01 - Nas estrelas
Tradução
• Kjærlighet: amor.
Contém 3800 palavras.
Boa leitura 💚
┯━━━━━▧▣▧━━━━━┯
┷━━━━━▧▣▧━━━━━┷
A imensidão do universo era aterrorizante, talvez esse terror viesse da sensação de solidão, um sentimento que não me deixava descansar, pois a ânsia por pertencimento queimava em meu ser. Algo que vem desde os primórdios, quando surgi. Obviamente, não vi a criação, mas sempre soube dela, a sinto como uma parte de mim.
Antes não existia nada, além de uma pulsação, explodindo e se expandindo continuamente, como um bebê aprendendo os primeiros movimentos no ventre da mãe. Dessas intensas pulsações surgiu Ginnungagap, o vazio, tão profundo que não era possível vislumbrar sua imensidão, como um buraco negro, mas sua massa extraordinariamente maior e desesperadora.
As imagens dele vibravam em minha mente, mesmo que doesse, pois observá-lo é contemplar a loucura primal. Somente o pensamento me causa tontura, nenhum ser aguenta a plena visão dele. Ao norte de Ginnungagap, gradualmente surgiu Niflheim, reino da névoa, um estado indefinido, o repouso antes do começo, com suas temperaturas absurdamente baixas. Ao sul, emergiu o contraposto, Muspelheim, reino do fogo, onde o calor é tão absurdo que o frio derrete ao encontrá-lo.
Desse derretimento gerado por eras, formou-se uma substância conhecida por Eitr, um veneno que corrompe quem entra em contato com ele. Tal junção originou Ymir, pai de todos os gigantes de gelo, e o primeiro ser a emergir, originando sua descendência, assim como a vaca Audumbla, que o alimentava.
Após esse surgimento, o primeiro Deus primitivo a emergir foi Buri, esculpido por Audumbla por dias em uma pedra de gelo. Ele teve um filho, que se uniu a uma jotun do gelo, dessa união nasceram os primeiros Deuses Aesir: Odin, Vili e Ver.
Por Ymir ser extremamente grande e malévolo, logo foi derrotado pelos primeiros Aesir. Sua morte gerou um dilúvio. Apenas dois gigantes escaparam, fugindo para Jotunheim, local que se tornou o lar dos gigantes.
O universo foi criado com o corpo de Ymir, compondo os nove reinos. Da sua carne, a terra. Seu sangue originou o mar. O crânio usado para criar o céu e das faíscas de Muspelheim surgiram os corpos celestes, cobrindo sua imensidão.
Esse foi o meu nascimento, originado do calor do reino do fogo. Observei atentamente a criação de todos os corpos celestes, como se estivesse vendo por fora, mas minha consciência só se formou quando tudo surgiu. Desde então, abrigo-me na constelação que mais tarde os gregos chamaram de serpente. Ali passei eras, apenas contemplando o surgimento de novos corpos celestes, seres e deuses. O que sempre chamou minha atenção, no entanto, é Midgard, o reino dos humanos, localizado ao centro de Yggdrasil, a árvore que sustenta os nove mundos.
Midgard é um reino fascinante, cercado pelas águas, que dão uma coloração azulada ao mundo. Lar de tantas criaturas fascinantes, a mais interessante, em minha visão, são os humanos.
Observar a humanidade é meu passatempo favorito. Faço isso há eras, desde meu surgimento. Analisar cada civilização é um entretenimento alucinante, pois posso observar o que cada uma delas contribuiu para Midgard.
Há tantas coisas fascinantes para aprender e admirar, os humanos são as mais belas criações dos Deuses.
Uma intensa luz chama minha atenção para Midgard, em específico para o povoado de Njal, local onde há adoradores dos Deuses nórdicos.
É impossível conter o sorriso ao ver a energia emergindo do ventre da humana. Igual à criação do cosmos, mas difere por ser mais emocionante, pois ali surgia uma nova vida.
— Grande bênção! Que esta criança lhe traga luz — comento animada. — Jord, abençoe sua gestação.
