13: Sua Festa
-AVISO DE GATILHO-
- Esse capítulo contém cenas envolvendo racismo, machismo, transfobia e relacionamentos abusivos. Respeite seus limites! -
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É a hora, acabou a hora de dançar
Dance, não se preocupe você vai dançar
Balance-se, mas você vai ser dedurado
Se entregue, mas você vai se ferrar
Você gostaria de fazer a sua festa
Sua mãe quer fazer a sua festa também
O juiz gostaria de fazer a sua festa
Todo mundo fará sua festa também
(...)
Ta Fête - Stromae
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O Dia, 09h 12min
— É hoje, gente! É o meu grande dia! — Nicole exclamava. Eram nove horas da manhã ainda, mas já se empolgava com o momento das vinte horas.
Os esteticistas, contratados pela Rede Lins após o pronunciamento de Alexandre no palco, já sabiam. Duas horas seriam suficientes para que todas as madrinhas e padrinhos estivessem prontos para se apresentar no local do casamento às cinco da tarde.
No entanto, a noiva precisaria de cuidados especiais. Para isso, o combinado deles com Nicole era ela estar às onze da manhã no salão de beleza que seria ocupado exclusivamente por ela.
Enquanto não chegava o momento, Nicole admirava seu vestido de noiva no camarim, onde retornaria ali após a cerimônia para fazer alguns ajustes de maquiagem e em peças de sua roupa.
— Vai ficar maravilhosa, irmã — O rapaz, que vestia uma jaqueta jeans, disse para a estagiária.
— Ele tem razão, Nico — Ana Laura, também sorridente, elogiava a amiga enquanto estavam apenas os três no ambiente — Está tudo muito bonito.
Realmente estava. Aquilo era inegável.
No entanto, mesmo no dia em que mais se sentia bonita, ao olhar no espelho, Nicole se incomodava com o que ali refletia. Algo estava errado. Algo não a fazia se sentir perfeita. Pelo menos, não tão perfeita quanto as outras garotas. Como Ana Laura.
— Obrigada, gente!
— Como está esse seu coração? — O rapaz falou, aproximando-se dela.
— Tô nervosa. É algo estranho, sabe?
— Nico... — Ana Laura sentia na obrigação de investigar se o que afligia a noiva era o que conversara anteriormente com o seu irmão — Pode ser sincera conosco. Tem dúvidas se Alexandre é seu marido ideal?
— Ideal não é, amiga. É o que tenho!
— Nico, eu gostaria que a gente voltasse a ter uma relação boa como antes — O rapaz confessou, pondo as mãos no bolso.
— Faz tempo que a gente não se fala... Está arrependido de algo?
Ele fitou o teto por um instante.
— De certa forma, sim. Muitas vezes, agi por impulso. Sofria pela negligência dos nossos pais e acabei entrando pra uma vida que nunca foi a que eu quis, mas foi a que me apareceu. Mas eu posso te garantir que não foram meus pais que me fizeram querer mudar. Eles ainda não têm mente disposta para compreender o que passamos pra tornar nosso mundo um lugar melhor.
— Você está no caminho certo, Henry! — Ana o confortou, olhando-o de relance — E o seu coração? Como está?
— Bem, eu... — Quase gaguejou. Nunca ninguém havia feito aquela pergunta a ele — Eu tô muito mais confortável agora, admito. Eu preciso me tratar de verdade! E, bem... Apoiar a Andressa, que tá grávida de mim, agora...
— Fico feliz por ti, irmão! — Ela confessou — Não vejo a hora de ver meu sobrinho! Mas me conta. Como foi que você ficou sabendo?
— A Dêssa me ligou ontem pela manhã e disse. Eu não pude ir vê-la. Ela estava muito preocupada com a morte da mãe e, bem... Nós não estamos muito bem, né?
— Ah, eu te entendo... E quem mais sabe disso?
— Além dela e da família dela, só vocês duas. E, por favor, que mantenha assim, ok?
— Minha boca é um túmulo, maninho — Ela disse, fazendo um gesto como se fechasse seus lábios com um zíper.
