03| Torta de Limão
Já disse Dante: Quanto mais perfeito é algo, mais dor e prazer sentimos.
Mas, sinceramente, espero que esta dor em meu peito, que vem da tua perfeição fantasiada em minha mente, moço, venha findar na ascensão da Lua. Porque és como um pedacinho do Sol perdido nesta Terra medonha.
E se o universo não precisar mais da tua essência, bem, que tu possa ficar aqui, quietinho e aconchegante. Fazendo desse vácuo em meu peito um novo universo para chamar de lar, e que esta harmonia entre a perfeição e a dor, se converta em prazer.
- Belly B.
Sente o lápis vacilar entre os dedos e o ouviu tombar sobre a madeira do balcão. Assistiu ele rolar para longe das pontas dos dedos, da autoridade que tinha em mãos para dar prazer ao amor e a dor com apenas algumas palavras. Repousou o rosto sobre as folhas do seu velho caderno de capa azul e folhas amareladas coladas, e observou o lápis cada vez mais distante. Não há mais espaço para mais papel dentro da lombada daquele caderno, mas para Belly o que importa é colocar mais folhas que contém poesias nascidas em dias de chuva, como este. Queria colocar mais e mais, todas que puder, para depositar naquele espaço não só escritos, como também esboços de silhuetas, numa tentativa - desde já, digo que falha - de extrapolar tudo o que sente e se ver livre de toda aquela paixão boba de verão.
Lê outra vez tudo o que há escrito naquelas páginas sem linhas, onde seus dedos trabalhavam em harmonia com as palavras que formam um canvas de sentimentos em seu peito, e se pergunta se cada uma delas são mesmo verdadeiras ou só mais uma idealização do cara perfeito que criou em sua mente. Não sabe, mas Belly deseja muito - mesmo que o final desta história acabe sendo trágico para o seu coração ingênuo - que ele tenha um bom coração. Que ele ao menos seja um bom cara e todas as baboseiras que seu lado adolescente há anos adormecido, agora desperto, pode imaginar.
Se Yun estivesse ao seu lado, lendo aquilo que escreveu, diria que tudo o que a moça sente não passa de uma salada de sentimentos tão exóticos quanto ela. Que não adianta ficar acuada dentro de sua cápsula de vidro, como gosta de chamar a janela de vidro por onde observa o moço todos os dias a tarde. Se não for atrás de saber quem ele é ou esperar até que ele desapareça de seus pensamentos - e também da cidade - e leve consigo toda aquela "salada" que Belly detestou ter em seu menu.
Aquele é um dia estranhamente chuvoso. A moça já está acostumada com a mudança de clima repentino, mas não esperava que naquele verão tão insuportável de calor, a chuva viesse surpreender os cidadãos de Ventura e Barkin se sente a pessoa mais sortuda da Califórnia. Ama sentir o frio adentrar na pele e penetrar seus ossos porque assim poderia sentir outra dor que não fosse a paixão.
Belly não esperava que dias ensolarados, que lembra tanto sua paixão platônica, fossem substituídos pelo frio, chuva e céu nublado.
Dias de chuva faz a Barkin pensar pelo dobro do tempo e a artista que há em si querer ir logo para casa e dedicar-se inteiramente ao seu momento de insight. Sempre traçando manias e caminhos que alguns meses se tornou familiar para a moça, porque todos tinham como parada a bagunça em seu peito causada por um só cara. Ela se sente agraciada pelo clima chuvoso e o cheiro de terra molhada - mesmo que desperte sua alergia - entre os dedos dos seus pés descalços, lembrando quando ainda tinha tempo o suficiente para aproveitar a liberdade do quintal do antigo lar. Em seu condomínio, há um jardim espaçoso e lindo, mas ainda não teve tempo - e nem chuva - para apreciar a beleza da natureza molhada.
Mas não é só isso. Belly gosta de imaginar que a cada respingo de chuva que cai sobre Ventura e atiça as ondas da praia do litoral, todo o barulho que o vento faz contra as janelas, é só mais uma arrebentação de sentimentos dos céus, já que o sol nunca pode ser frio, a Lua e estrelas camufladas pela luz do dia, choram por Belly, coisas que ela não tem mais coragem de expor ou ir atrás. Sentimentos, lembranças e desejos ansiosos, todos eles, Belly mente para si mesma ao dizer que não se importa, e deposita a responsabilidade de extrapolar, na arte, poesia e natureza.
