26: Me leve à Igreja
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Me leve à igreja
Louvarei como um cão no santuário de suas mentiras
Vou lhe confessar meus pecados
Assim você pode afiar sua faca
E me oferecer essa morte imortal
Bom Deus, me deixe te dar minha vida
- HOZIER –
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Os dois retornaram para o carro, mas não se moveram dali.
— E agora? — Astrid perguntava — O que vamos fazer?
— Bom... — Vinícius inclinou a cabeça enquanto exercitava seus neurônios e, enfim, virou-se para a loira — Será que tem alguém no estacionamento do condomínio?
— Parece que não — A moça falou, observando a área coberta onde ficavam os carros dos moradores no primeiro piso. Uma área em que o porteiro não conseguia ver — Mas de qualquer forma, não dá pra entrar no prédio sem passar pela recepção.
— E quem falou em entrar no prédio? — Vinícius deu uma risada e abriu a porta do carro — Vamos? — perguntou, ainda fitando a moça.
— O que você está pensando? — Ela levantou uma de suas sobrancelhas e, em seguida, fez como ele e saiu do carro.
— Vem! — Ele chamou, entrando novamente no condomínio com Astrid. Dessa vez, junto com outro morador que entrava pela garagem com o seu carro, sem que o porteiro visse.
— Víni, por que você acha que... — de repente, a jovem arregalou os olhos e exclamou — Oh! O carro dele!
— Exato! Deixa eu ver, é um celta prata da placa NTU-7886, confere?
— Caramba, que memória!
— Na verdade, ele postou uma foto com o carro há três semanas — Ele falou, mostrando a foto em seu celular para a jovem — Ali! Já achei o carro.
Os dois passaram, sorrateiramente, entre todos aqueles automóveis estacionados na garagem, um ambiente escuro e apertado, mas suficiente para comportar todos os carros que os moradores tinham.
Enfim, aproximaram-se do automóvel.
— Víni, eu só tenho a chave da casa do Henry — Astrid alertou — Não do carro.
— E quem precisa da chave de carro pra achar pistas? — Ele perguntou e Astrid levantou uma sobrancelha — Venha aqui. Olha o que eu achei.
Vinícius estava na primeira janela à direita do carro. Com os olhos semicerrados, ele conseguia ver, através do vidro fumê, os objetos lá embaixo da poltrona.
— Vodca! — Astrid exclamou.
— Não. Além disso... — Vinícius falou, apontando para outro detalhe daquilo.
— Cacos de vidro... — Ela disse, percebendo, por fim, o material. Afastou-se da janela e, junto com seu amigo, observou todo o veículo — Víni...
Os olhos arregalados e as mãos trêmulas de Astrid revelavam suas emoções ao juntar as peças daquele quebra-cabeça.
De repente, antes que a estudante de psicologia pudesse dizer alguma coisa, o toque do seu celular soou por todo o ambiente e, rapidamente, ela apanhou o objeto e atendeu aquela ligação.
Vinícius engoliu em seco. Observou com aflição enquanto imaginava a conversa que acontecia naquela linha.
— Alô? — Ela falou, com os olhos ainda semicerrados — O quê? Como assim? — Ela fez uma pausa, ainda estática — Tá bom. Estamos indo para aí!
Enfim, desligou o seu celular e se virou para Vinícius.
— E aí? — Ele perguntou.
— Vamos à TeleMil. A Nicole descobriu algo muito importante.
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08h52m
Dentro da sala de Relações Públicas, a Seção responsável por, entre outras coisas, receber as pessoas que visitavam a empresa. Era a primeira sala da entrada do grande estúdio.
Lá dentro, Nicole permanecia sentada em uma das cadeiras estofadas. Em suas mãos, ela segurava uma bolsa preta que guardava seu computador portátil. Em sua face, a expressão do pânico. Suas mãos suavam, seus pés não paravam de se mexer e ela não conseguia permanecer quieta.
Quando Astrid e Vinícius entraram na sala, ela deu um pulo de sua cadeira com um suspiro.
— Finalmente! — Ela disse.
— O que houve, Nico? — Astrid perguntou.
— Venha. Vou levar vocês até a minha seção.
