11: Glória e Sangue
Você andou bebendo como se o mundo fosse acabar
(Não acabou)
Ganhou um olho roxo pela mão do seu melhor amigo
(Vai entender)
Está claro que alguém tem que ir
Nós queremos isso, mas prometo que não somos maus
Glory and Gore – LORDE
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6 dias para O Dia
14 de julho, domingo
No final do episódio, quando os grupos já haviam se apresentados, era hora de, finalmente, divulgar o resultado.
De frente para João, estavam os jurados, sentados em suas cadeiras, tão ansiosos quanto a plateia eufórica atrás deles.
Na retaguarda do apresentador, os doze participantes faziam uma fileira, um abraçado com o outro. O momento era de ansiedade. A trilha sonora também ajudava a provocar esse efeito.
Nas mãos do jovem, além de um anel caro, havia um envelope contendo o resultado dos votos populares.
Em rede nacional, ele retirava vagarosamente o conteúdo, até poder lê-lo por completo.
— Time da Alice Mello, vocês estão na final! — Ele exclamou, contente.
No mesmo instante, centenas de milhares de confetes caíram do ar, as luzes piscavam, a música de fundo se agitou e a plateia foi à loucura.
A única coisa que o time vencedor conseguiu fazer, como reação era pular e gritar de alegria, em comemoração.
— Algum de vocês quer falar alguma coisa? — Perguntou o apresentador aos vencedores, dois minutos depois, enquanto a euforia do resultado ainda era presente no ambiente.
Em seguida, Alexandre deu um passo em frente, voluntariando-se. Não perderia aquela oportunidade. O microfone em sua boca fora ligado e ele pode falar.
— Em nome de todo o grupo, eu gostaria de agradecer, primeiramente a Deus, pois sem Ele, nada disso seria possível. E em segundo lugar, eu queria agradecer a toda equipe do Estrela do Rock, incluindo a própria Alice, que proporcionou esse ambiente incrível e acreditou no nosso potencial para estarmos aqui mostrando nossa voz, nosso brilho e nosso talento, que é o que mais nos orgulhamos de ter.
De repente, a plateia o interrompeu com aplausos, mas ele fez sinal de que gostaria de prosseguir.
— Mas, agora, falando de mim, eu gostaria de dizer que, independente do resultado da semana que vem, vou levar tudo o que aprendi comigo pro resto da vida. E é por isso que convido a todos vocês, da produção, pro meu casamento no sábado — E então, ele se virou para os três que o acompanharam naquele show — E quanto a vocês, que, agora, eu considero como meus grandes amigos, eu desejaria muito que cantassem comigo no dia mais importante da minha vida.
A proposta pegou os três de surpresa, que arquearam as sobrancelhas simultaneamente. A câmera se voltou para eles. Não tinham como dizer não. Então, assentiram.
Após algumas palavras da mentora e dos outros jurados do programa, que também confirmaram presença no evento, comentários e cenas nos bastidores, o episódio teve seu fim.
Quando as câmeras se desligaram, ninguém mais precisava fingir ser outra pessoa.
— Andressa, eu... — Henrique, ainda empolgado com a vitória, correu até a loira, que caminhava até o seu camarim para se trocar e encontrar com sua família, e lhe tocou no braço.
— O que você tá fazendo? — Ela se virou grosseiramente assim que sentiu os dedos dele encostando em sua pele, com as sobrancelhas abaixadas, fuzilando o rapaz com os olhos — Não me toque!
Henrique engoliu a seco e arregalou os olhos.
— Só queria te dar os parabéns pela...
— Ainda bem que essa merda acabou, Henrique! — Ela o interrompeu, vociferando contra ele. Seu rosto começava a ficar vermelho — Não quero mais falar com você. Não quero mais olhar na sua cara, ouviu bem?
— Dêssa, eu só queria...
Antes que ele pudesse se explicar, ouviu a voz de uma terceira pessoa ali presente.
— Tá surdo ou o quê, hein? — Letícia apareceu, aproximando-se de sua namorada e a abraçando sem deixar de fitá-lo com raiva — Ela não tem nada com você, entendeu? Então, pare de incomodá-la!