E como havia prometido para si e para o Yun, no mês passado, ela não resistiu por muito tempo deixar seu atelier trancado. Foram árduas duas primeiras semanas de ideias presas apenas nas linhas do seu velho caderno, implorando para que a moça os dê vida, cor, formas e sentimentos de amor ou frustração. Na terceira semana, ela já desistiu e traçou linhas de expressões que imaginou no moço do pôr do sol. Outras vezes foi a praia com o Yun.
"É só para garantir que você não volte bêbado para casa."
Havia dito.
Belly sempre desmente Taehyung, mas ele bem sabe que as únicas vezes que ela vai a praia, é em sua companhia. Apesar de não gostar da água salgada e da areia grudando em sua pele, do sol escaldante e outros fatores do contra, ela tenta esconder, mas Yun sabe que seu maior fetiche é juntar estrelas-do-mar e conchinhas à beira da praia, caçar caranguejinhos e aproveitar a vista para pintar em aquarela cada parte daquela praia tão conhecida.
Mas, desde então, por puro carma, tudo tem colaborado para que a moça não tivesse tempo e forças para dedicar-se a arte.
Tem trabalhado horas extras na loja durante aquele verão. Trocando dias de folga por remuneração e fazendo horas extras em alguns dias da semana. Tem empurrado tudo com apenas a esperança que lhe visitava de longe em alguns dias perdidos durante a semana, vindo sempre no final da tarde sorrindo como apenas ele faz. E por esse e outros motivos, que ela ainda olha para a janela do seu trabalho quando o sol se põe.
Mesmo que Belly negue a Yun alguns motivos por estar se desgastando tanto de tal forma, seu melhor amigo bem sabe que tudo isso é e sempre será para conseguir mais dinheiro e, consequentemente, para dar condições melhores aos irmãos, e não só para novos materiais do atelier. O rapaz sabe que a maior responsabilidade da família Barkin sempre caiu sobre os ombros da amiga, mesmo que todos a vejam como uma ovelha negra que carrega o precioso - e também amaldiçoado - sobrenome.
Se pergunta até quando vai ser egoísta assim consigo mesma, que não consegue se dar um tempo para amar e se amar. Para cuidar da sua vida e juntar economias para seus sonhos. Ama sua família e ajudar aos mais novos, não pretende deixar de ser assim, porém, da forma que ela é para os outros, também precisa aprender a ser para si.
A chuva estranha que cai lá fora, uma nalbi* que veio como pacificadora para a mente ansiosa e bagunçada da moça, está cessando. Singela como é, veio apenas para acalentar sua mente e lhe trazer um sorriso sutil para os lábios de Belly que tem um rosto tão cansado.
Ouviu o sino da porta de entrada ressoar pela loja e outra pessoa passa a ocupar o lugar. Yun não está. É dia de entregas, mas como no último domingo, não se sente tão solitária e tudo devido as palavras que encheu seu peito e tinham um gosto de amor que lhe lembra balas de tangerina e mel, como as que comprova quando criança, na vendinha perto de casa.
É Dona Vivian, a cliente que entrou pela porta aquela manhã, trazendo consigo uma enxurrada de ventania fria que bagunçou os cabelos da mais nova. Recepcionou a cliente favorita com um sorriso, atendeu seus pedidos e lhe indicou outros melhores de ser manuseados do que o que estavam na listinha feita na palma da mão enrugada na senhora.
- ... Aqui está, Dona Vivian. - Belly entrega a sacola de compras da senhora baixinha e rechonchuda, uma cliente fiel à loja, e sorri.
Ela lembra a vovó Fa, pensou.
- Obrigada, meu anjo. - Dona Vivian retribuiu o sorriso gentil e abraçou as sacolas de papel reciclável, junto a sua bolsinha de palha adorável. - E o rapazinho que trabalha aqui? Onde está? Vocês estão namorando?
Belly suspirou. Sempre tantas perguntas!
Dona Vivian sabe que eles são apenas amigos e que o Taehyung, mas ela insiste na mesma pergunta sempre. Não queria ser insensível ou malcriada, por isso ignorou o cansaço que a mesma pergunta traz, e responde:
- Ele está fora fazendo entregas, mas por está chovendo, acho que ele já chega. E, Dona Vivian, o Taehyung me dispensou para ficar com outra garota. Ela faz mais o tipo dele, não eu.
- Oh, céus! Que absurdo! - A senhora levou a mão ao peito e Belly se desesperou. Havia dado um susto tão grande com a mentira que a velha morreria por sua culpa!?
Que Deus me perdoe e não leve essa senhora agora! Suplicou, silenciosamente, aos céus.
