns alunos criaram seu próprio evento. Dessa vez, com direito a bebidas, drogas, entre outras coisas.

Joaquim, seu colega de infância, que ofereceu. Estava de cabeça cheia naquele dia. Seus pais haviam tido uma discussão feia. Ao que parecia, sua mãe ficara furiosa ao descobrir que Bernardo olhou para uma moça com segundas intenções.

Quando ele disse que sairia à noite, seus pais assentiram. Nem procuraram saber para onde ele iria. Apenas concordaram.

Ele tentara se recordar qual fora a última vez que teve um momento fraternal com sua família. Não fazia ideia.

E então, naquela noite, ingeriu o líquido oferecido para ele. Houveram drogas mais pesadas, como cocaína, na festa também, mas Henrique não as aceitou.

A partir daquele dia, sempre que ele se sentia sozinho, machucado, ou triste, chamava seus novos amigos para sair e, lá, bebia até não aguentar mais.

Por três vezes, ele chegara embriagado em casa. Sempre quando seus pais e irmãs estavam dormindo. Ele nunca recebeu a atenção devida, apesar de ter privilégios por ser o único filho homem.

Aquilo foi se tornando cada vez mais frequente, até virar um hábito e, por fim, as drogas foram criando laços cada vez mais fortes com ele.

Era noite, mas esses pensamentos permeavam constantemente na mente do rapaz enquanto observava sua bebida na mesa de um bar.

"Por que eu continuo nisso? Por que eu não consigo parar?" ele pensava.

Em suas mãos, ele segurava um copo com vodca. Passou a língua pelos lábios. Cheirou o aroma que a bebida exalava. Aquilo o agradava. Pensou em como seria bom se tomasse de vez aquilo.

Não o álcool em si. Mas a fuga da realidade miserável que lhe restava.

Deixou o copo na mesa, ainda observando para ele. Suas mãos tremiam.

Queria sentir, mais uma vez, o gosto da bebida, mas, principalmente, a sensação momentânea de paz que ela causaria. Sensação essa que também não conseguia alcançar de outra forma.

Passou a mão pelos seus cabeços em dread e percebeu, então, que suava.

Henrique estava em uma árdua batalha ali. Quem seria o vencedor? Ele ou o álcool?

Sem saber o que fazer, Henrique pegou seu celular. Era cercado por amigos. Pelo menos, um deles poderia ajuda-lo naquela situação difícil.

A primeira pessoa que apareceu foi Joana.

"Essa aqui? Depois de tudo? Não. Sem chances"

Depois, a outra pessoa foi Alexandre.

"Desgraçado. Filho da..."

Em seguida, encontrou o contato de Andressa.

"Ah, Andressa... Deve estar me odiando agora"

A outra foi João Victor.

"Victor? Não. Ele... Não. Ele não iria. Ele não se importaria"

E então, observou o próximo da sua lista. Abriu um sorriso ao se lembrar e, então, não pensou duas vezes antes de ligar para Ana Laura.

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2 meses e 4 dias para O Dia

16 de maio de 2019, 14h33m, quinta-feira

As semanas seguintes não foram causadoras de mudanças significativas na vida da maioria dos participantes do reality show que já haviam conquistado sua vaga.

Andressa Bitencourt curtia aquele período no Rio de Janeiro para conhecer a cidade e seus pontos turísticos como o Pão de Açúcar, o Cristo Redentor e visitar algumas praias do litoral. Ela alternava a pessoa que a fazia companhia. Às vezes, era Iago. Outras vezes, Mariana. E outras, Henrique. Fazia um tempo considerável desde que esteve com Letícia. Aliás, procurava sempre distanciar seus pensamentos da jovem.

Henrique Martins também seguia com sua vida da mesma forma. Saía frequentemente com Andressa, principalmente nos dias em que havia ensaio. No entanto, apesar de sua aparência viva e feliz para o público, o rapaz não conseguia ficar um dia sem ingerir álcool. Sem a substância, era como se ele entrasse em loucura.

Alexandre Galdino era, sem dúvida, um dos favoritos do público. Graças a sua atuação nas redes sociais e ao que fez no primeiro episódio, seu nome foi procurado várias vezes nas mídias, chegando a ser requisitado para entrevistas em diversos locais.

Ana Laura, por sua vez, vinha fazendo cada vez mais sucesso. A jovem cantora de músicas gospel ficou conhecida em todo o seu bairro. Praticamente todos do seu bairro compartilharam sua apresentação nas redes e elogiaram seu show, principalmente os membros de sua igreja.