Em passos largos, Nicole conduzia seus dois amigos pelos corredores dos estúdios da TeleMil até a Seção de Tecnologia da Informação onde, naquele momento, não havia ninguém além dela.
Ao entrar lá, a jovem pôs seu computador sobre a bancada e o abriu.
Astrid e Vinícius, naquele momento, nem deram atenção às peças de equipamentos espalhados no chão e, eventualmente, danificados pelo ex-noivo da estagiária.
— Eu não tô entendendo, Nicole! O que foi que aconteceu? — Vinícius perguntava, com as mãos trêmulas.
— Ontem, eu usei engenharia social para tentar lançar um spyware que eu mesma desenvolvi para a conta de um dos servidores do sistema de monitoramento da avenida. Achei que seria bobagem, mas adivinha! Deu certo! — Ela falava, eufórica, enquanto inicializava o seu aparelho e abria no arquivo desejado.
— E então?
— Agora tenho o vídeo com a morte de Mariana.
Astrid e Vinícius se entreolharam. Vinícius engoliu em seco. Já preparava seu psicológico para ver as imagens que seriam expostas na tela.
Abrindo o arquivo em tela cheia, Nicole apertou o botão de "reproduzir".
A imagem não era cem por cento nítida, mas era possível identificar detalhes importantes como, por exemplo, a placa dos poucos carros que passavam pela estrada. Do lado inferior direito da tela, era exposto a data e o horário daquela gravação:
18/07/2019 00:55:22
A estrada estava deserta. Afinal, poucos faziam aquele percurso naquele horário. Na imagem, a via de mão dupla, com velocidade máxima permitida de oitenta quilômetros por hora, perdia de vista até o momento em que era feita uma curva cinquenta metros depois de uma placa que advertia os motoristas a respeito dela.
Era uma média de um carro a cada dois minutos.
Era uma serra. De um lado, o morro se elevava ainda mais. Do outro, era possível ver um barranco antes da cidade bem iluminada.
Nada passava. Nem de um lado, nem de outro.
De repente, um veículo branco surgiu com uma velocidade nitidamente maior que a permitida. Nicole deu uma pausa no vídeo e focou na placa do carro.
— É o carro da Mariana. Estava a cem quilômetros por hora — Ela informou e, em seguida, retomou com o que estava fazendo.
O veículo foi em alta velocidade. Ignorou o aviso. As marcações da pista e não houve tempo hábil para fazer a curva. Mariana batera o carro no barranco.
Os olhos de Vinícius e Astrid se arregalaram. Quase não piscavam. A cena era chocante e o automóvel, por pouco, não caía ladeira abaixo.
Ainda que o acidente acontecera relativamente distante da vista da câmera, era possível ver que o air bag fora acionado e a motorista, Mariana, havia saído viva. Ela abriu a porta de seu carro e saiu, com alguns ferimentos leves.
Em suas mãos, a mulher portava seu celular. Discou alguma coisa nele e o pôs nos ouvidos. Com a expressão de poucos amigos dela, era possível supor que não conseguira sinal. Ela bufou. Pôs as mãos na cintura por alguns instantes. Não havia mais ninguém na avenida. O carro já não atrapalhava o trânsito, pôs havia saído da pista.
Ela respirou fundo e andou, continuando o percurso que faria, até ficar fora da vista da câmera.
— Nossa! — Vinícius exclamou.
— Espera! — Nicole disse, antes que ele pudesse falar qualquer outra coisa. Ela, em seguida, abriu na tela o vídeo de uma outra câmera.
Dessa vez, o horário era de seis minutos após o acidente. No exato momento em que a autópsia definiu sua morte.
O vídeo, de início, mostrava a pista vazia, sem movimentações. A câmera estava voltada para o início de uma curva rodeada por um morro. De lá, era possível ver uma mulher caminhando na direção da câmera.
Seu estado físico e psicológico estava claramente abalado. Andava cambaleando e sem prestar muita atenção no que fazia. Ela caminhava em passos lentos com o celular na mão. Supostamente, na esperança de encontrar sinal.
De repente, a mulher decidiu atravessar a pista, justamente quando a outra curva se fazia. Nesse exato momento, a câmera pode capturar, um celta prata da placa NTU-7886. O carro de Henrique, que vinha em alta velocidade e pegou em cheio na mãe de Andressa.
