Capítulo 5
Quanto é que pode durar o fôlego de uma pessoa? Não sei responder, pois perdi o meu em algum momento e até agora não o recuperei. Talvez, quem sabe, com ele eu tenha perdido o juízo também. Agora, nesse exato momento, posso estar num quarto acolchoado em algum hospital psiquiátrico e, por efeito colateral de algum remédio forte, estou tendo este sonho. Ou não, uma realidade alternativa também? Quem saberá? As possibilidades são infinitas. Mas, não é um sonho. Independente de qual opção seja, disso eu tenho convicção. Isto não é um sonho!
Ainda estou sentindo uma sensação boa. Algo que invade meu peito e irradia para todo o meu corpo. Cada centímetro, cada molécula, tudo, é preenchido por uma sensação inexplicável. Eu ainda estou imerso nesse laço envolvente e mágico, o qual não me permite me soltar. Como um imã atrai outro de sua polaridade negativa, assim estou agora. Atraído por uma força, a qual desconheço, apenas sinto.
Abro meus olhos de leve, ainda entorpecido com o que acabara de acontecer. Nem por um segundo pude ver alguma reação estranha. Apenas eu e ele. Unidos por um beijo. Um singelo e único beijo. River me soltou, mesmo que não quisesse. E desconfio que eu também não quisesse. Alguma coisa havia interrompido aquele gesto. O que mais poderia ter sido?
— Atrapalho alguma coisa? — Era a voz da Lia.
Lia?! Minha nossa, Lia havia visto tudo. Naquele instante, recebi um balde de água gelada sobre a minha cabeça. Todas as cores rodopiaram e se juntaram aos seus devidos lugares. Minha amiga estava parada bem diante de mim, me encarando com olhares curiosos e estupefatos. Só então fui perceber onde estava. River havia me puxado para um canto da seção, onde não havia um fluxo de pessoas.
"Graças aos céus!", pensei.
Lia ainda olhava para mim. Assustado eu não sabia o que fazer, olhava dela para River, que sorria. Daquele jeito. Passou um dedo sobre o lábio, não sei se foi algo intencional, para me provocar, ou se estava apenas massageando aquela boca vermelha. Ela começou a bater os pés impaciente. Ele começou a rir. Mais de eu estar atrapalhado do que por minha amiga ter nos flagrado.
— Lia eu... hã, não é o que você está pensando...
— Mas como é que você sabe o que estou pensando? — Com essa pergunta, era óbvio que ela estava me desafiando.
Olhou para River, dos pés à cabeça. Hum. Isso não é bom. Ela está pensando alguma coisa maligna, posso apostar isso.
— E então, Mau? Vai me dizer o que está ou... — Ela pausou e olhou para River outra vez. Acho que detectei um sorrisinho malicioso no canto de sua boca. — Estava acontecendo?
— Eu... eu... Hã.
Estava me sentindo sufocado. O que foi que aconteceu? Porque eu não conseguia explicar para ela que eu, hum, que River havia me beijado. Não fora forçado, eu poderia ter impedido, mas não, também retribuí aquele beijo. Lia cruzou os braços. Agora sim era oficial, ela não queria mais uma resposta, precisava da resposta. Olhei para ela, voltei-me para River. Minha respiração estava acelerada. Saí correndo porta afora, só tive tempo de me desviar de uma professora que arrastava seus alunos para um passeio.
~~~*~~~
Eu estava todo encolhido atrás de uma árvore, na praça. Meu horário de almoço ainda estava longe de acabar. Eu observava as pessoas andando ao longe. Eu estava numa das praças perto do meu serviço, abraçado aos meus joelhos. Apenas oculto por alguns arvoredos. Como pude ser tão covarde, sair de lá correndo, me esconder. Toquei o lábio inferior com meus dedos. Ainda podia sentir o gosto do beijo de River na minha boca.