— Nico, eu posso te perguntar uma coisa? — Ele perguntou, mas não a deixou responder para efetivamente fazer sua pergunta — Está mesmo segura de que quer se casar com o Alexandre? Acha mesmo ele uma boa pessoa para você viver o resto da sua vida?
Aquilo a pegou desprevenida. Ela não soube responder de imediato. Ficou alguns segundos ainda gaguejando e olhando para o nada.
— Ah, Henry... Por que isso agora?
— Responde a pergunta dele, Nico! — Ana Laura tocou-lhe nos ombros, tentando fazê-la pensar melhor — Com sinceridade!
— É claro que acho, é... Ele é ótimo, ele... Me ajuda em várias coisas!
— Nico, não minta para si mesma.
Irritada, a jovem se levantou de sua poltrona com os punhos cerrados.
— O que é isso que estão fazendo, hein? Querem arruinar o meu casamento?
— Nico, só, por favor, nos ouça...
— Ou melhor, Nico, ouça o seu próprio noivo falando — Henrique falou, apanhando seu aparelho telefônico e reproduzindo o áudio da última discussão entre os dois.
"O que tá acontecendo? Eu aqui falando igual uma palhaça do jeito idiota que você tratou a minha chefe e você cagando litros"
"Ei, ei! Você entendeu errado. Eu estava só tirando uma foto de boa com vocês duas depois de ter passado pra próxima fase do concurso"
"Isso não justifica você ter..."
"Tá todo mundo contente com essa minha vitória, Nico! Menos você! O que tá rolando? Só porque eu tô fazendo sucesso você está contra mim?"
"Não é isso, Alexandre! É que..."
"Por isso que eu disse. Esse seu emprego tá te deixando distante das outras pessoas. Inclusive de mim! E isso tá péssimo pra nós dois"
De repente, uma lágrima caiu dos olhos da noiva.
— Meu Deus! — Exclamou, levando a mão ao rosto envergonhado.
— Nico, por favor, assista a esse vídeo também — Ana Laura apanhou o seu celular e o pôs na frente da mulher, esperando que aquilo despertasse uma reflexão nela.
Dessa vez, o vídeo reproduzido, cujo o título era "não tira o batom vermelho", não fora produzido por nenhum conhecido dela, mas por uma youtuber relativamente famosa que falava, de forma bem extrovertida, sobre relacionamentos abusivos.
— Ele já controlou as roupas que você vai usar ou o lugar que você vai usar essa roupa?
— Sempre que vocês brigam, de uma forma muito estranha e bizarra, você está sempre errada?
— Quando você conquista alguma coisa maravilhosa, ele fica triste porque você conquistou e ele não?
— O relacionamento funciona de forma tal que ele te faz pensar que só ele no mundo poderá te amar e te tratar bem, mesmo ele não te tratando bem, e você nunca vai achar alguém que goste de você.
— Ah, merda! — Ela esbravejou, com os olhos marejados, sem conseguir pronunciar nada inteligível — Vocês... Vocês... O que...
— Nico, você é o tipo de pessoa que sempre demonstrou um profundo amor por tudo e por todos, sempre se mostrou disposta a ajudar e a agradar a todo mundo...
— Amar o próximo faz parte da minha essência! Jesus me ensinou isso! — Ela explicou.
— Exato! — Ele se animou. Aproximou-se dela e a olhou no fundo dos olhos — Sabe aquela parte da Bíblia que diz que temos que amar o próximo? Ele diz "amai o próximo como a ti mesmo". Nico... Jesus tava dizendo que é pra gente se amar também! Tanto quanto você ama as outras pessoas! Sem tirar nem pôr.
— Nico, só estamos preocupados com você — Ana segurou sua mão — Eu queria muito dizer que você e o Alexandre são um par perfeito, mas não é isso o que meu coração manda falar, entende? Dar ouvidos ao que nosso coração diz é um ato de amor próprio que eu procuro praticar. E você?
— O que seu coração diz, Nico? — Henry instigou — Você quer ou não quer se casar com Alexandre?
Nicole não respondeu. Antes disso, a porta do camarim se abriu. Era a equipe de estética que iria, enfim, levar a noiva para o salão de beleza.
