21: Obrigado Não!
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Diga não às drogas
Mas seja educado
Diga não, obrigado!
Por que whisky sim
Por que Cannabis não?
Cuidado com polícia!
Cuidado com ladrão!
Não seja condenado a votar em canastrão
Obrigado não!
- Rita Lee -
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13h30m
Após guardar seu material de higiene bucal, Louise chamou Ulisses, que também havia acabado de almoçar, para acompanhá-la na seção onde eram guardados os arquivos de todos os processos criminais ainda em curso.
— Louise, será que não estamos perdendo nosso tempo? Seu caso é outro! — O homem, caminhando ao lado dela até o local, perguntou.
— Algo me diz que os dois crimes estão conectados, Ulisses. E mesmo se não estiver, a Daniela tá toda errada incriminando esse jovem!
— Tem certeza? Ele foi pego traficando drogas!
A mulher franziu a testa e lhe lançou um olhar reprovador.
Quando perceberam, já estavam de frente para a porta do escritório em questão. Louise entrou e pediu ao secretário as informações disponíveis sobre o caso. Rapidamente, ele a entregou uma pasta com alguns papéis do processo.
— Vamos ver...
Ela apanhou o objeto e foi com Ulisses até o escritório, onde ficou lendo junto com o homem e anotando algumas observações em seu caderno.
— O corpo dela não passou pela autópsia! — A mulher exclamou, surpresa com o fato de que a mesma não tinha pensado nisso até aquele instante — Ainda está no necrotério. Precisa disso para realizarem o enterro!
— E tem aqui alguma data pra isso?
— E tem mais! — A detetive ignorou completamente o homem — Veja aqui os pertences encontrados com ela!
— Algumas roupas, bolsa, presilha de cabelo, fora o carro que ainda está recolhido...
— De novo, Ulisses! O celular dela não foi encontrado!
— Tá considerando que o assassino dá algum sinal de suas vítimas pelo celular antes de executar o crime?
— Na verdade, não. Mas veja mais o que tem aqui: Joaquim foi pego com vinte. De novo, vinte gramas de cocaína! E olha qual é a acusação que fazem!
— Tráfico — Ele respondeu, ríspido.
— E ainda colocam essa como se fosse uma das maiores provas de que ele tenha cometido um assassinato!
— É. A história tá meio estranha... Mas o que você pensa em fazer agora?
— Agora? Nada — Ela respondeu, levantando-se — Tenho que pensar ainda. São quase duas horas e a família do Henrique está aqui. Vou interrogá-los agora, mas depois... Vou precisar da sua ajuda!
— Está certo! — Ele assentiu.
Determinada, Louise saiu de seu escritório e se dirigiu à sala de interrogatório. Precisaria enfrentar pessoas extremamente influentes na vida de Henrique e que, pelos outros depoimentos, eram repletas de preconceitos e pensamentos tóxicos que fizeram seu falecido filho se distanciar deles e partir para outro caminho talvez ainda mais tóxico.
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14h30m
Após receber a ligação de Astrid, Nicole deixou sua irmã sozinha em casa, pegou sua bolsa e chamou um serviço de transporte por um aplicativo em seu celular e se deslocou até o local indicado no GPS.
Ao sair do carro, bateu a porta da casa mas logo percebeu que a mesma estava aberta. Entrou com cautela e chamou pela sua amiga.
— Astrid? — Gritou.
Em alguns instantes, a loira apareceu acompanhada dos dois outros rapazes que realizavam a investigação no local.
Astrid ainda não havia falado com a ex-noiva de Alexandre. Não tivera tempo com tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo. As duas se abraçaram por um tempo longo. Vinícius também a cumprimentou.
— Guto! Não sabia que também tava envolvido! — Ela comentou, observando o rapaz.
— Pois é. Eu quem vi o corpo da Mariana — ele falou — Eu sinto muito pelo seu irmão. E pelo casamento...
Ela assentiu com a cabeça e também o cumprimentou com um abraço.
— Vocês se conheciam? — Vinícius perguntou.