Andressa respirou fundo. Queria repreender Letícia ali, mas certamente o faria posteriormente. Ela era adulta o suficiente para se defender sozinha.
— Tá bem então — Ele comprimiu os lábios e suspirou. As lágrimas começaram a vir, mas hesitaram. Assim como ela pedira, ele se retirou.
— Tá tudo bem, meu amor? — A moça negra perguntou, envolvendo a outra em um abraço mais apertado.
— Está sim, Lê... Está sim.
Andressa negava, mas sabia que fazer aquilo doía demais em seu coração. Apesar de dizer da boca para fora que não queria, sequer, falar com Henrique, sabia que aquilo seria impossível.
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Euforia.
Não existia palavra melhor para descrever o estado de espírito de Leonardo Chantre naquele momento.
Uma contagiante agitação subitamente se expressava em seu corpo. O homem se sentia grande. Incrível. Poderoso.
Olhava para toda aquela gente ao seu redor. Diversos funcionários que trabalharam até ali para a construção de toda aquela estrutura preparavam as coisas para ir embora. Outros, no entanto, também comemoravam o fim do episódio, só que de forma menos intensa que o diretor.
E não era para menos. Afinal, o programa batera o recorde de audiência.
Com uma garrafa de champanhe em mãos, subiu em uma mesa onde pode ser visto por muita gente.
— E pra comemorar mais essa vitória — Ele gritou e todos se viraram para ele — Tá todo mundo convidado pra uma festa na minha casa. Tudo por minha conta, hein!
Denise, ao vê-lo anunciando aquilo, correu até o homem com os punhos bem cerrados.
— Leonardo! — Ela o puxou para o chão novamente — O que significa isso? Uma festa?
— A festa, Denisinha! — Ele segurou seus braços e abriu a boca em um sorriso histérico — Mas é claro que pra você não é só isso, não é monamour?
— Como é? — Ela levantou uma de suas sobrancelhas.
— É! — Ele a soltou, mas logo apoiou seus braços nos ombros e começou a gesticular com as mãos para expressar suas ideias — Vem aqui — Sem tirar as mãos de seus braços, ele a conduziu para um lugar não muito longe dali. Do outro lado da janela que ele a levou, podia-se ver o estacionamento do estúdio onde os funcionários deixavam seus carros — Escolhe um deles.
— É o quê? — Ela virou seu rosto para ele.
— Eu disse um? Escolhe quantos quiser. São meus. Eu te dou.
— Léo, você tá...
— Eu tô no melhor momento da minha vida, Dê! Nunca estive tão melhor! — Ele a abraçou, apertando bastante, enquanto ela sentia medo e preocupação — Agora, vai! Escolhe!
— Eu... Eu não quero não, Léo! Pode deixar.
— Boba! — Resmungou — Então, que tal um apartamento lá do meu prédio? A gente pode morar perto um do outro e...
— Léo, sabe o que eu quero? — Ela falou, conseguindo se afastar do corpo do homem, que mantinha com a expressão de felicidade — Quero que você faça uma visita ao médico.
— E por que eu daria essa honra a ele? Ele não tá merecendo! — Ele cruzou os braços e inclinou seu tronco para a amiga.
— Você precisa de uma consulta, Léo! — Ela entrelaçou os dedos e pediu, em pensamento, para que ele aceitasse o pedido.
Naquele instante, a expressão do diretor mudou. Sua cara feliz deu lugar a sobrancelhas baixas e testa franzida.
— Sabe o que eu preciso, Denise? — Disse, semicerrando os olhos — Sexo! E é o que eu vou ter nessa noite, tá ok? O que eu realmente não preciso é de gente querendo impedir o meu crescimento na empresa!
— Leonardo, não é isso! É que você...
— Eu tô achando que, de uns dias pra cá, você só tá torcendo pro meu mal, Denise! — Ele apontou para a face dela, vociferando contra — E logo no meu melhor momento!
— Léo, se tem alguém que te quer bem, esse alguém sou eu! — Ela disse, quase chorando — Há um mês atrás, você nem pra casa ia! Ficava aqui no estúdio e não dormia!
— E olha só o resultado! O episódio de hoje teve o recorde de audiência!
— Dane-se a audiência, Léo! É a tua saúde!