Henrique e Ana Laura, então, deixaram o local e seguiram para seus camarins no salão de festas. Precisariam descansar suas vozes para cantar.
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O Dia, 18h30m
Alexandre aguardava os convidados chegarem logo na entrada do enorme salão de festas. O homem foi o primeiro a passar pela equipe estética do programa que financiou boa parte daquela festa. Houve cuidado com sua pele, cabelos, vestimentas... Tudo!
Trajava um terno preto, com uma rosa no lado direito do tronco, pouco acima da altura do mamilo. Ninguém negava que estava bastante elegante.
Os convidados eram muitos. Alguns deles ele nem conhecia. No entanto, não se importava. Afinal, de qualquer forma, aquela noite ficaria marcada como um evento inesquecível em sua vida e o deixaria com ainda mais fama.
Já eram seis e trinta da noite e, aparentemente, a metade da capacidade do local já fora ocupado. E ainda faltavam algumas horas para o início da cerimônia.
— Como está a ansiedade, senhor Galdino? — Perguntou uma das jornalistas secundárias do programa.
— A todo o vapor, é claro! É o momento mais importante para mim. Pra Nico. E é um prazer enorme compartilhar essa minha felicidade com vocês.
— E o que podemos esperar para esse casamento? Não vai ter nenhuma surpresinha que pode entregar pra gente? Uma canção, sei lá...
— Ah, pode ter certeza! No final, quero reunir todo mundo do programa e a gente improvisa algo na hora.
— Ai, que top! Não vejo a hora!
Ele riu e a jornalista seguiu o seu caminho. Logo em seguida, o homem deu mais uma checada em suas redes sociais.
"Sessenta mil seguidores a mais em apenas uma semana. Sessenta mil"
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18h37min
— Ah, pois eu acho que tem mesmo é que arrancar o couro desse muleque!
— Que horror, mãe! — Rayane, a caçula da família Martins, resmungou.
— Que foi? — A mulher, trajando um vestido preto bastante elegante, disse, no meio da mesa que estava com alguns dos convidados — É só não ser bandido que não vai passar por isso!
— Dona Joana — Astrid, ainda bastante sensibilizada com a prisão de seu colega, tentava ponderar — Não há provas concretas de que ele fez isso. A prisão é preventiva! A única coisa que tem contra ele é o fato de o corpo ter sido encontrado perto da casa dele. E mesmo assim, violência só gera violência. Práticas moralistas como essas não resolvem um problema nosso que é estrutural e...
— Ai, Astrid! Logo você defendendo bandido? — ela falava, gesticulando com as mãos, enquanto a garota observava boquiaberta — Eu, hein!
— O Kim não me parece ser má pessoa — Rayane comentou.
— Você o conhece, por acaso? — Ela se virou para a filha ao seu lado, que engoliu em seco.
— Eu? Imagina! — A jovem suou frio. Precisava, então, encontrar uma resposta plausível — É que... Bem... O Henry contou dele, né? Eles eram colegas.
— Henrique... Hum! — Ela suspirou, lembrando-se do filho — Justamente por isso que duvido muito da inocência desse Joaquim aí que, só de olhar a cara, dá pra saber que é um drogado vagabundo. E eu achando que eduquei meus filhos pra saber identificar isso...
— É... Falando nisso — Alexandre que, até então, permanecia em silêncio na conversa, apenas observando seu celular, resolveu se pronunciar — Sabem se o Henrique já chegou? Eu ainda não o vi e já vai dar sete horas e...
— Ele chegou sim — Ana Laura, que permanecia ao lado de Astrid e Vinícius, respondeu — Ele tinha saído pra se trocar mas chegou faz uns vinte minutos. Deve estar por aí.
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18h 55min
No meio da multidão, Denise permanecia quieta em uma mesa, solitária. Guardava o espaço na cadeira ao lado para João Victor, seu único conhecido daquela noite. No entanto, o jovem estava entretido demais falando com jornalistas.
De repente, após vinte minutos parada, levantou-se. Precisava ir ao banheiro.