O veículo freou bruscamente, mas o impacto que Mariana levou fez seu corpo colidir com o para-brisa e rolar sobre o teto do carro e bater de cabeça no chão. Foi esse o golpe fatal que fez a mulher quebrar alguns de seus ossos, principalmente o crânio, levando-a à morte.
Alguns instantes se passaram. O automóvel foi desligado. Pela porta do motorista, sai um rapaz vestido com uma jaqueta jeans e cabelos em formato de dread.
— Henrique! — Vinícius falou, cerrando os punhos.
O rapaz parecia desesperado. Correu para ver a situação da vítima e, quando percebeu que esta já estava morta, começou a andar em círculos procurando uma solução. Um minuto se passou e ele percebeu que já era hora de sair dali.
Abriu a porta de trás do automóvel e voltou até o corpo. Com sua mão esquerda, segurava a mulher pelas axilas. Com a direita, os joelhos. Rapidamente, acomodou o cadáver no seu carro.
A cena toda não durou três minutos. Logo, Henrique ligou novamente o veículo e prosseguiu o seu caminho, até as filmagens o perder de vista.
E então, a tela escureceu. Fim do vídeo.
— Deus! — Astrid exclamou, pondo as mãos sobre a boca.
— Eu ainda tô arrasada! — Nicole disse, com o coração ainda batendo aceleradamente.
— Faz todo o sentido! — Vinícius falou, fazendo as duas virarem seus rostos para ele — Não estão lembrada, Astrid, do que a Ana falou no dia do assassinato?
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A cantora já estava completamente desconfortável. Passara a mão no couro cabeludo, na tentativa de se livrar um pouco do nervosismo.
— Ele me chamou no dia seguinte que descobriram a morte dela. Ontem. Ele disse que tinha bebido muito naquele dia. Sequer conseguia se lembrar do que houve.
— Não acha que poderia ter sido ele o...
— Assassino da Mariana? — Ela a interrompeu, com o cenho franzido — Acho que não, Astrid! Ele não faria isso. Disse que não se aguentava em pé.
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— Ela falou que não acreditava que Henrique era um assassino — a jovem loira admitiu — Mas ela poderia, realmente, dizer o que ela estava achando. Depois daquela noite, o Henrique passou por um processo doloroso que todos achavam que era pelo término com a Andressa. Mas era muito pior! Ele havia matado a mãe da menina que ele tava apaixonado e que, além disso, estava grávida dele. Ele matou a avó do seu filho.
— Céus! — Algumas lágrimas começaram a surgir dos olhos de Nicole, emocionada — Meu irmão estava numa situação pior do que eu imaginava!
— Isso explica o fato de ele querer se desligar de tudo e procurar pela Ana e a pastora.— O rapaz completou — As únicas que o ouviriam sem julgamentos. E também pode explicar o fato de ele ter se afastado do João
— Pois é, mas as coisas aconteceram muito rápido — Astrid disse — E ele ainda tinha uma apresentação pra fazer. Agora, com isso, dá pra gente entender melhor como estava a cabeça do Henry naquela noite... Acho muito possível que ele não quisesse confessar isso para a Ana.
— Faz sentido — Nicole admitiu — E outra: Ana Laura era apaixonada por ele! A mente dela estava bloqueada para perceber detalhes ruins dele. Ela não pensaria mesmo que fora ele o assassino. Ela sequer sabia que o Henry tinha, de fato, um caso com o João...
— Verdade — Vinícius se afastou e se manteve em pé, com os dedos sobre os lábios e os olhos fixos no computador, concentrado em seus pensamentos por alguns instantes — A gente precisa enviar isso logo para a Polícia!
— Eu tô tão abalada — a estagiária admitiu — Nunca passava pela minha cabeça de que meu irmão era um assassino!
— Não fique assim, Nico. Ele fez uma atrocidade, sim. Mas também é bom lembrar que a Mariana também teve culpa nisso. E isso traz um leque de possibilidades para o nosso caso.
— Como assim?
Astrid respirou fundo.
