Capítulo 01
Minerva estava cansada.
De ser viúva.
De ser duquesa.
De ser mulher.
Mas jamais se renderia ao cansaço, porque era muito teimosa para desistir de encontrá-lo.
Carlisson Morleand havia sumido.
Desaparecido sem deixar rastros.
E até mesmo uma alma obstinada como a de Minerva precisava admitir que havia feito um excelente trabalho.
Ninguém sabia de seu paradeiro, ninguém sequer sabia de quem se tratava quando ouviam seu nome. Muito menos o coronel a que ele respondia na hierarquia do exército pôde lhe dizer muito.
Ninguém, absolutamente nenhuma alma viva sabia do seu paradeiro.
— Minerva, por Deus! Tem que desistir dessa busca inútil. – Douglas, um dos seus irmãos bastardos, parou diante dela e a fitou com os olhos estreitos e os braços cruzados. Ele possuía os mesmos traços aristocráticos de Michel, o irmão legítimo que havia herdado o título de Visconde de Hambleden, mas lhe faltava a legitimidade do casamento para que pudesse frequentar os mesmos lugares da aristocracia. Minerva o amava mesmo assim, como amava seus outros irmãos. E ela desconfiava que amaria todos mais que aparecessem, já que seu pai se dedicou a espalhar filhos no mundo. A última descoberta foi Charlotte, e ela a amou assim que a viu e reconheceu tanto de sua obstinação na irmã que sentiu uma dor imensurável com a súbita separação. Charlotte se casara com o Marquês de Grinkle e decidiram viver em Calcutá para atender os interesses da Coroa.
— Não posso desistir – ela teimou, aceitando a mão para subir no cabriolé alugado.
— Eu perdi a conta de quantos vilarejos e paróquias já visitamos e ninguém sequer ouviu falar do Capitão Moreland. – Douglas se acomodou ao lado da irmã no banco de madeira do cabriolé. — Sarah e Poppy precisam de você. E eu tenho mais do que fazer do que servir de guia turístico.
Minerva girou o pescoço e encarou o irmão com os lábios tão esticados que formavam uma linha fina tamanha era sua indignação. Era óbvio que haviam revirado cada canto de Hampshire com a esperança de que Carlisson houvesse retornado para a região em que ficava o porto onde os navios de soldados costumavam atracar, mas desistir quando intuía que poderiam estar próximos não era uma opção. Vez ou outra ela se perguntava por que os homens costumavam ser tão impacientes... E intransigentes. Como se somente eles tivessem coisas importantes para fazer.
— Além de administrar as propriedades do nosso irmão e se enfiar na cama com damas casadas, o que de tão importante tem a fazer que não pode me ajudar a encontrar o próximo Duque de Bilbury?
Douglas sabia que a contrariar não o ajudaria a convencê-la a retornar para Londres. Minerva jamais ficaria desamparada, pois ele e os irmãos cuidariam de cada uma de suas necessidades, mas convencê-la disso havia se tornado o martírio em um nível tão enlouquecedor que ter nascido bastardo e ter escapado da morte por ter crescido entre batedores de carteiras e trapaceiros não era um problema. Talvez por isso Michel e Frederick insistiram em delegar a ele a tarefa de proteger a irmã, deviam saber muito bem a encrenca que Minerva poderia se converter.
— Ser administrador de Michel é trabalhoso, principalmente agora que temos que cuidar do bordel de Charlotte.
Minerva se empertigou e abriu a sombrinha para se proteger do sol do meio-dia, que apesar de esparso em razão do adiantado do outono, estava queimando sua pele. E a roupa em tom escuro devido ao meio luto que ainda precisava usar parecia absorver ainda mais os raios de sol, deixando-a encalorada.
— Não vou retornar sem descobrir o paradeiro de Carlisson – falou séria.
— E se ele estiver morto?
— Pois prestarei minhas últimas homenagens. – E então ela foi atingida por um sentimento estranho, daqueles que provocavam arrepios e um aperto no coração. Virou-se para o irmão e o tocou no braço. — Eu apenas preciso saber o que lhe aconteceu, Douglas. Não posso abandoná-lo como se não tivesse feito parte da minha vida.