Sem saber onde era o local e com a constante aglomeração de pessoas, a chefe de Nicole tentava identificar o caminho para fazer suas necessidades fisiológicas. Para facilitar, resolveu pedir a informação para uma mulher que, provavelmente, era da família dos noivos.
— Oi! É, senhora... Pode me informar onde é o banheiro, por favor?
Com os olhos semicerrados, a mulher de pele negra e vestido preto analisou Denise da cabeça aos pés, perguntando-se quem convidara aquela pessoa. Demorou para responder a pergunta e, quando o fez, a outra já havia encontrado a porta com uma boneca rosa em um canto próximo a entrada do salão.
— Ah, não precisa! Já achei! — Ela falou, indo na direção do local desejado — Obrigada!
— Ei! Espera! — Ela chamou, segurando nos braços da especialista em TI.
— Pois não?
— O banheiro pra você é aquele ali, ó! — Ela falou, apontando para os toaletes masculinos.
Denise engoliu em seco.
Era sempre assim.
— Como assim? — Denise questionou, indignada — Eu sou mulher!
— Se o senhor se diz mulher, não importa! Aqui, nós não temos preconceitos com pessoas como você, mas exigimos que respeitem nossas regras. Nós seguimos a Cristo! Não aceitamos a ideologia de gênero que vocês tentam impor pra gente.
— Olha, eu... — Ela estava profundamente envergonhada, constrangida. No entanto, não ficara triste. Aquela situação era demasiadamente comum — Eu sou mulher, sim! Você não tá...
Sem palavras, a chefe de Nicole desistiu de argumentar. Não queria estar em um lugar onde não seria respeitada. Segurou firme em sua bolsa e caminhou rumo à saída.
Joana resmungou alguns impropérios, mas logo voltou-se para a mesa de bebidas e tomou um drink.
— Joana? — A pastora Rose a chamava — Quem era aquela mulher?
— Não era mulher não, pastora. Era um baita de um traveco — Ela disse, após bebericar um gole — Nunca vi na vida e tava querendo entrar no banheiro feminino. Eu não deixei. Eu hein!
— Você fez o quê?
— Ele queria me convencer que era mulher e que tinha que entrar. Daí ele foi embora...
— Fez uma pessoa ir embora por causa disso?
— Sim! Disse que aqui era local de Deus, etc. Por quê?
— Você perdeu completamente a noção! — A senhora falou, com o cenho franzido, correu até Denise, que já se dirigia para a saída acompanhada do amigo, deixando Joana para trás.
A mãe da noiva deu de ombros. Fez o que achou que era o certo.
— Moça! Moça! — Rose ia o mais rápido que podia, mas a idade avançada já não a deixava exceder nos movimentos. Por sorte, conseguiu alcança-la antes que chegasse à porta.
— Desculpe? — Denise sentiu puxarem seu braço e se virou para a senhorinha que a procurava.
— Olha — Ela dizia, tentando recuperar o fôlego — não ligue para o que aquela mulher diz. Ela não representa nós, cristãos, viu?
— É mesmo? — Ela elevou uma das sobrancelhas — Porque a maioria dos que me vêm dizer coisas como as que ela disse, dizem ser cristãos. E são poucos os que se posicionam contra isso!
— Você tem razão. É... Me desculpe. Reconheço que a Igreja precisa amadurecer e saber lidar melhor com pessoas como você. Mas, por favor, perdoe-nos! Acho um absurdo uma situação dessa e...
— Tudo bem, senhora. Já estou acostumada com isso e...
— Ah, por favor! Não vá! Vi que estava sozinha. Pode se sentar conosco, bater um papo e...
— Não precisa! E, bem... Quer dizer, posso sim me sentar com vocês. Mas não vou ir embora. Estou aqui pela Nicole.
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19h 02min
Henrique, após arrumar os últimos detalhes de seu cabelo para deixa-lo no estilo que desejava, saiu do banheiro, passou pelos corredores e desceu a escada que levava ao salão onde aconteceria a cerimônia.
Logo encontrou, no meio das pessoas, sua amiga Astrid, acompanhada de Vinícius e mais uma moça elegante e bonita que nunca vira na vida. Além de João Victor, Alexandre e Ana Laura.