— Descobrimos que era Henrique o assassino, mas e se nós não fôssemos os primeiros a descobrir isso? E se mais alguém soube antes de nós? Quem são as pessoas que estão conectadas com a Mariana? É a hora de fazermos um interrogatório com o Leonardo já! Afinal, Ana Laura me disse que eles chegaram a ficar juntos naquela noite. E é bom ter uma conversa com a Denise também.
— Nico! Tá bom que o Léo tem problemas mentais, mas pra ser assassino? Você acha? Ele não estava nem na cena do crime! E a Denise, nossa, ela é como uma mãe pra mim.
— Pois é. Mas todos tem algum motivo para cometer um assassinato. Inclusive essas boas pessoas... E serão algumas perguntas, apenas. Eles foram os últimos que estiveram com a Mariana antes da Andressa e Letícia.
— Bom, sendo assim...
— Nicole, agora a gente precisa de você — Vinícius falou, olhando no fundo dos olhos da irmã do assassino de Mariana — Esse é o momento para entrarmos na casa do Henrique e procurar pistas por lá. E no carro dele também.
— Eu? Mas...
— Ele tem razão, Nico. Precisamos de você — Astrid afirmou.
— Vocês possuem alguma coisa em mente pra ir lá?
— Sim — o rapaz respondeu — o bilhete que Henrique entregou pra mim... Isso tá começando a fazer sentido! Ele tinha acabado de cometer um crime e estava perdido... O assassinato não foi mesmo planejado, certo?
Preocupados em não desperdiçar tempo, os três entraram no carro e seguiram novamente para o condomínio onde morava a vítima.
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09h00m
Louise se sentou na cadeira de seu escritório, atrás de sua mesa, e, de lá, fitou com atenção o mural que fez com todas as pistas que tinha até aquele momento.
Em sua mente, a detetive conseguia se situar melhor na situação observando o que fizera com barbantes, folhas de blocos de notas, fotos e canetinhas. Muitos poderiam comparar aquilo com um mapa, mas não era.
Louise, juntamente com Vinícius e Astrid, era a responsável por explorar o misterioso território que era o assassinato de Henrique. A cada passo que é dado nessa densa floresta de segredos, um novo detalhe aparece no mural.
No entanto, sempre que ela se aventura na descoberta daquele território obscuro, mais ela percebe que falta muito para, finalmente, achar a resposta para seus problemas.
— Henrique... — Ela pronunciava o nome da vítima — Se eu suspeitasse disso antes talvez tudo fosse mais fácil.
Ela mirou os olhos na fotografia da vítima do assassinato de vinte de julho. Não faziam dez minutos que recebera a ligação de Astrid contando toda a história.
— Inspetora? — A voz de Paula pode ser ouvida por trás da porta. Logo, Louise pediu para que ela entrasse — Eu ouvi o áudio... Como não desconfiei?
— Não temos tempo para isso — Ela disse, sem tirar seus olhos do mural — Não percebe o que muda nessa história?
— Desculpa, não tô entendendo...
— Com a descoberta do assassino de Mariana, temos como basear um pedido de afastamento da Daniela no caso dela e apurar melhor esse caso que, dessa vez, tem muitas chances de estar envolvido com o nosso crime. Isso vai me dar mais liberdade para entrar mais afundo no que aconteceu nessa noite de quarta-feira e dar pistas sobre o que aconteceu no sábado. Além de, é claro, libertar o Joaquim e processar a Daniela por racismo.
— Ó, Céus! É verdade! — Ela pôs a mão na boca — Mas não acha que isso também devemos interrogar novamente certas pessoas que, agora, tem mais motivos para ter cometido o crime?
— Qualquer um que tenha algum laço com a Mariana ou com o Joaquim, se soubesse quem cometeu o crime, tem mais motivos para querer matar o Henry.
— Mas são poucos os que não têm, deixa eu ver... Rayane, Bernardo...
— Não importa a relação de alguém com essas pessoas, Paula. Importa saber se alguém, além de nós, também sabe do assassino de Mariana. Essa pessoa, se existir, e certamente existe, tem, no mínimo, muito a nos explicar.
A inspetora se levantou da sua cadeira e apanhou seu equipamento.
— Vai a algum lugar?
— Sim. Vem comigo. Vamos soltar o Joaquim.
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