Caos no palácio - III
Um banquete foi servido dentro e fora do palácio, enquanto músicos habilidosos tocavam melodias envolventes em instrumentos tradicionais.
As mesas adornadas com frutas exóticas, vinhos finos e iguarias requintadas, servidas por criados vestidos com trajes tradicionais egípcios. Os convidados, vestidos com seus melhores trajes, conversavam animadamente, trocando risadas e brindes em meio ao burburinho da festa. Khalid viu Neferet se aproximar com um vestido dourado e cabeça enfeitada com cordões de ouro e rubis mesclados a seus cabelos prateados trazendo a ela uma aura que ele considerou digna dos deuses.
一A festa está magnífica. 一 Ela disse com um sorriso simpático 一 Mas sejamos sinceros, o faraó não foi feliz em sua escolha.
一 Ele parece um bom garoto.
一 Sim, este é o problema. 一 Ela disse bebendo um gole de vinho 一 Sabemos o que o poder faz com bons garotos, só há dois caminhos, a insanidade ou a crueldade, as vezes os dois. E onde está sua criança? 一 ela perguntou num tom provocativo.
一 Já disse, não é minha criança e pra ser sincero não faço ideia, ordenei que ficasse no quarto, mas como eu imaginava, não obedeceu. O príncipe a viu perambulando pelo palácio, devem ter conversado. Devia ter cortado a língua dela no dia que chegou.
一 O grande general, não consegue controlar uma garotinha?
一 Parece que não.一 Ele admitiu 一bebendo o que restava na taça de uma vez só. 一 Ela é teimosa e exigente, não se assusta fácil e é muito barulhenta.
一 As melhores são... 一 ela riu balançando as pulseiras douradas.
一 Por que disse a garota que ela serviria na casa de Jafar? Não foi nosso acordo.
一Não se preocupe, sua virgenzinha permanecerá intocada, a menos que ela decida que não, o que não seria ruim para os negocios. Mas ela é jovem, bonita, tem muitos anos pela frente e terei de cuidar dela sabendo que em algum tempo ela estará trepando com o único homem que amei. Acho que tenho direito de tortura-la um pouquinho 一 Ela disse ele Khalid balançou a cabeça negativamente.
一 Eu fiz tudo que ele pediu, 一 ele disse pousando a mão sobre a dela 一 sabe que meu maior desejo era poder envelhecer com você, ser enterrado a seu lado. 一 ele falou e ela acariciou a sua barba com a ponta dos dedos.
一 Eu sei. E seu romantismo mórbido me deixa lisonjeada. 一 ela falou e ele sorriu em resposta. 一 Senti sua falta esses anos, mas enfim você estava certo. Eu tive uma boa vida, vivi intensamente. Tive até um filho, acredita? Todos diziam que eu já era velha demais para parir uma criança, mas ele veio forte e robusto. É assistente do primeiro arquiteto real. Se continuarmos a nós ver, eu não o teria e ficaria muito frustrada com esse seu rosto inabalável ao tempo. Bem, chega de conversa tenho que cuidar das garotas, elas faram uma apresentação de dança para o príncipe e você, tem que encontrar sua criança antes de Pashedu, porquê sabe muito bem que independente do que tenha dito, ele vai atrás dela.
***
一 Está manchada. 一Nebhotep cerrou os dentes ao ver sua túnica de branco puríssimo fazendo Abdul sentir um tremor percorrer seu corpo.
一 Não estava, eu tenho certeza 一 respondeu o jovem sem entender. Havia conferido as roupas da família uma hora antes e estava tudo certo.
一Nebhotep estamos atrasados, o faraó pode sentir como uma afronta. 一Respondeu sua esposa no mesmo instante que o general acertou um soco forte contra o rosto do criado que cambaleou para o lado.
一 Imprestável! 一 Resmungou ao voltar-se para a mulher.