— Então quer dizer que não é mais o Léo o diretor do Estrela do Rock?
— Não — respondeu o apresentador do programa.
— Quem é, então?
— É o...
João Victor não conseguiu responder a pergunta, a presença repentina de Henrique, um dos favoritos para vencedor do concurso, fez todos voltarem a atenção para ele.
— Astrid, é... Oi!
— Henry! — A jovem loira exclamou — Essa aqui é a Louise, ela é a investigadora que resolveu aquele caso em Cabo Frio, lembra? Agora ela é daqui do Rio.
— O-oi, Louise! — Ele gaguejou, coçando a cabeça, ao olhar a mulher — Alguém aqui sabe da Andressa?
— Ela ainda não chegou — afirmou Ana Laura — Deve estar vindo aí...
— Sabe quem vem com ela?
— Ah, deve vir a namorada, o pai e aquela mulher lá a...
— A Daniela! — Louise complementou, lembrando-se da sua colega de trabalho — Ela trabalha comigo na Polícia Civil.
— Ah, sim! Sei... — Ele comprimiu os lábios e olhou ao seu redor as pessoas que estavam próximas a ele e exclamou na direção de Vinícius — Víni! Que bom que você veio, cara!
Carismático, Henrique se aproximou ainda mais do rapaz que, apesar de estranhar um pouco a reação dele ao notar sua presença, correspondeu ao caloroso abraço apertado que envolveu, com os braços, seu tronco.
— Por que quer falar com ela, Henrique? — Alexandre semicerrou os olhos e lhe questionou assim que este se afastou do colega.
— É... — Ele ficou olhando de um lado para o outro, claramente nervoso — Prestar minhas condolências.
— Como é? — Vinícius elevou uma de suas sobrancelhas.
— Foi a mãe da Andressa a vítima daquele caso em que o Kim tá sendo acusado — Astrid explicou, tristonha.
— Felizmente, justiça está sendo feita! — Afirmou João.
— Como tem tanta convicção disso? — Astrid cruzou os braços e o enfrentou.
— O caso ainda está sendo investigado — informou Louise — Acredito que em breve será solucionado. Mas, por que estamos falando disso? É um casamento, gente!
— Isso é! — Vinícius exclamou e, em seguida, cochichou nos ouvidos da loira — Vamos, Astrid. Só essa noite, vamos nos desligar desses problemas.
Engolindo em seco, a jovem assentiu com a cabeça, seguindo o jovem para longe dali.
— É... Desculpem, mas eu vou atrás da Andressa — Henrique informou, mexendo seus punhos descontroladamente.
— Henry! — João Victor o lembrou — Ela ainda não chegou, lembra?
— Ah, é. Eu...
— É... — Em um instante, Louise se sentiu ligeiramente desconfortável — Vou indo, gente! Sou muito fã de vocês e espero que todos vão bem!
— Obrigada! — Ana sorriu, grata.
— Foi um prazer — Henrique se aproximou mais dela e lhe envolveu com um dos braços e lhe beijou a bochecha, em um momento inusitado, mas comum.
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19h 00m
Duas horas para o início da cerimônia.
Andressa saiu do carro, dirigido por Daniela, trajando um vestido preto e justo em seu corpo. Queria expressar o luto que sentia pela perda de sua mãe.
Ao seu lado, além da prima de Mariana, estavam Iago e Letícia. Em passos não muito apressados, os quatro entraram no salão enquanto tentavam desviar dos curiosos e fãs da cantora.
— Dêssa... — Letícia cochichou em seu ouvido, chegando bem perto da jovem — Você não contou pro Henrique, contou?
A moça engoliu em seco.
— Não, Letícia! Eu não contei! — Falou, engolindo em seco.
— Ah, bom — Ela suspirou, aliviada — Não faça uma besteira dessa, viu?
— Letícia, não começa! — Ela disse, em um volume baixo, tentando manter a pose simpática para as câmeras que, vez ou outra, fotografavam a garota — Não preciso de mais dor de cabeça!
Assim que entraram no recinto, sentaram-se nas cadeiras reservadas para eles, bem na frente do púlpito onde o próprio pai da noiva faria a consagração.
