Vinte e um: matando saudades
O coração de Salesh batia acelerado quando atravessaram o portal. Ela pensou que encontraria Noah, mas Madican e Anandí aguardavam.
Vianei pulou no colo do pai e desatou a contar as novidades do dia enquanto Anandí, emocionada como sempre, abraçou a filha:
– Deu tudo certo?
– Deu sim. Agora meu pai e a Mariana sabem de tudo.
– E seu pai?
Pelo olhar da mãe, Salesh finalmente compreendeu que Anandí ainda tinha esperança de que Celso quisesse vir para Antaris, ao menos para revê-la.
– Não sei como ele se lembra das coisas e não fiquei perguntando. Mas imagino que ele saiba o que o Vianei sabe, então... Não acho que ele pense em você de algum jeito que...
– Está certo. – Anandí suspirou – Então um problema a menos.
– Por quê? Há outros? – Salesh se exaltou.
Anandí sorriu e listou alguns problemas administrativos enquanto flutuavam de volta ao palácio e Salesh apenas a ouviu, sem a menor atenção.
Toda a comissão de recepção estava no hall do palácio: os moradores, os empregados, os soldados e os guardiões. E ela foi abraçando um a um.
Até que ficou frente a frente com Noah, que trajava o uniforme vinho e branco das tropas. Estava com os ombros mais largos e parecia ter envelhecido anos em apenas um, inclusive pôde perceber que agora ele aparava a barba e por alguns segundos ela se distraiu pensando em como ele ficaria esquisito com uma barba branca e talvez fosse por isso que poucos Antarianos, com seus cabelos tão coloridos, as deixavam crescer.
Quando ela se aproximou, ele a abraçou sorrindo. Não daquele jeito desesperado da fortaleza da perdição, nem atrapalhado como no Lago do Mel. Ele a enlaçou por inteiro, apertando-a junto ao seu corpo, e ela sentiu o perfume do sabonete de Antaris, que todos usavam, mas ela parecia sentir apenas nele. Então Noah a tirou do chão com muita facilidade e ela gargalhou levantando os pés.
Depois a soltou, ainda sorrindo:
– Até que enfim não é menina?
– Até que enfim... Zaynoah – ela cochichou.
Ele acenou com a cabeça, entendendo o recado e ela continuou no volume normal:
– Sim, parece até que faz um período! E que novidade é essa desse uniforme?
– Madrini não te contou?
– A Madrini não me conta nada! – ela se virou e mostrou a língua para a amiga.
– Já faz algum tempo. Você me conhece, não consigo ficar parado. Mas me deram sessenta dias de folga pra ficar no palácio durante a abertura dos portais.
Salesh sorriu em resposta e continuou a cumprimentar os demais.
Quando todos se dispersaram, ela se aproximou de Jadano e tentou fazer parecer que a pergunta não era tão séria:
– Jadano, você conhece a Pérola?
Ele franziu a testa:
– Sim, eu conheço, ela é a herdeira do dom dos sonhos, da dimensão chamada Paradísia.
– Hum...
– Você a conhece?
– É, ela me mandou uma mensagem.
– Uma mensagem? Por quê?
– Foi... No... No meu aniversário, sei lá por quê.
– Estranho...
– É, né...
E foi atrás de Madrini, comentando qualquer amenidade para disfarçar o nervosismo.
Naquela noite os guardiões organizaram uma pequena reunião nos jardins do fundo do palácio. Além da grama que já existia, agora também havia uma estrutura de madeira branca mais ao fundo, com diversos arcos fazendo o formato de um túnel, onde trepadeiras se enroscavam e Salesh imaginou como ficariam lindas no tempo das flores.
Bebiam vinho e jogavam baralho falando alto e rindo, então Salesh decidiu esperar mais um ou dois dias antes de dar-lhes a notícia ruim que Datemis iria voltar.
Haviam colocado uma comprida mesa e cadeiras em torno dela e Salesh não conseguia parar de sorrir porque a reunião se parecia muito com uma grande família num almoço de domingo em Gaia.