— A gente tinha algumas aulas juntos quando eu estudava Engenharia da Computação — Ele respondeu.
— Sério? — Astrid levantou uma sobrancelha — Nossa! E foi pra Jornalismo... Pra você ver...
Um silêncio se instalou no ambiente. Junto com a tensão e a lembrança de momentos ruins e questões mal acabadas.
Nicole tomou a iniciativa de perguntar sobre o tal HD que tanto falaram e os quatro decidiram retornar à cena do crime.
Ao chegar lá, Vinícius guiou Nicole até o exato local onde encontrara o celular.
— É esse? — A universitária perguntou, apanhando o objeto com a mão delicadamente — Ele tava enterrado aqui mesmo?
— Exatamente. Eu pisei aqui, mas como a terra tava fofa, senti e meio que desenterrei ele...
— Acha que consegue consertar? — Astrid questionou, com os olhos semicerrados — Não queremos entregar pra Polícia. Se fizer isso, pode ser que deixem arquivados e sabe-se lá quando vão querer investigar melhor um caso pra dar justiça a um jovem negro usuário de drogas.
— Vou fazer o que eu puder — Ela informou, sem tirar a atenção do aparelho — Mas me diga: o que se sabe até agora? Como que ela foi parar aqui?
— Bom, a gente sabe que ela bateu com o carro a uns quatro quilômetros daqui — Vinícius explicava — O que é até compreensível, pois estava bêbada. Daí, de algum modo, ela sofreu um golpe na cabeça e foi enterrada aqui. Não sabemos de mais nada.
— Sabemos que ela não conseguiria chamar por ajuda, pelo menos — A jovem negra disse — Veja esse chip. É da Óbvio. Nunca que teria sinal aqui!
— Acho que a gente podia ver se tem alguma pista pela estrada... — Vinícius falou — Não dá pra fazer algum palpite muito elaborado só com o que temos!
— Só que a maior parte das provas estão confiscadas — Astrid o lembrou — E isto está ficando cada vez mais difícil...
— Guto! — Vinícius chamou o rapaz — Você ficou aqui enquanto a Daniela prendia o Kim?
— Fiquei — Ele respondeu, assentindo com a cabeça — Depois de ver a irmã morta, ela saiu atrás do culpado puta da vida. Só descansou depois de ter prendido o Joaquim.
— Que bizarro! — Nicole comentou — Até entendo ficar eufórica com a morte da irmã... Mas partir com violência e prender dessa forma um cara que "parece" ser suspeito, é surreal... E como fica a investigação disso?
— A investigação desse caso está parada, esperando o julgamento. Enquanto isso, Joaquim fica preso — Astrid comentou, triste — Essa é a realidade de muitos outros presos no Brasil. Potencialmente inocentes que apenas aguardam o juiz.
— Astrid! É isso! — Vinícius exclamou, com os olhos arregalados — Vamos falar com a Louise, com o delegado... Que seja! A gente pode acusar a Daniela por agir de forma racista!
— Como assim?
— Pensa bem! Ela só prendeu o Joaquim assim porque queria se destacar dos outros! Com certeza não foi a primeira vez que ela fez isso. Se a gente juntar depoimentos de vítimas do racismo dela, a gente pode processá-la e pedir por um outro processo!
— Seria uma boa saída! — A loira exclamou, pondo as mãos no queixo.
Os quatro ficaram lá por mais alguns minutos, até decidirem voltar.
Vinícius entrou no carro e Astrid o acompanhou em seu lado. Deixaram Gustavo em sua casa e depois retornaram à Delegacia. Nicole não foi com eles.
— Vou ficar aqui por mais um tempo — Ela disse e os seus amigos assentiram.
O coração da jovem ansiava por respostas. Por justiça. Nem seu irmão, nem Joaquim ficariam injustiçados. Enfrentando o seu medo, a jovem decidiu continuar a procura de pistas por mais algum tempo.
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14h06m
A porta de madeira foi batida três vezes.
— Entre — Louise disse, já sentada em sua cadeira ao lado de seu escrivão.