Não queria admitir para mim mesmo que tinha gostado. Eu não podia gostar, era errado. Ou será que não? Quem é que disse que é errado? Mas qual era o motivo de eu ainda estar me sentindo assim, como se não fosse certo? Não sei dizer. Mas também não conseguia parar de pensar no modo como River olhou para mim. Como ele me segurou e como me beijou. Como o mundo decidiu parar e deixar que apenas nós dois nos mexêssemos.
Eu estava refletindo, sozinho, quando fui surpreendido por uma sombra atrás de mim. Não foi bem uma sombra na verdade, foi mais o vulto de um corpo que foi detectado pelos meus instintos e reflexos rápidos. Voltei-me para trás e vi dois olhos castanhos esverdeados me encarando. Os cachos dourados de Lia emolduravam seu rosto, deixando-a linda e com uma aparência angelical. Estava sorrindo.
— Sabia que era aqui que eu iria te encontrar.
— Hã, é! — balbuciei.
Ela sentou-se ao meu lado, olhou vagamente para as pessoas e para uma plantação ao longe.
— Agora, pode por favor me explicar o verdadeiro motivo de ter saído de lá correndo?
Olhei para ela, pasmo com a pergunta.
— Você me perguntou isso? Não vai me perguntar por que eu beijei ele?
Ela mordeu o lábio e deu uma risadinha.
— Isso também. Estava apenas esperando você tocar no assunto. E se não tivesse tocado eu já teria feito com que você falasse.
— Minha nossa! — Dei um gemido assustado.
Ela riu horrores. Mas era verdade. Uma verdade incontestável. Lia não era uma analfabeta, mas seu vocabulário também não era lá grande coisa. Acho que ela está lendo livros.
— Ué, eu não posso saber falar bem? — ela me perguntou e me empurrou para o lado. Quando fiz menção de dizer alguma coisa, ela me interrompeu e continuou. — Primeiro me responda à pergunta, depois passamos para a próxima pauta do dia.
Pauta do dia. Hum, é, essa garota realmente estava muito alfabetizada. Será que ela também iria me trair e passaria para o "Setor das Papeladas" (como eu gosto de chamar o setor de Recursos Humanos, Marketing e todos os outros que exijam algum conhecimento técnico específico nessas áreas), talvez sim, talvez não. Vou aguardar para ver.
— Fiquei assustado.
— Assustado com o quê, criatura?
— Ah, sei lá. Estávamos na loja. E se alguém visse? Se a Cíntia visse? Foi tudo muito rápido, não sei o que me deu, entrei em pânico.
Ela concordou. Um segundo depois discordou.
— A verdade é que alguém viu. Eu. E se você estiver sem sorte, os seguranças também viram com as câmeras — explicou. Tapei o rosto com as mãos. Havia me esquecido das câmeras. Não que tivesse sido algo premeditado, mas foi algo impensado. — E foi só um beijo, nada demais. Claro que se a Cíntia tivesse pegado vocês, em vez de mim, você estaria em maus lençóis.
Engoli em seco. Não queria nem pensar no que aquela megera poderia me fazer. Quem diria que ela um dia se transformaria numa víbora desprezível.
— Mas vem cá — ela me falou, agora me olhando de outra forma. Com olhos mais lascivos e maliciosos. — Desde quando vocês estão juntos? Desde quando você gosta de rapazes? E a pergunta mais importante, por que não me disse isso antes?
Meu sangue parou naquele momento. Fiquei totalmente rígido, e então relaxei. Suspirei.
— Não estamos juntos há nenhum tempo. Não sei desde quando gosto de rapazes e nem sei se gosto. Não disse nada a você, pois não tinha nada para dizer.
Ela me lançou um olhar de mágoa e raiva.
— Como assim? Não, não e não?
— É. Não, não e não!
— Me explica isso direito, Maurício.
Opa, ela estava zangada. Me chamou de Maurício.
