Vinte: preparativos para o retorno
– Chamei o Kamal pra ir comigo ao teatro. – Bruna contou de repente.
Paula estava deitada no tapete da sala do apartamento de Bruna, observando o lustre. Bruna o havia trazido de Antaris e ela gostava de observá-lo e ficar se lembrando de sua terra natal. Era feito do mesmo material da maioria das construções de lá e ela ficava encantada com seu brilho.
– Ouviu?! – Bruna falou mais alto.
– Ãh? – Paula respondeu despertando de seu transe.
– Kamal! Eu o chamei para ir ao teatro.
Paula arregalou os olhos e virou de lado, encarando a amiga:
– E ele?
– Aceitou, é claro! – ela riu – E agora a gente meio que está saindo... Namorando, nem sei.
– Estou chocada. Você e o Kamal, hein.
– Ah, não dá pra ficar encanada no Liam para o resto da vida e também não seria tão legal me envolver com alguém que não soubesse que sou uma guardiã.
– E... Ele é muito lindo! – Paula provocou.
– E... Ele é muito lindo!
As duas riram.
– E é bem mais espertinho do que eu imaginei viu... – Bruna continuou sorrindo.
– Ah é? O que vocês já andaram fazendo?
– Ah... A gente ... Já ficou junto.
– Peraí! – Paula virou de lado e apoiou a cabeça numa das mãos – Ficar significa pra você a mesma coisa que significa pra mim?
– Não sei... Pra mim não é só beijar...
– É fazer sexo. – Concluiu.
– É, então é a mesma coisa. – a jovem riu.
– Mas, caramba! Rápido assim? - Paula arregalou os olhos.
Bruna abanou a mão, divertida:
– Em Antaris o sexo não é um tabu como em Gaia. O importante é não tocarmos nossas mãos.
– Que? Vocês ficam de luva o tempo todo?! – Paula gargalhou.
O despertador tocou interrompendo a conversa. Elas o haviam programado para o caso de adormecerem e perderem a hora de ir para a caverna em Santa Barbara. O que não aconteceu porque as duas sempre tinham muito o que conversar.
– Vamos! – Bruna puxou a amiga e as duas saíram dando risada.
Assim que entrou no carro, Paula ficou séria:
– E se não der certo?
– Já não deu certo outras vezes... Vou continuar tentando. E se não conseguir, no final do período você irá para Antaris, como combinado.
– Mas e se Datemis voltar antes disso? E se a guerra...
– Salesh! Relaxa. Não há guerra no momento. Está tudo bem e apenas eu e você sabemos o conteúdo da mensagem da Pérola. Não há por que alarmarmos os outros.
– E Vianei?
– Está cada dia melhor. Ontem mesmo conseguiu fazer o Noah pensar que sempre adorou sapatos.
– Mentira! – Paula voltou a sorrir.
– Mas o fizemos desfazer a memória falsa algumas horas depois.
– Ah...
Quando chegaram à caverna, as duas ficaram mudas. Bruna segurou o Amuleto e a passagem se iluminou, em seguida segurou a mão de Paula e ambas caminharam em direção ao portal, mas apenas Bruna desapareceu.
Paula sentou no chão e segurou o choro desta vez. Nas últimas duas tentativas, em horários diferentes, ela já havia chorado o suficiente.
Bruna voltou alguns minutos depois e também se sentou, largando o peso do corpo ao lado da amiga.
– Talvez eu deva tentar trazer alguém de lá para cá.
– Talvez.
– E se eu tentar te atravessar para alguma das outras dimensões?
– E você sabe onde as outras passagens aqui de Gaia ficam? Porque pelo que aprendi, apenas as passagens em Antaris ficam todas concentradas no mesmo lugar.
– Nós podemos procurá-las e...
Paula a encarou, desanimada.
– Você acha mesmo que daria certo?
Bruna suspirou e se levantou.
– Sei lá...
E ambas retornaram para o apartamento de Bruna.
Celso sempre deixava a filha passar o final de semana fora, assim tinha mais tempo à vontade com Mariana.