— Eu sempre te disse que você é ótima, amiga! — Nicole a elogiou, após assistir à apresentação de ensaio da jovem no set de filmagens.

— Ah, para com isso! Você que é! — Ela disse, fazendo falsa seriedade, dando uma cotovelada de leve na mulher.

As duas deram uma gargalhada.

— E você já sabe com quem vai competir na segunda fase? — Ela perguntou, puxando a cadeira da lanchonete do estúdio e se sentando ali.

— Ah, sim! Vai ser com aquela ruivinha baixinha, sabe? A Alice quer que cada dupla cante uma música meio que na mesma vibe e disse que a da gente tinha que ser um MPB... Nossa, Nico! Tô tão perdida... Qual música eu escolho?

— Não sei. Mas fica tranquila, Ana. Você é maravilhosa e vai arrasar. Confia em você mesma!

— Você tem razão, sabe — A loira falou, percorrendo os olhos na paisagem ao seu redor — É algo tão novo pra mim... Ser elogiada por algo que faço. Você sabe, né... Eu já tava cansada demais de receber elogios apenas referentes a minha aparência.

Nicole engoliu em seco. Aquele assunto também era bastante delicado para ela. Autoconfiança. Rejeição. Bullying... Em resposta, a garota apenas assentiu com a cabeça.

— Diferente de você, que sempre foi muito inteligente. Todo mundo te elogiava por suas notas altas e seu desempenho. Enquanto eu, com doze anos, mal sabia escrever direito...

— É diferente, Ana — Ela resolveu se pronunciar — Você tem dislexia e discalculia. Eu, por outro lado... Sou esforçada, né.

O assunto morreu ali. As duas ficaram, ainda por mais algum tempo, em silêncio, apenas admirando o som dos pássaros e observando as pessoas caminhando durante o intervalo de trabalho.

— E o Alexandre? Como ele está indo lá? — Nicole mudou o tema da conversa para algo que ela se sentia mais confortável para falar.

— Ah, o Alexandre vai muito bem. Depois que a Alice deu um intervalo pra gente ainda pouco, ele ficou lá. Acho que é um dos favoritos pra ela... Não sei.

— Eu tô tão orgulhosa! Não sei pra quem eu torço! — Ela sorriu, entrelaçando os dedos.

— Pode torcer pro teu noivo e pro teu irmão, amiga. Não fico chateada não — Ela deu uma risada, mas logo voltou a postura séria — Mas me diz uma coisa... Por que ele te pediu em casamento de novo?

— Ah, pra conseguir mais popularidade, né? Coisa normal, Ana...

— É. Sei... — Ela apoiou o queixo em uma das mãos, pensando em maneiras de dizer o que queria dizer sem ser inconveniente — Só se fala nisso lá. Afinal, um homem que reconhece seus privilégios e se apaixona por uma garota negra é "digno de aplausos" — Ela fez sinal de aspas com as mãos — Daí ele tá muito famoso entre o grupo, sabe.

Nicole engoliu a saliva. Tentou não transparecer seu desconforto com aquela informação. Não queria parecer uma louca ciumenta.

— Confio nele. É o meu futuro marido.

Ana Laura respirou fundo. Percebia sua amiga entrando em um relacionamento não muito saudável e não sabia o que dizer. As duas voltaram para o silêncio perturbante.

— O Henry anda muito mudado ultimamente, né? — A loira resolveu falar para quebrar aquele clima ruim entre as duas — Apesar da apresentação incrível que ele fez, ele parece meio mal... Ele nunca mais foi à igreja e faz tempo que não conversamos, mas percebo essas coisas. Aconteceu algo?

— Ai, o Henry... — Nicole comprimiu os lábios. Seu coração bateu mais forte só de ouvir o nome do irmão — Ele tá cada vez pior.

— Sério, Nico? O que houve?

— Minha família nunca foi de incluir ele nos diálogos, sabe. Coisas como sexualidade, amizades, saídas... Diferente do que fizeram com minha irmã e eu. Daí, ele aparece bêbado em casa, saindo quase todo dia e voltando tarde, ficando com desconhecidas... Parece que meus pais não sabem o que fazer com isso agora. Acho que falta bem pouco pra ele sair de casa.

— Acho que entendo... É realmente muito complicado. Bem que vocês podiam tentar convencer ele a ir lá pra igreja falar com a pastora. Ou então, na ONG. Tá tendo cada coisa boa lá...

