Capítulo 13
Uma quantidade incalculável de crianças corria no espaço livre do parque. Ao invés de bandeirinhas, foram pendurados barbantes com enfeites de flores de cartolina, crepom e tecidos coloridos. Todos feitos à mão pelas artesãs da cidade. No centro do parque um mastro fora posto de pé e decorado com flores de todas as cores.
Na entrada, um dos seguranças do evento conduzia as pessoas para as barraquinhas, onde podiam adquirir suas flores exóticas, mudas ou sementes. Algumas pessoas que participavam do Festival indicavam outras atrações que foram escaladas para a interatividade de todos. Brinquedos temáticos para as crianças, sorteios de espécies raras de orquídeas, barracas com premiações para os melhores jogadores, entre outros; e um dos mais participados. O concurso de bolos decorados.
E por falar em bolo...
— Eu quero uma explicação, Maurício — minha mãe falou. Seus braços estavam cruzados, seu corpo rígido e seu olhar era intensamente decidido. Ela curvou as sobrancelhas com a minha demora. Desviou sua atenção para os jurados. — Eles vão anunciar o ganhador. Eu sugiro que vá escolhendo muito bem as suas palavras, senhor.
Ela saiu da barraquinha e caminhou alguns passos, para o local onde todos os competidores desse concurso foram chamados. Em meus pensamentos muitos palavrões sujos se formaram, porém só consegui proferir um dos mais suaves.
— Droga!
— Calma Maurício! — Lia tentou me tranquilizar.
Eu lhe lancei um olhar severo e enfurecido. Como é que ela podia me pedir calma? Tudo o que eu não precisava era de calma. E sim de um helicóptero de fuga ou um carro esportivo muito veloz.
— Lia, estou numa fria e você me pede calma? — pergunto. E olhei para River. — E você? Que ideia foi essa de me beijar aqui, em público?
— Você gostou, eu percebi isso.
— Gostei, mas o caso é que tem pessoas que não se sentem à vontade com isso. E outra, minha mãe ainda não sabia. Eu iria pensar num momento mais tranquilo para iniciar uma conversa. Já ouviu a expressão "preparar o terreno"?
Ele fez um beicinho. Não o mesmo que me encantava, e sim um que dizia que ficara ofendido. Seus olhos também não estavam em mim. Olhavam para algum ponto entre o mastro florido e os artigos de jardinagem. Seu rosto foi assumindo um tom mais sério. Um que eu não tinha percebido antes, não até agora, por mais que só tivéssemos nos encontrado poucas vezes.
— Eu sinto muito — disse. E saiu, me deixando ali com Lia.
— River, espera — pedi. Ele não respondeu e nem parou.
Rumou para fora do festival. Em choque, não consegui me mexer. Vi ele se afastando, mas não fiz nada. Nem um centímetro do meu corpo se moveu. Lia me olhou ressentida e saiu atrás dele. Conforme corria, seu vestido sacudia. Ela o alcançou próximo da saída do festival. Era impossível eu ouvir o que diziam, só podia ver os movimentos da minha amiga.
Ela levantava os braços e jogava um ou outro para minha direção. Eu não sabia se River estava dizendo alguma coisa, ele não se mexia. Num reflexo o flagrei virando o rosto de leve para o meu lado, quando percebeu virou de volta. Isso me doeu por dentro. Eu não tinha o porquê de me comportar assim. Uma salva de palmas e um vozerio ali perto me desconcentraram.
— Muito bem. Vamos conversar — minha mãe anunciou.
Ela entrou na pequena tenda com um troféu de primeiro lugar e uma tiara feita com flores azuis e rosas — essas eu não conhecia — em formato de cachinhos, que foram entrelaçados por uma linha de costura e enroladas numa tiara de metal.
— Não acha melhor conversarmos em casa? — sugeri.
Ela olhou para os lados. Viu que havia várias pessoas que ficaram em volta dela para admirarem o bolo e parabenizá-la e outras tantas que formavam uma fila com pratinhos descartáveis na mão. Alguns até tinham potes retangulares a postos, prontos para levarem fatias para casa. Eu teria rido, se não estivesse nervoso.