Era a manhã do aniversário de Paula e ela acordou sorrindo ao ver diversas esferas mensageiras a seus pés. Havia mensagens de quase todos os seus conhecidos de Antaris e até Vianei havia mandado uma, dizendo que estava pronto para lhe dar um ótimo presente: mudar as lembranças de seu Celso.
E recebia também a primeira mensagem de Noah. Seria muito melhor se ele a ignorasse e os dois fingissem que aquele beijo nunca tinha acontecido. Com certeza ele não acreditaria na mensagem que ela tinha recebido de Paradísia e acharia que ela estava arrumando desculpas para não ficar com ele.
"Oi menina! Parabéns pelo seu aniversário, desejo que vocêtenha um ótimo dia! Mais tarde a Madrini vai te entregar meu presente. Espero que você esteja treinando bastante, porque eu estou e dessa vez você terá o dobro do trabalho para me imobilizar... Nós todos estamos com saudade. Sempre me lembro de você quando vou ao Lago do Mel. Até mais!"
Ela então percebeu que estava sorrindo e mordendo a unha do dedo mindinho.
Bufou e se levantou sacudindo a cabeça ao mesmo tempo em que seu celular vibrou com uma mensagem de feliz aniversário de Rodrigo. Era o primeiro contato que ele fazia desde que haviam terminado.
Naquela noite, apesar de Celso estar disposto a pagar uma grande festa para a filha, Paula decidiu chamar algumas poucas pessoas para irem a uma lanchonete.
O evento foi agradável e ela ganhou alguns presentes bem desnecessários como um kit de maquiagem que ela não pretendia usar já que a intenção era partir de vez para Antaris no final daquele ano e eles não tinham esse tipo de coisa por lá. Por outro lado, ganhou luvas de boxe novas da professora da academia e isso sim a empolgou. De seu pai, ganhou um vestido de festa que ela provavelmente usaria no casamento dele com Mariana. O interessante foi que ele realmente pareceu se esforçar, porque o vestido era vermelho, a cor preferida dela.
No dia seguinte Bruna pôde lhe entregar os presentes de Antaris, que iam desde luvas finamente bordadas até doces que Paula devorou em pouco tempo. Anandí havia enviado um adorno de cabelo dourado em formato de flores, junto com um bilhete dizendo que esperava que ela tivesse decidido manter os cabelos compridos agora.
Por último, Bruna entregou o presente de Noah:
– Ele me disse o que queria fazer e nós demos um jeitinho durante o último Festival de meio período.
Era uma foto de todos os guardiões, junto com a família de Madican, além de Patrania, Jadano e Anandí, que segurava Lótus no colo.
Paula olhou boquiaberta:
– É meu presente preferido, com certeza.
– Mas não vale, você está apaixonada por ele, se ele te desse um lápis usado você iria adorar.
A princesa chacoalhou a cabeça, virou-se para o outro lado e voltou a mexer no vestido de festa:
– Imagina! De onde você tirou isso? Era só o que me faltava!
Bruna gargalhou e aceitou mudar de assunto.
O casamento de Celso e Mariana foi celebrado num sábado de novembro. Paula, Mariana e as madrinhas se reuniram num cabelereiro para se arrumarem. Foi a primeira vez que Paula passou algum tempo com a madrasta sem o pai por perto e não foi tão ruim como ela imaginou. Ao ver o nervoso de Celso na porta da igreja, sorriu percebendo o quanto ele era apaixonado por Mariana. E eles tinham dado um jeito de ficar juntos no final, apesar de tudo o que havia acontecido com Anandí e Lúcia.
Quando voltaram de lua de mel Paula deu a notícia ao pai de que não passaria de ano na escola. Ele ficou furioso e enquanto lhe passava sermões tudo que ela pensava era "eu não preciso passar de ano para ser uma guardiã de Antaris".
E finalmente dezembro chegou.
Paula estava de castigo em casa e não via Bruna há dias, mas na manhã do dia seguinte a abertura dos portais, ela não poderia estar mais feliz.
Levantou cedo e enquanto tomava sorridente seu café da manhã sob os olhares suspeitos de Celso e Mariana, a campainha tocou.
Ela largou tudo e correu atender.
– Pai, a Bruna veio me buscar pra gente dar uma volta, tudo bem?