— Vou tentar te contar da forma que está na minha cabeça. Embora esteja tudo muito confuso — disse, e ela aceitou. — Ontem, depois do expediente fui para um bar beber e...
E ali contei tudo a ela. Desde a primeira troca de olhares, até a sensação estranha que senti quando nossas mãos se tocaram. E concluí com o episódio de hoje. Eu não a estava olhando, enquanto contava, apenas fitava a linha do horizonte. Um trator andava em meio ao milharal. Quando a olhei novamente, meu rosto faltava explodir de vergonha, vi que ela estava chorando.
— Mas o quê...
— Que lindo, Mau! — Lia bateu as mãos, sorrindo.
— O que é lindo?
— Sua história com a dele. Parece que ambos estão apaixonados um pelo outro.
— Espera aí, não tem história nenhuma entre ele e eu. E quem disse que estou apaixonado?
— Ora, Mau, não seja bobo. Você não vai me enganar, pode enganar a si mesmo, mas não a mim. Eu vi como você retribuía o beijo. Eu devia ter filmado e mostrado para você agora.
Eu senti meu coração acelerar quando ela disse isso.
— Não sei do que está falando. — Menti.
Mas eu sabia que era verdade, tudo o que ela estava dizendo. Eu tinha, de fato, retribuído o beijo. A sensação tinha sido boa e enérgica. Diferente, mas tão especial. De alguma forma foi melhor e mais única do que as outras.
— Pois bem, não sei até quando você vai ficar mentindo para si mesmo. Está na cara de que foi amor à primeira vista. Você só não quer admitir.
Ela tinha razão. Eu não queria admitir. Por medo? Vergonha? Preconceito? O que me fazia não acreditar que eu havia gostado do beijo do River. O que me impedia de aceitar que eu pudesse mesmo estar gostando dele?
— Não sei, não parece certo — murmurei.
Ela ficou em pé e apoiou as mãos na cintura.
— Meu querido, tudo é certo e tudo é errado. Só quem pode definir isso é você. Amor é amor. Ele não distingue ninguém. Não vê cor, raça, sexo, classe social ou qualquer outro parâmetro que impeça duas pessoas de ficarem juntas. — Ela me repreendeu. Pensou um pouco e riu. — Ou mais de duas se for o caso.
Eu ri, apesar de que estava quase chorando.
— Levanta daí, chorar não adianta nada. Deixa passar, temos meia hora para comermos alguma coisa. Quanto ao Senhor Bonitão lá, eu pedi que ele fosse embora e desse um tempo para você pensar.
Olhei para ela.
— Sério? E o que ele fez?
Ela sorriu maliciosa, de novo. Eu não devia ter perguntado.
— Ele entendeu e disse que iria esperar. A voz dele é linda... — Ela suspirou, perdida em pensamentos que eu jamais saberei. — Ele é cantor? Porque se fosse, seria uma loucura.
Fiquei em pé e sacudi a cabeça, rindo. Andamos até uma lanchonete ali perto.
— Ah, já ia me esquecendo. Você tem de pensar logo, pois ele vai ligar para você hoje às dez horas.
— O quê?
Ela havia passado meu número para ele. Bandida. Eu ainda iria acabar me tornando um criminoso, preso por assassinar minha amiga. Mas isso me deixou ansioso. Dentro de mim houve uma explosão atômica. Tateei meu celular no bolso. Estava imóvel. Nenhuma ligação. Nenhuma mensagem. Saber que River me ligaria fez meu estômago dar vários saltos, seria um bom candidato às olimpíadas.
As horas que passei dentro da loja, trabalhando, me consumiam. Não me concentrava direito. Esperando ansiosamente pelo momento em que River ligasse. O que será que ele iria conversar comigo? Não parei de tremer o resto do dia. Eu ainda me negava a admitir que estava gostando dele. Em conflito com a ideia de gostar dele e de não ser aceito por minha mãe, amigos e pela sociedade, eu não sabia o que fazer.
Estava confuso, e agora?
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