— Quer saber o que ajuda minha saúde? Saber que estou fazendo o que gosto!
— Não, Léo! Isso tá errado!
— Eu sou um artista, Denise! — Ele não percebia, mas seu grito pode ser escutado por qualquer um que passasse e olhasse para o canto — Se Picasso ou Da Vinci estivessem vivos, você seria uma dessas ridículas da Inquisição que ficam querendo impedir o crescimento dos outros! Mas, quer saber? Chega! Você é limitada e não entende.
Ele deu meia volta e caminhou sem rumo.
— Léo, por favor, não! — Ela falava, mas ele não a escutava.
E assim, Leonardo se desvencilhou dela. No entanto, não seria aquilo que faria a mulher desistir do amigo que, antes, tanto a ajudou.
Denise iria a qualquer lugar para impedir que coisas ruins lhe acontecessem.
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Quando Henrique chegou em seu apartamento, não pensou duas vezes em apanhar uma garrafa de vodca em sua geladeira e engolir o conteúdo todo o mais rápido possível.
Precisava novamente da bebida. Sem ela, não conseguiria suportar sozinho mais uma frustração.
Não foi suficiente. Pegou outra. Perdeu a consciência e dormiu.
Acordou no dia seguinte com uma leseira quando ouviu seu celular tocar. Mais uma notificação. Foi ver o que era e se surpreendeu ao descobrir quem mandava aquilo.
JV Lima: Olá, Henrique! Está em casa? Hoje é dia de entrevista com os finalistas, ok? Estarei indo para o endereço que você mandou lá no início do seu cadastro. Vejo você em breve!
— Merda — Ele resmungou, pegando o celular e lhe mandando uma mensagem de voz, esforçando-se para não transparecer sua embriaguez — Oi, é... Então, eu me mudei faz um tempo de lá, viu? Pode vir outro dia? Eu realmente não estou nada bem.
O rapaz ficou um tempo olhando para o nada, pensando no seu vazio interior, tentando lembrar onde errou para, ao mesmo tempo que estava prestes a conquistar um de seus maiores sonhos, estava no fundo do poço em sua saúde mental e física.
Bebeu outro gole da garrafa e recebeu outra notificação.
JV Lima: Manda a sua localização e eu vou aí então. Se quiser, a gente sai e faz a entrevista na rua. Você é quem sabe!
Ele suspirou.
— Mano, você não tá entendendo... Eu tô na merda! Mas, beleza. Tô enviando aqui...
Deitado em seu colchão, o rapaz adormeceu, despertando apenas com as mãos gélidas de João Victor Lima sacudindo seu corpo.
O rapaz tentava não demonstrar seu profundo incômodo com aquele ambiente. O apartamento de Henrique era um cubículo pequeno com apenas uma televisão na sala e cadeiras de plástico, um tapete na entrada, uma geladeira e um microondas na cozinha, uma cama e um banheiro. E, é claro, seu violão.
Era tudo o que o cantor podia pagar com o dinheiro que conseguiu devido ter chegado naquela fase do concurso.
No entanto, o espaço sujo e pouco ornamentado deixava João relativamente enojado.
Ver Henrique, o rapaz que se afeiçoou desde que o viu pela primeira vez, pela sua personalidade e talento, naquele estado o fez sentir um pouco de pena. Além da aparência cansada, ele cheirava mal.
— Henry? — Ele falou, quando o jovem abriu os olhos e se espantou ao ver o apresentador em seu quarto.
— Oi? Hã? — Seu hálito também não era bom, mas João tentou relevar — Como veio até aqui?
— A porta estava aberta, ué. O porteiro disse onde você morava — Ele mexeu em seus óculos azul escuro importado com uma mão e passou a outra na gola de sua blusa social. Henrique inclinou a cabeça, tentando se lembrar se realmente trancou a porta. Provavelmente não — E aí? Quer dar uma saída pra espairecer a cabeça? Dispensei todos da produção.
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5 dias para O Dia
15 de julho, 12h11m, segunda-feira
Com a higiene pessoal feita, o motorista de João deixou ele e o colega em um dos restaurantes mais bem conceituados da região.
— Gosto de vir comer aqui porque é mais difícil para os paparazzis nos flagrar — Ele falou, sentando-se em uma mesa qualquer.