- Não brinque com o coração dessa velha, criança! Como ele pode dispensar essa preciosidade rara, como você? É tão fofa que tem estrelinhas pelo rosto! E não pense que eu não vi que colocou outro, mocinha.
Ao ouvir tais palavras, Belly soube que é apenas drama da senhora e passou a rir. Ela gosta de ouvir quando Dona Vivian chama seus piercings de estrelinhas. E ela sabia que Dona Vivian iria fazer comentários sobre o novo piercing que Barruan, o amigo do estúdio, lhe convenceu a colocar na sobrancelha. Ainda sente arrepios malditos só de lembrar da dor da maldita da agulha perfurando sua pele. Deveria estar acostumada com agulhas, mas naquele canto em especial, Belly descobriu ser bem sensível.
- Tá tudo bem, Dona Vivian. - Se arrependeu por ter dado de ombros, pois imediatamente sentiu a região latejar, causado pelo excesso de cansaço. - Eu prefiro ele como amigo. E cai entre nós, a outra garota combina muito mais com ele! - Dona Vivian não sabia, mas Belly estava mimando a irmã.
- Voltei, Belly! Boa tarde, Dona Vivian, minha cliente favorita!
O sino da entrada ressoou pela loja e um vento frio entrou fazendo as duas no balcão do caixa, se encolher. Ela olhou para porta e viu Yun exausto, mas com um sorriso estampado no rosto ao ver uma de suas clientes favoritas. Talvez o otimismo e simpatia dele seja a coluna base para que a amizade com Belly Barkin, continue.
Taehyung, com mais que o dobro do tamanho da Dona Vivian, ergueu os braços para receber o seu caloroso abraço de sempre da mais velha, mas este não veio. A senhora apenas ergueu o queixo e virou a cara para o rapaz, o ignorando, o que deixou ele bastante confuso.
- Hum! Você arruma algo melhor, querida Belly. Passar bem e até outro dia.
- Tchauzinho, Dona Vivian! E cuidado ao usar esses materiais e com a chuva. Não quero que pegue um resfriado!
Barkin não precisou virar para saber que Yun estava, do outro lado do balcão, a encarando da forma que o amigo sabe que a intimida. Ele espera que ela se explique imediatamente, pois, como todas as furadas que se encontra, sempre tem nariz da morena baixinha com carinha de anjo, mas que por dentro é uma pimentinha, no meio. Ela ouviu passos pesados do seu coturno soar pela loja, agora, apenas com a presença dos dois. Sentiu sua presença sobre os ombros e soube que ele estava mais perto e engoliu a seco.
Só precisou Yun se apoiar no balcão ao lado da morena de forma que a deixe encurralada, para comprovar suas teorias de que ela está com um bico nos lábios e olhos mais abertos que o costume, brilhando numa falsa ingenuidade. O mesmo olhar que ela estava no dia em que se encontraram pela primeira vez, no primeiro ano do ginásio, em 2010, na sala da diretora Naijah - que, maldosamente, alguns dos seus colegas chamavam de Naja.
Para o garoto de sorriso quadrado e cabelos bagunçados, mudança, era algo novo demais. Estava acostumado com o lado mais frio do país e não com o calor da costa oeste. Ela veio assim que completou quinze. Idade suficiente para ajudar aos avós nos cuidados com os irmãos mais novos.
Foi durante a primeira semana de aula na escola nova, que ele ouviu, pela primeira vez, boatos de que "Bellycifer" havia voltado, sair dos lábios de alguns colegas de turma. Curioso como sempre foi, não demorou muito para ir atrás do Park Jimin, sua dupla de Química e primeira amizade que fez em Ventura, para saber do que se tratava.
"Fica longe que é encrenca!"
Foi a única coisa que ouviu do amigo baixinho e bochechudo, antes de sair para o horário do clube de dança. Mas é aquilo: Kim Taehyung sempre foi curioso.
O garoto se perguntava como poderia ficar longe de uma pessoa que não sabe a aparência e muito menos o nome, sem ser o apelido maldoso? Com um tempo Yun descobriu que era uma garota. De cabelos curtos como de um garoto, óculos, brincos exóticos pendurados nas orelhas em pares desiguais, poucos piercings - diferente de hoje - e roupas fora de moda. Ela parecia viver na década de 90', onde gloss extra brilho pinta seus lábios, uma armação pesada no rosto que não escondia a ingenuidade no olhar, saia de pregas e camisa amassada, maquiagem pesada nos olhos e meias 7/4 colegial revestia suas pernas morenas torneadas - diferentes de muitas garotas ali - e a gravata do uniforme com um nó qualquer. O garoto pensou que havia se apaixonado, quando a viu pela primeira vez, mas só descobriu mais tarde que tudo era empatia e carinho. Coisa de melhores amigos.