— Dêssa! — Alexandre exclamou, assim que viu a moça com sua família sentados — E aí? Tudo certo pra daqui a pouco?
— Claro! Precisa de mim pra alguma coisa?
— Nada. Só fique à vontade. Tem jornalista em tudo que é lugar aqui que quer falar com a gente. A Ana Laura e o Henrique estão por aí com o João Victor...
— Tá ok!
— E pode se servir! Tá vindo aí uns drinks ótimos que vocês vão gostar e... — De repente, ele se lembrou da perca recente que a loira teve e mudou radicalmente sua expressão — Ah, como eu ia me esquecendo! Nossa, eu sinto muito pelo que aconteceu com a sua mãe! Meus pêsames.
— Obrigada, Alexandre! — Ela disse, sem fazer muito contato direto — Tá tudo muito bonito aqui...
— Eu que agradeço. Daqui a pouca a gente se vê no camarim, ok? — Ele falou e, após a confirmação da loira, retirou-se, enfim, do local.
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21h 34min
Até o momento da chegada da noiva, o bar era à vontade. Várias bebidas não alcoolizadas foram distribuídas durante a festa e alguns petiscos também. Nada muito pesado. Apenas algo para compensar a demora de Nicole no casamento.
Enfim, Bernardo subiu ao palco e, após cutucar o microfone para se certificar de que estava ligado, começou a palavra. Iniciou seu discurso falando sobre como se sentia orgulhoso em ver sua primogênita se casando. Depois, falou sobre os padrinhos e madrinhas, pedindo estes que entrassem.
Ana Laura se posicionou antes do primeiro degrau que levava ao palco, apanhou um microfone e, usando sua voz limpa, bela e inspiradora, começou a canção que seria interpretada em conjunto com os outros finalistas do concurso, com exceção de Alexandre.
(...)
Pra você guardei o amor que nunca soube dar
O amor que tive e vi sem me deixar
Sentir sem conseguir provar
Sem entregar
E repartir
Pouco a pouco, o pessoal escolhido pelo casal para apoiar o matrimônio, foi ocupando o espaço atrás do pastor. Todos estavam muito bem vestidos e maquiados pela equipe de produção do Estrela do Rock.
Ao lado de uma senhora de sessenta anos, Alexandre caminhou longos cem metros sobre o tapete vermelho banhado de pétalas de rosa até o altar.
E então, chegou o momento em que faltava apenas a noiva no palco.
Alexandre parecia estar calmo, mas seu coração pulsava fortemente.
Joana, que aguardava a chegada de sua filha, desceu alguns degraus e cochichou no ouvido do noivo.
— Henrique e Andressa sumiram.
— O quê? Como assim? A gente tinha combinado, caramba!
— Eles sumiram. Ninguém consegue falar com eles nem com a família da Andressa. Eu sinto muito!
— Tudo bem, não foi sua culpa. Mas, poxa...
A enfermeira suspirou e voltou para o seu lugar. Não demorou muito e, logo, a música de Ana Laura se acabou e um carro parou na frente da entrada do salão.
De lá, surgiu a figura da mulher de pele negra escura, em um vestido branco, cintilante, com uma tiara sobre a cabeça, anéis, joias, brincos e colar.
E então, começou. A marcha nupcial.
Lá vem a noiva.
Acompanhada de seu avô, um homem de idade avançada, negro e vestindo um terno bonito, a moça estava com seu coração pulsando forte. Não por estar ansiosa por aquele momento que, em breve, concretizar-se-ia. Mas sim, pelas consequências que sua atitude provavelmente causará.
Não queria encarar aquela realidade, mas teria.
Nicole não poderia arruinar o resto de sua vida por causa de alguns dias de constrangimento pelo que estava prestes a fazer.
Pela primeira vez, Nicole deveria agir com seu coração. Já havia feito muitas coisas para agradar os outros, vivido a sua vida para os outros.
Mas não para sempre.
Quando subiu ao palco e foi entregue aos braços do ruivo sorridente que não lhe proporcionava mais tantas borboletas no estômago assim.