Abdul permaneceu em silêncio sentido o rosto arder e inchar até que a família deixa-se o aposento. Quando observou a mancha não teve dúvidas que era uma obra de Nief vingando-se do que havia feito mais cedo. Apesar de temer por sua vida, não por apego a desgraça que ela havia se tornado, mas por medo do que lhe esperava no além vida. Afinal o que Deus reservaria ao assassino do próprio irmão? Como ter certeza de que a morte seria um alívio a seu tormento depois do que havia feito? No entanto aturar a violência do general egípcio não parecia suportável. Seu corpo estava cada vez mais fraco, sua mente dispersa e as lesões demoravam muito mais para recuperar e embora Nebhotep parecesse saber espanca-lo de forma sofrível, mas não letal, sabia que era questão de tempo até que seu corpo não resistisse mais e sucumbisse a alguma infecção. Provavelmente quando ficasse doente ao ponto de não poder levantar e trabalhar, Nebhotep o deixaria morrer entregue os vermes.
Seria lento e doloroso.
E embora soubesse que as chances da fuga dar certo eram mínimas, um resquício de esperança ainda ardia dentro de si. Se saíssem do Egito, estariam livres e por mais difícil que seria para duas pessoas que cresceremos com privilégios do sangue real viver como gente comun, não seria pior do que estava passando. Convenceu-se que Willa estava certa, não poderiam esperar mais.
Aguardou no quarto para que não houvesse sombra de dúvidas que o general voltaria para buscar algo, vestiu seu manto e esgueirou-se pelas sombras do palácio até o jardim sagrado. Encontrou Willa próximo ao espelho de agua com um olhar ansioso e mãos inquietas segurando firme um saco de couro.
一 Estava conversando com alguém?一 Ele perguntou antes de qualquer coisa.
一 Era só um dos servos do palácio, não se preocupe ele não vai dizer nada sobre estarmos aqui, também não deveria estar. Já estava pensando que não viria 一 ela falou se aproximando 一 o que houve com seu rosto?一 perguntou ao ver o hematoma no rosto do rapaz.
一Uma das túnicas de meu senhor estava manchada. Mas tudo bem, isso me fez ver que você tem razão, não posso continuar a viver assim, morrer tentando fugir deve ser melhor do que morrer aos poucos nas mãos de Nebhotep. Vamos fugir.
一 Sim, sim, vamos conseguir! 一 Ela disse abraçando o rapaz carinhosamente. 一Vamos agora mesmo, eu peguei...
一 Não . Hoje não. O pátio está lotado de populares e guardas cuidando de tudo, serão três dias de festa amanhã chegam pessoas de lugares distantes pra saudarem o príncipe, a noite será de mais festejos e no último dia estarão com exaustos, podemos conseguir que um desses viajantes nos leve com eles. Será menos arriscado.
一 Tem certeza?
一 Eu pensei bem e é a nossa melhor chance, confia em mim, não confia? Acredite, não vejo a hora de me ver longe de Nebhotep, mas temos que ser cautelosos. Se nós apanharem seremos açoitados até morte.
一 Eu sei. Mas prefiro a morte aquele lugar. 一 responder convicta.
一Tera de ser menos orgulhosa se pensa em sobreviver no mundo a partir de agora, não temos mais nada Willa. E as pessoas comuns tem muitas provações.
一 Ora Abdul acha que não sei disso? Meu senhor pode não ser tão cruel quanto o seu mas ele não me trata com nenhum tipo de regalia. 一 ela disse e ele a olhou com descrença.
一 Não se engane com essas roupas, isso com certeza foi ideia de Neferet. Tenho tentado ser uma serva leal, servindo a minha nova posição, mas o senhor Khalid ele... 一 Ela parou por instantes encarando o rosto disforme de Abdul que o tornaria irreconhecível a qualquer pessoa do passado. 一 Me desculpe eu não posso reclamar dele, não sabendo o que Nebhotep vem fazendo com você. Mas não me conformo em ele me entregar a aquela mulher como se eu não fosse nada. Acho que ele a ama.
一A grande Dama da casa de Senet? Mas ela é ou foi uma prostituta. Embora tenha percebido que não há o mesmo peso pra isso que havia em nossa terra, ainda assim é uma mulher indigna ao amor, a família.