— Tem razão. Vou pedir para alguém cortar o bolo e dividir com todo mundo e quanto ao seu... amigo? — Ela fez questão de dar ênfase à última palavra.
Apontei para a direção onde Lia travava um diálogo com ele. Ou quem sabe um monólogo. Ouvi um ruído rouco vir da garganta de minha mãe. Poderia ser de desaprovação, como de uma dúvida.
River e Lia olharam juntos para minha mãe. Era como se ela tivesse enviado uma onda telepática para os dois. Ou alguma coisa do gênero. Foi estranho, mas sei que eles olharam ao mesmo tempo. Botou uma das mãos na cintura e com a outra fez um aceno, chamando-os. Eles obedeceram e voltaram. Lia demonstrava estar com um pouco de medo. O que era muito sinistro, já que não era do feitio dela ser assim. River, no entanto, parecia confiante e cheio de si. Mais seguro impossível.
— Obrigado por voltarem — falou sem emoção. — Agora se puderem, preciso falar com os três em casa. Agora!
Mamãe me mandou com Lia para o carro. River dissera que iria acompanhar com seu carro. Não consegui decifrar qual foi o olhar de minha mãe.
~~~*~~~
Mamãe estacionou o carro na garagem cinco minutos depois de termos saído do FesFlor. River parou o carro do outro lado da rua, onde não havia perigo de ele levar uma multa por estacionar em local proibido.
Fiquei para receber River no portão, mas fui empurrado para dentro por minha mãe. Agarrei Lia pelo braço e a arrastei comigo, no interior de casa sentamos no sofá. Num descuido meu, ela se sentou na ponta da esquerda.
Ouvi River pedir licença e cruzar a porta da sala. Deu uma rápida olhada pela casa e sentou-se ao meu lado no sofá. Minha mãe puxou uma cadeira e me encarou fixamente. Ela nem piscava. Bom, talvez ela estivesse piscando tão rápido que eu é que não podia acompanhar. Olhava de mim para River. Ocasionalmente se virava para Lia, que se fingia de morta.
— Certo — disse ela. Lia deu um pulo e me fez sentir um frio na barriga. — Primeiro vamos começar com meu querido Maurício.
— Mamãe...
— Nada de mamãe. Agora me diga. A quanto tempo isso está acontecendo? Por que você não me contou? E o que mais está escondendo de mim?
Suspirei. Eu estava sendo interrogado. E nem tinha como pedir absolvição. Tecnicamente, eu era culpado. Os pés dela batiam no chão, impacientes.
— Não estou escondendo nada que a senhora não deva saber. Estava esperando o melhor momento para poder tocar no assunto. E por fim, nos conhecemos faz alguns dias.
Minha mãe ficou apreensiva. Ela sabia que eu falara a verdade e não perguntou mais nada, ainda. Olhou para River.
— E você meu rapaz? — indagou ela. — O que tem para me dizer?
Eu me gelava por dentro e por fora. Ou River era um excelente ator e mantinha todas as suas emoções bem escondidas, ou devia estar acostumado a momentos críticos e olhares intensos, pois nem perdera o controle. Impressionante.
— Eu amo seu filho. A verdade é essa.
Os olhos da minha mãe se abriram de uma maneira que eu nunca poderia imitar.
— Só i-isso? — ela gaguejou. — Digo, você tem que ter alguma outra explicação.
— Senhora Sutil, eu não sei como explicar. Também não sei se a senhora acredita em amor à primeira vista. Mas foi isso que aconteceu entre a gente. Pelo menos comigo acho que foi assim.
Eu senti uma fisgada no coração quando ele disse isso.
— Não precisa ficar me chamando de Senhora Sutil, River. Me chame por...
— Tia... — Lia a interrompeu. — Posso ir embora? Nem sei o porquê estou aqui.
Minha mãe estreitou os olhos.
— Tenho certeza de que você deve ter ajudado, Lia. Te conheço muito bem.
Lia abaixou a cabeça. O nervosismo foi tanto, que nós dois demos duas risadinhas. Mamãe olhou zangada e bufou um pouquinho.
— Então, River, você ama meu filho. Me explique como isso ocorreu.