Aquela humana, em especial, é minha protegida, pois em seu nascimento ela me foi dada como afilhada. A observei durante toda sua vida, e agora, vendo-a formar uma família, é como ver uma filha sendo feliz.
Acredito que essa é a melhor parte em ser uma estrela: ser agraciada a cuidar de alguém.
— Rasalhague, admirando os humanos novamente? — A voz de Máni soa séria, apesar do toque levemente divertido.
Viro em direção à voz, admirando a face serena do Deus da Lua. A beleza emanada de Máni é absurda e relaxante. Ele é extremamente alto, o corpo magro, apesar de definido, com longos cabelos prateados e fascinantes olhos mesclados em azul e branco. Olhá-lo sempre me acalma, pois ele emite uma energia tão tranquila, que é impossível possuir sentimentos negativos em sua presença.
É meu pequeno irmãozinho, apesar de não possuirmos laços de sangue.
— Esse nome é muito formal, já pedi que me chamasse de Serpens — resmungo, autoritária.
Esse é o problema de ser a primeira estrela a emergir. Sou mais velha que muitos seres, Máni é um deles. Isso me deixa arrogante. Gosto de respeito, mas formalidade demais me irrita.
— Sua atitude pode gerar problemas um dia — Máni diz com um sorriso maroto. — Vamos, precisamos nos reunir.
Reviro os olhos sem conter o suspiro.
Não tenho a menor paciência para aquelas reuniões.
— Serpens, você é uma anciã, logo é requisitada nessas audiências, não reclame — Máni replica, revirando meus cabelos. — Existem novas estrelas, precisamos guiá-las!
Olho indignada em sua direção. O maldito Deus sorri maroto antes de correr da minha visível fúria.
— MÁNI, SEU ESTÚPIDO, LEVEI HORAS ESCOVANDO MEUS CABELOS!
A vida, em muitos momentos, foi injusta comigo. Crescer sem meus pais é, sem dúvida, a dor mais profunda que experimentei. Desde cedo, aprendi a transformá-la em força e alegria. Tornei-me guerreira, defendendo com honra meu povo, muitas vezes partindo em expedições além-mar. Mas nada se compara ao que sinto quando o encontro.
Magnar, o homem mais forte da vila, aquele que conquistou a confiança de Leif, líder do nosso povo. Antes de termos mais contato, o via raramente ao longe, pois ele sempre estava em missões especiais, mas quando nos vimos pessoalmente, foi amor à primeira vista.
Em sinal de respeito, por saber que não possuía pais, ele pediu minha mão ao Leif. Casar-me com ele foi a maior alegria da minha vida. Com isso, as missões passaram a ter outro significado, pois queria formar família, então passei a ficar na vila, enquanto ele continuou a realizá-las, embora menos frequentes, já que também valorizava nossa vida juntos.
Olho para o céu, deitada sobre a grama, e um suspiro escapa ao vê-lo tomar forma à minha frente.
O belo homem de cabelos escuros e olhos negros como a noite sem estrelas. Sua pele, dourada pelo sol intenso do mar, ainda assim é meu Magnar. Ele sorri para mim e meu corpo dá um salto, pulando em seus braços, tremendo com a saudade que sinto.
O contato de seu corpo contra o meu é tudo o que sonhei durante esses dias de separação.
Njörd, agradeço por trazê-lo de volta!
— Kjærlighet, senti tanta saudade! — Magnar murmura contra meus cabelos.
Entrelacei meus dedos em seus fios e o puxei para mais perto. Um sorriso maroto surge em seus lábios carnudos antes de tomar os meus com uma fome visível. Senti-lo assim, tão voraz, é um deleite para o meu desejo crescente. Senti tanta falta daquele toque.
Três semanas é tempo demais!
— Diga que vai ficar, que não fará mais viagens, pelo menos até o outono! — sussurro, implorando.
Sei que é pedir demais, está em nossas veias, assim como a lealdade com a família, não quero colocá-lo contra a parede, mas ele é tudo que tenho.
Magnar se afasta um pouco para me olhar, e uma pontada de culpa me atinge por pressioná-lo, mesmo com o sorriso amistoso que ele sempre tem para mim, e o brilho intenso nos olhos. Não parece bravo nem ressentido, apenas entende o meu anseio.