Aquela era Bellycifer. A garota amante de literatura italiana que, por motivos desconhecidos por Yun, despertava o medo de alguns colegas, mesmo com um sorriso gentil, voz mansa e bochechas que ficam facilmente vermelhas.
No entanto, foi durante uma das aulas de educação física que o Yun conheceu a Bellycifer.
O garoto estava no vestiário trocando de uniforme, quando voltou a quadra de vôlei, soube que havia ficado no time A, junto ao Jimin, alguns colegas e Bellycifer, mas a mesma inventou o que parecia ser uma mentira esfarrapada ao professor para ficar na arquibancada, porque, aparentemente, exercícios físicos era uma completa perda de tempo.
Para ela, perder pontos na matéria e recompensar na prova teórica vale mais a pena, assim, poderia ter um tempo de paz ao lado dos seus livros.
Yun lembra muito bem do livro que ela tinha em mãos, apoiado em seu colo, com apenas uma pequena parte de sua franja cobrindo seus olhos: Divina Comédia, do Dante, e imediatamente Yun cativou-se pelo possível intelecto da menina tão temível pelos garotos da sua sala, mas para ele, se assemelha a um pequeno anjo incompreendido, pois até mesmo a pele dela, mesmo que morena, reluzia como porcelana.
Se hoje Yun for comparar a alma da amiga, ele diria que ela o lembra a essência da determinada Molly Jensen.
Mas Yun esqueceu que porcelanas são fáceis de quebrar e naquele momento, a imagem que ele criou da menina, era sua porcelana caindo aos pedaços e revelando uma faceta inesperada.
Foi tudo rápido demais e até hoje ele não consegue compreender totalmente a cena. Num instante, ela está serena lendo as palavras gravadas nas folhas do livro desgastado em seu colo, no outro, a bola sacada por um dos seus colegas de time, o Jeon, voou em direção ao rosto da garota. Um alvo certeiro.
Yun olhou para o colega de time e o mesmo passou de olhos assustados para uma crise de risos repentina, e então Bellycifer atacou o garoto mais velho assim como um predador faminto ataca sua presa. Estava afoito, mas foi rápido em ir separar os dois, tentando puxar o corpo magro da garota pela cintura, mas não conseguiu sem antes, aquele que estava debaixo do corpo feminino, com o colo preso entre as pernas da garota, ter um corte feio na bochecha esquerda e outros supérfluos no lábio inferior.
"Para a sala da diretora Naijah! Os três! E você, Jeon: Já para a enfermaria e depois direção!"
Lembra dos gritos do professor e, bem, Jimin também foi. Pobre coitado. Só estava perto para checar se o amigo - e novato - estava bem e acabou levando uma parcela daquela culpa idiota.
Naquela tarde, mesmo sem culpa, Kim Taehyung, pela primeira vez conheceu a sala da diretora, soube que Bellycifer na verdade é Belly Barkin e que aquela não seria sua primeira vez ao lado da garota naquela sala, e então uma amizade entre os dois surgiu. De todas as lembranças que tem dos últimos anos de escola, 80% delas é na sala da diretora e 101% delas Belly estava ao seu lado, porque ela sempre arrastou o amigo para todas as furadas, brigas, abaixo assinados e fugas das aulas pelo portão de trás do prédio da escola. Mas Belly nunca foi tudo o que idealizaram dela. Ela nunca foi uma filhinha do Lúcifer porque tudo não passava de um mecanismo de defesa fajuto que, com o tempo, Yun conseguiu desfazer.
No entanto, a carinha cínica e ingênua que ela faz agora, é a mesma que naquela tarde que atacou Jeon.
- O que foi? Perdeu algo?
Ouviu sua voz mansa e um pouco trêmula. Belly é uma boa mentirosa, mas seu corpo não. Taehyung conhece as manias da amiga há anos.
- O que aconteceu aqui? Tem algo a me dizer, Bê? - O uso do apelido deixa claro que ele não quer enrolação, quer um resumo até o ponto final. Belly o olha de relance e vê que há um pouco de raiva fingida em seu semblante.