Não conseguia expressar alegria nenhuma. Apenas tensão. Enquanto Bernardo falava, a moça não prestava atenção alguma. Apenas refletia em sua vida com Alexandre até aquele momento.
Quando percebeu, estava de frente para ele, encarando seus olhos castanhos enquanto segurava suas mãos carinhosamente.
— Nicole Martins Ribeiro e Alexandre Galdino das Neves, vocês já foram muitas coisas um do outro, amigos, companheiros, namorados, noivos. Agora, com as palavras que vocês estão prestes a trocar, vocês passarão para a próxima fase.
Ela se lembrava de tudo. Cada palavra que a magoava.
De quando tinham dois meses de noivado e, em meio a uma roda de amigos, ela deu uma gargalhada e, mais tarde, ele a advertiu. Disse que era bom que ela evitasse rir daquele jeito. Era muito "escandalosa".
— Pois, com estes votos, vocês estarão dizendo ao mundo: "este é meu esposo", "esta é minha esposa".
Há alguns anos, Nicole não sabia precisar a data, um amigo bem próximo de Alexandre, também cantor, que o ajudou a entrar nessa carreira, foi acusado de ter estuprado uma mulher. Ao invés de fazer como ele fazia com desconhecidos, o ruivo se posicionou a favor do homem.
"Vocês estão querendo destruir a carreira dele. Ele é gente boa! Não podem acreditar em tudo que uma garota, já conhecida por ser quem é, diz"
— Alexandre Galdino das Neves, é de livre e espontânea vontade que você aceita Nicole Martins Ribeiro como sua companheira em matrimônio?
— Sim. Eu aceito.
Outra cena passou por sua mente. Quando a moça estava no início de sua faculdade e começou a ter novas amizades.
Uma dessas amizades era um rapaz simpático que gostava de conversar. Na primeira vez que Alexandre os viu juntos, chamou-o para uma briga e, mais tarde, gritou feio com a noiva.
Proibiu Nicole de conversar com ele ou outros homens da sua faculdade. Principalmente se esses seguissem um padrão de beleza mais cultuado. Nem mesmo o fato de a jovem ser uma das pouquíssimas alunas mulheres de seu curso convenceu Alexandre.
No entanto, não era necessário aquilo. Depois da cena que ele havia feito, ninguém mais queria se aproximar da jovem e, quando isso acontecia e Alexandre ficava sabendo, ele conseguia reverter a situação e colocá-la contra os colegas.
Em outra ocasião, quando Nicole se encontrava em uma profunda depressão por se sentir solitária, ele pusera a culpa no fato de ela estar se envolvendo demais com os estudos e não ter assuntos interessantes para conversar. Segundo ele, ela devia focar no relacionamento dos dois.
De preferência, cuidando sempre de sua aparência e evitando roupas curtas.
— Nicole Martins Ribeiro, é de livre e espontânea vontade que você aceita Alexandre Galdino das Neves como seu companheiro em matrimônio?
Engoliu a própria saliva.
Respirou fundo. Precisava daquilo.
Em um movimento brusco, fechou as mãos e se soltou de Alexandre. Em seguida, lançou-lhe um olhar penetrante.
— Não!
♫
21h 30min
Vinte minutos antes de Nicole aparecer no recinto, praticamente a maioria dos convidados e funcionários já estavam em seus lugares, esperando a chegada da noiva para o ápice daquela noite.
No banheiro feminino, porém, havia uma pessoa que já não estava mais tão preocupada com aquilo. Muito menos com a apresentação que faria no dia.
Andressa, com as duas mãos, jorrava água em seu rosto, na tentativa de disfarçar o suor e a dor intensa que sentia.
— Senhorita? — Ouviu, na porta do banheiro, a voz de uma das funcionárias do local.
— Me ajuda! Por favor! Eu tô grávida e... Ai — Ela dizia, pondo as mãos sobre a barriga, trincando os dentes, em um estado de pavor.
Quando a jovem avistou o semblante pálido, suado, as gotas de sangue que escorriam pela perna da cantora e ouviu seus gemidos, correu para chamar mais gente e ajuda-la.