Enquanto tentava aprender as regras do jogo e ria das insinuações de Madrini sobre a mudança de Jadano e Patrania do palácio, lhe serviram uma taça de vinho.
Ela nunca havia bebido nada alcoólico, mas pegou a taça como se fosse a coisa mais natural do mundo.
– Já estava na hora deles se mudarem não é. São conselheiros, criaram Anandí, mas não faz mais sentido morarem aqui.
– E saíram juntinhos, hein?
– Você acha que? Jadano e Patrania? Não... Ela é muito chata!
Salesh se levantou para ir ao toalete dentro do palácio e, quando sentiu o corpo quente e leve, caminhou rindo. Na volta, começou a cantarolar uma música que costumava ouvir em Gaia e quando deu por si, estava dançando no meio do corredor com os braços abertos. Ao virar-se deu de cara com Noah, encostado no batente, sorrindo.
Ela parou de dançar e de sorrir e ficou vermelha.
– Continua! – ele provocou.
– Ah, cala a boca! – ela disse brava e trombou com ele ao sair.
Sentou-se desajeitada numa cadeira e o rapaz veio em seguida, rindo:
– Acho que a princesa está sentindo o efeito do vinho.
– Xiu! – ela pôs um dedo na boca – E se minha mãe me vir assim? Ela já foi dormir, né?
Todos a olharam curiosos e Madrini riu alto:
– É verdade! Em Gaia não deixam as pessoas beberem antes dos dezoito períodos!
– Não? – Áster gargalhou também – É a primeira vez que você bebe algo alcoólico?
Salesh balançou a cabeça afirmativamente:
– Mas aqui crianças podem beber? – e observou divertida a reação dos amigos.
– Claro que não damos bebida a crianças de colo, mas eu, por exemplo, me lembro de experimentar ponche pela primeira vez num Festival quando eu tinha doze períodos.
Salesh mordia o lábio, segurando a risada que teimava em retornar. Tudo parecia tão engraçado: as cartas, Kamal e Madrini abraçados, Lótus dando rasantes e roubando biscoitos...
– Então é melhor você ir devagar. – Liam tirou-lhe a taça das mãos.
Ela tentou continuar o jogo, mas já não prestava atenção às cartas.
– Tá, vou tomar um ar.
O jogo seguia animado e não lhe deram atenção.
Andou mais para o fundo do jardim, em direção aos arcos de trepadeira e lembrou-se novamente da música. Recomeçou a cantarolar, tirou os sapatos e viu Noah a observá-la, com as mãos nos bolsos. Ele não usava o uniforme das tropas e parecia um pouco mais com ele mesmo. Ela sorriu e ele levantou as sobrancelhas.
Ela continuou a dançar, abriu os braços e partiu em direção a ele, cantando mais alto. Gargalhou e ele demonstrou um leve sorriso. Ela chegou bem perto e despenteou-lhe o cabelo, puxou-lhe os braços dos bolsos e começou a chacoalhá-los. Ele fingiu não querer acompanhá-la, mas foi obrigado a dar alguns passos para frente.
– Você é muito sério! – ela interrompeu a música.
Pôs os braços de Noah em torno de sua própria cintura e jogou o corpo para trás, obrigando-o a segurá-la e ela gargalhou mais uma vez.
Quando voltou a ficar ereta, ele não pareceu querer soltá-la. Ela respirou fundo, fazendo barulho, mordeu o lábio inferior e admitiu:
– Acho que tô bêbada. – E pôs os dois braços sobre os ombros do rapaz.
Ele então riu com ela.
– Melhor você se deitar.
Ela concordou.
Ainda abraçados, ele a apoiou até o quarto.
– Que pena que a gente... – ela disse com a voz muito baixa.
– Ãh?
– Não, nada...
Ele abriu a porta do quarto, ela olhou a distância até o mezanino e preferiu se jogar numa das grandes almofadadas:
– Boa noite!
Noah lhe cobriu com uma colcha e encostou a porta. Saiu sorrindo e desejando coisas que surpreenderam a ele mesmo.
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