6: Doces sonhos
Doces sonhos são feitos disso
Quem sou eu pra discordar?
Eu viajei o mundo e os sete mares
Todo mundo procura por algo
Alguns deles querem te usar
Alguns deles querem ser usados por você
Alguns deles querem te abusar
Alguns deles querem ser abusados
- Eurythmics –
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3 meses e 4 dias para O Dia
16 de abril, terça-feira.
O silêncio que raramente conseguia-se obter na cidade de Belo Horizonte foi, finalmente, conquistado naquela noite fria de terça-feira. Andressa usufruía daquele fato tendo um sono relativamente tranquilo em sua cama.
No entanto, foi por pouco tempo. Às duas horas da manhã, seu celular acionou o alarme que a fez despertar.
Sua vista ainda estava relativamente turva. A mente ainda demorava para processar as informações fornecidas pelos seus olhos. Quando percebeu, já eram duas e cinco.
Respirou fundo. Sabia que precisava se levantar, mas queria ter mais alguns momentos de sono.
Enfrentou a preguiça e acendeu as luzes, deixando-a mais alerta.
Seu reflexo no espelho logo a encarou quando se encontrou de camisola e cabelos platinados bagunçados em sua cabeça.
"Eu vou atrás do meu sonho" Pensou, mesmo sabendo que aquela escolha lhe pesaria muito no futuro.
Com agilidade, arrumou sua cama e apanhou, embaixo dela, a bolsa que havia preparado enquanto seu pai não observava. Lá, ela armazenou suas roupas mais usuais, materiais de higiene, carregador de celular, entre outras coisas. No entanto, seu coração doía por saber que precisaria se desapegar de tantos outros objetos que não poderia ir junto com ela ao Rio de Janeiro.
Trocou de roupa. Optou por usar uma blusa de manga comprida, calça jeans e uma tiara roxa na cabeça. Respirou fundo. Puxou a gaveta de seu armário e retirou, de lá, um caderno e uma caneta.
Engoliu em seco enquanto redigia, naquele papel, a mensagem que queria que seu pai visse quando abrisse as portas e percebesse que sua filha não estava mais lá como de costume. Feito isso, deixou o objeto sobre a cama e continuou seu processo.
Apagou as luzes, abriu a porta de seu quarto e, tomando o devido cuidado para não acordar Iago, ela caminhou até o portão de sua casa, por onde saiu.
Quando pôs os pés para fora, percebeu a presença de Letícia Bertoti e Mariana Madalena dentro de um carro vermelho.
— Não lê mais mensagens não? — A namorada da jovem perguntou, com as sobrancelhas unidas, os braços cruzados e os lábios formados em uma linha reta.
— Ai, Letícia! Desculpa... — Ela falou, entrando no carro.
— Ei! — Mariana, do interior do carro, exclamou, chamando a atenção das jovens — As bonitas querem fazer o favor de entrar? Vamos! Antes que chegue o disco voador!
Letícia bufou. Aquela atitude de Andressa a incomodava bastante. O relacionamento das duas mudara bastante desde que começaram a namorar, há sete meses. Nos últimos dias, a loira conseguia fazer a outra se estressar com muito mais facilidade.
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1 dia para O Dia
19 de julho, sexta-feira
Sherlock não conseguia conter seus instintos. Desde o momento em que pôs as patas para fora de casa, o animal fazia seu dono passar vergonha com seus hábitos desengonçados.
Sua euforia em estar na rua era nítida. O cão caminhava com a boca aberta e a língua para fora, arfando sempre e latindo para qualquer um que lhe parecesse estranho. Sempre que algum barulho ou movimento se destacava ao seu redor, ele queria correr até lá, mesmo que isso significasse mudar o caminho que Gustavo Zhang planejara para aquele passeio.
— Calma aí, amigo! — Falou o rapaz, seguido de uma risada descontraída, após Sherlock tentar correr atrás de um gato mas ser puxado pela corrente.
Não fazia muito tempo que o garoto de porte atlético, alto, de cabelos lisos pretos e olhos puxados adquirira o animal sem raça definida. Lembrava-se muito bem do dia em que, naquele mesmo bairro, encontrara o bicho doente e extremamente magro. Não era um filhote. Porém, não devia ter mais que um ano. Nunca o vira na região. Em sua coleira, estava escrito "Sherlock".