O homem corpulento sem um fio de cabelo a encarou com as sobrancelhas baixas, mas que de forma alguma intimidaram a policial.
— Sente-se aqui — A mulher apontou para a cadeira a sua frente e Bernardo, sem dizer uma palavra, fez como foi ordenado.
A policial sabia o que estaria enfrentando. O pai de Henrique era alguém que tinha princípios muito diferentes que os dela, mas que ela conhecia bem.
— Senhor Bernardo Martins... É pastor, né?
— Sim.
— Gostaria que contasse um pouco sobre sua carreira.
— Tem certeza que isso é necessário? — Ele perguntou — Eu achei que estaria aqui pra você investigar sobre a morte do meu filho! Sabe mesmo o que está fazendo?
Com as pupilas mais contraídas e um bico formado pelos lábios, Louise se esforçou muito para não ser agressiva com o suspeito.
— Responda a minha pergunta, senhor Martins, ou teremos um problema aqui.
— Está bem — Ele encostou as costas na cadeira e começou — Eu trabalhei desde muito novo. Com quinze anos, já ajudava meu pai como marceneiro. Com vinte e dois anos, concluí o Ensino Médio. Sim, vinte e dois. Até que nesse meio tempo eu visitei uma igreja e aceitei a Jesus até que, dez anos depois, eu já fiz uma faculdade, comecei a pregar, fazer palestras, escrever livros e, hoje, consigo viver com isso. Não é muita coisa, mas não é ruim.
— E Joana não te ajuda nas contas?
— Sim. Ela trabalha no hospital como técnica em enfermagem.
— E como é a família de vocês, senhor Bernardo?
— Olha, a minha família sempre foi perfeita. Eu levo o sustento pra casa, Joana me ajuda nisso e fica responsável pelo zelo do nosso lar e cuidado dos nossos filhos. A gente sempre criou as crianças da forma correta. Com princípios. Desde cedo a Nicole e a Rayane já ajudavam a mãe nas tarefas de casa e a serem mulheres virtuosas e Henrique sempre foi ensinado a ser trabalhador e a ser um homem honrado.
— É mesmo? — Ela inclinou a cabeça — Então, como o senhor explica a entrada do Henrique no alcoolismo e a depressão da Nicole?
Ele engoliu a própria saliva e pensou um pouco para responder.
— Óbvio que foi a universidade.
— Como? — Louise não conseguiu esconder sua surpresa na resposta do homem e arregalou bem os olhos.
— Todo mundo sabe que aquelas universidades são um verdadeiro centro satânico! Ou você é ingênua demais pra reconhecer isso, ou você, no mínimo, é conivente com a indecência que é acontece naquele lugar!
— Senhor Bernardo, você me respeite! — A mulher se levantou e avançou seu corpo para cima dele com autoridade — Eu ainda sou uma agente pública e posso te prender agora mesmo por desacato!
— Eu só queria dizer — Ele levantou as sobrancelhas, enquanto Louise foi, vagarosamente, retornando ao seu assento — Que as universidades só estão fazendo nossos jovens se desvirtuarem. Falando de comunismo, ideologia de gênero, homossexualismo, feminismo... Uma inversão de valores sem tamanho! Incentivando as pessoas a desrespeitarem os pais, as instituições e a Deus!
— Qual foi a última vez que pisou numa universidade pública, senhor Martins?
— Ah, é... Acho que quando fui levar o Henrique lá uma vez. Por quê?
— E como sabe de tudo isso?
— Notícias, ué!
— Tá bom, senhor Bernardo... Então o senhor realmente acha que foi isso? A faculdade os levou a isso? Não acha que foi a forma como foram tratados não?
— Bobagem! Meus filhos foram criados da forma como eu e todos da minha época foram. E eu estou aqui!
"Infelizmente" pensou Louise.
— Olha, meu foco aqui é entender o Henrique, como era a vida dele, a família, e seus princípios... Então, beleza! Falemos diretamente sobre ele agora... Conte-me como aconteceu tudo.