— Tudo que eu não preciso é de gente enxerida me vigiando agora — O cantor bufou.
Pouco tempo depois, um garçom foi até eles anotar o pedido e logo se retirou.
— Eu vou ter que te confessar uma coisa, Henry, pra mim, você é o grande vencedor desse concurso!
Ele arqueou as sobrancelhas.
— Eu? Por quê?
— Ora! Como por quê? Chegou já quebrando tudo, arrebentando. É o que mais tem talento de todos. Eu não devia estar dizendo isso, mas... Tô na torcida por você.
— É mesmo? — Ele coçou o queixo e logo uma entrada foi servida de aperitivo — Acho que você não me conhece...
— Ah, para de graça! Veja só: dos quatro finalistas, você é o que mais tem seguidor nas redes sociais!
— Eu o quê? — Ele indagou — Mas não era o Alexandre?
— Ele cresceu também, mas você subiu demais e ultrapassou ontem! Acho que aquele vídeo erótico que recentemente rolou nas redes sociais fez você ficar famoso. Tá bom que não dá pra identificar direito se era você e a Andressa, mas são tão parecidos e, levando em conta que vocês já ficaram juntos dia desses, né... — Henrique engoliu em seco quando ouviu aquilo. Seus olhos se arregalaram e João percebeu a diferença em sua postura e corou — É... O que foi? Não que eu tenha visto o vídeo, é claro, mas assim, veja bem, eu...
— Como ficou a Andressa com seus seguidores?
— Ah, ela? — Ele franziu o nariz — Puts! Caiu de duzentos e trinta mil para cento e sessenta. Só em uma semana.
— Merda! — Ele bateu na mesa, irritado — O que foi isso?
— Espera... O que aconteceu? — Ele tocou suas mãos, tentando lhe acalmar.
— Eu e a Andressa chegamos a... Você sabe. Ficar juntos, sim.
— Hum... — O rapaz suspirou, surpreso — E não estão mais?
— Não. Não estamos.
— Ah, bom... — Falou, e logo Henrique inclinou a cabeça — Quer dizer, você gostava dela?
O rapaz olhou para baixo, com os cantos da boca caídos.
— Ela me ajudava a me manter com a mente ocupada e alegre. Estar com ela era bom.
— Há males que vêm para o bem, Henry. Quem sabe esse término de vocês não te ajude a se concentrar melhor no concurso e conquistar o prêmio?
— O prêmio...
— É! Você quer ou não quer ser famoso com sua música?
— É o que mais quero. Desde pequeno.
— Então, cara! Já vi o início e o fim de diversos cantores... A Andressa não tem futuro. As músicas dela, particularmente, são terríveis. Uma pior que a outra. Ninguém precisa de mais romantização escrota da depressão. Não é à toa que ela tá ganhando cada vez mais hater.
— Nossa, você também acha isso? Eu sempre achei algo de errado com aquelas músicas, mas nunca...
— Porque é um assunto pouco falado! Mas esse tipo de coisa desperta gatilhos emocionais em pessoas fragilizadas psicologicamente e acaba promovendo suicídios, crises, entre outros... Teve um cara da tua faculdade, Gustavo Zhang, que publicou um artigo problematizando isso tudo. Disse que ele e mais um monte de gente teve crises desencadeadas por essas músicas dela.
— Nossa, você tem razão!
— Cola comigo que você se dá bem. Vamos fazer o seguinte. Hoje vai ter uma festa na casa de uma amiga minha. Ela é dona de uma empresa de publicidade e já impulsionou a carreira de inúmeros artistas famosos. Vem comigo e você tenta se enturmar, conhecer algumas pessoas, se distrair e, quem sabe, conseguir algo dela? Daí amanhã a gente vai pro estúdio e grava tua entrevista.
— Olha... — O rapaz não precisou pensar muito. A proposta era tentadora. Irrecusável — Eu topo!
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4 dias para O Dia
16 de julho, 11h02m terça-feira
A Andressa que, outrora, soluçava aos prantos no colo do pai, não parecia a mesma que, com um vestido branco e maquiagem bem feita, abrira um sorriso na frente das câmeras para em um dos jardins mais bonitos da Barra da Tijuca para a entrevista com o apresentador do Estrela do Rock.
