25: Acontecendo
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Olhe para os meus pés, olhe para baixo
A sombra que se assemelha a mim
É esse cara que está tremendo
Ou são as pequenas portas dos dedos dos meus pés
Não tem como eu não ter medo
Não tem como tudo ficar bem
Mas eu sei que, desajeitadamente, eu fluo
Com esse vento negro, eu vôo
Ei, na-na-na para permanecer são,é preciso enlouquecer
Ei, na-na-na eu me jogo totalmente neste mundo de duas faces
Ei, na-na-na você não pode me segurar, pois sabe que sou um lutador
A bela prisão em que entrei sozinho
Encontre-me e eu vou viver com você
- BTS -
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07h00m
— Ele fez o quê?
Ana Laura se levantou da cama, de onde estava sentada, com o susto. Com as pálpebras bem abertas, esperou uma resposta de Nicole, que já estava lacrimejando ao recordar do ocorrido na noite anterior.
— Eu sei, Ana! Eu também fiquei assustada, mas eu meio que não tinha saída, eu...
— Mulher, a culpa não foi sua — a loira afirmou, de antemão — Vamos agora pra Delegacia comigo registrar esse caso! Ele não pode simplesmente te bater, quebrar suas coisas, te pressionar psicologicamente e deixar por isso mesmo!
— Ana, por favor... — ela estalou a língua e pôs a mão na testa — Eu tô te contando porque sou sua amiga. Vamos deixar entre a gente. A gente já se separou. Ele não vai fazer de novo e...
— Nicole! O que é isso, amiga? — Ela cruzou os braços e encarou a outra, ainda sentada sobre sua cama, com uma sobrancelha levantada — Quer que eu mostre o vídeo de novo? Ele é abusivo. Tá fazendo tudo o que um homem abusivo faz porque quer que você volte com ele para, talvez, melhorar sua popularidade.
— Você acha, Ana? — Ela a encarou, com os olhos cheios de água.
— Claro!
— Então será mesmo que ele nunca teve interesse em mim? Porque se for assim... Então ninguém teve interesse em mim. Sei lá, eu... Chego a achar que sou tão esquisita que só ele que...
— Nico, pode parar! — Ana abaixou seu tom de voz e se sentou novamente na cama, segurou as mãos da amiga e a olhou no fundo dos olhos — Você é maravilhosa. Isso de ninguém querer você é uma mentira!
— Maravilhosa? Eu? — Ela bufou e desviou o olhar — Você não sabe o que tá falando...
— Nico... — Ana Laura semicerrou as pálpebras e comprimiu os lábios. Analisava a reação da amiga com o coração apertado. Sem saber muito bem o que fazer.
Ela, definitivamente, não estava bem.
— Desculpe, Ana. Não quero ficar assim. Passou, tá bom? Só não deixe essa conversa sair daqui, ok?
— Tem certeza?
— Sim. Absoluta. Por favor!
— Então tá bem...
— Vamos! — Nicole preferiu mudar o assunto. Levantou-se e estendeu sua mão para a outra — Vou contigo até a Delegacia pra você prestar o seu depoimento e de lá eu voltou ao meu trabalho na empresa.
Com um sorriso forçado, Ana Laura segurou as mãos da amiga e fez como sugerido. Utilizando um aplicativo no celular, a cantora chamou um motorista para conduzir as duas ao local, que chegou poucos minutos depois e executou o seu serviço com excelência.
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07h46m
Louise havia se levantado cedo naquele dia. Preparada para prosseguir com a investigação do assassinato de Henrique, ela arrumara suas coisas e se dirigiu ao seu local de trabalho.
Às sete e quarenta da manhã, já estava na sala onde fizera o interrogatório com os outros suspeitos, acompanhada do mesmo escrivão, o profissional habilidoso cuja função era digitalizar com rapidez tudo que seria dito ali.
— Posso pedir pra ela entrar? — Paula, a sua investigadora auxiliar, questionou.
— Pode sim.
— Bom dia! — disse a mulher, instantes depois de Paula se retirar.
Rose Batista já tinha uma idade mais avançada. Tinha sessenta e cinco anos. Seus cabelos, lisos, caíam sobre seu ombro e desciam até suas axilas. Ela tinha baixa estatura e, naquele momento, trajava um vestido roxo que acabava em seus joelhos. Sua voz era mansa e transmitia maturidade e sabedoria.