Quando Belly contou uma simples mentirinha rápida para se livrar dos questionários de senhorinha fofoqueira sobre os namorados, casamento, filhos e até herança, não havia pensado sobre o outro lado da moeda, este era, o Taehyung. Havia sido egoísta, admite. Seu pensamento rápido não foi tão esperto quanto imaginou. Não pensou que sairia tão caro para o Yun, como ser ignorado por uma boa amiga como Dona Vivian.
A moça engoliu a seco e caminhou de volta para o seu balcão, logo voltando a escrever seus escritos bagunçados, como antes da Dona Vivian chegar. Respirou fundo para conter o nervosismo e sentiu um cheiro de roupa molhada, nada agradável, no ar. Yun tomou um belo banho de chuva, isso é certeza. Assim como, mais tarde ele vai ligar para ela, perguntando como tirar o mal cheiro de suas roupas, apenas como desculpa para que os dois estivessem discutindo sobre a inconveniência do garoto com os horários, na lavanderia do seu apartamento, porque Yun nunca gostou de fazer coisas assim sozinho.
Belly virou para Yun, que estava bem atrás de si, de braços cruzados e farda molhada, respirou fundo enchendo o peito de falsa coragem e fechou os olhos antes de despejar a verdade, assim como uma criança faz:
- Eu disse para Dona Vivian que você acabou com nosso rolo romântico para ficar com outra e agora ela odeia você, mesmo que ela não saiba que essa garota seja a Lau. Me-desculpa-eu-te-amo-ainda-somos-amigos?
Abriu os olhos. Estava vermelha e com falta de ar. Nunca conseguiu falar tanta coisa e tão rápido como aquela vez.
Deve ser o poder da adrenalina que o medo traz, pensou.
Taehyung estava surpreso. Não esperava isso e aos poucos foi abrindo a boca para formular uma frase indignado.
- O quê? Por que você fez isso?
Belly não acreditou que de tudo que falou, ele só pegou a parte do erro. E suas desculpas e o eu te amo? Onde ficam? Mas que insensível!
- Não foi bem com essas palavras, mas foi isso.
- Belly, isso não se faz! - Yun suspirou e passou as mãos pelo rosto, parando nas bochechas e apertando-as.
- Desculpa, Yun, mas ela sempre me pergunta quando vamos ficar juntos e eu não aguento mais isso! Fala de filhos, casamento, que gatos e cachorros não podem ficar juntos e por isso o casal tem que entrar num consenso, sobre o café da manhã perfeito para te amarrar como noivo... Eca! Você nunca esteve no meu lugar pra saber disso, okay? Fui egoísta, eu sei. Me desculpa!
Yun balança a cabeça de um lado para o outro sem dizer nada. Belly fez besteira e tem certeza disso. Conhecendo o cara a sua frente, sabe que ele ainda vai relutar para ouvir ela outra vez. Taehyung é assim: altos e baixos, e ela ama o fato dele ser sensível, mas na hora da briga isso não era tão bom porque ele é orgulhoso, não aceitaria desculpas, e ela também é.
Barkin ouviu seu suspiro e um resmungo grave sair pela boca do mais alto, assim, dando as costas para ela e indo em direção a sala de descanso. Ela apressou o passo para apertar a cintura do amigo fedorento, sem deixar ele dar mais um passo.
- Yun, espera aí! - Resmungou contra as costas do mais velho. - Eu sei que você gosta da Dona Vivian. Me diz o que fazer pra merecer tua desculpa?
Mãos grandes e quentes envolveram as suas para soltar o aperto que a pequena faz envolta do corpo e viu o rosto do dono de um mullet bagunçado, rente com o seu. Ele estava a intimidando e ela odeia quando faz isso. Ainda sente as mãos do amigo prendendo as suas, mas não faz questão de tirá-las dali. Belly sempre gostou de sentir mãos diferentes das suas geladas e ósseas, segurá-las. Sempre pensou que também foram feitas para serem aquecidas por maiores e mais firmes, no entanto, mesmo sendo alguém de intimidade genuína, Taehyung nunca conseguiu aquecer suas mãos o suficiente. O calor delas não é o certo para as suas.
- Posso pensar no seu caso, se você for comprar pãezinhos de queijo. - Taehyung disse de forma tão dramática que Belly achou todo aquele teatro um completo exagero.
- Tão fácil assim? - Não era algo fácil assim. Nada com o Yun era simples e os anos de convivência comprovam. Ela sabe que por trás daquele olhar sapeca, há algo.
- Eu não sou um cara fácil. Não estou com tanta raiva assim, porque, em partes, sua mentira foi uma verdade. Eu te dispensaria, Bê. Você não faz meu tipo.