"Foi abandonado" ele concluiu.
Gustavo não conseguiu ignorar o sofrimento dele e o adotou, banhou, alimentou, penteou seus pêlos médios e castanhos e, no momento, tentava lhe ensinar algumas coisas.
Era o que fazia naquele passeio. Pelo menos, tentava.
Gustavo sempre se esforçou para ter o hábito de caminhar e fazer exercícios físicos. No entanto, nem sempre conseguia devido a pressão da faculdade. Naquela sexta-feira, escolheu não ir às aulas do período matutino. Acordara às dez horas, o que já era muito tarde para ele, acostumado a se levantar às seis para a primeira aula.
Por ser o primeiro dia que levava Sherlock consigo, optou por fazer apenas uma caminhada pela região. Aproveitaria, e acabaria com sua curiosidade em um evento que ocorreu na noite anterior.
Após quinze minutos andando pelas calçadas das ruas do Rio de Janeiro, iniciou-se, à sua frente, uma rodovia rural de mão dupla onde, em ambos os lados, apenas se via um grande matagal.
Ele precisou andar à margem da via por pouco tempo até chegar no lugar onde queria. Uma estrada estreita de barro, onde apenas um carro grande teria dificuldades para passar por ali.
Aquela região era protegida pela universidade. Porém, utilizavam-na raramente para algumas atividades de campo.
— Foi aqui! — Ele exclamou, para si mesmo.
Quando Guto adentrou um pouco mais para o interior da selva, concluiu que algumas pessoas também usavam a área para outras coisas, devido ao preservativo usado deixado no mato.
Imediatamente, lembrou-se da noite anterior. Estava voltando para a sua casa de moto, às uma e trinta da manhã, quando, naquela área, viu uma luz forte vindo por entre as árvores. Duas luzes, na verdade. Percebeu logo que eram os dois faróis de um carro.
— Não... Não acho que isso foi de ontem! — Ele falou, seguindo em frente. Estava determinado — Quem veio aqui, veio pra fazer outra coisa!
Apesar da tensão, o cheiro da natureza penetrava nas narinas do rapaz e o deixava mais leve. Não se importava com a terra molhada que sujava seus tênis e as patas de Sherlock. Queria apenas decifrar aquele mistério que o fez ficar pensando durante toda a noite.
No entanto, o animal não se sentia daquela forma.
Como se tivesse farejado algo importante, o bicho puxava o dono com toda a força que tinha para uma direção. Desistindo de seguir seu próprio instinto, ele o acompanhou.
Tomando todo o cuidado que podia para não tropeçar nas raízes das inúmeras árvores da densa floresta, ele chegou a uma espécie de clareira. Mais a frente, havia um muro. Sabia, pela cor e a tonalidade da moradia, que alguém morava ali.
No entanto, não foi a construção que lhe chamou a atenção. Foi o que estava antes dela, na clareira.
Em meio a uma pilha de estacas de madeira e cercado de folhas, galhos e outros elementos naturais daquele ambiente, Gustavo foi capaz de enxergar a mão de alguém por entre aqueles objetos.
Imediatamente, suas pupilas contraíram e suas mãos se abriram, fazendo Sherlock se sentir livre para ir lá farejar o que havia por entre aquele monte de lixo.
Engoliu em seco. Ficou paralisado por alguns instantes. Piscava os olhos com intensidade para se certificar de que aquilo não era algo da sua cabeça. De que aquilo não era tão sério quanto parecia ser. Todavia, de fato, era real.
Com passos lentos, respiração ofegante e membros trêmulos, o rapaz chegou mais perto, movido pela curiosidade de saber o que havia ali.
Enquanto isso, o cachorro já se aproximara e, com suas patas dianteiras, retirava as folhas e madeiras que bloqueavam a visão daquilo que, outrora, alguém tentou esconder.
Seus olhos se arregalaram com o que vira. Sem perder tempo, sacou seu celular do bolso e ligou imediatamente para a Polícia.
Havia um cadáver escondido ali.
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4 meses e 19 dias para O Dia
01 de março, sexta-feira
— Quantos anos você tem? — O rapaz perguntou, arqueando as sobrancelhas.