一 Acho que ele não pensa assim, se conheceram a muito tempo, acho que eram amantes. E tudo que dizem sobre ele é verdade, Anubis o amaldiçoou porquê ele matou um faraó, não sei se foi só isso, mas foi o que ele me disse.
一Matou um faraó? Quem? Como Menerpta pode confiar nele sabendo disso?
一 Não sei se ele sabe, pelo que entendi faz faz muito tempo. Mas o senhor Khalid não fala quase nada sobre a sua vida ou mesmo sobre essa maldição, na verdade ele não fala quase nada. Mas sei que ele sente cheiros melhor do que qualquer um e também creio que escute os sons mais altos pois está sempre reclamando do barulho.
一 Você o viu? O viu na pele do chacal?
一 Sim, foi assustador. Mas ele não me feriu e foi a única vez que o vi chamar pelo meu nome. Por favor não diga nada do que lhe contei a ninguém.
一 Não se preocupe, mas é melhor nós irmos agora, agirmos naturalmente até que tenhamos a oportunidade perfeita. Amanhã eu tratarei de encontrar alguém que possa nos levar pra longe daqui. Tem algo valioso para que eu posso usar como barganha?
Willa entregou um dos colares que julgou mais valioso e despediu-se com um beijo carinhoso, retornando aos aposentos o mais rápido que pode. Ao chegar à porta de madeira esculpida, ela hesitou por um momento percebendo que Khalid ali estava, teve de reunir coragem para enfrentar a possível ira de seu senhor.
Ela empurrou a porta lentamente e entrou no quarto. O ambiente estava iluminado apenas pela luz de algumas velas, criando sombras dançantes nas paredes adornadas com tapeçarias. Khalid estava sentado em uma cadeira robusta, com um caneco a mão e uma expressão séria e inescrutável.
Ela fez uma reverência respeitosa, seus olhos baixos, 一Peço desculpas por ter saído sem sua permissão, senhor.
Khalid a observou por um momento, avaliando-a silenciosamente sentiu o cheiro que ela exalava. Então, finalmente falou, 一 Você insiste em me desobedecer, menina. Há razões para regras.
一 Não repetirei, senhor. Sinto muito.
Ela falou e viu o se levantar e caminhar na direção dela.
一 Estava com ele, não é? Posso sentir o cheiro podre daquele covarde em você.
一Ele não é covarde.
一Está cega. 一 Khalid olhou para ela mais uma vez, seus olhos penetrantes parecendo ler sua alma 一 O que acha que aquele eunuco miserável pode dar a você? Acha que ele gosta de você? Ninguém que trai o próprio irmão no meio do campo de batalha é capaz de amar alguém menina!
一 Ele não fez isso, voce é um mentiroso! Ele não tem culpa do que vocês fizeram com ele e o que sabe de amor? A única pessoa com quem parece se importar passou a vida num prostíbulo nojento! Esse é seu jeito de amar? É por isso que vai me deixar naquele lugar? 一 Retrucou Willa e ele levantou a mão contra ela porém parou antes de lhe acertar, a segurou pelos ombros com força fazendo com que a encarasse.
一Não, não vou bater em você. Embora mereça por ser tão burra. Anubis sussurou seu nome, isso significa que o Deus da morte quer a sua alma. Eu não sei o porquê, mas ele sempre tem o que quer. De uma forma ou de outra. 一 o general gritou rente a seu rosto com os olhos em tom dourado a一A casa de Senet é reduto de Sekmet, assim como o palácio é domínio de Ossiris e Hórus, está segura enquanto estiver em lugares sagrados fora dos domínios de Anúbis. . Estou tentando protege-la ate eu decidir se devo te matar ou não, então pare de facilitar a minha decisão, cale essa boca pegue uma vasilha e venha fazer a minha barba. 一 Falou a soltando dando as costas.
Willa saiu confusa em direção a casa de banho associada ao aposento onde um canal com água fresca cruzava uma fonte com a figura imponente de um escaravelho.