— Vamos! Alguém ajuda ela! — Logo, mais três pessoas correram para tirá-la dali e, enfim, leva-la para a enfermaria do salão.
Enquanto Andressa ainda tinha forças, os funcionários a conduziam apoiando um braço nas costas da garota, mas quando ela, repentinamente, perdeu a consciência, um dos seguranças teve que segurá-la pelo método da noiva, ou seja, uma de suas mãos atrás dos joelhos e a outra através das axilas.
♫
22h10min
Ninguém acreditava que aquilo estava acontecendo.
A maioria, porém, já havia visto aquela cena em filmes ou livros, mas em vida real, ninguém imaginava.
Após dizer não, Nicole correu para o banheiro. Trancou-se e, por lá, chorou por cerca de quarenta minutos.
Nos primeiros cinco minutos, os convidados ficaram desnorteados. O que aconteceria a partir dali? E o programa? E a cerimônia? E a lua de mel?
Depois, exatamente às vinte e duas e quarenta, a atenção se voltou para um problema ainda mais sério.
Um grito vindo do segundo andar.
Muitos ouviram, incluindo a detetive Louise Ferguson.
Respirou fundo e subiu as escadas, que estavam desprotegidas, junto com um monte de outras pessoas curiosas para saber qual era o motivo de tanto espanto.
Quando chegou lá em cima, precisou enfrentar o ambiente claustrofóbico que havia se inserido. Era tanta gente que ficou desconfortável.
No entanto, ao seguir o fluxo de pessoas, ela pode ver a aglomeração no camarim da noiva e entender, pelo rosto aos prantos de uma adolescente, funcionária da empresa que oferecia a festa, que ocorreu uma tragédia.
A porta estava aberta. Era lá a cena do crime e havia gente entrando lá. Joana era uma delas. Louise pode vê-la chorando também.
— Atenção! — Ela gritou, pegando seu distintivo e o levantando, para que todos pudessem ver — Eu sou policial civil. Por gentileza, peço que todos se retirem. Agora!
♫
23h 15min
Circulando o local do crime e ainda em choque, Louise, Astrid e Vinícius pensavam no que fazer diante aquela situação.
A Polícia já tinha sido chamada, os curiosos, apesar de já terem invadido o ambiente e contaminado a cena, já haviam sido afastados. Só lhes restavam esperar que as providências cabíveis fossem feitas.
De repente, a figura determinada de uma mulher com vestido de noiva apareceu na direção do camarim.
— Senhora Nicole? — Louise interviu — Me desculpe, mas a senhora não vai poder continuar aqui. Permaneça no piso abaixo e aguarde outras ordens.
— Senhorita, você quis dizer — ela corrigiu, com a voz carregada de raiva — O que é isso? — Ela indagou, em voz alta, cerrando os punhos e franzindo o cenho — Quem é você?
— Meu nome é Louise Ferguson. Sou perita criminal e... — Ela disse, exibindo seu distintivo da Polícia Civil.
— Policial? Como assim? — Ela questionou, incrédula, interrompendo a detetive.
— Nico, por favor, não queira... — Astrid inclinou a cabeça e entrelaçou os dedos das mãos, tentando convencer a noiva a fazer o que eles pediam.
Mas a tentativa foi falha. Nicole já não tinha mais paciência. Queria sair dali.
Necessitava sair dali.
Em um movimento ágil, passou pelos três e girou a maçaneta, abrindo a porta bruscamente.
Arrependera-se no instante seguinte.
O grito agudo e estridente da mulher foi ouvido por quase todos os convidados que estavam ainda confusos lá embaixo.
Ela não devia ter visto aquilo.
Na sua frente, uma poça de cor vermelha escura percorria o chão de madeira polida. Ao seguir o líquido escarlate, os olhos da mulher a levavam para dentro do banheiro de seu camarim e, posteriormente, para uma banheira.
Esta, porém, não estava vazia como havia deixado.
Estava cheia.
Dentro dela, além da água vermelha que quase transbordava, havia alguém.
Sentado na banheira, com a cabeça recaída e os dois braços para fora, estava o corpo sem vida de Henrique Martins.
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