— Eu? — Rayane disse, pousando a mão no peito, mas tomando o devido cuidado para que não fosse possível perceber que seu sutiã era recheado de papel higiênico — Quanto você me daria?
— Hum, olhando assim... — Ele a analisou da cabeça aos pés, com a mão no queixo e os olhos semicerrados — Dezenove.
A garota deu uma gargalhada histérica, que fez o jovem rir também.
— Quase. Tenho dezoito — Ela falou, piscando para ele em seguida e bebericando um copo de refrigerante.
— Estranho... É a primeira vez que te vejo aqui. Numa festa da faculdade — Ele falou, sorrindo maliciosamente para a garota.
— Digamos que eu só esteja acompanhando uma amiga. Não estudo aqui — Ela contou, pousando a mão na cintura.
— Sei... — Ele falou, cruzando os braços e rindo de leve.
— E você? Tem quantos anos? — Ela questionou, com curiosidade.
— Vinte e Três — respondeu, e ela levantou as sobrancelhas.
— Nossa, que maduro... — Ela comentou, dando uma gargalhada logo em seguida.
— Pois é, já você...
— Eu o quê? Não me acha suficiente para você? Porque, querido, eu sou muito bem resolvida comigo mesma. Sei bem o que quero.
— É mesmo? E o que você quer? — Ele perguntou, aproximando seu rosto com o dela.
Ela optou por não responder nada. Apenas avançou em direção a ele, colando seus lábios aos dele. Logo, suas bocas foram se abrindo, dando lugar ao choque entre as línguas.
Rayane mantinha sua língua rígida e a movimentava rapidamente dentro da boca do rapaz negro, alto e três anos mais velho que ela. Produzia muita saliva durante o beijo e não possuía muito jeito com as outras partes do corpo.
Enquanto o beijava, a garota se vangloriava em seus pensamentos.
"Finalmente, não sou mais uma Boca Virgem"
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4 meses e 2 dias para O Dia
2 de março, sábado
— Oi! — A jovem exclamou, estendendo a última vogal, em uma forma simpática de cumprimentar aquele que iniciava a conversa através chamada de telefone.
Sentada na sua cama, a loira mexia em seus cabelos com a mão esquerda, enquanto a direita ela mexia no seu notebook sobre seu colo.
— E aí, Dêssa! De boa? — O rapaz respondeu, do outro lado da linha.
— Tudo sim, Henry! E contigo?
— Tranquilo — Ele falou, sua voz estava claramente desanimada.
— Então... Queria saber se você sabe onde fica o Shopping Metropolitano?
— Sei sim. Fica em Jacarepaguá, que é bem perto daqui, da Barra. Por quê?
— Ah, e é relativamente perto do estúdio?
— De carro dura uns quinze minutos, por aí... Por quê?
— Então... Descobri que minha mãe tem uma prima que mora na rua desse shopping. E ela ofereceu o apartamento dela pra gente ficar nesse meio tempo.
— Hum... Já vi que vai furar aquele rolê que a gente combinou — Os últimos acontecimentos de Henrique não o deixavam se animar tanto, no entanto, ele tentava expressar uma falsa seriedade.
— Ei! Não precisa ser assim! Ainda podemos ir sim! — Ela falou, rindo.
— Tô zuando — Ele falou, dando uma risada fraca do outro lado da linha. A cabeça do rapaz ainda latejava da ressaca. — Mas e aí... Desenrolou um lugar aqui, foi?
— Sim! Daí eu não vou precisar mais ter que arrumar aquela penca de dinheiro que tava imaginando... Você sabe, né. Ainda não consegui dinheiro com minhas músicas. E pra pedir dinheiro pro meu pai vai ser praticamente impossível!
— Ele ainda tá meio coiso com você querer vir pra cá?
Ela suspirou e, com os olhos, checou a porta de seu quarto para se certificar se estava, realmente, sozinha no recinto.
— Ai, tá sim... — Ela bufou — Eu nunca saí muito de perto dele. Afinal, ele já quase me perdeu antigamente, mas eu já te contei essa história, né?
— Só por alto...