Ainda trêmula pegou o necessário e retornou ao quarto onde encarou
Khalid, sentado em uma cadeira de madeira, com uma expressão pensativa e séria.
一 Ela segurava com cuidado uma navalha afiada, movendo-a habilmente pelo rosto do general, removendo a espuma de sabão e os pelos da barba.
Enquanto suas mãos trabalhavam com precisão, sua mente vagava para pensamentos mais sombrios. Ela se lembrava das histórias contadas sobre o Deus Anubis, o guardião dos mortos e juiz das almas. Era difícil acreditar que tal divindade pudesse ter qualquer interesse nela.
No entanto, Khalid havia compartilhado que Anubis havia ordenado que a matasse, uma ordem que ele claramente havia recusado. Essa revelação a deixava intrigada e assustada ao mesmo tempo. Por que um deus teria interesse nela? E por que Khalid, a protegeria de tal destino sendo um fiel devoto do Deus dos mortos?
Enquanto ponderava sobre essas questões, Willa não podia deixar de sentir uma mistura de gratidão e temor em relação a seu senhor. Ele havia arriscado sua posição, talvez até sua vida, para protegê-la.
Ela o observou Khalid atentamente após terminar de fazer sua barba, notou como o rosto recém-barbeado revelava características que antes estavam escondidas sob a camada espessa de pelos. O general parecia mais jovem, com traços suaves e uma expressão quase inocente que ela nunca havia percebido completamente.
A surpresa a fez refletir sobre os eventos que levaram Khalid a esse momento. Ele havia matado um faraó, um ato que resultou em uma maldição que o condenou a viver uma vida diferente da que ele poderia ter imaginado. E, no entanto, olhando para ele agora, com sua juventude evidente, era difícil reconciliar o rapaz diante dela com um demônio amaldiçoado.
Que tipo de homem ele era antes de se tornar o general que ela conhecia? E o que o levou a cometer um crime tão grave contra um faraó, um ato que mudaria sua vida para sempre?
Essas questões giravam em sua mente, Willa sentiu uma mistura de curiosidade e compaixão por Khalid. Ela sabia que por trás daqueles olhos jovens e inocentes havia histórias e segredos que ele guardava com cuidado.
Khalid percebeu o olhar pensativo de Willa e perguntou com curiosidade, 一 Há algo em minha aparência que a surpreendeu?
Ela hesitou por um momento, ponderando se deveria compartilhar seus pensamentos. Finalmente, ela respondeu 一É apenas que sem a barba, você parece mais jovem do que eu imaginava, senhor. Vou usar o que sobrou da água para lavar seus pés, meu senhor. 一 falou se ajoelhando diante dele e se pôs a desamarrar as sandálias de couro.
Ele sorriu levemente, um sorriso triste que não alcançava seus olhos, 一 Aparências podem ser enganosas, menina. Veja só você não passa de uma criança que pode ser partida ao meio com um só golpe de espada, no entanto um Deus lhe quer morta. Por que?
一Não faço ideia. Eu nao fiz nada se mal a ninguém. Bem .. aqueles homem morreram por minha culpa, seria por isso? 一 Falou lembrando-se de kassim e seu bando enquanto lavava com cuidado os pés de Khalid.
一 Não acho que Anúbis se preocupe com a vida de bandidos medíocres de Tebas. Talvez não seja algo que tenha feito e sim algo que você vá fazer. O que pretende fazer, garota? 一 ele semicerrou os olhos a encarando com firmeza.
一 E o que eu poderia fazer? Não tenho força física, ou poder nem sou tão inteligente quando gostaria. Talvez Anubis só queira ferir você.
一 Me ferir 一 ele soltou uma expressão incrédula com um leve sorriso 一 porque acha que quebrar esse seu pescoço fino me machucaria de alguma forma.
一 Eu não sei, mas se não machucasse eu já estaria morta, não estaria? 一 ela disse se levantando do chão. 一 Eu já terminei 一disse com um sorriso que incomodou Khalid ao perceber que a garota havia entendido o poder que tinha sobre ele 一 precisa de mais alguma coisa ou posso me deitar agora?
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