A sinceridade de Yun é comovente. Tem um sorriso quadrado no rosto, que se não tivesse recebido um insulto, Belly acharia fofo. É assim que age: oculta a sinceridade com sua beleza, gentileza e sorrisos, e se pergunta como Lau Jay o ama tanto.
- Idiota! - Yun riu alto ao ouvir a reação da menor. - Eu não vou comprar pãezinhos de queijo, Taehyung, está chovendo!
-E você é feita de açúcar? - Debochou.
- Não, mas eu-
- Não quero palavras, quero comida. - Yun saiu do setor de Belly e foi até a sala de descanso, se jogando no velho sofá vermelho que eles encontraram no antigo depósito de sucatas da cidade.
"Dar pra reaproveitar! Você apoia reciclagem, não é?"
Ainda lembra do que Yun disse para convencer a amiga de levar aquele maltrapilho para a loja.
- Ah, e o pó de café acabou. Acho bom você ir comprar logo meus pãezinhos e café, querida escrava. Ouvi dizer que a nova padaria que abriu no quarteirão vizinho é uma maravilha! Precisamos inaugurar aquele lugar.
- Pois fique sabendo que eu estou indo pelo pó de café e não pelo bem da nossa amizade! - Belly pegou dinheiro em sua bolsinha e foi até onde o amigo estava deitado, apontando o dedo para ele. - E quando eu voltar, exijo minha carta de alforria!
Passou pelos armários e pegou a velha jaqueta de couro do mais velho, vestindo-a. Sabe do ciúmes que seu dono sente por ela e exatamente por isso que a pegou escondida. Ainda quer morrer sendo amiga do moreno.
Ouviu a gargalhada de Yun ecoar pelos corredores da loja e sorriu com o som gostoso aos seus ouvidos. E antes de abrir a porta para sair, ouviu:
- Ah, claro, mente mais que eu gosto, Bellycifer. Tio Luci vai adorar abrir as portas pra você, sua debochada!
Alguns clientes comentaram sobre a nova padaria que abriu no quarteirão vizinho, perto da Praça Central, onde normalmente o Parque de Diversões se instala durante o aniversário da cidade - que já é no próximo mês e Belly sente um arrepio lhe invadir só de lembrar quem com ele voltará para Ventura.
Os respingos mais fortes da chuva, cessou, agora dando lugar a uma fraca neblina que faz uma fina camada de água sobre a jaqueta do Yun e seus cabelos. Tentava pular alguns poças de lama para afugentar seus coturnos da sujeira, mas nem de todas foi possível, assim levando a resmungos.
Nunca pensou que sentiria falta do Sol, como vem sentindo. No sentido cósmico e metafórico.
Semana passada foi uma das piores que já enfrentou, no quesito calor infernal. Sequer fez questão por ter ido passar as noites na varanda sentindo a maresia tocar seu rosto e com o cheiro lhe invadindo as narinas. O sol que é para todos, brilhou em ascensão, esta é a maior certeza de todas, mas não o seu sol. Não o viu passar pela janela da loja ou coisa do tipo, mas não deixou de acreditar que ele ainda está por ali. Ele pode não estar brilhando para ela, mas ainda sente, de alguma forma, seu calor aquecer sua pele.
É como dia nublados em que até mesmo o sol precisa tirar um tempo para si acima das nuvens cinzentas.
Belly não sabe e provavelmente nunca saberá os motivos do seu sol está escondido acima das nuvens por um tempo, mas deseja que fique bem.
Pensou mais um pouco em seu sol, se amaldiçoou por ter deixado se levar por seus pensamentos de paixonite e pensou nele outra vez, até chegar em frente a nova padaria. Subiu os pequenos degraus e ouviu o mesmo som do sino do seu trabalho tilintar ao passar pela porta. Sentiu que poderia voltar a infância num pulo de imaginação ao sentir o saboroso cheiro de bolo no forno por todo lugar e aquele calorzinho que só encontramos nos braços de quem amamos. Tinha cheiro de lar.
Havia algumas pessoas fazendo pedidos no balcão e reconheceu algumas como fregueses da Kevin's, mas deixou isso pra lá. Observou o lugar rústico e agradável. É, parece que Yun acertou outra vez ao mandar ela até aquele lugar.
Notou que os clientes se servem e não precisa ir até o balcão para fazer o pedido dos pãezinhos de queijo do Yun, e assim que juntou uma grande quantidade que seu amigo guloso ama, foi até as prateleiras de conveniência para pegar da sua marca favorita de pó de café.