Nicole assentiu, mas ambas, naquele momento, só desejavam que o período do intervalo terminasse e Ana Laura voltasse logo para os ensaios. Não havia como não entrar em assuntos delicados e elas não queriam aquilo.

Felizmente, não permaneceram na conversa por muito tempo. Logo, deu o horário e a irmã de Astrid precisou partir.

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2 meses para O Dia

20 de maio, segunda-feira

O dia amanheceu para Andressa com um feixe de luz que invadiu as janelas e incomodou seus olhos. Ao abrir esses últimos, manteve suas pálpebras bem abertas, ainda boquiaberta com o que acontecera na noite anterior.

Teria ela bebido demais? Ou foi Henrique?

De qualquer maneira, sabia que precisava sair dali. Logo, alguém poderia aparecer e perceberiam que os dois estavam praticamente nus dentro do carro do rapaz no meio de uma praia deserta.

— Henry? — Ela chamou pelo jovem, deitado em cima dela no banco de trás, que não reagiu — Henry! Acorde, pelo amor de Deus!

Aos poucos, o cantor foi despertando de seu sono profundo e da ressaca que lhe fazia sentir uma profunda dor de cabeça.

— Que foi? — Ele disse, levantando sua cabeça.

— Que foi? A gente tem que sair daqui!

Demorou alguns segundos até Henrique finalmente se sentar normalmente no banco e processar as informações ao seu redor. Não se lembrava de nada do que havia acontecido até chegar ali.

— Como a gente foi parar aqui?

— Olha, eu não faço a menor ideia do que rolou ontem, mas sei que do jeito que estamos, não dá! Já já chega alguém aqui e estamos com o carro parado no meio da praia!

— Relaxa. Ninguém vem pra cá.

— Não importa! A gente precisa sair — Ela disse, enquanto vestia seu vestido que achara no chão.

— Cadê minhas roupas? — Ele perguntou, percebendo que estava apenas de roupa íntima.

— Eu não faço ideia. Procura aí...

Após se recuperarem da situação que se encontravam, Henrique dirigiu até o Shopping Metropolitano para tomarem alguma coisa de café e partirem para casa.

— E então? — Ele falou, enquanto esperava seu cappuccino com pão de queijo chegar — O que vai fazer agora?

Andressa suspirou. Finalmente, aquele momento chegaria.

— Vou fazer um acordo com eles. Fico com a minha mãe, mas sem deixar de ter o contato frequente com meu pai. Quero que ele esteja comigo nos ensaios, que a gente viaje o Rio juntos e que ele opine nas minhas músicas. Mas vou manter na casa da Dani. Esse concurso é o meu maior sonho e não posso ter nada me atrapalhando!

— É uma boa escolha. Tô torcendo por você.

— Ah, tá! — Ela deu uma gargalhada, no exato momento em que o garçom chegou para servi-los — Vou fingir que acredito que você prefere que eu ganhe ao invés de você.

— Não foi isso que eu disse — Ele também riu, tomando um gole de sua bebida — Mas gostaria muito que você ficasse com o segundo lugar.

— Estaria ótimo pra mim, também. Mas eu deixo esse cargo com você. — Eles iniciaram uma risada ainda mais intensa. Não tanto pela piada, mas pela alegria de saber que é a causa do sorriso um do outro. Após alguns instantes, o riso parou e chegou a vez da loira perguntar — E você? O que pensa em fazer agora?

— Ah, agora eu vou ter que inventar alguma desculpa pros meus pais, né. Eles nunca fizeram muita questão de saber onde vou, com quem estou, mas parece que isso mudou depois de anteontem, né... — Ele deu um suspiro e olhou para baixo — Mas vou tentar continuar minha vida do mesmo jeito. Até arrumar um apê aqui perto e me mudar.

Andressa engoliu em seco. Era nítida a diferença em que ela e Henrique se encontravam. Às vezes, ela precisava fazer um esforço muito grande para reconhecer seu privilégio por ter opções — mesmo que essas não fossem boas. Já era acostumada a ser estimulada a essas reflexões enquanto namorava Letícia, uma jovem universitária, periférica, militante pela causa feminista, negra e LGBT.

Ela tinha consciência que a diferença da cor de pele entre eles é um fator bastante significativo para a sociedade e, apesar de ela ser mulher, tinha consciência de que precisava tomar alguns cuidados em sua relação, tanto com Letícia quanto com Henrique.

— Espero que dê tudo bem — Ela falou, segurando com delicadeza a mão de seu companheiro.