— Ainda não sei, talvez mais uma viagem. Mas Leif disse que será a última. Se for agora, ficarei livre até a primavera — ele responde com otimismo.
Concordo, não consigo esconder o sorriso. Sei o quanto ele ama viajar, comandar as expedições e ser o líder, mas também sei que falou para Leif que prefere ficar comigo. Isso me deixa feliz, embora me sinta egoísta, como se estivesse interrompendo o sonho dele.
— Eu posso ter os dois — ele diz, tomando meu rosto entre suas mãos. — Ficar aqui não significa que deixei de ser quem sou, apenas que minhas prioridades mudaram. Amo você. Quero aproveitar cada momento ao seu lado, porque isso é o mais importante para mim.
— Podemos começar a construir um quarto extra — retruco animada.
Magnar me olha surpreso, e não posso evitar o riso ao vê-lo assim.
— Não estou grávida, mas podemos fazer nosso bebê — respondo tranquila, roubando-lhe um beijo suave. — Quero ter filhos com você.
Ele sorriu, alegre, e antes que pudesse reagir, me pegou no colo.
— Vamos fazê-lo então! — Magnar responde animado, fazendo-me rir, alegre.
☆
Tê-lo na vila por três semanas foi o suficiente para me fazer grudar nele. Não o quero longe de minhas vistas, sei que logo ele partirá, e essa ansiedade me consome.
Mas, como tudo que é bom também acaba, tive que dividi-lo com Leif, mesmo que por apenas algumas horas.
— Não seja egoísta, logo ele volta! — resmungo.
Um forte arrepio percorre meu corpo, seguido de um suor gelado. A ânsia de vômito vem tão forte que corri para fora de casa. Minhas vistas embaçadas dificultam meu caminho. Não consegui ir muito longe, mas é o suficiente para não sujar a casa.
— Será que comi algo estragado?
Mas, ao tentar me lembrar do que comi, nada vem à mente. Alimentei-me como sempre, então por que estou assim?
O enjoo não passa, e o cansaço extremo me persegue há dias. Mas o que mais me assusta é a falta de sangue. Ele não desceu.
Estou grávida?
Olho espantada para minha barriga, que ainda está plana. Será?
— Rana! — escuto Magnar berrar ao longe.
Sem alternativas, corro para me lavar. Preciso ter certeza antes de contar a ele. Ele vai morrer do coração se souber, e não posso fazer isso com ele agora.
☆
Limpa e sem resquícios do enjoo, o encontro na sala, olhando tristemente para o chão.
— O que foi? — aproximo-me rapidamente, tomando seu rosto másculo em minhas mãos.
— Nada, vou partir essa noite... dois meses, pois vamos para mais longe, mas depois estarei livre por tempo indeterminado — ele suspira, triste.
O primeiro pensamento que surge é sobre o possível ser crescendo em meu ventre. Magnar ficará louco ao saber que será pai, mas não é uma certeza, apenas uma suposição. Isso aumentará os riscos de sua distração na viagem, e não quero isso.
— Fique tranquilo, dois meses passam rápido, logo estará de volta!
Sento-me em seu colo, fazendo-o sorrir levemente, apesar do olhar triste.
— Essa é a última viagem. Falei com Leif. A verdade é que não quero mais ficar longe de você. Só vou para treinar o Luke, ele ainda é inexperiente e precisa de orientação.
Olho para ele, chocada. Sei que sou sua esposa, mas vê-lo desistir de seus sonhos é estranho.
— Somos uma família, Rana. Logo virão nossos filhos, e quero participar de tudo ao seu lado!
Magnar sorri, beijando suavemente meus lábios. Me pego chorando entre o sorriso.
Acho que posso aguentar dois meses, para tê-lo pela eternidade ao meu lado!
☆
Vê-lo partir certamente foi mais difícil do que das outras vezes, talvez pelo segredo. Dói não compartilhar com ele, mesmo que seja apenas uma suposição.
Mas o que faço se não for verdade?
Ou, se for, e ele se distrair na viagem e for ferido?