— Bom, deixa eu ver... — Ele olhou pra cima, tentando se lembrar — Ele era um bom rapaz! Sempre frequentou a igreja, cantou no louvor, quis estudar, ia comigo em todo lugar...
— Como era a questão da disciplina com ele? — Louise guiava o depoimento para a questão que ela desejava — Vocês cobravam muito que ele fizesse atividades domésticas? Chegasse sempre no horário? Vocês se preocupavam com quem ele saía? Com quem ele namorava? Saber de tudo isso é importante...
— Quê? Não, não! Eu só pegava no pé mesmo quando ele tinha lá uns onze, doze anos... Depois disso, deixava ele sair com as meninas que quisesse! Afinal, não teria nem como controlar se eu quisesse. Sabe como é, né? Filho homem...
— Sei... — Louise se controlou para não girar suas pupilas — Mas continue então... Vocês conversavam muito?
— Claro! Todo dia, né? Éramos uma família unida até tudo isso acontecer...
— E sobre o quê, exatamente vocês falavam?
— Ah, coisas normais, ué! Futebol, namoradas, carros...
— E sobre sentimentos?
— Oi? — Ele inclinou a cabeça e levantou uma das sobrancelhas — Como assim?
— Sobre a carreira que ele queria realmente seguir. Sobre como ele se sentia em relação às outras meninas. Sobre as coisas que o faziam ficar triste. Sobre seus hobbies, metas, crenças... Falavam sobre isso? Ele falava sobre isso com alguém?
— Ah, acho que sim, ué... — Ele começou a gaguejar e ficar eufórico — Mas sei lá! Não lembro assim com exatidão e tal...
— Por favor, continue. Como aconteceu tudo isso?
— Ele sempre falou que gostava de cantar, que queria participar do reality show... Daí a gente falou que tá bom, que apoiaríamos. Da mesma forma que apoiamos o Alexandre. Mas daí ele conheceu aquele vagabundo que, graças a Deus, agora tá preso!
— O Joaquim?
— Esse mesmo! Ele fez a cabeça do meu filho e, a partir de então, ele começou a tomar álcool. Bebia, bebia, bebia... Chegava em casa bêbado e a gente não sabia o que fazer. Até que apareceu com uma tatuagem e com aquele cabelo de drogado... Depois daquilo, começamos a corrigir ele. Daí ele fez aquele show ridículo! E então, pra piorar, pegou o dinheiro que conseguiu no programa, financiou um carro e alugou uma casa! Disse que viveria da música e foi ficar com aquela vadiazinha que conheceu na internet! A gente foi contra, mas cadê que ele nos ouviu? Daí ele me apareceu aí... Morto!
— Tá bom! — Louise exclamou, cansada daquelas frases — Vamos ver... Onde o senhor estava na noite da última quarta-feira?
— Eu? Em minha casa. Por quê?
— E já conheceu Mariana Madalena?
— Aquela que morreu? Não. Nunca a vi.
— E Andressa?
— Também só a vi de vista.
— Ela estava grávida de um bebê de seu filho. Não sei se o senhor sabia disso...
— Fiquei sabendo depois que morreu...
— Sério? Como?
— Rayane me contou ontem de madrugada...
— E você sabe do tal vídeo íntimo do Henrique com a Andressa, né?
— Olha, doutora, se está me acusando, saiba que sou um homem de Deus. Bastante inocente!
— Fique tranquilo que, em questão de divulgação desse vídeo, sabemos da sua inocência. Quem divulgou o vídeo foi sua filha. Rayane.
Ele arregalou os olhos, surpreso.
— Como?
— Ela inclusive sabe de mais coisa do que o senhor imagina, senhor Martins... Principalmente do que os membros da casa ficam fazendo enquanto usam a internet...
O homem engoliu a saliva, mas tentou manter a postura, fingindo inocência em relação a isso.
— Ela foi influenciada por eles também! O diabo anda tentando dominar nossas famílias da forma mais perversa de todas!
— Então, conte-me seus passos de ontem.