Assim que a moça entrou na cozinha acompanhada de um menino, Celso não teve coragem de repreender a filha na frente de visitas. Apenas fitou Paula, seriamente.
– Nós já combinamos que você não vai sair Paula.
– Então a Bruna só vai ficar aqui um pouco, pode ser? Ela veio me trazer... Umas coisas da academia.
– É rápido?
– Sim, dez minutos.
– Tudo bem então.
– Esse é meu primo, Vinícius. – Bruna apontou para a criança ruiva.
Celso fez um pequeno aceno com a cabeça, levantou o jornal e passou a lê-lo.
Alguns segundos constrangedores depois, Mariana saiu da cozinha para buscar algo na lavanderia.
– Vinicius, senta aqui, quer alguma coisa? Eu e a Bruna vamos lá no meu quarto e já voltamos...
Elas caminharam bem devagar em direção à porta, sem a menor intenção de sair do cômodo. Vianei respirou fundo e se aproximou de Celso enquanto seu Amuleto brilhava por baixo da camiseta.
– Mas?! – o homem se assustou quando sentiu a mão da criança em sua testa, porém, antes que pudesse se desviar ou dizer qualquer outra coisa, seu corpo amoleceu, ele debruçou na mesa e fechou os olhos.
Vianei estava suando:
– Eu fiz certo? Eu fiz certo?
–Nós vamos descobrir em breve.
Bruna o abraçou e Paula olhou temerosa para o pai. E se não desse certo? Ela sequer sabia o que exatamente Celso saberia ao acordar.
– Você ainda tem forças para mais um? Se não voltaremos outro dia, não tem problema. – Paula tinha medo do que Mariana poderia descobrir nesse intervalo, mas, não queria pressionar ainda mais o menino.
– Sim, vamos fazer isso logo.
– Mariana, você pode me ajudar com uma coisa? – Bruna foi ao encontro da mulher no corredor, com Vianei no colo, para que ele pudesse alcançá-la.
– Claro...
Ela se aproximou distraída e Vianei esticou o braço em direção a sua cabeça.
– Estou tão tonta... – Mariana se escorou à parede. Então foi dobrando as pernas e escorregando as costas até que sentou no chão, com os olhos fixos em algum ponto no batente da porta da cozinha.
Vianei sorriu e deixou-se desmaiar no colo de Bruna.
As duas guardiãs colocaram Celso e Mariana deitados nos sofás da sala e ficaram algumas horas observando-os. Eles pareciam dormir. Vianei despertou alguns minutos depois, totalmente refeito e curioso com tudo o que havia na casa. Paula foi pacientemente lhe mostrando tudo, ciente de que faria qualquer coisa que ele lhe pedisse agora.
Celso foi o primeiro a acordar. Espreguiçou-se e foi até a cozinha, enquanto falava:
– Hum, não lembro de ter ido deitar no sofá. Acho que ontem trabalhei mais do que devia.
Mariana acordou logo em seguida e começou a arrumar algumas coisas na sala, como se não tivesse estado desmaiada nas últimas horas:
– Madrini, vocês vão partir essa noite? Não vão esquecer de deixar algumas esferas com a gente.
As garotas arregalaram os olhos e contiveram gritos de alegria.
Paula caminhou até a cozinha e disse, enquanto abria a geladeira e pegava um iogurte:
– Pai, você viu aquela minha camiseta verde da academia? Queria levar para Antaris.
– Deve estar pra lavar. – Ele respondeu sem sequer levantar os olhos da louça que lavava.
Paula pegou Vianei no colo e começou a rodopiá-lo no ar.
– Eu jamais vou te agradecer o suficiente. Nunca vou te negar nada.
– Ah, bom saber disso.
– E você vai dizer a eles que não vai voltar dessa vez? – Madrini sussurrou.
Paula parou de sorrir:
– Ainda não... Uma coisa de cada vez.
– Você ainda não tem certeza não é?
– Vamos focar no que importa no momento? Pegar minhas coisas e partir para Santa Barbara!
– Mas não podemos nem ver alguns animais antes de voltarmos? – Vianei pediu, já sabendo a resposta.
– Ok, podemos ir ao zoológico... – Madrini revirou os olhos, sorrindo.
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