— Para começo de conversa, eu quero que a senhora saiba que seu filho é o primeiro rapaz por quem eu me apaixonei. E o primeiro que beijei. Nunca antes em minha vida eu senti qualquer coisa por homem algum. Mas quando entrei naquele bar, naquela noite. Minha vida mudou.
Ela não demonstrou nenhuma reação negativa, apenas meneou com a cabeça e pediu que continuasse. Sua expressão me dizia que estava reprimindo alguma coisa. River assentiu, agradecendo a aparente compreensão dela.
— Os sentimentos que tenho pelo seu filho, não são por acaso. Até mesmo porque, eu não acredito que exista o acaso. Sei que em algum lugar, nossos caminhos já tinham sido escritos. Estávamos predestinados, tenho certeza disso. Talvez a senhora me compreenda melhor.
"Eu estava entediado em casa. Totalmente chateado. Olhava para uma parede e para a outra e todas tinham a mesma aparência. E não é pela cor da pintura, mas sim pelo seu aspecto aterrorizante e capaz de me fazer pirar. Determinado, saí de casa e comecei uma caminhada pela rua. Apenas para respirar um ar puro e ver se me animava.
Quando cheguei perto do bar 'Vícios', não sei, senti uma energia forte vinda lá de dentro. Era algo poderoso e estranhamente atrativo, que me puxava. Eu podia ouvir uma singela e suave música saindo de lá. Mal me lembro como aconteceu, simplesmente entrei."
Minha mãe ouvia atentamente. A mesma cara de paisagem.
Eu estava nas preliminares de um ataque cardíaco. Ao mesmo tempo que as palavras de River faziam meu coração se acalmar, ele acelerava rapidamente. Ele me falara pouca coisa sobre o amor que sentia por mim. A conversa que eu teria com River sobre isso havia enfim chegado. Só não da maneira como eu esperava.
— Dizem que quando a gente se apaixona, ouve uma marcha de sinos tocando. Puff. Besteira, eu não ouvi nada, mas nem se compara com o que senti — ele disse e olhou para mim. — Quando vi o Maurício sentado, meu coração parou. Por uns cinco segundos. Ou vai ver foi o tempo que congelou, enquanto eu o admirava. E quando voltou a bater senti meu mundo inteiro mudar.
"Meu corpo foi preenchido por uma energia vibrante e quente. Era tão forte que eu senti que cada célula do meu corpo pulava de alegria. O meu pulso cardíaco devia ter chegado a cento e cinquenta batimentos por minuto, muito mais eu arriscaria. Nunca me senti assim antes.
Uma chama incandescente se acendeu dentro de mim. Eu não só precisava, como devia conhecê-lo. Cada passo que eu dava em sua direção, era como se eu ficasse mais perto de poder realizar um sonho. Poder encontrar a verdadeira felicidade."
Ele estava com lágrimas nos olhos. Eu tinha os olhos marejados de lágrimas. Não verifiquei se Lia também estava assim, mas vi que minha mãe chorava copiosamente. River pegou minha mão esquerda e a envolveu com as suas. O calor gostoso de sua pele me tranquilizou. Se um exército estivesse prestes a nos atacar. Com ele ao meu lado... eu enfrentaria cada um.
— Mãe... — choraminguei.
— Senhora Sutil, ainda que seja contra o que eu sinto por seu filho, nada do que disser será capaz de me fazer deixar de gostar dele. Quando o amor acontece, não há barreiras e nem limites para ele.
— Está tudo em pratos limpos mãe. Eu amo River, ele também me ama. Acho que ficou mais do que claro isso. Lamento se te decepcionei de alguma forma. Embora tenhamos convivido pouco, e eu tenha demorado para aceitar isso. Não tenho como evitar, nosso amor é muito forte.
Mamãe me olhou com ternura.
— Maurício, se você tivesse nascido com uma perna a mais, com um terceiro olho, ou qualquer outra coisa; mesmo assim eu te amaria. Porque sou sua mãe. Se essa é a sua escolha. Eu desejo que vocês sejam felizes. Vocês têm a minha benção.
Ela sorriu. Todos sorrimos. Lia também, ainda queestivesse perdida. River olhou para mim contentíssimo. Se inclinou em minhadireção e me envolveu em um beijo apaixonado.
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