Ocultei o máximo que pude durante esses quase dois meses. Fui audaz nisso. Mas quando a esposa de Leif me olhou naquela manhã, há duas semanas, tive a certeza de que sim, um ser está crescendo em meu ventre, pois ela passava pelo mesmo.
Como não ter certeza?
Está estampado para quem quisesse ver: minhas bochechas mais redondas, sono excessivo, enjoo constante e o sangue não desceu.
Não consigo conter a alegria. Meu sonho finalmente está se realizando, pois agora tenho uma família!
A melhor parte será contar para Magnar, o que não demorará. Afinal, ele chegará logo, ao menos é o que está previsto!
— Rana, eles chegaram!
Ao escutar a voz da esposa de um dos viajantes, corro como nunca em direção ao mar. Não quero esperar para vê-lo, pois a saudade e a ansiedade estão demais.
Sorte que a casa ficava relativamente próxima ao mar, então não preciso me esforçar muito até finalmente ver o barco.
Muitos homens estão machucados, mesmo que as feridas já estejam cicatrizadas. Meu coração dispara com a visão. Isto é apenas uma amostra de que a viagem foi mais difícil do que as outras.
— Magnar!
Meus gritos ecoam, chamando a atenção dos outros, mas nenhum deles se move. Nem mesmo consigo ver meu amor no meio deles.
— Rana... sinto muito, mas ele se foi.
Não consigo nem ao menos identificar a voz, apenas me concentro nessas palavras.
Magnar, meu amor, ele morreu?
Não!
Por Odin, não!
— ONDE ESTÁ O CORPO DELE?
— Rana... fizemos o ritual, o caminho é longo, um mês daqui, não era... viável ficar com o corpo dele — um dos homens responde, sereno.
Sei que não é sua intenção ser tão insensível, pois morrer em combate é a maior honra, agora meu Magnar está em Valhalla, mas não consigo ficar alegre com isso, tudo que consigo pensar é que não tenho mais ele.
Um mês... Hel o levou há um mês...
Uma dor alucinante toma conta de meu corpo, fazendo-me cair de joelhos. A angústia me cobre junto ao sentimento horrível de solidão.
Braços delicados me cobrem, enquanto alguém murmura que preciso ser forte, pois meu bebê precisa de mim.
Nem ao menos pude contar para ele que seria pai. Não tivemos tempo para nada!
Esse ser crescendo em meu ventre é a única ligação com ele, com meu amor.
☆
O céu naquela hora é deslumbrante, uma mistura de colorações. Amo olhar o brilho das estrelas naquela imensidão, sempre tão intensas, mas há uma que se sobressai.
Ao sul, está ela, brilhando tão intensamente em uma linda coloração azul. Ela predomina a área, formando uma constelação intrigante no formato de serpente, bela e deslumbrante.
— Ela sempre nos enche de alegria com sua beleza, está vendo, meu amor? — suspiro levemente, enquanto acaricio meu ventre avantajado. Como resposta, sinto um leve ondular.
Meu sorriso é automático diante do contato.
Esse pequeno ser é tudo que me resta. Minha família, que apenas estava começando, teve um fim abrupto. Foi muito difícil me acostumar à sua ausência. Confesso que só consegui me reerguer por causa do meu bebê, pois, por mais triste que estivesse, ele me dá forças para seguir. Não é apenas a dor da perda de Magnar que me angustia, é também a culpa.
Ela me corrói a cada dia, por não ter falado sobre o bebê, por ter negado a notícia, mesmo que fosse por incerteza e medo de ele se ferir. Negar a descoberta desde o início foi a pior decisão, mas não imaginei que todos voltariam, menos meu Magnar.
Não tive a chance de revelar sobre o bebê, nem a oportunidade de vê-lo alegre pela notícia.
Agora estou aqui, sozinha e prestes a dar à luz. Por mais que tenha o povo da vila ao meu lado, ainda me sinto só. Eles auxiliam em tudo, mas o que quero não posso ter de volta, que é meu amor.
— Você é a melhor lembrança dele, seremos apenas nós. Não vejo a hora de tê-lo em meus braços.