— E então, conte pra gente! O que pensa em fazer caso saia vitoriosa no reality?
— Ah, eu penso em não parar por aí. Expandirei minha imagem por todo o continente e o mundo. Vou levar arte, cultura e usar a minha visibilidade para ajudar quem precisa.
— E como é a Andressa no dia a dia?
— Ah, João! — Ela elevou os ombros e olhou a paisagem, pensando na melhor resposta — Na verdade, eu sou bem bipolar, sabe? Uma hora, eu tô aqui, alegre, cantando, fazendo o que eu gosto, e outras horas me dá uma crise de nervoso e fico estressada, querendo ficar apenas sozinha, sabe? Só eu e eu mesma. São nesses momentos que saem minhas melhores músicas.
"Uma hora quer o Henrique, outra hora quer a garota. Bastante bipolar, né?" quase que ele falou em voz alta.
— Sei, sim — Ele falou, fingindo simpatia — Agora, todo mundo quer saber: o que rola entre você e o Henrique?
A jovem respirou fundo e manteve com o sorriso. Estava preparada para aquela pergunta.
— Ah, o Henrique foi uma pessoa incrível que conheci antes mesmo do programa. Daí quando começamos e vimos que estávamos no mesmo time, nossa amizade só se intensificou. Amizade, galera! Nada além disso!
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3 dias para O Dia
17 de julho, 16h34m, quarta-feira
No dia seguinte, o vídeo foi ao ar, junto com as entrevistas de Alexandre, Henrique e Ana Laura na TV.
— Seus seguidores não aumentaram tanto, Dêssa... — Letícia resmungou, tristonha, e logo terminou de passar um batom vermelho nos lábios.
— Na festa de hoje deve ter algum jornalista. — A loira se aproximou e dividiu o espelho com a moça para terminar de passar a maquiagem para esconder suas espinhas — Quando eles me virem longe do Henrique e do seu lado, talvez afastem a ideia de que era eu naquele vídeo.
— Será, Dêssa? Eles já devem saber que eu e você somos, quer dizer...
— Ai, céus! — Ela quase se borrou com o rímel — É um caminho sem volta. O jeito é eu tentar ser positiva. De qualquer forma, algo me diz que a festa que esse diretor vai fazer não vai ser lá tão alvo de polêmicas não...
— E aí, meninas! — Mariana surgiu no banheiro. Trajava um vestido preto estilo "tomara que caia" e maquiagem sensual — Vamos?
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Chegara a grande noite de comemoração.
Se Leonardo dormira por duas horas naquela noite, foi muito. Nem mesmo durante a noite o homem conseguia conter sua excitação constante e incontrolável que agitava seu corpo. Não suportava ficar quieto e não seguir o acelerado fluxo de pensamentos e imagens que surgiam em sua mente. Gastou uma fortuna contratando, de última hora, uma empresa de eventos para realizar a festa que ele queria.
O comportamento do diretor estava começando a gerar inúmeros comentários negativos entre os funcionários da emissora. No entanto, ele não se importava. Preferia seguir a sua vida sem dar crédito às pessoas "invejosas que só desejam seu mal". Afinal, quando ele estava deprimido, julgavam-no por ser preguiçoso e dramático. Agora, que seu humor andava elevado, diziam que era louco.
Pensava em tudo isso enquanto degustava uma taça de vinho branco que pegara da geladeira de sua casa em uma chácara que havia comprado naquele ano. Já estava tudo pronto para o início da festa. Bebidas, petiscos, muita música e atrações especiais.
Eram oito horas da noite.
— Léo? — A voz de sua primeira convidada e conhecida amiga soou na entrada de sua moradia.
— Você? — Ele bufou, lembrando-se da conversa que tiveram há alguns dias — Por que veio? Quer se juntar a festa agora, é?
— Eu só quero ficar com você. Ter certeza de que não vai fazer nada de errado.
— Que tem errado de em se divertir um pouco, Denise?
— Você me entendeu bem, Leonardo — Ela falou, aproximando-se do amigo e olhando no fundo de seus olhos — Me responde uma coisa: você tem tomado seus remédios?