No final daquela refeição, Henrique acompanhou Andressa até seu apartamento. Falou com Mariana e Daniela. A decisão da jovem foi explicada enquanto ele ainda estava presente e, logo, foi informada para Iago, que concordou com aquilo.

Após isso, Henrique retornou a sua casa. Para a sua surpresa, sua família não fez muita questão em sua desculpa para justificar a chegada em casa naquela hora. Por outro lado, estava eufórica querendo saber mais detalhes sobre a nova namorada do garoto, segundo o que viram nos portais de notícia.

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1 mês e 11 dias para O Dia

9 de junho, domingo

Após os seis primeiros episódios do Estrela do Rock, os quarenta e oito participantes foram, finalmente, selecionados para a próxima fase do concurso.

Às catorze horas, o relógio de prata — importado da Europa — anexado ao pulso do apresentador João Victor Lima acionou um alarme rápido e agudo, que logo foi silenciado pelo dono enquanto este caminhava pelos bastidores do estúdio até o palco, onde as câmeras já estavam posicionadas e a plateia eufórica para o início do grande show.

Respirou fundo. Aquele seria um momento importante e não poderia decepcionar seu chefe nem seus fãs. Pela primeira vez naquela edição, os episódios seriam reproduzidos ao vivo.

Ao se aproximar do portão colorido de cinco metros de altura, o mesmo se abriu ao mesmo tempo que houve uma sincronia entre uma cortina de fumaça, as luzes dos holofotes, o piso que mudava de cor, os painéis que alternavam a exibição das imagens de ângulos diferentes, a música eletrônica de fundo, os gritos esbaforidos do público que ansiava pela aparição de seu ídolo e, obviamente, a enorme estrela que descia da parte superior do estúdio com o logo do programa.

— Boa tarde, Brasil! — Ele falou no microfone, podendo ser ouvido por toda a rede nacional, quando era possível ver apenas sua silhueta devido a fumaça — Está começando mais um Estrela do Rock!

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Aquela semana fora tão agitada para Andressa que mal conseguiu se dedicar como gostaria para o concurso. Foi um erro dela, ela sabia, que prometera que não ocorreria novamente se ela passasse para a próxima fase.

A mesma coisa valeu para Henrique, que não conseguiu se concentrar direito devido ao estresse relativo a sua família e ao processo de mudança de residência que já se iniciava. Juntou suas economias e o que já tinha ganhado do concurso para comprar os móveis e pagar o aluguel de um apartamento próximo ao set de filmagens.

No entanto, quando os dois se encontraram nos bastidores do Estrela do Rock, no dia de seus shows, não ficaram mais momento nenhum afastados. Juntos, os dois comentaram sobre o que passaram durante a semana e suas perspectivas, oferecendo apoio um ao outro.

Por outro lado, Ana Laura se mantinha com seu violão na espaçosa sala de espera, cantarolando a canção que cantaria em breve e tocando algumas notas. Em sua mente, fazia também uma oração, pedindo ao seu Deus que tudo ocorresse bem.

Alexandre, o favorito do grupo, sentia-se confiante. Não perdia seu tempo preocupado com os momentos seguintes. Por sua vez, distraía-se fazendo seu nome através das mídias sociais.

Quando João Victor Lima declarou o início do episódio, o coração de todos acelerou um pouco mais. Principalmente depois da abertura do show, em que os três jurados fariam uma apresentação, pois já seria a hora de chamarem os participantes.

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Após os aplausos dos fãs de Pedro Xavier, Alice Mello e Kátia Perez devido a música que acabavam de cantar, os mesmos se posicionaram de volta para suas poltronas acolchoadas e grandes.

Foi o momento do apresentador aparecer novamente.

— É hoje, senhoras e senhores! A segunda fase do Estrela do Rock contará com uma dinâmica diferente — Ele falava, olhando para a câmera — No momento, temos quarenta e oito participantes na disputa. Dezesseis para cada equipe. Hoje, cortaremos a metade deles através de duelos entre os próprios grupos. Cada participante fará uma apresentação breve, com cerca de um minuto e meio, que deverá ser o suficiente para agradar todos os sentidos de seu mentor ou mentora — Ele fez uma pausa e a câmera se voltou para os cantores famosos que prestigiavam o programa — Então, para a primeira apresentação, vamos começar com a equipe de Alice Mello! Disputando contra Renato Azevedo, pode vir: Alexandre Galdino!

