Oito: a guardiã laranja
Naquela ocasião, novamente, apenas Madican e Anandí partiram para Gaia na abertura dos portais e voltaram, mais uma vez, de braços vazios. Encontraram os rapazes reunidos numa pequena confraternização e eles se sentiram envergonhados quando a princesa retornou. O palácio era sempre tão vazio e quieto e eles ficaram sem reação ao serem surpreendidos tão animados quando era nítido que a viagem misteriosa não tinha sido como ela esperava. Mas Anandí não se importou, apenas fez um gesto para que eles a seguissem:
– Vocês estão prontos.
Os quatro a seguiram escadaria acima, para o terceiro andar, onde nunca tinham acesso. Ela abriu a porta do quarto dos imperadores, que era agora apenas um grande cômodo vazio, e os conduziu ao lado oposto da entrada. Havia duas portas que levavam para as torres e eles subiram a da direita. A sala no topo da torre era toda de vidro fazendo com que o local fosse o mais iluminado do palácio, e num dia claro poderiam enxergar por muitos quilômetros. Então finalmente o silêncio foi quebrado por Anandí quando todos chegaram ao pequeno espaço.
– Estes são seus uniformes. – Ela abriu um baú e distribuiu túnicas parecidas com as dos guardas, porém cada uma de uma cor e não cinzas. – Vocês serão os Guardiões de Antaris.
Os quatro se entreolharam.
– Não Noah, você ainda não ganhará o uniforme. Conforme conversamos, você ainda é uma criança. – Anandí observou a decepção nos olhos do menino.
Então ela fez um pequeno resumo de toda a verdade sobre as dimensões e sobre Lúcia, Atessa e Salesh.
Ao final das explicações, ela levantou uma redoma de vidro e lhes mostrou o Amuleto original e todos os outros, pequenos, nas cores do arco-íris.
– Para Liam, entrego o Amuleto violeta, que dá o poder da visão. Os escritos dizem que este é o poder do lince.
Ele engoliu a seco e pegou tremendo a pequena pedra que reluziu em sua mão.
– Para Áster, o Amuleto amarelo, do tigre, ele dá o poder de ler mentes.
Áster arregalou os olhos:
– E como eles funcionam?
– Esta é mais uma coisa que vocês terão que fazer por mim e por Antaris... Mas vocês serão capazes. – Ela tentava parecer confiante. – E para Kamal, o Amuleto verde, do lobo, com o poder da rapidez.
– Mas o tal protetor, Lótus, não está aqui... E se ele mudar de ideia e achar que não somos dignos?
Anandí não tinha pensando nisso, mas continuava se esforçando para parecer uma líder:
– Ele não está aqui e precisamos de guardiões. E vocês fizeram os Amuletos brilharem não é? Então não há por que o protetor discordar. – Os três concordaram ao olharem as pedras brilhantes em suas mãos.
Ela suspirou aliviada, tinha pensado no discurso que faria durante todo o caminho de volta para o palácio.
– E eu? – Noah sorriu curioso – Já sabe qual será o meu Amuleto?
– O seu será o azul claro, do leão, que dá o poder da força extrema, mas terá que esperar até ter ao menos treze períodos de idade.
Ele balançou a cabeça, animado.
– Então ainda faltam três guardiões, não é?
– Na verdade dois: o que usará o Amuleto laranja, cujo poder é atravessar dimensões fora do tempo dos portais abertos, o Amuleto da onça. E o Amuleto branco, do Puma, que cria maremotos e terremotos. Porque o Amuleto vermelho já pertence a Salesh. E os Amuletos das cores anil e preto foram levados por Lúcia.
– Me desculpe questionar – Liam a olhou envergonhado – Mas não seria o Amuleto laranja o que deveria ser entregue primeiramente para um de nós? Não é a coisa mais importante passar para Gaia?
– É, mas... – ela suspirou – Ele ainda não brilhou com ninguém, então imagino que vocês não consigam fazê-lo funcionar.
O grupo ainda tinha muitas dúvidas e passaram aquela noite conversando animadamente na sala das almofadas. Quando as luas iam altas e todos se recolheram, Liam se deixou ficar por último para conversar em particular com Anandí:
– Eu queria agradecer esta oportunidade, princesa. Eu não pretendo decepcioná-la e nem permitirei que os outros a decepcionem.
Anandí o observou, emocionada:
– Obrigada... De verdade. Vocês são minha última esperança. – E apertou sua mão por um longo tempo enquanto subiam o primeiro lance de escadas.
Madican também havia voltado decidido desta vez, mas para outras mudanças. Anunciou seu casamento com Raíza, a filha da Duquesa de Volans. Para ele ela era completamente o oposto de Lúcia: corajosa, decidida e sensata. Estava disposta a partir com ele nas viagens em busca de Atessa e, acima de tudo, demonstrava que o amava.
Anandí recebeu a notícia com muita alegria, pois durante o tempo em que estavam em Gaia ela era o segundo assunto preferido de Madican. O primeiro, é claro, era sua filha desaparecida.
Aquele período deveria ter passado sem maiores incidentes, mas a fome e as doenças estavam voltando e ninguém sabia o que fazer para cessar os novos conflitos que eclodiam em Antaris de tempos em tempos. O Conselho pressionava Anandí para que os Amuletos fossem logo reunidos e os guardiões fossem enviados para as regiões das batalhas.
Ela então decidiu que partiria para Gaia na próxima abertura dos portais e não voltaria mais sem reencontrar Salesh e resgatar os Amuletos perdidos. Era tudo o que poderia fazer.