— Meu pai estava praticamente casado com um cara. Tava todo apaixonado por ele e tal. E lá na época tava no início da inseminação artificial aqui no Brasil, né. Daí eles optaram por fazer isso. Foi quando surgiu minha mãe, Mariana, que era, entre aspas, "amiga" do marido do meu pai — Henrique se esforçava para prestar atenção na conversa com sua nova amiga virtual, mas às vezes se pegava imerso em pensamentos aleatórios, mas não queria deixar Andressa perceber isso — Ele traiu meu pai com ela. E quando ele descobriu isso, eu já estava prestes a nascer. Depois que eu nasci, foi uma briga pra ver de quem seria a guarda. Eu fiquei com a minha mãe e o outro por um ano, já que, mesmo com os advogados que meu pai conseguiu contratar, o juiz preferia que eu ficasse em uma família com um homem e uma mulher. Até que esse cara morreu e minha mãe foi presa.
— Uau! — Henry exclamou — Essa história rende, viu?
Andressa deu mais uma risada.
— Letícia diz isso direto!
— Ah, ela deve ser super fã do seu pai, né.
— Ela era super fã — Andressa respondeu, enfatizando o verbo no passado — mas essa super proteção dele ofuscou um pouco a admiração.
— E eu entendo.
— Pois é, e ela quer muito me ver aí. Até trancou a faculdade de História pra me acompanhar.
— Ah, é? E você ainda não falou sobre como vai fazer pra vir aqui.
— Se eu não conseguir convencer o meu pai, o que acho muito provável de acontecer, eu vou com a Letícia e a minha mãe. Não tem outro jeito. Eu já passei na primeira fase, caramba! Esse é o meu sonho e preciso lutar por ele.
— Sério, é? Nossa...
— Não vejo outra alternativa.
— Mas você sabe que vai ficar em segundo lugar, né? — Ele disse, em tom de brincadeira.
— É o que veremos, caro concorrente! — Ela falou e ambos caíram na gargalhada novamente por um bom tempo, até que o silêncio retornou — Ai, é tão legal isso de a gente estar super de boa com essa rivalidade, né?
— Diz isso por você — ele falou, ainda em clima de brincadeira.
— Palhaço! Vou acabar acreditando — ela dizia, entretida. Mesmo sabendo que ela não o via, a jovem estendeu o dedo indicador direito como se ele estivesse em sua frente.
— Tá bom, parei — ele disse, terminando de rir da reação da loira — Mas é mesmo. E que bom por isso, né. Quando você vier aqui, bora marcar de a gente fazer alguma coisa mesmo. Se a Letícia ficar com ciúmes e achar que você tá jogando no outro time, chama ela também.
— Ah, fica tranquilo! — Ela falou, enrolando os fios loiros de cabelo entre os dedos — Ela vai sim. A Letícia é ciumenta demais, mas sabe que eu não curto homens e que, mesmo se curtisse, não iria fazer uma sacanagem dessas com ela.
— Tá bem.
— Mas me diz uma coisa... Você é cristão, né?
— Ah, mais ou menos... Eu ia pra igreja vez ou outra, sabe... Mas ultimamente, tô fraco demais.
— Sei bem. Porque tipo, pelo que me parece, você não é o tipo de cara que fica esculachando gente como eu.
— Bem... — Ele pensou bastante com o que sua colega disse — Eu não sou de me gabar por isso, como o Alexandre faz, mas se teve uma coisa que a minha relação com a minha irmã me trouxe, foi de que todo mundo deve ser tratado com respeito. Apesar de não ser todos ao meu redor que fazem isso...
— Ah, é? Como assim?
— Meu pai, por exemplo, que não dedica nenhum minuto sequer pra ter um diálogo com a gente. De um tempo pra cá, tenho andado muito descrente em certas coisas por isso, sabe...
— Eu nunca acreditei nessa santidade toda de certas pessoas...
— Pois é. Mas, sem querer fazer o papel de advogado do diabo, não posso generalizar todo um grupo. A Ana Laura, por exemplo, que também tá no Estrela do Rock, é outro nível. Graças a ela que eu aprendi que posso ter relações com uma mulher que não envolvam namoro ou um contato mais íntimo...
— É. Não duvido que exista... — Ela disse, revirando os olhos. O silêncio voltou na conversa dos dois até que, repentinamente, uma lâmpada acendeu na mente de Andressa — Aí, eu tive uma ideia aqui agora! Pra gente ganhar mais popularidade, a gente pode cantar alguma coisa juntos e postar na internet. A galera vai gostar de ver dois participantes interagindo assim e tal. Podíamos chamar tua amiga e o Alexandre também...