— E se ele estiver vivo e não quiser voltar? – Douglas deu de ombros. — Dizem que um homem que vai para a guerra jamais volta o mesmo. Conheci um soldado que virou um morto-vivo de tão transtornado que voltou da guerra. Quando vivi na casa da Senhora Curton, a mulher que recebeu dinheiro de minha mãe para me adotar como sabe – Charlotte fez carinho no braço do irmão ao lembrar que Douglas também era filho ilegítimo de uma dama da aristocracia —, todos nós o chamávamos de fantasma do gueto. Havia um gueto que costumávamos nos esconder dos mais velhos e era lá que ele vivia, naquele lugar sujo e cheio de ratos. Era muito triste, Minerva!
— Vocês homens são os culpados – Minerva mudou o assunto, pois sabia que não agradava ao irmão sentimentalismos exacerbado pelo seu passado; era muito orgulhoso como todo Hartwell para aceitar que sentissem pena dele. — Poderiam muito bem tentar resolver pela diplomacia.
— Falar sempre é mais fácil – ele deu de ombros. — Às vezes, não há alternativa a não ser a guerra.
— Mas eu penso que poderiam persistir um pouco mais – ela desviou a cabeça para um vulto preto que lhe lembrou alguém próximo. E o sentimento estranho que a fez sentir os olhos marejados minutos atrás foi substituído por algo mais sutil e caloroso, como se sua alma estivesse lhe enviando sinais de que deveria persistir em sua busca.
— Como você, devo supor! – Douglas sorriu de canto.
— Obviamente. Nós mulheres precisamos ser obstinadas ou vocês homens passam por cima de nós como cavalos em uma batalha. Já temos tão pouco espaço. Sei que você, Michel e Frederick poderão proteger a mim e às minhas filhas, mas eu preciso dar mais a elas. Poppy e Sarah são Morleand e devem crescer protegidas pelo título que é de Carlisson por direito.
— Mas... – Douglas se esforçou para encontrar as palavras corretas a fim de persuadi-la a desistir daquela missão quase impossível de tentar encontrar quem não queria ser encontrado. Sim, porque desconfiava que o capitão havia se empenhado para desaparecer. Obviamente que uma razão ele deveria ter e isso não lhe dizia respeito, para ser justo. — O fato é que, mesmo que o capitão seja encontrado e retorne para Londres para assumir seu lugar como Duque de Bilbury, ele não tem obrigação alguma de cuidar das sobrinhas.
— Talvez não tenha obrigação legal. – Minerva arfou e apertou com força o cabo da sombrinha. — É desolador o pouco de importância que dão às mulheres. Dei a meu marido duas filhas lindas e maravilhosas, mas nenhuma delas pôde herdar o título.
— Ah, minha querida!!! Aos bastardos não é diferente – lembrou-a.
— Mas você é homem, Douglas! Homem! – ela repetiu com ênfase. — E pôde estudar para ter um ofício. Frederick se dedica à mercancia e está fazendo fortuna. Daqui a alguns anos deve se tornar um dos homens mais ricos da Inglaterra. Mas o que sobra a nós mulheres? Veja o caso de nossa irmã Charlotte! Tão linda e refinada e foi obrigada a assumir o bordel da mãe. Graças a Deus que Lorde Grinkle não se importou com suas origens. Mas como eu dizia – ela fez uma pausa para recuperar o fôlego —, pode não existir uma obrigação no sentido legal mais estrito, mas há uma obrigação moral. Um tio não há de virar as costas para suas sobrinhas! E Carlisson é um dos homens mais honestos e bons que conheci.
— Se considerarmos que sua referência é seu falecido marido, qualquer homem é mais bondoso. Ou nosso pai que fez filho em cada mulher com que se deitou para abandoná-los a própria sorte, talvez seu julgamento quanto ao caráter de seu cunhado não é o mais apropriado.
— Arnold não era ruim para mim – ela esclareceu.
— Sequer bom, Minerva! Era o mesmo que ser casada com uma pedra de gelo.
— Mas pedras de gelo não são perigosas, Douglas. Com o tempo, aprendi que se não encostasse na pedra de gelo não sentiria frio. E Carlisson nunca foi como seu irmão mais velho.