As lágrimas escorrem sem permissão. Tenho me mantido firme desde o momento em que soube, mas, ali na reta final, é impossível não lembrar de tudo. Afinal, estou completamente assustada e sem saber o que fazer.
Uma dor aguda em meu baixo ventre me tira dos meus pensamentos. A água escorrendo pelas minhas pernas, com uma leve coloração rosada, me faz arregalar os olhos.
Chegou a hora!
A dor é tão alucinante que não consigo me manter quieta. O grito ecoa pela floresta, retumbando entre as árvores, mas não há nenhum sinal de vida ao redor.
— Por Jord! Não quero perder meu bebê!
Maldita hora em que me afastei da vila em busca de paz!
O local é perfeito para ver o céu, mas agora estou em uma montanha, cercada pelas árvores e apenas com as estrelas como testemunha.
Auxiliar novatos não é divertido, pois o tempo gasto é extremamente demorado. Já é a nona reunião. Uma vez ao mês, sou obrigada a ficar com eles, excluindo qualquer vontade que tivesse, mas há um brilho especial nisso, como se fosse plantar uma semente e vê-la germinar. Só por isso aguento essas reuniões chatas.
Assim que escutei a palavra "libertação", de imediato corri para vê-la: a humana que continha uma intensa luz em seu coração, mais bela que todas as estrelas juntas.
Minha protegida, mesmo diante de tantas perdas, manteve seu coração inabalado. A família inteira foi morta diante dela, ainda pequena, mas ela não se abateu. Criou forças e se tornou uma guerreira. Foi assim que ela conheceu o amor. Mesmo sendo novos, ambos tinham sentimentos profundos um pelo outro.
Vi que Magnar tinha um coração brilhante, como o de Rana, por isso abençoei ambos. Consegui vislumbrar o amor que os unia, um sentimento puro que parecia iluminá-los.
Por isso, sei o peso da falta dele. É um momento importante: o nascimento do fruto deles. Mesmo com a morte, a alma dele não descansou e está ao lado dela, mesmo que ela não consiga vê-lo.
Uma onda de dor chama minha atenção. A humana está deitada no chão, tentando dar à luz sozinha. Ver aquilo esmaga meu coração.
Durante todos os meus milênios, vi tanta maldade e não quero ver o sofrimento dela agora ao perder seu bebê.
Sem pensar, me movi em direção à saída. Era puro impulso, mas não posso deixar de ajudar!
Uma imensa luz me circula por inteira, me paralisando.
Não contenho o suspiro irritado.
Esperava passar despercebida, mas com ele presente, não tem como.
— Não podemos interferir na vida dos humanos! — Máni resmunga, em forma de bronca, apesar dos olhos amorosos em minha direção.
Ele é uma alma bondosa e altruísta, sempre buscando ajudar quando podia, mas tem consciência das leis e as seguia com punhos de aço.
— Máni, conheço as leis, mas não posso e não quero deixá-la sofrer. Por favor, me deixe ir — suplico.
Os intrigantes olhos brancos mesclados em azul fixaram-se nos meus, deixando-me sem saber o que fazer. Sempre fiquei assim diante dele, pois nunca consegui vislumbrar o que ele faria.
— A criança está morta no ventre daquela mulher, não há nada que possa fazer — ele sentencia, sério.
Escutar isso dói, minhas pernas tremem, me levando ao chão. Sabia que não podia fazer nada naquele momento.
Ela merece essa dor?
Continuamente perder quem ama?
Ela não merece isso. Merecia estar feliz ao lado do amado e criando seu filho!
— Serpens, não tem mais nad...
— Tem!
Levanto-me, olhando seriamente em direção ao Deus da Lua, fazendo-o suspirar irritado.
— O que pretende fazer? Ir lá e trocar sua vida pela criança? — ele pergunta, com o olhar irritado. Corei diante do olhar dele, fazendo-o ranger os dentes. — Não pode fazer isso. Não é salvá-la, é substituí-la. Nenhuma mãe quer substituir um filho!
Não quero substituir, apenas extinguir a dor que a humana sentiria. É errado isso?