— Aqueles que já devem estar na Baía de Guanabara? Não! — Ele subiu uma de suas sobrancelhas e cruzou os braços — Pra quê vou tomar antidepressivo se eu nunca me senti tão bem? Eu não entendo vocês, viu?
— Leonardo! Seu psicólogo te recomendou e...
— Meu psicólogo é outro que parece que só quer falar mal de mim! — Ele a interrompeu, assim como fazia várias vezes com Denise e com as outras pessoas. Era muito difícil para ele controlar suas palavras — Eu não tenho mais depressão, viu? Será que não percebem?
— Mas, Léo, será que você não percebe que está tendo comportamentos totalmente anormais?
— E por acaso Da Vinci era normal? Einstein? Van Gogh? Por favor, Denise! Eu sou um gênio e vocês estão tentando me parar, mas quer saber? Não vou deixar que isso aconteça!
De repente, os olhos do homem semicerraram e avistaram um ponto distante. Algo que Denise, por estar de costas, precisou se virar para enxergar o que era.
— Léo... Aquilo é... — Ela levantou uma das sobrancelhas e fitou bem o veículo que se aproximava de sua chácara.
— O ônibus da Lins! — O diretor abriu um sorriso e correu até a entrada do lugar gritando — Bora lá, rapaziada!
Chocada, Denise se dirigiu ao banheiro feminino, onde tentou reorganizar todos os seus pensamentos e pensar na melhor maneira de trazer seu amigo de volta para a realidade. Respirou fundo e se encarou no espelho. Imediatamente, apanhou seu celular e buscou nos seus contatos alguém que pudesse lhe ajudar.
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A festa começou a ficar mais animada a partir das onze e trinta da noite, quando a maior parte dos convidados já havia chegado, entre eles os finalistas do programa que, em quatro dias, estrelariam o último episódio do reality.
— Eu ainda tô custando a acreditar que o Léo contratou tequileiros e uma escola de samba pra cá! — Denise, sentada em uma cadeira junto com Nicole e Alexandre, afastados do centro da grande festa, disse enquanto degustava sem muito prazer um copo de água — Ele não está nada bem!
— Nem parece que ele estava tranquilo semanas atrás!
— Pois é! O Léo tá nesse vai e vem de emoções faz uns dois ou três anos. E a coisa tá piorando... Ele já está começando a ouvir vozes. O psicólogo achou que era depressão depois que ele ficou sem o emprego que queria na outra emissora, mas é outra coisa!
— Isso é preocupante mesmo. Até onde essa loucura pode levar ele?
Como se uma lâmpada acendesse em seu cérebro, Denise arregalou os olhos.
— Nossa, Nico! Exatamente! — Ela se levantou, deixando os dois sozinhos — Com licença, preciso ver uma coisa.
Sem entender nada, Denise acompanhou o andar da chefe apenas com o olhar e voltou sua atenção para Alexandre que disfarçou o fato de estar, instantes atrás, observando de forma bastante intensa o corpo de uma das convidadas de Leonardo.
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— E aí, Nico! Como tá a festa? — Ana Laura se juntou ao casal, que já ficara pouco tempo sozinho desde que Denise saiu.
— Ai, amiga... Sabe como é, né? Não tenho paciência pra gente bêbada e música eletrônica.
— Pois é, tô na mesma situação. Nem pra servir comida de verdade eles servem — Ela apoiou os cotovelos na mesa e pôs as mãos no queixo — Vamo embora?
— Vamos! — Ela respondeu, animada.
— A gente passa na lanchonete ali e pede um podrão e...
— Ei! — Exclamou Alexandre — Vocês querem mesmo abandonar a festa agora?
— Você quer ficar, amor? Por quê?
— Tem um monte de jornalista que está esperando a hora pra vir me entrevistar e falar algo sobre mim.
— Ah, é... — Ela bufou e se virou para a amiga — Pois é, Ana, não vai...
— A gente faz o seguinte. Eu e a Nico vamos pro centro comprar um lanche decente pra gente, a gente bate um papo e volta pra te buscar. Que acha?
— Mas, Ana... — A jovem tentou contestar.
— Ou então, se não tiver problema, eu te deixo em casa no meu carro.