Quando o ruivo ouviu João falar seu nome, engoliu em seco. Não poderia perder a confiança. Afinal, preparou-se a sua vida toda para aquilo. Conseguiu uma boa reputação, bem diferente de seu adversário.

Sua vitória estava certa.

Entoando uma versão mais frenética da música "Se você pensa" do cantor Roberto Carlos, Alexandre conseguiu ainda mais fãs, incluindo sua mentora, que decidiu mantê-lo na equipe ao invés do outro rapaz.

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Nicole ainda não tinha falado com o noivo naquele dia. Foi um dia cheio de estudos e trabalho. Por isso, dedicou um bom tempo, antes de sair de casa, em sua aparência. Afinal, precisava estar à altura de seu futuro marido.

Alisou seus cabelos, deixando-o em um coque frouxo, ostentou um vestido florido sustentado uma alça fina, calçou um salto alto e esbanjou-se com o melhor perfume que tinha e as joias que mais gostava, inclusive um brinco grande. Por último, passou um batom vermelho nos lábios e se admirou no espelho. Era uma das raras vezes que se sentia relativamente satisfeita com a própria aparência. Mas ainda desejava mudanças.

Em seu departamento, Nicole se emocionou com a apresentação de Alexandre. Dos bastidores, enquanto executava seu serviço normalmente, a jovem ficava atenta no show dele. Orgulhava-se dele e de si própria, por ter conquistado o coração daquele homem tão talentoso.

"Como sou sortuda por me casar com ele" Pensou.

Às vezes, perguntava-se o que Alexandre vira nela para se sentir tão apaixonado quanto dizia. Afinal, ela mesma não notava suas qualidades. Era como se ele estivesse cego para enxergar os inúmeros defeitos que ela mesma botou em si.

Seu maior medo, portanto, era ele, finalmente, ser curado dessa cegueira e perceber a mulher medíocre que ela tanto pensava ser.

— Parabéns pelo seu noivo, Nico! — Denise a pegou desprevenida, imersa em seus pensamentos de auto sabotagem, e tocou-lhe no ombro com um sorriso no rosto.

— Ah, obrigada! — Ela agradeceu com um sorriso amarelo, minimamente embaraçada.

— Por que não vai lá dar os parabéns pra ele? — Ela questionou, pondo as mãos em sua cintura.

— Tem certeza? Não vai precisar de mim caso...

— Fica tranquila, flor. Quer saber? — Ela disse, como se uma lâmpada, de repente, acendesse e uma ideia surgisse em sua mente — Eu vou também. Quero falar com o Léo. Daqui a pouco a gente volta.

As duas caminharam até a ala onde ficavam os participantes que já haviam se apresentado. Em meio a algumas pessoas querendo tirar fotos e estar perto de sua celebridade favorita, as mulheres encontraram Alexandre.

Quando a jovem se aproximou do homem, alguns dos fãs a avistaram primeiro. Duas mulheres, aparentemente amigas, na empolgação do momento, seguraram, uma em cada braço de Nicole e a puxaram para uma foto entre os quatro.

Assim que foi dado o flash, o casal riu e agradeceu a consideração. Em seguida, seus olhares se cruzaram pela primeira vez naquele dia.

— Oi, amor! — Ela disse, entrelaçando seus dedos na nuca do cantor e abrindo um sorriso apaixonado cujo motivo era ele, que também sorriu — Tô tão feliz por você... Foi incrível!

Um pouco inibido, Alexandre não soube exatamente utilizar as palavras que expressassem exatamente o que sentia naquele momento. No entanto, apenas assentiu, agradeceu e deu um beijo de leve nos lábios da noiva.

Pouco depois, Nicole percebeu que Denise estava logo a sua retaguarda, ligeiramente embaraçada por ter sido esquecida ali. Desesperada por ter cometido tal gafe, a estagiária tapeou levemente sua testa.

— Oh, como pude esquecer? Alê, acho que não te apresentei a Denise, minha supervisora, né? — Ela falou, estendendo as mãos para a chefe.

No primeiro momento, estranhou a aparência da mulher, mas logo se lembrou de que Nicole sempre comentava da tal Denise que possuía Síndrome de Berardinelli.

Era uma ótima oportunidade.

— Acho que já nos encontramos— Ele falou, apertando as mãos da mulher com um sorriso — Prazer, Alexandre.

— Denise Soares, chefe do Departamento de T.I de todo o set. Você é um homem de sorte por ter a Nico como sua noiva, viu?