Mas Louise não descartava a hipótese de ela estar, de alguma forma, envolvida com o crime. Principalmente se a morte de Mariana realmente estiver realmente associada a de Henrique.
— Bom dia! — Louise a cumprimentou e, em seguida, fez sinal para que se sentasse logo a sua frente — A senhora que é a pastora da igreja de Henrique?
— Sim. Quer dizer, sou uma das pastoras.
— E a senhora era próxima a família do Henrique?
— Olha, do Henrique nem tanto. Infelizmente, o pai dele tem um desafeto muito triste comigo após eu ter dito que ele não faria parte dos pastores da nossa igreja.
— É mesmo? — Ela coçou o queixo. Pensou no porquê aquela mulher estava falando uma coisa que poderia lhe comprometer — Por qual motivo?
— Eu não gosto de falar isso, senhora, mas a verdade é que o Senhor Martins tem certos posicionamentos que me assustam. Que são totalmente contrários ao que o cristianismo prega. Eu imagino que a casa dele deva ser um centro de toxicidade. Aliás, tenho certeza. Foi só ver o que aconteceu anteontem... É uma pena. Eu até planejava visitar os filhos deles, sabe... Individualmente, é claro, já que o Senhor Martins deixou claro para mim, inúmeras vezes, de que não me receberia na casa dele. Mas infelizmente não tive tempo para isso...
— Então você conhecia a realidade dos filhos do Bernardo sem mesmo alguém falar contigo?
— Qualquer um que prestasse um pouco mais atenção na relação deles perceberia isso. Mas eu também não descobri sozinha. Além de conversar bastante com Ana Laura, o Henrique me procurou.
Os olhos de Louise se arregalaram no momento em que a mulher disse a última frase.
— Como é?
— Ele me procurou — Ela repetiu, afirmando com a cabeça — Ele me ligou era umas onze e meia de sexta. Eu já estava na cama, mas não podia deixar de atender aos pedidos de um jovem como ele.
— E o que ele te disse?
Após respirar fundo, Rose Batista se lembrou de toda a conversa que fizeram naquele dia e, em seguida, descreveu tudo.
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19 de julho, sexta-feira
1 dia para O Dia
23h24m
Era uma noite sem nuvens no céu, onde a lua cheia refletia toda a sua luz para as ruas já iluminadas do Rio de Janeiro. Faltava pouco para a meia noite, mas a capital do estado não parava nunca. Mesmo no período noturno, ainda havia um grande fluxo de carros e pessoas pelas ruas.
Rose Batista, a mulher que morava em Jacarepaguá, não conseguia dormir com o som intenso vindo da festa organizada pelo seu vizinho. Achava uma falta de respeito, mas não compraria briga com ele. Aquele ambiente era perigoso e ela sabia que o tal homem estava envolvido em alguns crimes.
Apesar de ter se deitado em uma cama de casal, ocupava apenas o lado esquerdo enquanto o direito permanecia vazio enquanto seu marido estava viajando. Sentia saudades dele.
De repente, a mulher se espantou com o toque de seu celular. Sentou-se na cama e apanhou o aparelho. Sua sobrancelha esquerda se levantou quando viu que o número que a ligava era de um desconhecido.
— Alô? — Ela falou.
— Pastora Rose — a voz era conhecida, mas naquele momento, não conseguia identificar quem era no primeiro momento. Sabia que era de um rapaz que soluçava e respirava ofegante para falar — Sou eu, o Henrique. Filho do Bernardo, lembra?
A mulher arregalou os olhos. Lembrou-se da história do rapaz e sua família.
— Oh, querido! Lembro sim. Claro! — Ela falou, preparando-se para o que viria. Não era incomum pessoas de sua igreja e fora dela irem até ela pedir por ajuda — Aconteceu alguma coisa? Você parece assustado...
— Eu não sei o que fazer, pastora. Eu tô perdido. Eu não aguento mais... — ele fez uma pausa e Rose entendeu que ele estava chorando.
— Ei! Calma! Onde você está? — Ela começou a ficar nervosa. Levantou-se da cama e ficou falando com ele andando pela sua casa.