— Olha... Até que não é má ideia! Se não for daquelas músicas depressivas que você canta — ele respondeu, desencadeando mais uma gargalhada da moça.
— As músicas mais tristes são as que mais fazem sucesso, querido — ela disse, gesticulando com as mãos — Muita gente com a cabeça perturbada gosta de ouvir música pra chorar pelos cantos. Mas tudo bem. Eu canto uma música de amorzinho com vocês. A musa indie desse reality vai ser eu mesmo.
— Tendi... — Ele disse, seu tom de voz não conseguiu parecer ser tão empolgado. Aquilo que Andressa fazia impactava negativamente o psicológico dele também. Assim como o álcool.
— Ai, eu tô tão animada! Eu tô pensando em investir em mais um clipe pro meu canal...
— Outro? Tipo aquele de Domingo Sombrio?
— Não. Aquele foi muito simples. Tô falando de algo mais elaborado...
— Simples? Como que você fez ele?
— A Letícia me gravou de vários ângulos em cima de uma ponte. Daí, a gente só precisou mesmo da câmera e do boneco que a gente usou pra simular que foi eu caindo.
— Ah, sim...
De repente, Andressa escutou um ruído comum a ela. Tirou o computador de seu colo e pôs sobre o travesseiro. Com cuidado, virou-se, levantando-se um pouco, abriu uma brecha da cortina para ser capaz de observar o que acontecia do outro lado da janela.
Iago acabara de chegar.
— É... Então, Henry, vou ter que desligar agora, ok? Obrigada por tudo!
— Fechou então. Tchau!
— Tchau! — Ela disse, desligando o aparelho.
Levantou o queixo e ficou parada por um tempo. Virou-se para seu notebook. Estava aberto o site de mapa, destacando a região de Jacarepaguá. Ela engoliu em seco e fechou a tela, aliviada por ter visto aquilo antes de seu pai.
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2 dias para O Dia
18 de julho, quinta-feira
— Henry? — A garota falava, em meio aos soluços, com seu celular ligado no viva à voz. Sua aparência estava praticamente desfigurada. A maquiagem que carregava seu rosto havia se desmanchado ao se misturar com as lágrimas dela — Cadê você, Henry? Cadê você?
— Bem que eu avisei! — Exclamou a outra garota, exaltada, enquanto caminhava para um lado e para o outro naquele quarto de hotel. Seus olhos acusadores a fuzilavam — Ele não vai te responder! Você já ligou trocentas vezes para ele! Ele não vai te responder! — Ela bufou e jogou a cabeça para trás — Eu te disse que ele não era diferente dos demais...
— Cala a boca, imunda! — Andressa berrou, unindo as sobrancelhas e deixando sair algumas gotas de saliva da sua boca. Seus olhos marejados expressavam muita dor.
Letícia ficou estática por um momento e arregalou os olhos.
"Mas é uma ingrata mesmo"
— Isso mesmo! Grita comigo! Me xinga! Me bate! Logo eu! A única pessoa que te apoiou em toda a sua vida, garota! Enxerga logo a verdade! — Ela não estava disposta a perder aquela discussão. Iria até o fim até Andressa se convencer de que estava certa.
— Quer saber... — Ela disse, fitando o outro lado da janela, que, naquela noite, permitia que Andressa observasse o Cristo Redentor brilhando no escuro, lá no alto do morro — Vai embora daqui!
A moça de pele negra e cabelos cacheados respirou fundo. Imediatamente, pegou sua bolsa de couro e, sem dizer nada, dirigiu-se até a porta.
Antes de, enfim, cruzar a saída, hesitou e olhou para a ex-namorada, que a observava ainda desestruturada com aquela notícia, com as bochechas molhadas.
— Eu não falo mais nada! — Ela disse, com um tom de voz sério e severo — Você sabe muito bem o que deve fazer...
Por fim, bateu a porta com força.
Um misto de alívio e arrependimento incendiou o coração de Andressa. Alívio por ter se livrado de mais uma pessoa que a julgava. E arrependimento por ter deixado ir uma das pessoas que se mostrava ser o ombro amigo que ela tanto precisava.
Ficou em silêncio por alguns minutos até, finalmente, voltar a chorar mais intensamente.
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