— Ontem eu comecei a me preparar pro casamento desde cedo. Falei com outros pastores, secretários, para nos prestigiarem com suas presenças e quando ficou à noite eu fui pro salão me arrumar. Falei com a Nicole, com o Henrique, mas a partir das sete da noite, eu fiquei me aprontando e decorando o que tinha que fazer. Daí, quando começou a cerimônia e a Nicole me fez passar aquela vergonha, eu fiquei com a Joana até falarem da morte do Henry.
— E você não pensa em ninguém que poderia ter cometido o crime?
— Olha, pelo que vi, ele levou uns cortes e aquilo me pareceu ter sido feito por gente bastante desequilibrada. Certeza que foi mulher. Então eu suspeito muito naquela loira. Afinal, ela também tinha desaparecido na hora...
— E tem algo a declarar? Alguma observação? Cada detalhe é importante.
— Eu não sei. Queria muito poder ajudar. Queria muito o meu filho de volta. Só Deus sabe o quanto fico triste em ter que enterrá-lo... Um jovem que tinha um futuro grandioso na sua frente!
— Então está dispensado, senhor Bernardo.
— Está bem — Ele assentiu com a cabeça e se levantou, dirigindo-se em direção a porta — Com licença.
Quando o homem saiu, bateu a porta com leveza.
— Que bicho sem noção... — O homem ao lado de Louise comentou.
— Típico religioso hipócrita! — Ela disse — Não consegue reconhecer seus próprios erros. É sempre o outro o inimigo. Quer criar os filhos que viverão no século XXI da mesma forma que foram criados no século XX... Essa conta nunca pode dar certo!
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14h55m
Quando Joana viu seu marido sair pela porta do escritório, ela se levantou e seu olhar já carregava a pergunta que tanto lhe deixava aflita.
"E aí? Como foi?"
— Tudo tranquilo. Estou te esperando.
A mulher entrou na sala engolindo em seco.
— Pode se sentar aqui.
— Com licença — Ela disse, fazendo como solicitado.
— Vou direto ao ponto. Senhora Joana, está aqui porque creio que você possa me fornecer algumas informações para eu conseguir resolver o mistério do assassinato do seu filho.
— Mesmo? — Ela inclinou a cabeça — Henrique acabou de morrer. Nem foi enterrado ainda. E já sou suspeita de saber algo sobre a morte do meu filho?
— Eu lamento, senhora Martins. E posso imaginar como deve ser a sua dor — Ela falou, convencida em suas próprias palavras — Mas acredito que a senhora possa me ajudar a fornecer as informações que preciso para entender qual era o contexto que o Henrique vivia.
— Tá certo! O que precisa saber?
— Bom, não é novidade pra ninguém que o Henrique era um alcóolatra, certo? Era um rapaz que não se sentia bem em sua própria casa. Queixando-se de coisas que até mesmo a Nicole também falava.
— Ah, o Henry... — Ela suspirou — Como me dói dizer isso! Parece que a ficha ainda não caiu. Saber que meu filho... Meu filho amado! Ele... Depois de ter se rebelado, saído de casa, se envolvendo com coisas erradas... Está morto! Eu não sei como isso foi acontecer, policial. Eu fiz o melhor que pude como mãe. Sempre cobrei notas boas, obrigava a ele a arrumar a cama, ter educação, levava à igreja... Mas nunca desrespeitei a liberdade dele. Desde os dezesseis anos que ele podia sair com os amigos sem problemas, namorar e ter responsabilidades. E como ele me retribui?
— Senhora Joana... — A mulher respirou fundo — Seu depoimento está ficando bem parecido com o de seu marido. Mas, mudando um pouco do foco, me diga... Como é o cotidiano da sua casa? Como vocês se sentem lá?
A mandíbula da mulher deu uma leve caída.
— Já esteve melhor, senhora.
— E você faz uso de algum tipo de medicamento?
A mãe da vítima comprimiu os lábios. Não conseguiria mentir.
— Vou falar a verdade, doutora. Faço sim. Antidepressivos.