— Ah, sou sim! — Ele disse, olhando a mulher de cima para baixo com um sorriso falso. Virou-se novamente para Denise e, em um gesto ousado, puxou-a para perto pelos ombros e, utilizando uma das mãos, apanhou seu celular e ligou a câmera para uma selfie — Ei, vem cá! Vamos tirar uma foto pro Instagram.

— Quê? Não, eu...

Sem muito tempo de reação, Denise recuou, mas Alexandre foi mais rápido e tirou a foto. Nicole, sem saber o que fazer, juntou-se a dupla para aparecer também na tela.

Veio o flash.

A fotografia ficou embaçada. Denise fazia um sorriso sem graça. Nicole com metade do rosto cortado. Alexandre, no entanto, estava em sua melhor forma.

— Obrigado, viu? Muito bom te conhecer!

— Olha, eu fiquei horrível... Não posta isso não, tá ok?

— Ok, ok! Valeu! — Ele disse, parecendo apressado, com os olhos pregados no celular, caminhando em volta do estúdio.

Nicole corou com a atitude do noivo, abriu a boca para falar algo, mas logo teve seu braço direito segurado pelas mãos grossas de Alexandre e puxado para trás.

— Alê! — Ela uniu as sobrancelhas e fez um bico, utilizando um volume baixo para reclamar com o cantor, mesmo ele estando mexendo algo no celular — Que foi isso? A Denise ficou toda sem graça! Ela não gosta de aparecer em público!

Alguns segundos passaram até eles irem a uma região mais reservada, onde ele pode tirar seu olhar da tela de seu aparelho e o fixar para a estudante de T.I que segurava as mãos.

— Amor! — Ele exclamou, com um sorriso de orelha a orelha — Eu arrumei mais mil seguidores só nessa manhã!

A mandíbula da jovem deu uma leve caída e suas pálpebras ficaram bem abertas.

— Como é? — Ela cruzou os braços, impaciente, bufando.

— Eita! O que foi? Nem parece que está feliz por mim? O que tá acontecendo, Nico?

— O que tá acontecendo? Eu aqui falando igual uma palhaça do jeito idiota que você tratou a minha chefe e você cagando pra mim!

— Ei, ei! — Ele espalmou a mão esquerda e a estendeu a ela, para que parasse — Você entendeu errado. Eu estava só tirando uma foto de boa com vocês duas depois de ter passado pra próxima fase do concurso.

— Isso não justifica você ter... — Ela estendeu o indicador para ele, mas logo foi interrompida.

— Tá todo mundo contente com essa minha vitória, Nico! Menos você! O que tá rolando? Só porque eu tô fazendo sucesso você está contra mim?

— Não é isso, Alexandre! É que...

— Por isso que eu disse. Esse seu emprego tá te deixando distante das outras pessoas. Inclusive de mim! E isso tá péssimo pra nós dois.

— Alexandre! Eu não...

— Nico, por que você é a única que tá tensa enquanto seu noivo conquistou o que acabou de conquistar?

Nicole respirou fundo para responder, mas hesitou. Ficou em silêncio por alguns segundos, pensando no que ele havia falado.

"Merda! De fato, ele tem razão"

— A questão toda é de desrespeito, sabe? O que rolou agora eu não gostei nem um pouco.

Com os olhos bem abertos e segurando as mãos da moça com doçura, quase chegando no ponto em que a mesma se renderia com sua manipulação, Alexandre comprimiu os lábios por um tempo, mas continuou.

— Desrespeito? — Perguntou retoricamente — Nicole, eu não queria falar sobre isso. Mas veja você. Você é linda, sim. Incrível! Mas... E onde estava o seu respeito comigo ao vir até mim, enquanto tiravam fotos e faziam filmagens, vestida assim?

— Assim como? — Ela levantou uma de suas sobrancelhas e observou as suas vestimentas.

— O vestido tá batendo a o quê? Quatro dedos acima do joelho? E esse batom provocante aí? Esses brincos?

— Alê, eu achei que... Sei lá... Logo você falando uma coisa dessas?

— Como é? Não, Nico, isso é questão de bom senso. Não podemos deixar que os outros nos interpretem errado!

— Amor, eu... — Sua vontade era de chorar naquele momento. Sua decepção com Alexandre só não era maior que sua frustração consigo mesma.

"Por que eu tinha que criar essa confusão toda em um momento que deveria ser de felicidade? Deus! Eu tenho que parar com essa imaturidade"

Praguejou em pensamento. Repreendeu-se e, por fim, desculpou-se com seu noivo. Como sempre fazia em todas as discussões.