Alexandre suspirou com aquela proposta que as mulheres discutiam.
— Tudo bem pra você, amor? — Nicole perguntou, entrelaçando os dedos, torcendo para que a resposta fosse positiva.
— Por mim, sim, minha flor. Gosto da Ana. Moça direita.
Ignorando completamente a cena angustiante que acabara de acontecer, Ana Laura deu meia volta e puxou Nicole para o seu carro.
A jovem conversaria bastante com a amiga sobre a pessoa que realmente queria se casar.
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— Fica tranquilo, você não precisa ficar bêbado hoje pra se divertir, viu? — João Victor, com sua roupa de grife e seus óculos em um evento despojado como aquele, puxou o novo amigo pelo braço rumo ao centro das festas, onde havia pista de dança, tequileiros, strippers, entre outras atrações.
Ele assentiu e o acompanhou. Aos poucos, foi perdendo a vergonha em saber que, naquele mesmo ambiente, estavam pessoas que conhecia.
Aquilo era mentira. Ele precisava sim.
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— Ai, que merda! Henrique tá aqui — Andressa resmungou para Letícia, ao ver o rapaz se aproximar, lembrando-se de todos os problemas que lhe acometeram anteriormente.
— Fica tranquila, Dêssa. Apenas sorria e acene. Fale com alguns jornalistas. Tire umas fotos. Não exceda na bebida. E vai dar tudo certo — A jovem negra disse.
Alguns minutos se passaram e, no meio daquela movimentação, Andressa se esbarrou em alguém conhecido.
— Alexandre! — Ela o cumprimentou, simpaticamente, nunca teve nada contra o homem.
— Andressa! E aí? Como está?
— Tirando o fato de estar enjoada com tanta gente junta, bebida e cheia de dor de cabeça, vou bem. Mas e você e a Nicole?
— Estamos ótimos! Nosso casamento é nesse sábado, hein! Você tá mais do que convidada e... — Ele percebeu a presença da jovem negra ao seu lado e, recordando-se da história da loira, associou os fatos e deduziu quem ela seria — É a sua namorada?
— Ah, é... Na verdade... — A moça corou, virando-se para Letícia, sem saber o que dizer.
— Somos sim — A própria falou, estendendo-lhe a mão para ser apertada — Prazer, Letícia!
— Prazer.
Delicadamente, e com um sorriso, Alex pegou na mão da jovem, mas, ao invés de apertá-la normalmente, levou-a a boca e lhe deu um beijo. Ela fez certa pressão para se soltar do rapaz, mas ele resistiu.
— Mas, e aí, vamos tirar uma foto pra postar? — Andressa sugeriu, tentando ignorar o acontecido e promover um clima mais descontraído.
— Vish, meu celular está sem bateria.
— Ah, tudo bem! — A loira tirou o seu próprio aparelho da bolsa — Eu tiro.
Os dois posaram para uma selfie que logo foi compartilhada pela jovem pelas redes sociais e ambos se distanciaram, não antes de ouvirem o celular de Alexandre tocar.
— Desgraçado! — Letícia resmungou — Era óbvio que não queria postar uma foto com alguém que esteja envolvida com polêmicas.
— Ridículo...
— E você viu o que ele fez pra beijar minha mão? Olha, por pouco eu não faço um escândalo!
— Vamos embora, Letícia?
— Tô contigo. Só precisamos saber onde está a sua mãe...
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— Bora! Me come gostoso agora, tigrão! — Mariana Madalena falava, puxando com força a camisa social do homem, e o empurrando na parede do quarto daquela enorme casa de chácara, lançando-lhe um olhar sedutor e provocante.
Leonardo, bem mais alto que ela, precisou se agachar um pouco para beijá-la e jogá-la na cama. Pela primeira vez, sentia que estava com alguém cuja euforia quase chegava próxima a dele.
Ofegante, Mariana desabotoou a camisa do homem e se virou, para que ele pudesse fazer o mesmo com seu vestido. Os dois continuaram o ritmo de amassos e beijos até chegar a hora de tirar as roupas e iniciar uma outra etapa mais quente.
Quatro minutos depois, Leonardo caiu na cama, ofegante.
— Foi bom pra você, meu amor? — Ele disse, com um sorriso de orelha a orelha.