— Eu tô aqui no meu apartamento da Barra. A Ana Laura tá aqui comigo. A gente chegou da praia ainda pouco e eu só não tô embriagado porque ela não deixou.
— Espera! A Ana Laura tá aí?
— Pastora, sou eu! — A voz inconfundível começou a falar no microfone. A jovem já parecia estar em um estado psicológico melhor que o outro — O Henry tá numa situação muito difícil aqui e acho que só a senhora pra dar um conselho.
— O que houve?
— Então, pastora... — Ele começou a falar — Sabe a Andressa? Aquela menina loirinha do reality?
— Sei.
Em poucos minutos, o jovem resumiu sua história com a Andressa, com o álcool, e ainda explicou o motivo do término e tudo o que sentia em relação aquelas coisas.
— E agora ela está esperando um filho meu. E eu não sei o que eu faço!
— Querido... Nunca é tarde para se arrepender de seus erros e voltar aos caminhos do Senhor. Isso não é o fim do mundo e você vai conseguir lidar com isso. Ainda mais se você aceitar a ajuda de Deus e dos amigos incríveis que você tem.
— Eu não tô pronto pra ser pai! Eu não posso ser pai!
— E quem está pronto pra essas coisas, querido? Ninguém! Converse com a Andressa e cheguem em um acordo juntos. Cada um dividindo as responsabilidades com a criança e...
— Não, pastora... Não dá! Eu...
— Henry, a Ana Laura ainda tá do seu lado?
— Está sim.
— Passa pra ela, por favor?
— Ok.
— Pastora? — Ana Laura falou, do outro lado da linha.
— Ele não está ouvindo não, está?
— Não.
— Ótimo. Ana Laura, o que está acontecendo? Até quando vai ficar dependendo de mim para fazer esse tipo de coisa? Quando vai tomar a iniciativa pra ajudar as pessoas sem mim ou qualquer outra pessoa?
— Pastora, eu... Me desculpa, é que eu...
— Você é mais inteligente e capaz do que pensa, minha querida! Confie no seu potencial e na autoridade que Deus te deu! Vá lá e diga a ele o quanto ele é amado! Que ele não está sozinho nessa. Faça uma oração pela vida dele. Pela vida da Andressa e dessa criança.
— Eu sei, pastora, é que...
— Não é só isso, né?
— Então... A coisa é mais complexa do que parece. Mas ele não consegue me falar...
— Ele tá sofrendo uma crise. Não só de ansiedade, mas também de identidade. Ele não apenas percebeu que o álcool não está dando conta de resolver todos os problemas que tem, mas também notou que está profundamente infeliz com o que se tornou.
— Eu já falei isso pra ele! Mas ele ainda anda aflito...
— É claro que ele está. Ele não quer mais viver a vida que tem e precisa de alguma mudança. Só que para isso, ele precisa agir.
— Entendi, pastora.
— Agora vai lá, garota! Vai dar tudo certo.
— Obrigada pastora. Tchau!
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Louise fitou a idosa com os olhos semicerrados e os lábios bem comprimidos durante toda a explanação da conversa que teve com a vítima e Ana Laura. A detetive não sabia do grau de aproximação entre o rapaz e as mulheres até aquele momento.
— E depois que ela desligou? O que aconteceu?
— Eu voltei pra cama e dormi. No dia seguinte, liguei para a Ana, mas ela não teve muito tempo para falar muita coisa. Só disse que estava tudo bem. Não sei o que rolou depois daquilo... Ela tava ocupada com o casamento. E ele também.
— Sei... E a Mariana Madalena? Conhecia?
— Pra falar a verdade, só fui saber quem era depois que morreu. Uma tragédia. Mas pior ainda foi o que aconteceu depois... Inadmissível terem acusado o Joaquim por essa morte!
— Pois é. E sobre o Joaquim... Gostaria de saber mais sobre a sua relação com ele.
— Bem, a senhora já deve saber que sou organizadora de uma ONG na Cidade de Deus, né? Então eu ajudo muitos jovens como ele. Se a gente não fazer isso, a gente morre. O Estado não se importa com nossas vidas e... — A mulher falava quando, de repente, percebeu a gafe que cometia — Oh, me desculpe! Sei que é policial e eu não queria falar mal do seu trabalho nem do...