Mas um acontecimento a impediu.
Anandí estava na torre dos Amuletos, lendo, quando uma claridade chamou sua atenção. Ela derrubou o livro no chão ao ver que o Amuleto laranja brilhava. O agarrou e desceu correndo as escadas, com os olhos marejados.
– Há alguém desconhecido no palácio! Procure! – Ela gritou para o guarda.
Abriu as portas do palácio para correr até a casa de treinos e chamar os guardiões para ajudar, mas ao longe viu Áster e Liam segurando uma pessoa, enquanto Kamal gesticulava. Ela foi se aproximando e viu uma loira, bastante jovem, que vestia trajes da moda e segurava um punhal, brigando com eles. O Amuleto laranja não parava de brilhar e Anandí precisou escondê-lo:
– O que está acontecendo?
– Essa louca! – Kamal olhou para Anandí indignado – Tentou invadir o palácio.
– Invadindo propriedade do império igual a você? – Anandí o olhou sorrindo e ele não soube o que responder.
– Vim até aqui porque eu exijo falar com a princesa! – ela berrava enquanto se sacudia para se libertar de Liam e Áster.
– Estou aqui. – Anandí respondeu.
Então a moça parou de se debater e mudou o tom:
– Me desculpe, eu não a reconheci.
Anandí fez um sinal e ela foi solta.
– Qual seu nome?
– Madrini. E vim aqui exigir ajuda, meu irmão Stockeler desapareceu. Assim que as guerras começaram, ele desapareceu! Vocês têm que saber o que aconteceu com ele! Já não tenho mais a quem recorrer! – ela estava ofegante.
Os olhos de Anandí se encheram de lágrimas:
– Eu sei como você se sente... Venha, vamos entrar no palácio e conversar.
A respiração de Madrini desacelerou e todos entraram no palácio. Noah correu na frente e sussurrou para Anandí:
– É ela não é?
Anandí apenas concordou discretamente com a cabeça.
Os Guardiões e Anandí, juntamente com Jadano e Patrania, passaram o resto do dia conversando e quando a princesa explicou para Madrini seus planos, a jovem teve medo. Ela sequer sabia da existência de outros mundos, que dirá partir em busca de uma criança desaparecida!
Pelas informações que tinham, o irmão de Madrini com certeza estava participando da guerra, só não sabiam ao certo porque, já que eles moravam em uma cidade bem distante de Alamandá e Nialon. E Anandí prometeu que, assim que tivessem resgatado os Amuletos, iriam atrás de Stockeler e principalmente, atrás da paz em Antaris.
Madrini tinha ido ao palácio em busca de ajuda e agora descobria que ela própria deveria ajudar. Decidiu ir para casa e pensar sobre o assunto enquanto Anandí passou dois dias sem dormir direito imaginando o que fazer se Madrini não retornasse.
Mas ela retornou.
Naquele mesmo dia as duas foram juntas até a região dos portais. Mal se aproximaram, todos eles se iluminaram como quando é a época certa. Madrini sequer precisou se esforçar e olhava a tudo assustada, enquanto Anandí sorria e gritava.
– Vem! Eu vou te mostrar o portal para Gaia... – ela correu – É esse... Vamo!
Anandí caminhou por entre as árvores e nada aconteceu, foi como se andasse por qualquer outra parte do jardim.
– Não! Droga! – seus olhos se encheram de lágrimas novamente – Tente você, por favor.
Madrini caminhou lentamente e desapareceu sob o olhar da princesa. Alguns segundos depois, reapareceu ofegante:
– Pelos Deuses!
Depois de testar os outros guardiões, Anandí se conformou que ninguém mais poderia atravessar os portais fora da época, além de Madrini. Então passou a orientá-la sobre a vida em Gaia. A nova guardiã atravessava o portal diariamente por alguns minutos e depois por algumas horas, para se acostumar com a dimensão. Quando retornava, Madrini e Anandí conversavam, sentadas no jardim, observando os sóis se porem.
Quando da época da abertura dos portais, todos os guardiões, exceto Noah, atravessaram para Gaia juntamente com Anandí e retornaram mais uma vez, sem Salesh.
– Eu tenho uma sugestão a fazer. – Liam observava Anandí descer do carro, já de volta a Santa Barbara. Ele jamais se acostumaria com aquele veículo, ou com aqueles trajes, ou com tantas outras coisas de Gaia.
– Pois diga... – ela lhe deu o braço e ambos foram caminhando até a caverna, logo atrás dos demais.
– Eu sei que nós fracassamos, mas...
– Eu fracassei. Essa foi apenas a primeira travessia de vocês.
– Então, é sobre isso que eu gostaria de falar. Se você quiser eu posso ficar em Gaia e continuar procurando a sua filha.
Anandí parou de caminhar e virou de frente para Liam:
– A Madrini vai revezar, ficará algum tempo em Gaia e algum tempo em Antaris. Provavelmente terá que viajar para outros lugares, com línguas diferentes e ficar bastante tempo longe, mas ela dará conta e não terá que esperar a abertura dos portais caso precisemos dela... Ou caso ela precise.
– Ela é a mais indicada, eu entendo. Mas eu poderia ajudá-la.
– Não é só isso. – Anandí baixou o olhar – Pode ser que eu nunca reencontre a Salesh e eu não gostaria que você ocupasse toda a sua vida ficando longe... De mim.
– Ah... – Liam sorriu e ambos voltaram a caminhar em silêncio.
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