O setor doces são servidos em caixas grandes de madeiras postas em cima de bancadas que chegam na altura de sua cintura e os doces, como sonhos, pretzel, maria-mole e outros, não é diferente. É um pequeno paraíso de comida excêntrica em Ventura.
Não queria ir embora, gostaria de sentir mais um pouco aquele cheiro delicioso de bolo e o calorzinho confortável da padaria. Imaginou que se a Itália também têm lugares como aquele ou com uma beleza simples que vai além daquela padaria de decoração italiana.
Observou que no teto há um céu pintado e as nuvens em formatos infantis. Adoráveis. Uma decoração simples e harmoniosa entre o amarelo girassol e cores pastéis. Nada exagerado, afinal, é uma padaria.
Seguiu o fluxo da fila que sequer notou quando entrou nela e se viu diante a enorme vitrine de bolos e tortas. Belly sorriu como há um bom tempo não fez e sentiu seu cansaço brevemente ser substituído pela alegria da pequena de criança que secretamente ainda está dentro de si. Se Yun estivesse ali, não tardaria em chamá-la de "tortólatra". Sabe que será feita de chacota ao voltar com uma fatia de torta em mãos, quando saiu para comprar pãezinhos de queijo e pó de café, mas não perderia a viagem.
Observou os doces e leu as etiquetas ao lado, com o nome de cada sabor. Eram tantas, mas Belly não sabia escolher entre a de limão ou a de laranja com calda de mel com gergelim. Olhou para trás e viu que não havia mais ninguém na fila, então ficou tranquila em demorar mais um pouco e usar uma parlenda bobinha para dar fim a indecisão.
Uni duni tê sempre foi de grande ajuda para toda sua indecisão.
Tocava a vitrine com a ponta dos dedos, deixando algumas manchas no vidro, quando ouviu passos se aproximarem e alguém parar ao seu lado, assim, fazendo sombra na preciosa visão de Belly sobre as tortas. Não fez questão de virar para ver o rosto do intrometido, mas foi inevitável não olhar para os chinelos adoráveis que usa. É azul bebê com alguns sóis sorridentes. Belly sorriu para a cena adorável, mas voltou sua atenção para as tortas. Ao seu lado, deve ser outro cliente, então, precisa se apressar e terminar com sua parlenda decisiva.
- Se for te ajudar, pessoalmente, indico a de limão. O confeiteiro sempre capricha na cobertura!
Belly foi interrompida por uma voz simpática, vindo do dono dos chinelos de bichinhos. Pensou um pouco se deveria seguir o conselho e ainda olhando para as duas tortas a sua frente, inconsciente fez um biquinho.
- Mas a de laranja parece estar uma delícia... Acho que se pudéssemos provar do sol, ele teria o sabor de laranja, mel e gergelim.
Belly não podia imaginar, mas o rapaz ao seu lado estava achando uma graça a forma como pensa alto e o bico infantil que faz.
- Mas a vida tem gosto de torta limão, não acha? - Ele pendeu a cabeça para o lado afim de ver as expressões na moça a sua frente e sorriu. Talvez se continuar, a convença de que limão é melhor que laranja. - Nunca é cem por cento doce, sempre vai ter partes mais azedas e amargas, que outras.
Belly abriu um sorriso envergonhado. Como alguém poderia pensar assim? Ela gosta de limão por motivos tão parecidos quanto os que o moço disse a pouco, mas só compartilhou disso uma vez e foi com a Lau Jay.
- Me convenceu! Eu vou querer uma fatia de... Eita!
Virou o rosto para agradecer ao rapaz e olhar para o rosto de quem havia chamado tanta sua atenção e quando o fez, vendo quem ali na sua frente está, travou. Sua voz se perdeu em algum lugar daquele plano e a calmaria também. Sentiu que ali dentro da jaqueta do Yun tudo ficou mais quente e minúscula. Seu corpo foi tomado por um arrepio indescritível e torce para que a crise de risos causada pelo nervoso, não venha.
Nem mesmo seus próprios olhos acreditam que esse dia chegou e imagina todos os seus neurônios soltando fogos de artifício com um simples acaso da vida. Belly Barkin não crê que o dono das covinhas mais adoráveis, bochechas rosadas e lábios de coração, "sua pequena esperança", está naquela padaria e falando com ela.
Glorificado seja o nome de Kim Taehyung por tê-la feito ir até ali.
- Moça? Você está bem?
Não, eu não estou e a culpa é toda desse maldito verão e sua, seu idiota!, pensou.