— E há quanto tempo você os toma?
— Faz uns dois anos. Meu serviço tá ficando cada vez mais cansativo e, por isso, eu enlouqueço sem meus remédios. Mas olha, a senhora pode ficar tranquila. Eu trabalho num hospital e sei o que tô fazendo.
— Não duvido disso, dona Joana, mas se a senhora mesma achava sua vida estressante, será que o mesmo também não era sentido pelos seus filhos? Será que não foi isso que fez Henrique seguir outro caminho?
— Ora, senhora policial, por favor! A Nicole, minha filha mais velha, tem vinte e dois anos! É nova demais pra ter as preocupações que eu tenho. Impossível!
— Você realmente acha? Ou você só está dizendo isso porque não quer dizer que o ambiente familiar da sua casa é péssimo?
— Ora, mas a senhora está colocando palavras na minha boca!
— Então vai me dizer que não é verdade que você sempre colocava um monte de regras na vida das suas filhas e as obrigava a fazer as atividades domésticas enquanto o Henrique e seu marido não faziam nada?
— Eu nunca disse... — Ela ponderou, interrompendo a detetive.
— Eu não terminei! — Ela falou, em um tom mais intenso — E também não é verdade que vocês nunca tiveram um diálogo saudável sobre os pensamentos, as amizades e os desejos do seu filho? E que você mesma sequer se sente realizada com o fato de o seu próprio marido jogar nas suas costas toda a responsabilidade de cuidar da casa e dos filhos enquanto ele mesmo não move um músculo?
Um silêncio perturbador se instalou naquele ambiente claustrofóbico. Joana já não podia mais maquiar aquela realidade que atacava a ela mesma. Ela respirou fundo e encarou Louise no fundo dos olhos.
— Tem razão, policial — Ela falou, balançando a cabeça na vertical e comprimindo os lábios — Enfrento uma jornada pesada no trabalho. Chego em casa e tenho que enfrentar outra. Limpo, passo, cozinho, lavo... Faço de tudo. Não posso contar com meu marido pra nada em relação a isso. E isso é estressante!
— Nunca conversaram sobre isso?
— Já. Mas você acha que adianta? Ele diz que não posso reclamar disso já que ele sempre foi assim desde que nos casamos. Ele impõe as regras. Eu as faço cumprir.
— E como consegue se contentar com isso?
A mulher levantou os ombros e engoliu a própria saliva.
— Não faço ideia.
— Olha... Você percebe o quanto esse ambiente tá tóxico pra você e pra sua família? Nicole tá sofrendo porque vocês não a apoiaram na escolha dela de não se casar com o Alexandre.
— Alexandre era um bom rapaz!
— Não acha ele um machista escroto, como a própria Nicole diz?
— Nunca concordei com o pensamento dele. Falando de feminismo e essas baboseiras... Nunca precisei disso!
— Mesmo? Pra você ter trabalhado e...
— Querida, eu trabalho desde os treze anos de idade! — Ela falou, dessa vez, com um tom mais carregado de emoção — Ser mulher nunca fez ninguém questionar a minha obrigação e capacidade de trabalhar!
— Eu te entendo.
— Sei que entende.
— Mas se você não concordava com o Alexandre... Por que apoiava o casamento dele com a Nicole?
— Porque ele se interessava pela minha filha. Sei como é difícil para mulheres como a gente conseguir alguém que realmente queira um relacionamento sério. Só estava preocupada com isso.
— Joana — Ela a chamou, inclinando sua cabeça — Acredita mesmo no que diz?
A pergunta pegou a mãe da vítima desprevenida. Não conseguiu responder de imediato e, quando tentou, gaguejava.
— Eu... Eu... — Ela suspirou — Ai, sim... É que, tipo... É meio...
— É mesmo da sua vontade que Nicole vivesse com um cara abusivo como o Alexandre? Achava certo Henrique ficar sempre de fora das responsabilidades domésticas? Queria mesmo que ele desistisse da sua ideia de viver da música pra fazer o que Bernardo achava melhor?