— Que merda é essa? — Com o cenho franzido, Mariana se levantou da cama, insatisfeita — Meu amor? Depois dessa vergonha que fez aqui?
— Ei! Do que está falando, Denise?
— Oi? — Ela elevou uma das sobrancelhas, terminando de por o vestido — Tá de sacanagem, é?
— Maria? É... — Ele se levantou, ficando sentado.
— Mariana, meu bem! A primeira, a única e a melhor! — Ela disse, beijando seu próprio ombro em seguida e voltando a fita-lo — E olha... Você tá animadinho demais, hein! Mas vi que essa sua animação não é pra muito boa não, viu? Se você tá querendo ficar com essa Denise aí, meu bem, é nela que você deve chegar!
Leonardo ouvia aquilo perplexo, com o estômago embrulhado.
Não era mesmo Denise? Ele podia jurar que estava com sua melhor amiga. Ou melhor, uma versão mais compatível com seu estado de espírito, daquela que sempre esteve ao seu lado e por quem começava a nutrir um interesse amoroso durante seus períodos de estabilidade.
Realmente, não era.
Leonardo olhava para si mesmo.
O que havia acabado de fazer? A quem queria enganar?
Denise era o amor de sua vida. Apesar de estar conspirando contra seu crescimento, era ela quem amava, com todas as suas qualidades e defeitos.
Sentia-se sujo. Por que transara com aquela mulher que acabara de partir? Sabia que, em tempos normais, sequer conseguiria esse feito.
Passou a mão nos cabelos e os bagunçou.
E então, uma lágrima escorreu de seus olhos.
De repente, seu celular tocou.
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Ao ver Mariana saindo da casa de Leonardo, Andressa apontou para ela e correu em sua direção, sem se perguntar no que ele fazia ali.
— Mãe! Mãe! Mãe! — Ela a chamou três vezes, mas Mariana só escutou última.
— Que é, menina? — Ela perguntou, pousando as mãos na cintura.
— Vamos embora? Essa festa tá uma merda.
— Mas já? — Perguntou, indignada — Que isso! São meia noite ainda, monamour!
— Ai, toda essa gente e essa música alta tá me dando dor de cabeça! Eu, sinceramente, nem sei porque vim.
— Mas você não tava tomando remédio?
— Sim! Mas mesmo assim, acho que esse ambiente todo não tá ajudando.
Resmungando, Mariana assentiu, mas lhes disse que apenas as deixariam em casa e retornaria para a festa. Não se preocupou com o fato de ter tomado alguns drinks e estar levando três garrafas de vodca para casa. Dirigiu até sua residência.
Assim que chegou em sua casa, as garotas saíram do carro e entraram novamente para casa. Sem perder tempo, Mariana pediu um veículo de volta para a festa através de um aplicativo de celular.
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2 dias para O Dia
18 de julho, 05h48m, quinta-feira
Às duas horas da manhã, a festa permanecia intensa. Muita gente estava bêbada, banhando na piscina, dormindo no chão, no mato e fazendo coisas que, possivelmente, arrepender-se-iam no dia seguinte.
Após abrir porta por porta, Denise encontrou Leonardo deitado na cama. Aproximou-se dele e encarou sua aparência.
No chão, no canto da parede, seu celular estava estilhaçado em várias partes.
Analisou melhor o corpo do homem. Seu rosto estava cheio de lágrimas e o lençol úmido. Seus braços estavam arranhados, levemente ensanguentados também. Sua pele estava visivelmente avermelhada e com alguns roxos devido a hematomas recentes.
O coração da mulher batia mais forte. Sentia uma dor forte no peito. Sabia que tinha sua parcela de culpa naquilo. Ver o amigo que, outrora, tanto lhe ajudou, naquele estado, era demais para ela.
Em cima da estante ao lado da cama do homem, um pacote de calmantes vazio.
Um desespero lhe tomou o corpo. No entanto, aliviou-se ao perceber, observando seu pulso, que ainda vivia.
De qualquer forma, usou seu celular pra ligar para um enfermeiro de sua confiança.
Leonardo precisava de cuidados especiais.
Denise respirou fundo. Não desistiria. Não deixaria seu amigo sozinho.
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