O rapaz não esperava que uma simples decisão causaria tanta palidez na moça e um nervosismo iminente. Ela olha para um lado e para o outro, para a torta de limão e depois para ele, mas nunca em seus olhos. É certo que suas bochechas estão vermelhas como a cobertura de cereja ali ao seu lado e tudo tão quente dentro daquela jaqueta de vários tamanhos maior que o seu. Se não fosse preocupante até acharia a forma como ficou vermelha, fofa.
- O-oi? - Gaguejou, mas conseguiu sibilar mais coerente.
- Você não parece bem. Quer um copo d'água?
Quero você, pode ser?, pensou.
- Eu... Eu estou ótima. Não precisa se preocupar, sol. Quer dizer, moço!
O rapaz reconheceu o sarcasmo em sua voz e o nervosismo no pequeno sorriso, mas prefere fingir que acreditou e continuar com seu trabalho.
- Então, vai querer?
- Querer o que?
Por um momento - mísero que fosse - achou que estava se referindo a ele. Um riso soprado saiu de seus lábios. Inacreditável como seus pensamentos gosta de sabotar sua mente.
- A torta. - Ele disse e Belly ganhou um pequeno sorriso, mas que foi suficiente para ver as pequenas covinhas.
- Ah, sim. - Olhou para os doces e outra vez para o moço do sol, mas nunca diretamente em seus olhos. Não tão perto assim, pelo menos. Procurou pelo seu avental marrom que só agora viu que usa, algum crachá que entregasse seu nome e amaldiçoou a administração por decepcionar seu coração. - Eu quero uma fatia de você.
- Desculpe, mas essa não temos...
Ele havia feito piada com seu nervosismo? Sim, ele fez! E ainda sorriu travesso.
- Não! Eu quis dizer limão! É, limão. isso. Pode colocar uma beeem grande com muito calor. Quer dizer, com muito sabor. Me desculpe.
Céus... por que ela tem que ser assim?
Belly não faz ideia do que Yun esteja fazendo agora, mas é certo que ela vai matá-lo. Toda aquela história dos pãezinhos de queijo com certeza só foi uma desculpa para fazê-la ir até aquela padaria.
O moço do sol deu a volta no balcão e ouviu o som das sandálias sendo arrastadas por seus passos, naquele piso de madeira rústica. Se abaixou, partiu a fatia e estendeu para Belly, e viu como suas mãos são grandes e torneadas por anéis, mesmo que pequenos, bonito. Há um pequeno sol num deles e inconscientemente, sorriu. Pegou a fatia da torta de limão e colocou junto a cesta que está os pães e o pó de café.
- Obrigada...
- Hoseok! - Ele estendeu sua mão e Belly, tremendo um pouco, fez. E, sinceramente, aquela era uma ótima mão quentinha. - Mas pode me chamar de...
- Hope! Deixa de conversar balela e vem ajudar na cozinha!
Ouviu alguém gritar da janela por trás do balcão onde o moço está. Uma voz esganiçada e engraçada, que não pode deixar de rir ao ouvir.
- ...Hope. Espero que goste da torta. De verdade. É uma das minhas favoritas e eu sempre fico no pé do confeiteiro.
Suas covinhas apareceram no canto da boca ao sorrir e Belly fez o mesmo. Está tão boiola de paixão que sequer se esforça para conter o sorriso.
- Vem logo, Hoseok!
Ouviu a pessoa gritar ainda mais alto. Hope revirou os olhos e sorriu ao se despedir da moça bonita. Belly não teve oportunidade para dizer seu nome e agradece por isso. Não sabe se teria forças para continuar viva.
Deu meia volta, pagou pelas compras e seguiu de volta para a loja de ferramentas sem se importar com a chuva com apenas duas coisas em mente:
Faria Kim Taehyung morrer sozinho ao ser ignorado por tanto tempo.
E Hope.
- Hoseok... Hope...
Os nomes saíram de seus lábios com um certo receio, mas perfeitos para aquecer o clima frio do momento. Tocou seus lábios com a pontas dos dedos ainda desacreditada que o real nome do moço do pôr do sol, depois de meses, finalmente saiu de seus lábios. Era confuso ao ser pronunciado e gostoso de sentir sua língua enrolar com o som dos nomes.
Perfeito como a dualidade do sabor da torta de limão.
🌻
Amore mio! Decidi criar contas no Twitter para os personagens! Por enquanto só temos Belly e Yun. Sigam e interajam com eles <3 Espero que tenham gostado do capítulo. Votem e comentem, por favor!
🌻 Belly Barkin: @ _bellysun
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