Douglas sacudiu a cabeça tentando entender a complicada engrenagem que era a mente feminina. E a de Minerva era obstinada em encontrar o lado bom das coisas e das pessoas.
Quando estava prestes a colocar os cavalos em movimento para retornarem para a casa de campo do Duque de Melrose em Hampshire, que gentilmente os recebeu naquela empreitada de descobrir o paradeiro do Capitão Morleand, ela o impediu segurando-o pelo braço.
Minerva foi tomada de um sentimento de que ainda não era o momento de partirem e a certeza lhe veio quando voltou a enxergar de relance o mesmo vulto de antes. Era um homem com ombros largos e tão alto e forte que seu peito apertou ao lembrar do irmão do falecido marido. Mas não poderia mencionar tal acontecimento a Douglas; ele não acreditaria, além de já estar muito cansado de trotear de lá para cá em busca de nada mais do que lembranças. Era isso que ela tinha: poucas lembranças dos momentos felizes que dividiu com Carlisson.
E que eram somente deles. Ninguém sabia que haviam se aproximado tanto a ponto de que pudesse desejá-lo como homem. Jamais permitiu que outro pudesse desconfiar que amava o irmão do marido.
— Estou com sede – ela começou a planejar uma desculpa. — Poderia ir até a taverna ali da esquina – apontou o dedo para a placa com a frase "seja bem-vindo" — e comprar um refresco.
— Por que não me acompanha? – Douglas a olhou de canto ao lembrar do que Michel lhe dissera: de que deveria confiar desconfiando da irmã.
— Porque vou acabar me entretendo com as damas – ela alisou os babados da saia de seu traje cor de malva e piscou os olhos ao encarar o irmão, convicta de que ele não acreditaria na desculpa de que uma duquesa, ainda mais viúva, não deveria frequentar uma taverna, ele sabia que nada poderia impedir a irmã de fazer o que desejasse —, e vou acabar atrasando nossa chegada em Melrose Hall. Não posso abusar de sua boa vontade, meu irmão.
Douglas saltou do cabriolé com a desenvoltura de um homem que se exercitava ao ar livre e ergueu os olhos para falar com a irmã. Não custava fazer sua vontade, afinal.
— Pensando bem, é melhor que fique aqui! Volto logo – prometeu e atravessou a ruela de cascalho batido para entrar na taverna.
Minerva o acompanhou com os olhos até perdê-lo de vista. Douglas era muito protetor, como seus outros dois irmãos, e o fato de dividir tanta atenção com Charlotte lhe deixou aliviada. Era claro que não poderia ser mal-agradecida, mas não estava em seus planos viajar acompanhada. O que ela precisava fazer deveria ser feito longe dos irmãos. E por isso desembarcou do cabriolé e seguiu seus instintos, que lhe diziam que deveria investigar o vulto.
Ela devia isso a si mesma.
E pela primeira vez na vida priorizaria seus próprios sentimentos e não faria o que lhe era esperado ou o que os outros ditariam como certo.
Casou-se para cumprir as ordens do pai, que a tratava como uma princesa, mas que mal tinha tempo para se inteirar do que lhe acontecia. O falecido Visconde de Hambleden era muito ocupado com as amantes a conceder míseros segundos de seu dia para conversar com a filha. A mãe lhe dizia que isso sempre acontecia com as filhas, mas a verdade era que o pai pouco se importava também com Michel. E então ela cresceu, desabrochou e debutou para ter que se casar com nada menos do que um duque, mesmo que ele fosse mais frio que um bloco de gelo.
E ela se casou, tornando-se a Duquesa de Bilbury e sufocando cada um de seus sonhos, porque a uma mulher não era permitido sonhar.
Estava farta de aceitar que decidissem sua vida.
O que menos queria era que a jogassem em uma propriedade rural como prêmio por ter se tornado a viúva de um homem poderoso, que se interessava mais por arquitetura e esculturas do que com a família.
E a solução para o que estava vivendo estava em Carlisson.
Ela precisava encontrá-lo.
E para isso seguiria sua intuição, que no momento lhe dizia para seguir o vulto, sem ponderar muito acerca dos perigos. Ela tinha sua sombrinha e sua bolsinha recheada de joias e dinheiro. Pagaria o que fosse preciso para conseguir as informações que buscava.
***
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