— De forma alguma! Reconheço que temos falhado muito em vários aspectos. Vim de comunidade também e estou na Polícia justamente para fazer resistência e justiça a esse sistema injusto.
— Excelente! — A pastora aplaudiu com um sorriso, mas logo continuou — Bem, o Joaquim era um rapaz que eu já vinha sondando fazia um tempo. E na noite de quinta-feira, ele estava comigo em uma vigília da igreja.
— Vigília?
— Sim. Um culto em que ficamos durante a madrugada louvando e adorando a Deus até de manhã. Posso arrumar mais testemunhas para isso. Ele não matou Mariana!
— Compreendo e estou tentando ver esse caso. Mas é complicado... Ele também foi encontrado com drogas.
— Quarenta gramas de cocaína! Eu não quero defender essa droga, mas qual o critério para dizer que essa quantia é para consumo ou para tráfico? Ele não merece estar preso!
— Você era apegada afetivamente a ele?
— Claro que era! Ele era como um filho pra mim. Assim como todos os jovens que aparecem na igreja ou na ONG.
— E até onde iria para defendê-lo? — A pergunta pegou Rose de surpresa, fazendo-a arquear as sobrancelhas.
— Iria até o fim para provar a inocência dele.
— E você tem mais alguma informação que possa ajudar na investigação?
— Tudo que eu sei foi falado aqui.
— Sendo assim, está dispensada, pastora.
— Muito obrigada! — Ela disse e se levantou, iniciando sua caminhada em direção à porta — Com licença.
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08h22m
Enquanto se certificava no GPS se Vinícius não se enganou e entrou em um caminho errado, a jovem de cabelos loiros refletia sobre todas as formas que alguém poderia ter matado Henrique.
"Você chegou ao seu destino" soou o alto-falante do aparelho.
— Aqui? — Astrid levantou uma de suas sobrancelhas e ficou de boca aberta.
Na direita deles, havia um condomínio com um grande jardim, espaço para garagem, próximo a diversos pontos de comércio, um pequeno clube para os moradores e uma construção de dez andares pintada de azul e muito bem decorada.
— Ele parece ter bom gosto. E um bom dinheiro também... — Vinícius comentou, após desligar o carro e abrir a porta, seguido de sua amiga.
— Isso até que dá pra entender. Ana Laura também ganhou uns vinte mil durante todo o programa. Era o suficiente para ele pagar o aluguel de um apê desses por alguns meses...
— E você não acha que alguém poderia tê-lo matado por causa desse dinheiro? — Ele perguntou, sem tirar os olhos do prédio.
— Acho. Você não tinha pensado nisso?
Vinícius arregalou seus olhos e engoliu a própria saliva.
— Claro!
Astrid deu uma risada.
— Vamos lá, vou fingir que acredito — a jovem loira deu um passo a frente, entrando no condomínio em direção à recepção, de frente para o porteiro, um homem de meia idade — Bom dia, senhor! A gente vai para o apartamento seiscentos e cinco, ok? Estamos autorizados e com a chave para entrar e...
— O apartamento seiscentos e cinco está fechado — o homem se pôs de pé e encarou a jovem com as sobrancelhas baixas — Não pode entrar lá!
— A gente está com a chave! — A moça segurou o objeto com os dedos.
— A senhora é policial?
— Não.
— É parente da vítima?
— Não.
— E da onde conhece ele?
— Era amicíssima dele.
— E ele ali? — Perguntou, apontando para Vinícius.
— Ah, eu curtia as músicas dele...
— Hum — o homem revirou os olhos e fitou no casal de amigos com os cantos dos lábios voltados para baixo — Lamento muito, mas vocês não estão autorizados a entrar aqui.
Ela fez um bico e bufou, por fim.
— É... Astrid, acho melhor a gente... — Vinícius tentou intermediar a situação, mas a universitária estava convicta.
— Vamos, Víni! — Ela disse, puxando o jovem pelo braço e se retirando do local.
Os dois teriam que arrumar outra forma de investigar de forma mais direta a vida pessoal de Henrique e descobrir o que ela poderia dizer sobre aquele crime que ainda parecia ser impossível de ser solucionado.
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