— É... Não. Eu não concordo com nada disso — Sem perceber, uma lágrima escorreu de seu olho direito, mas logo foi enxugado por ela — Acho que, na verdade, não consigo admitir que meus filhos estão certos. E eu errada. É difícil, pra mim, aceitar que errei.
— Eu compreendo esse sentimento. Mas veja, Joana, o que você fez!
— Eu posso ter errado sim, detetive!
— Agora... Você sabia que a Andressa perdeu o bebê? O seu neto?
— Sim. Fiquei sabendo.
— Como?
— Rayane, minha filha caçula, disse ontem.
— E o que pensa disso?
— Sinceramente? — Ela arqueou as sobrancelhas — Me dói dizer isso, mas foi melhor assim.
— Sério? Por que acha isso?
— A senhora já viu aquela garota. Sabe o quanto ela estava despreparada. Às vezes, Deus escreve o certo em linhas tortas.
— E que achou de ela ter se relacionado com o Henrique?
— Péssimo, obviamente! Meu filho se apaixonou perdidamente por aquela garota, é claro. Afinal, os dois passavam por situações parecidas. Mas eles não se conheciam o suficiente para dizer que se amavam. Por isso eu era contra aquele relacionamento!
— Joana, eu tenho bons motivos para acreditar que você está envolvida nos crimes que ocorreram nessa semana.
— Eu não cometi crime algum — Ela afirmou — Ontem eu passei o dia ajudando a minha filha na preparação do casamento dela. Só à noite que fui pro salão me arrumar. Quando a festa começou, às sete horas, eu estive às vistas de todo mundo até a hora da entrada dos noivos. Falei sim com o Henry, mas muito pouco. Ele evitava a gente...
— Em que momentos vocês conversaram?
— Foi logo quando ele chegou. Não queria muito papo. Mas queria falar com a Andressa.
— E ele estava sozinho?
— Na verdade, não. Até começar a chegar gente, ele estava com a Ana Laura, até aparecer aquele apresentador do programa, o Alexandre e os outros. E quando foi a hora de eu passar pelo tapete vermelho, me assustei. Henrique não estava ali. Apenas Ana Laura.
— E você não suspeita de alguém que possa ter assassinado o seu filho?
— Difícil dizer. Não sei. Me dói dizer isso, mas eu não sei de muita coisa sobre a vida do meu filho. Não sei com quem ele conversava. Nem o que fazia.
Louise tentou não olhar para aquela mãe com pena, mas as duas permaneceram em silêncio por um longo momento.
— Acabou? — Joana perguntou, em um suspiro.
— Última coisa — Louise falou, apanhando novamente os papéis com as fichas da mulher — Quando você fez o seu curso técnico, estagiou no Hospital Psiquiátrico Belaventura em 2009, certo?
— Foi sim. Por quê?
— Então, creio que você conheça Mariana Madalena, certo?
— Conheço — Ela afirmou, com as pálpebras bem abertas — Foi num período que ela precisou sair da cadeia pra ficar internada lá.
— E você lembra o que ela tinha?
— Lembro sim. Ela tinha levado um golpe muito forte na barriga. E, bem... Ela estava grávida.
Louise ajeitou sua coluna, extremamente atenta à declaração da mulher. Aquilo poderia mudar tudo. Perguntava-se se conseguiria o mesmo feito se não tivesse lido a ficha de Mariana minutos antes.
— E o que aconteceu?
— Ela perdeu o bebê. Estava com quase doze semanas de gestação. Não resistiu e morreu.
— Depois disso, teve algum contato com ela?
— Não. Nunca. Só me lembro porque foi nos meus primeiros dias de estágio...
— Sim. Eu vi na sua ficha essa conexão entre vocês... — Ela falou, analisando novamente os dados da mulher — Sendo assim, Joana, agradeço sua participação. Está dispensada.
— Obrigada.
Sem esperar muito, a mulher se levantou da cadeira, pegou suas coisas e foi embora. Sem saber se fez o certo em falar tudo o que falou.
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