— Serpens, você seria uma alma projetada em um corpo que não era para ser seu. A menina que morreu... a alma dela está indo para Helheim. Aquela é a filha da humana, não você.
Máni olha-me com suavidade, fazendo-me suspirar.
— Trarei a alma dela de volta! — retruco, desesperada.
— Hel não permitirá isso. Causará desequilíbrio. Uma alma foi entregue para a morte, então outra tem que ser levada! — ele suspira cansado.
Uma alma? Se conseguir uma alma, tudo será resolvido?
— Serpens...
— Tenho uma alma perfeita para isso! — replico, séria.
— O que vai fazer? — Máni pergunta, com medo evidente nos olhos.
A coisa certa.
— Metade da alma da pequena humana com a minha metade, será suficiente?
Infelizmente, a essência da humana é a primeira a chegar a Helheim. Se trocar minha vida pela dela, os Deuses descobririam cedo e não deixariam por isso. É melhor dividi-la e uni-la à minha.
Assim, seremos duas metades, mas ela estará no comando, pois minha consciência sumirá.
O semblante de Máni ficou completamente branco diante da minha pergunta.
— Os Deuses não vão permitir isso! — ele retruca, apavorado.
— Eles não vão saber. Meus poderes irão camuflar tudo. Será como se nada estivesse acontecendo — respondo, serena.
— Até mesmo Odin? — Máni replica, apavorado.
Paraliso diante da pergunta, pois Odin será o mais difícil de burlar.
— Não conhece meus poderes, nem mesmo Odin descobrirá, a não ser que conte.
Máni eleva as mãos aos cabelos, segurando-os em aflição. É a primeira vez que o vejo daquela maneira.
— Uma decisão dessa não terá volta, entende isso? — a seriedade com que ele olha em minha direção me deixa nervosa, mas não desistirei.
— Sim, tenho plena noção dessa decisão! — respondo firme, sem desviar os olhos dos dele.
Máni assentiu sem alterar o semblante sério, sinalizando com a cabeça para que o seguisse.
☆
Vê-la se esforçar para dar à luz é um pouco aterrorizante, principalmente por saber que nascerá uma criança morta.
Estamos ao lado dela, junto ao espírito de Magnar, que anda ansioso em sua volta, como se estivesse vivo e não soubesse o que fazer.
— Sua morada terá uma nova estrela, será como você, ela assumirá sua responsabilidade para que nenhum Deus saiba de sua decisão. Agora crescerá como uma humana, sua alma será dividida, parte irá para Helheim, a outra se unirá à humana. Ambas amadurecerão gradualmente como um ser humano comum.
Terei todas as experiências que os humanos têm? Isso é assustador, mas também motivante, pois será uma aventura que me levará para onde sempre quis estar.
— Máni, obrigada por tudo, nunca mais irei vê-lo, mas saiba que não esquecerei de você.
Sorrio em direção ao Deus, sentindo meu corpo desintegrar-se aos poucos.
Luz que gradualmente se intensificou, forçando-me a fechar os olhos, como se isso me impedisse de sentir a dor causada pela luminosidade. Minha alma se une à metade da humana, fundindo-se em uma só. É uma sensação completamente estranha, pois a pequena não possui nenhuma consciência, sendo um ser puro.
Sinto meu corpo ser elevado, até a altura do rosto de Rana, me deixando curiosa.
Não era para esquecer e viver a experiência humana? Então, por que parece que sou a mesma?
É minha própria consciência junto à da pequena, nossas mentes coabitando. Apenas não consigo falar, talvez porque bebês humanos não o façam.
— Por Frigga! Se não tivesse nascido de mim, não acreditaria que é minha filha! — Rana balbucia nervosamente.
Como assim?
— Cabelos azuis como o céu, assim como os olhos. Magnar iria amá-la tanto! — Rana chora, abraçando suavemente meu pequeno corpo.
Será que mantive minha aparência também?
— Vou chamá-la de Alya, acho que é apropriado, pois lembra tanto o céu quanto esses cabelos diferentes!
Uma enorme vontade de chorar me cobre, diante do amor que emana dela. Não sei o que aconteceu, mas vê-la feliz já é um alento.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro